PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O JOGO DAS PEDRINHAS
Um dos jogos mais populares entre a criançada, na Fajã Grande, nas décadas de quarenta e cinquenta, era o Jogo das Pedrinhas. Embora comum a ambos os sexos, o Jogo das Pedrinhas, talvez porque os espaços em que se realizava circundavam, geralmente, as proximidades das habitações, era praticado, sobretudo, pelas meninas, que para tal se muniam, de cinco pequenas pedras, preferencialmente, lisas e arredondadas. As pedrinhas, geralmente, eram adquiridas na altura do jogo, mas havia jogadoras mais exímias, qualificadas e experientes que possuíam conjuntos de pedrinhas, que guardavam bem guardados, mantendo, assim, as mesmas pedras sempre que jogavam, cuidando que se habituavam melhor e se adaptavam mais facilmente ao jogo, o que lhes traria maior qualidade, mais rigor e competência, obtendo assim, melhores performances e resultados de excelência. Muitas raparigas havia que, até se davam ao luxo, de treinarem sozinhas para depois se desforrarem nas adversárias.
A segunda tarefa consistia na escolha do local do jogo, que necessariamente devia ser uma superfície lisa, que podia ser o chão de casa, um pátio ou balcão, por vezes até um simples degrau de escada cimentado ou a soleira duma porta.
De seguida iniciava-se o jogo, começando este por um etapa inicial que tinha como objectivo sortear a ordem de saída de cada jogador ou jogadora. Para tal, cada participante, à vez, colocava as suas cinco pedras na palma da mão e, dando uma volta com a mesma, tentava apanhar o maior número possível de pedras com as costas da mão, fazendo o gesto contrário para ver quantas pedras, finalmente, conseguia apanhar com a mão depois da segunda volta, terminando assim a sua jogada. Caso houvesse empate, relativamente ao número de pedras conseguido, o jogo continuava até que um jogador conseguisse apanhar o maior número. Depois iniciava-se, propriamente, o jogo, em que normalmente não participavam mais de três jogadores. O jogador que vencera a etapa inicial juntava as suas pedras e as dos restantes jogadores, atirava-as todas ao ar, num gesto igual ao rito inicial, tentando apanhar o maior número possível, depois de as virar sobre as costas da mão. No entanto, neste revirar das costas da mão, o jogador tentava apanhar o número de pedras que mais lhe conviesse, naquele momento do jogo. Assim se apanhasse três pedras perdia a jogada, se apanhasse um número ímpar de pedras retirava apenas uma, mas se conseguisse capturar um número par, ganhava metade desse número. Todas as pedras ganhas eram retiradas, imediatamente, do jogo, sendo guardadas pelo jogador que as ganhava. Essas pedras chamavam-se “bezerras”. Caso o jogador apanhasse do chão qualquer número ímpar de pedras (excepto três) ganhava apenas uma “bezerra”. Continuando o jogo, o jogador vitorioso, atirando uma pedra ao ar de cada vez, ia aos poucos juntando do chão todas as que lá estavam, uma por uma, ou um número par de cada vez, sendo que nunca podia nem apanhar três ao mesmo tempo, nem deixar três ou uma na mesa. Se deste modo conseguisse apanhar todas as pedras do chão, ganhava uma “bezerra” e por cada número par que juntasse ganhava metade desse número em “bezerras”. Sempre que falhasse ou simplesmente se ao juntar uma pedra tocasse noutra, perdia o direito de continuar a jogar. Por isso, de seguida, o jogador que ficara em segundo lugar na fase inicial, adquiria o direito de jogar, utilizando todas as pedras ainda em jogo, procedendo de forma idêntica, seguindo as mesmas regras e tentando conquistar o maior número possível de “bezerras”. O mesmo faria, quando perdesse, o terceiro jogador e, mais tarde, o quarto, se o houvesse. Se no final desta espécie de primeira volta ainda sobrassem pedras não “bezerras”, o jogo continuava numa segunda ou mais voltas, até que os jogadores conseguissem transformar toadas as pedras em “bezerras”. Para se ganhar “bezerra” uma das duas últimas pedras, deviam atirar-se ao ar, rodar e apanhar, simultaneamente, as duas. A conquista da última pedra era a consagração final: atirava-se a pedra e antes de a apanhar o jogador vencedor, beijava as pontas dos dedos, como que a agradecer o sublime e agradável sabor da vitória.
O vencedor do jogo era, obviamente, o jogador que no final do jogo conseguisse maior número de “bezerras”. Seguiam-se outros jogos, sempre com as mesmas regras, escrupulosamente cumpridas, apurando-se no fim um vencedor absoluto.