PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O CARVALHO DE MARÇO
O Carvalho de Março, trouxe-me uma carta com uma terrível notícia. Ainda antes de a abrir, estranhei que o envelope trouxesse o remetente com o nome da minha irmã, quando habitualmente era o nome de meu pai que ali constava, embora escrito por ela. Abri-a nervoso e tímido. A carta era curta, concisa c carregava muita tristeza, mágoa e angústia. Dizia-me a minha irmã que no mesmo Carvalho em que a carta seguia, também viajava meu pai, acompanhado por meu tio António, com destino a Angra, à Casa de Saúde de São Rafael, a fim de ali ser internado, uma vez que “enlouquecera”. Senti uma enorme angústia, um nó na garganta e uma forte dor no peito. Queria evitar chorar, ali, diante de todos, em pleno salão de estudo, mas não consegui. Para esconder as lágrimas, deitei a cabeça, sobre a carta e sobre os braços, e inclinei-me em cima do tampo da carteira, enquanto soluçava dolosamente, sem me conter.
De repente senti alguém bater-me levemente com os cotos dos dedos no cocuruto. Levantei a cabeça, lavado em lágrimas. Era o prefeito que, de imediato, me recriminou em ar displicente:
- Com que então, a chorar com saudades da mãezinha!
Foi como se me caísse em cima o mais fulminante de todos os raios já mais emitidos por uma tremenda trovoada. Cheguei a enraivecer-me e até me enfureci. Mas voltei a ler a carta, a reclinar-me sobre o tampo da carteira e chorar porque achei que tinha direito a fazê-lo.
A minha desolação e o meu choro foram tão grandes e tão notórios, que no fim da hora de estudo o Octávio, o Manuel Faria e alguns outros ocorreram até junto de mim, a inteirar-se do sucedido e a confortar-me, solidarizando-se com a minha dor.
O Manuel Faria, entendia muito bem o que era a separação dos pais, pois também tinha recebido uma triste e amarga notícia que o deixara extremamente desolado. A sua família tinha sido uma das mais atingidas pelo vulcão dos Capelinhos e os pais, que antes já eram bastante pobres, e que alguns anos antes haviam perdido a atafona e parte da casa num incêndio, agora, haviam ficado sem terras, sem gado e sem nada, tendo mesmo que abandonar a freguesia e refugiar-se em casa de benfeitores nos Cedros e no Capelo. Alguns meses depois os sinistrados, nos quais eles se incluíam, continuavam a viver da caridade dos habitantes de outras freguesias. Por isso e passados alguns meses, pariram todos para Moçambique, juntamente com outras famílias do Faial, ficando o Manuel Faria sozinho nos Açores.
Mas era na dor e no sofrimento que, afinal, nos sentíamos, mais solidários, mais compreensivos e, sobretudo, mais amigos.