PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O CANTEIRO DA BATATA-DOCE
Era pela altura do Carnaval, ou seja, no fim de Fevereiro ou princípio de Março que, na fajã Grande, se faziam os canteiros da batata-doce, sendo que por vezes se aproveitava o dia de Entrudo ou Terça-Feira Gorda, dado o seu carácter de feriado, para executar tal tarefa.
Os canteiros da batata-doce eram uma espécie de viveiros, feitos, geralmente, numa pequena courela ou na “terra da porta”, consequentemente, junto da moradia do próprio agricultor, a fim de que a “planta” uma vez nascida e crescida “estivesse mais à mão”. Era, no entanto, uma tarefa árdua e que demorava quase um dia, pois exigia muito trabalho e cuidados excessivos, uma vez que o seu objectivo era produzir a “planta boa” que depois seria plantada nos terrenos para tal preparados. É óbvio que as batatas-doces seriam tanto melhores quanto boa fosse a qualidade da “planta” e esta dependia, necessariamente, da forma mais ou menos perfeita de como se fazia o canteiro.
Como as batatas eram metidas na terra e no estrume para que fosse possível rebentarem em grande quantidade e produzirem mais do que uma colheita ou apanha de “planta”, era importante utilizar uma técnica que não as deixasse enfraquecer e, sobretudo, que evitasse que apodrecessem. Para tal era cavado na terra um enorme e profundo fosso, geralmente de forma quadrangular, cujo fundo era bem forrado com milheiros, formando uma espécie de gradeamento para que a água da chuva ao cair sobre o canteiro, penetrando a terra, não enxurrasse mas antes escorresse a fim de que as batatas não se deteriorassem. Depois cobria-se a camada de milheiros com terra e esta com uma boa quantidade de esterco de vaca, colocando-se ainda por cima deste uma outra camada de terra sobre a qual, então, se colocavam as batatas-doces deitadas, muito direitas e juntinhas, sendo por fim todas muito bem cobertas com uma grande camada de terra, muito bem alisada na superfície superior, para que a rama nascesse fofa e direitinha. Ao redor do canteiro era aberto um rego mais profundo do que a camada dos milheiros para que assim toda a água coada por aqueles escorresse para fora do canteiro. Finalmente e a toda a volta, mas do lado de fora do rego, semeava-se um carreiro de milho, o mais basto possível, o qual tinha uma dupla finalidade: ser uma espécie de bardo protector da “planta” e dar maçarocas para se assarem ou cozerem, uma vez que o milho dos campos tinha outro destino.
Passada uma ou duas semanas começava a rama da batata a nascer e a crescer muito verde e basta. Ao fim de três ou quatro semanas estava pronta a ser cortada e levada para os campos das Furnas, do Areal, do Porto, do Mimoio ou da Bandeja para ser plantada.
Na Fajã cultivavam-se dois tipos de batata-doce. Uma de cor avermelhada ou roxa e uma outra mais esbranquiçada, conhecida por “Batata da Madeira”. As primeiras normalmente eram plantadas “de latada”, ou seja sem serem misturadas com nenhuma outra cultura e eram bem melhores para cozer, sendo por vezes que o seu interior era branco, tinham “carnegão” como se dizia e essas eram as melhores. Cultivam-se geralmente em terrenos, mais secos, menos férteis e mais distantes do mar, como os da Bandeja, do Mimoio, das Queimadas, da Vale da Vaca e até os do Delgado. Por sua vez a “Batata da Madeira” tinha uma cor mais esbranquiçada, era mais aguada, mas bem melhor para assar no forno, sendo também muito utilizada na alimentação dos porcos. Cultivava-se junto com o milho e preferencialmente nas terras à beira-mar, ou seja, no Areal, nas Furnas, no Estaleiro e no Porto.
Uma vez cortada, a “planta” do canteiro era levada para os campos onde era plantada, geralmente por duas pessoas. Uma ia à frente espalhando-a sobre a terra, demarcando assim os lugares onde devia ser plantada, enquanto a outra ia atrás abrindo uma pequena cova com uma enxada própria, a “enxada de plantar batata-doce”, onde metia o pezinho de “planta”, junto do qual acuculava um pouquinho de terra. Quando plantada entre o milho semeado para ser sachado com caliveira havia que se ter muito cuidado para que a batata não fosse plantada nos regos por onde a mesma havia de passar.
Em Junho, Julho e Agosto os campos estavam cobertos de rama muito verde e espevitada mas infectada de bichos feios, asquerosos e horríveis, mas debaixo da terra havia batatas-doces prontas a apanhar e de excelente qualidade.