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O CRAVO E O LENÇO

Segunda-feira, 14.04.14

Num destes dias, numa viagem de avião entre a Terceira e o Porto, a transportadora aérea em que viaja, decidiu, como é seu hábito, servir, durante o percurso, a tradicional refeição ligeira, com que as companhias aéreas portuguesas, normalmente, obsequeiam os seus clientes, nos voos domésticos: uma sande de fiambre com uma folhita de alface, algum molho do tipo mostarda e uma bebida à escolha. Um essencial, como sobremesa, completava o cardápio. Havia de seguir-se, apenas, café ou chá.

Para espanto meu, este famigerado menu foi-me servido por uma jovem, bela e simpatiquíssima hospedeira que não cessava de olhar para mim, sorrindo suave e alegremente. Interroguei-a, no sentido de descortinar o motivo de tão perturbadora, mas ao mesmo tem gratificante, atitude.

- Então, o senhor não me conhece? Já não se lembra de mim?

Que não, que nunca a vira, que não fazia ideia de quem era ela. Se, eventualmente, já a tivesse visto, disso não me lembrava, o que era, no mínimo, lamentável.

- Então?! Fui sua aluna, sua aluna de Português!... Não se lembra?

Expliquei que as minhas alunas foram sempre criancinhas e foram tantas que de muitas delas não me podia lembrar. Além disso, decerto que teria mudado muito…

Mas, tentando avivar a memória e reparando melhor, concluí que aqueles os olhos, as covinhas da face e, sobretudo, aquele doce sorriso começavam a trazer-me a imagem duma doce e meiga menina, minha aluna de outros tempos, que, aos poucos e com as explicações que me deu, se foi definindo e clarificando.

Tratava-se da Sílvia, natural de uma das freguesias dos arrabaldes da cidade onde resido, que, na verdade, em tempos idos, fora minha aluna. Sim senhora! Agora, lembrava-me perfeitamente dela…

E enquanto com agilidade e segurança ora distribuía as caixinhas do cardápio com a tal ligeira refeição, ora servia as bebidas consoante os desejos dos passageiros, a simpática hospedeira lá foi elogiando as minhas qualidades de professor:

- Olhe, foi o melhor professor que eu tive! E foi consigo que eu comecei a gostar de Português e, sobretudo, de poesia. Foi o senhor que me deu o primeiro poema que eu li. Gostei tanto que o decorei e ainda hoje me lembro dele. Era um poema de Eugénio de Andrade… Quer ouvi-lo? Era assim:

 

“Tinha um cravo no meu balcão;

Veio um rapaz e pediu-mo

- mãe, dou-lho ou não?

 

Sentada, bordava um lenço de mão;

Veio um rapaz e pediu-mo

- mãe, dou-lho ou não?

 

Dei um cravo e dei um lenço,

Só não dei o coração;

Mas se o rapaz mo pedir

- mãe, dou-lho ou não? “

 

Os passageiros, ao redor, tão pasmados e embasbacados ficaram que suspenderam a tal ligeira refeição. Um senhor, ao meu lado, comentou com algum exagero:

- Parabéns! Os professores deviam ser todos assim…

Terminado o serviço de refeições, a Sílvia, regressando ao meu lugar, explicou:

- Sabe, professor. Foi por causa de si e do tal gosto pela poesia que o senhor fez despertar em mim, nas suas aulas, que decidi formar-me em literatura portuguesa. Infelizmente, não consegui entrar no ensino. Mas talvez tenha sido melhor, pois foi devido a isso que aproveitei a oportunidade de concorrer a hospedeira. Hoje, já sou profissional. Gosto muito deste trabalho e não o trocava por outro. Mas acredite que, foi por causa de si, que continuo a gostar muito e a ler poesia.

Confesso que me senti lisonjeado.

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publicado por picodavigia2 às 16:23





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