PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O MILAGRE DA FUGA DOS PIRATAS
Nos primórdios do povoamento da ilha das Flores era frequente esta ser invadida por bandos de piratas que atacavam a população sem dó nem piedade, assaltando, roubando, destruindo, incendiando e violando as mulheres. A população resistia como podia, umas vezes refugiando-se em furnas, fugindo para o mato outras invocando a proteção divina nomeadamente a ajuda do Senhor Espírito Santo ou da Virgem Maria. Na Fajã Grande, ponto de convergência da navegação de oeste, esses ataques também eram muito frequentes. Consta que duma só vez mais de cem piratas terão invadido o mais ocidental recanto povoado do continente europeu. Os piratas loucos de ódio e ávidos de destruição, pretendendo sobretudo roubar comida e violar as mulheres entraram por terra dentro e terão aí permanecido alguns dias, na tentativa de roubar tudo o que lhes aparecesse pela frente. O povo não tinha nem força nem armas para se opor a tão grande investida. Por isso ninguém ousou resistir-lhes, e todos os que puderam correram a esconder-se, tentando evitar a ira dos invasores. Subindo a Rocha os habitantes do pequeno povoado foram-se escondendo dentro da Furna do Peito, até esta se encher. Mas muitos lá não couberam e tiveram que se esconder entre os rochedos, nas abas dos calhaus e até entre o próprio arvoredo, onde podiam colher alguns frutos silvestres e talos de funcho para se alimentarem. Consta que até terão comido raízes de fetos. Tinham, no entanto a certeza que ali não seriam capturados pois se os sacripantas dos piratas tentassem subir a estreita vereda da Rocha haviam de fazer rolar por ali abaixo enormes pedras dando cabo deles todos. Mas os malditos não se afastaram do povoado, vasculhando tudo e roubando os mantimentos que a população tinha guardado nas suas casas. Velhos indefesos, alguns doentes, mulheres grávidas e crianças, todos tiveram que ficar ao relento durante noites a fio, mal alimentados e sem cama para se deitarem, permanecendo durante a noite às escuras, durante o dia à chuva com a roupa encharcada, ansiosos e aterrorizados, à espera que esconjurados se fossem embora. Impotentes e incapazes de fazer o que quer que fosse começaram todos a rezar. Haviam-se passados mais de três dias e as forças já faltavam a muitos. Alguns espreitaram e cuidando que os piratas os haviam descoberto e aproximavam-se da Rocha na tentativa de os pilhar e violar as mulheres, queriam subir mais, chegar ao como da Rocha mas muitos já não conseguiriam, pois estavam muito enfraquecidos e outros até doentes. De repente ouviu-se a prece de uma velhinha, Era uma mulher que todos consideravam bondosa, santa e temente a Deus. Com muito fervor e confiança ela rezava em voz alta, gritando com quanta força ainda tinha. Mas o que mais impressionava todos era a fé da boa velhinha:
- Senhora Santa Maria Mãe de Deus, rogai por nós, ajudai-nos e salvai-nos, Senhora da Saúde pois haveis de ser venerada por todos nós na nossa igreja. Havemos fazer uma grande festa em vossa honra.
E todos, juntamente com a velhinha, cheios de fé e confiança, ajoelharam e rezaram à Virgem Maria, a quem a partir de então passaram a chamar Senhora da Saúde. Pouco depois e para espanto de todos viram os piratas voltar ao mar e entrar nos seus barcos, zarpando de seguida para bem longe dali.
A arfar de angústia e cansaço, cheios de fome e de sede, todos regressaram às suas casas e cuidaram que aquele era o primeiro grande milagre que a Senhora da Saúde tinha feito, o de os salvar a todos, de lhes restituir a vida e a saúde.
Estávamos em agosto e, no mês seguinte o povo agradecido fez uma grande festa em honra da Virgem Maria, no dia em que a Igreja Católica celebra o seu nascimento. Consta que o povo crente e humilde fez a festa de homenagem à Virgem, todos anos até aos dias de hoje.