PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O CONTO DO VIGÁRIO
Conta-se que há muitos anos, numa aldeia ribatejana, havia um lavrador de parcos recursos mas que também negociava gado. Chamava-se Manuel Peres Vigário.
Certo dia procurou-o para negociar, ludibriando-o, um fabricante ilegal de notas falsas, que lhe disse:
- Senhor Manuel Vigário, tenho aqui umas notazinhas de cem mil réis que me interessava passar. Será que o senhor as quer? Largo-lhas por vinte mil réis cada uma.
O lavrador, um pouco desconfiado, pediu que lhas mostrasse. O homem anuiu e o lavrador, observando-as minuciosamente, reparou que eram bastante imperfeitas e que facilmente seriam identificadas como falsas, por isso, rejeitando a oferta, retorquiu:
- Acha o senhor que as devo aceitar? Até um cego vê que são falsas.
Como o homem insistisse na permuta, o lavrador cedeu um pouco, regateando o preço proposto pelo falsário. Por fim, lá fechou o negócio, comprando vinte notas por dez mil réis cada uma.
Passados alguns dias o lavrador teve que pagar uma dívida a dois irmãos que, como ele, também negociavam gado. Combinaram que haviam de se encontrar no primeiro dia de uma feira que se realizava ali por perto. Quando o lavrador chegou à feira, foi procurar os irmãos e encontrou-os a jantar numa taberna da localidade, onde a luz era frouxa e a taberna escura. Sentou-se à mesa junto deles, e pediu um copo de vinho.
Começaram a conversar e o lavrador lembrou aos irmãos que, como o combinado, viera à feira para lhes pagar a dívida. Puxando da carteira, perguntou-lhes se aceitavam que lhes pagasse com notas de cinquenta mil réis. Eles disseram que não, e, como a carteira nesse momento se entreabrisse, o mais vigilante dos dois irmãos chamou a atenção do outro, com um olhar rápido, informando-o de que as notas, que se viam na carteira eram de cem mil reis, pelo que decidiram aceitar as notas que o irmão trazia e com que lhes pretendia saldar a dívida.
O lavrador tirou as notas da carteira e, lentamente, contou-as uma a uma, ao mesmo tempo que as deixava ir caindo em cima da mesa. Um dos irmãos pegou nelas com prontidão e guardou-as imediatamente no bolso. Se ambos as haviam visto contar, não havia razão para desconfiar do mano que, descontraidamente, continuou a conversa, pedindo e bebendo mais vinho. Por fim e antes de se ir embora disse aos irmãos que queria um recibo a provar que a dívida estava liquidada. Não era uso, mas nenhum dos irmãos se opôs e passaram o recibo no qual se declarava que Manuel Peres Vigário tinha pago a quantia de um conto de réis em notas de cinquenta mil réis, a fim de liquidar a sua dívida. O lavrador meteu o recibo na carteira, demorou-se mais um pouco, bebeu ainda mais um copo de vinho e, pouco depois, foi-se embora.
Alguns dias depois, um dos irmãos ao efetuar um pagamento numa mercearia com uma das notas que recebera, esta foi-lhe devolvida pelo dono por ser descaradamente falsa. O mesmo aconteceu com a segunda, a terceira e com todas as outras. Revoltados os dois irmãos foram entregá-las às autoridades, denunciando quem lhas tinha entregado. O lavrador foi chamado e acusado de ter pago a dívida com notas falsas e exigir um recibo para encobrir o logro. Mostrando-se muito admirado explicou que na altura tinha bebido demais e, por isso, pedira o recibo que, afinal, estava assinado pelos dois irmãos, e que provava bem que tinha feito o pagamento em notas de cinquenta mil réis, o que fora aceite pelos manos. E concluiu:
- E se eu tivesse pago em notas de cem, nem eu estava tão bêbedo que pagasse vinte, como estes senhores dizem que têm, nem muito menos eles, que são homens honrados, mas receberiam dinheiro a mais…
E foi mandado em paz.
Assim passou a designar-se por conto do vigário todos os embustes que tem em comum golpe de esperteza de alguém que subtilmente engana o seu semelhante.
NB – Este texto foi elaborado com dados retirados da Net, publicado por Formiguinha e inspirada num conto de Fernando Pessoa.