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O FUTURO PAPA

Domingo, 26.01.14

(TEXTO DE CAETANO VALADÃO SERPA)

Universidade de Massachusetts at Boston

 

A Igreja Católica em breve terá um novo chefe, eleito em conclave por um grupo de pouco mais de 100 cardeais, embora, o cardinalato não seja um sacramento nem tão pouco um sacramental. É um titulo que vem com a pesada responsabilidade de eleger o papa quando a sede vaticana se encontra vacante. São bispos-funcionários da cúria romana, colaboradores próximos do papa e encarregues da governação central da igreja universal. A maior parte, ainda hoje, é europeia com predominância italiana, onde se estabeleceu a sede papal, à imagem e semelhança do império romano. O Vaticano é uma cidade-estado implantada no coração de Roma, a capital da Itália.

Depois dos primeiros séculos de perseguição, o cristianismo não só adquiriu liberdade de culto como se tornou a religião oficial do império romano ocidental e oriental, e o bispo de Roma passou a designar-se por papa, sumo pontífice, santo padre, com direito a trono e tripla coroa, património territorial e até exército. E mais tarde o único vivente sobre a Terra declarado infalível em matéria de fé e de costumes, o que nunca foi bem aceite nem claramente definido se se tratava de infalibilidade colegial ou individual. O seu poder e influência chegou ao ponto de os governantes europeus e os próprios reis e imperadores não terem legitimidade sem o beneplácito papal, sobretudo, na idade média. Portugal, na sua longevidade e sobrevivência, foi um bom exemplo deste condicionalismo histórico.

Com o andar dos tempos, criou-se a percepção de que Deus era um ente do género masculino, um Deus Pai. Que a hierarquia eclesiástica tinha de ser toda constituída exclusivamente por homens, proibidos de contrair matrimónio e as mulheres excluídas do sacramento da Ordem. Fórmula perfeita de controlo total da instituição em configuração vertical, mais económica e simplificada sem crianças nem questões de herança, à custa da privação do contributo direto da mulher, a maioria esmagadora da cristandade, relegada para o serviço auxiliar da oração e da obediência. Assim, a experiência natural da família e do amor humano, para o clero celibatário, fica reduzida a uma ideia abstrata com sabor de fruto proibido incompatível com o amor de Deus.

 Nas vésperas da eleição de um novo papa, em pleno século XXI, quando a vida humana, nestes vinte séculos passados, evoluiu substancialmente, poder-se-á perguntar o que é que se espera do novo pontífice da Igreja Católica que se encontra mergulhada em profunda crise, com certeza, uma das mais graves de sempre. E o problema principal neste preciso momento histórico é, sem dúvida, a atitude da igreja em relação à sexualidade humana, por mais incrível que pareça. Jesus Cristo parece que foi celibatário, embora, os seus discípulos mais próximos, os apóstolos, tenham sido casados à exceção de um. A sua incarnação, como Deus-homem, segundo o credo católico, deu-se através de uma virgem e de um pai não biológico, como se o nascimento natural como o de qualquer outra criança do seu tempo, lhe pudesse ter subtraído algo à sua divindade. Ao mesmo tempo a igreja professa que Jesus foi verdadeiro Deus e verdadeiro homem.

Portanto, parece que a primeira grande questão que se porá ao próximo papa, mais que qualquer questiúncula doutrinária será, de facto, uma nova postura quanto à sexualidade. Tarefa muito difícil, para qualquer homem celibatário, com um voto de castidade que o impossibilita de ter, o conhecimento experimental, natural e legítimo,  da sexualidade num ambiente familiar baseado no amor. A igreja, perante os abusos sexuais do clero, terá de interrogar-se, sincera e humildemente, se continua a fazer sentido a obrigatoriedade do celibato eclesiástico e a proibição da ordenação das mulheres?!

Se continuar a defender o status quo, com meras palavras e desculpas ocasionais, sem assumir responsabilidades, como tem feito até agora, irá parar aos tribunais civis, e a tecnologia da comunicação instantânea, hoje disponível,  tornará possível assistir-se ao julgamento público da igreja. Já lá vão os tempos em que resolvia os problemas da sexualidade do clero com a imposição do silêncio obrigatório, orações penitenciais e fuga das tentações. Há já movimentação, a nível nacional e internacional para considerar crime contra a humanidade o abuso sexual de menores. E as responsabilidades da igreja católica, neste campo, abrangerão todos os níveis da hierarquia eclesiástica, da base à cúpula.

 Mesmo nos países mais conservadores e fieis às orientações do Vaticano, as revelações de abusos sexuais do clero começam a aparecer em catapulta, sem poupar nenhum continente ou país. Veja-se Portugal, terra de fé e de Fátima, onde há poucos dias, o próprio cardeal patriarca de Lisboa, agora em Roma para eleger o próximo papa, afirmava impávido à janela aberta do ecrã televisivo para que todo o mundo escutasse, que desconhecia qualquer abuso sexual do clero em Portugal!

Por isso o novo papa, seja ele liberal ou conservador, europeu ou africano, asiático ou americano, velho ou novo, não poderá ignorar o problema por mais tempo. É a credibilidade da igreja que está em causa, assim como a ofuscação de muitas outras obras meritórias que realizou nos seus dois milénios de existência.

Quem diria que a Igreja Católica, um dia, viria a ser julgada, em praça pública, sobretudo, a partir dos escândalos, abusos e crimes sexuais do clero, sendo o celibato eclesiástico, a pérola preciosa e sinal de distinção da igreja romana,

O primeiro grande teste do novo papa quanto à atualização da igreja passará pela reformulação da doutrina da sexualidade humana.

 

Texto publicado no Pico da Vigia, em 13 de Março de 2013

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