PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O DIABO E A ESCURIDÃO (DIÁRIO DE TI’ANTONHO)
Quando eu era criança meu avô contava uma outra estória que muito me assustava. Aos anos que isto foi…Era mais ou menos assim:
“Era uma vez uma ilha onde não existiam nem estrelas nem lua e, por isso, todas as noites eram tão escuras, tão escuras que todos os habitantes da ilha, durante a noite, se fechavam a sete chaves dentro de suas casas, com medo da escuridão que se fazia cá fora.
Mas vivia naquela ilha, retirada e longe das outras casas, uma mulher que não tinha medo da noite sem estrelas e sem lua, pois não temia a escuridão que ali reinava, todas as noites. Era uma mulher jovem, bela e muito bonita, mas era diferente de todas as outras mulheres da ilha. E por ser diferente, e por não ter medo de andar sozinha de noite, no escuro, nenhum habitante da ilha a queria tomar por esposa, e as outras mulheres recusavam-se a conversar com ela. Cuidavam as pessoas que a escuridão era obra do Diabo e, assim, quem andasse no escuro, caminhava sob a protecção do mafarrico. Sentindo-se só, a jovem, porque não tinha medo da escuridão, começou, cada vez mais, a sair de casa e deambular sozinha pelas noites escuras.
Mas, naquela ilha, havia uma outra mulher, muito feia e má, que, olhando para a beleza e audácia daquela jovem, ficou cheia de raiva e de inveja, decidindo que a havia de a castigar. Para o fazer, decidiu também sair de casa numa noite escura como todas as outras. Mas enquanto caminhava, como não estava habituada à escuridão, tropeçou numas pedras e caiu, ficando assustada, sobretudo muito barulho que lhe parecia ouvir à sua volta.
Cheia de medo e de raiva, chamou pelo Demónio, dono e senhor da escuridão, das trevas e da noite e pediu-lhe que transformasse a jovem tal jovem, a culpada da sua desgraça, na mulher mais feia e detestável daquela ilha e que ninguém mais gostasse dela, lhe desse ouvidos ou a ajudasse. Foi o que o Diabo quis ouvir, ele que está sempre pronto, à espera de fazer mal a uns e a outros. Por isso, de imediato, pôs-se, muito atento, à espera que a jovem saísse de casa, em mais uma noite de escuridão.
Na noite seguinte, logo após bater a última pancada da meia-noite, a jovem bela e bondosa, saiu de casa. Só que trazia sempre consigo, preso ao peito com um cordão de ouro, um cruxifixo, que, antes de sair de casa, beijava com fé, pedindo a Deus que nunca a abandonasse, sobretudo, nos momentos de perigo. Por isso quando o Diabo se cruzou com ela para a agarrar, sentiu a força da cruz, sendo assim, através desta, impedido de o fazer. O Diabo tem medo da cruz e quando vê uma foge a sete pés para bem longe.
A mulher invejosa ficou furibunda mas mais nada pode fazer do que correr para junto do mar e atirar-se lá para o fundo dos infernos, onde mora o Diabo. Antes porém contou a uma vizinha o que se passara e a estória correu por toda a ilha. Então o povo, sabendo o que se passara arrependeu-se da sua atitude, pois sabendo que aquela jovem era crente e temente a Deus e que a força e coragem que possuía vinha de Deus, nunca mais a desprezou. Dizem que, a partir desse dia, começou a haver estrelas no céu e a lua começou a iluminar a noite.