PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O EMIGRANTE DE SÃO CAETANO
Crónica de Lélia Nunes, publicada no “Portuguese Times”, edição nº 2113, de 21 de Dezembro de 2011.
“No último dia 12 de novenbro, juntamente com a comemoração do 20º aniversário, a Portuguese-American Leadership Council of the United States – PALCUS (Conselho de Liderança Luso-Americana dos Estados Unidos), em noite de gala realizada na cidade de Washington, homenageou algumas personalidades portuguesas ou luso-americanas que se destacam por sua liderança no exercício profissional e/ ou na realização de atividades comunitárias de expressivo valor para o desenvolvimento das Comunidades Portuguesas dos Estados Unidos. Uma tradição instituída em 1996 e que ano após ano vem distinguindo e premiando homens e mulheres que são reconhecidamente líderes em diferentes campos de atuação.
Divulgada a lista dos galardoados aplaudi as respeitadas e reconhecidas lideranças femininas da Dra. Berta Cabral, presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada ( Prêmio de Liderança Internacional) e da Professora Maria Pacheco, Universidade de Brown (Prêmio de Liderança em Educação). Outros nomes integravam a tal lista de premiados e todos com certeza merecedores da distinção atribuída pela PALCUS.
Foi com muitíssima satisfação que identifiquei entre os homenageados “António Pereira Vieira Goulart” - o amigo Tony Goulart - ali distinguido com a outorga do Prêmio de Liderança em Serviços Comunitários. Lembro bem do dia que ouvi falar do Tony pela primeira vez. Na verdade, primeiro conheci o senhor António Goulart. O ano era 2002 e o lugar Casa do Povo de São Caetano, na Ilha do Pico. Era domingo do Espírito Santo e a Casa do Povo engalanada recebia toda a freguesia e mais gente de outros lados que, no grande salão, esperavam pela tradicional Sopa do Espírito Santo. Um espanto! A azáfama era grande. Homens e mulheres se movimentavam em diferentes funções recebendo os convivas do grande banquete. Já na entrada deparei com centenas e imensas rosquilhas de massa sovada colocadas em açafate de vime, guarnecido por toalha branca, de renda ou linho, enfeitadas com flores do campo.
Naquela altura eu ainda não percebia bem o que se passava num ritual de sopas. O salão decorado com simplicidade e elegância apresentava inúmeras fileiras de mesas cobertas com toalha branca, flores, uma garrafa de sumo, outra de vinho e muito pão. Entre flores, cetim encarnado, fitas, toalhas rendadas e candelabros onde velas tremulantes compunham um ar de sagrado ao bonito arranjo de um altar, coroas e bandeiras do Espírito Santo se destacavam no amplo salão. Abençoavam àquela Casa do Povo onde os devotos do Divino partilhavam a dádiva do alimento numa sentida convivência fraterna. Meus olhos ávidos e curiosos por mais saber percorriam tudo na ânsia de registrar e não deixar escapar nada. A mini agenda estava cheia e não tinha espaço para novas anotações. O jeito foi rabiscar em guardanapos de papel as minhas observações e informações que iam sendo passadas na simples menção de que eu estava ali como uma investigadora das tradições açorianas do Espírito Santo. Foi num desses guardanapos que anotei o nome de António Goulart um emigrante na Califórnia, nascido bem ali em São Caetano e que organizara e publicara no ano anterior o livro “The Holy Ghost Festas: A Historic Perspective of the Portuguese in California”. Afinal, fiquei sabendo que o senhor António era um emigrante muito ligado ao associativismo comunitário português na região de San Jose, no estado da Califórnia e um empresário da construção civil muito bem sucedido. Cursara o 9º ano do Seminário nos Açores e aos 20 anos emigrara para a América atrás do sonho – California dream, percorrendo o caminho árduo de todo emigrante na busca do seu norte seguro. De volta ao Brasil busquei no guardanapo rabiscado o endereço anotado (da Câmara de Comércio Portuguesa em San Jose) e escrevi ao senhor solicitando informações sobre a aquisição da tão referenciada obra sobre a história do Espírito Santo na Califórnia.
Semanas depois chegou o “livrão” do Divino. Encadernado, bonito, a capa era a imagem da própria bandeira do Espírito Santo. Muitos textos e imagens, testemunhos de toda uma história de vivências e mundividências de pertenças a mundos distintos e identificados pelo peso do hífen, que tão bem enfatiza Onésimo Teotónio de Almeida em seus ensaios sobre a experiência luso-americana (in: O Peso do Hífen,2010). Junto ao livro uma atenciosa carta de oferta e uma pergunta ao pé da página: “Como você descobriu São Caetano? Tony Goulart.”
Desse dia em diante, António Pereira Vieira Goulart passou a ser simplesmente Tony Goulart, um açoriano dedicado a sua comunidade, assumindo e realizando inúmeros projetos sociais econômicos e culturais que contribuem para o desenvolvimento pleno de uma região que tem na sua história a presença do emigrante açoriano, aquele que “através dos tempos procurou noutras terras espaço, pão e justiça, que levava na mente a esperança de riqueza, às costas, sua ilha e no seu coração, o culto ao Espírito Santo.” Palavras de Manuel Duarte e que aqui cito de cor. Sua liderança inconteste em dezenas de atividades comunitárias que efectivamente participa na defesa da causa portuguesa e sua atuação como coordenador da editora Portuguese Heritage Publications da Califórnia, cuja finalidade precípua é salvaguardar e divulgar a história da presença portuguesa na Califórnia, com dezanove títulos publicados, verdadeiros registros documentais, não deixam a menor duvida que a sua trajetória por terras da abundância foi abençoada. Sim, por tudo que tem feito em prol das comunidades o Tony Goulart é
merecedor de todas as homenagens recebidas em sua vida como recentemente nos Açores, no dia da Região, na segunda-feira do Espírito Santo ou como a que acabou de receber - “Prémio de Liderança em Serviços Comunitários,” num reconhecimento da egrégia associação luso-americana PALCUS, entidade com expressiva representatividade de portugueses em diferentes estados norte-americanos.
Enfim, o ousado sonho do jovem emigrante de São Caetano do Pico se transformou numa invejável realidade.
Parabéns Tony Goulart!”