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O MILAGRE DO MILHO

Quarta-feira, 16.01.19

Nos férteis campos do Douro Litoral, pais e filhos trabalhavam de sol a sol porque era deles que tiravam tudo o que era necessário para o seu sustento – milho, legumes, batatas e vinho. Em Março e Abril, quando os dias começavam a tornar-se maiores e mais quentes, jungia-se uma ou duas rezes à charrua, lavrava-se a terra ainda húmida das chuvas invernais e deixavam-se ficar as leivas e os torrões a secarem e como que a aquecerem-se ao Sol, durante alguns dias. Depois desfaziam-nos e transformavam-nos em terra fina que se alisava, umas vezes com enxadas e ancinhos, outras com uma grade puxada por animais, transformando os campos em enormes e fofos tapetes acastanhados. De seguida voltava-se à rabiça do arado, atrelavam-se os bois e traçavam regos paralelos e simétricos uns aos outros, de uma extremidade à outra dos extensos campos. Às mulheres competia a tarefa de semear o milho. Calcorreando os campos atrás do arado, retiravam punhados de grãos de uma cesta que levavam enfiada no braço, atiravam os grãos com tanta agilidade e perícia que eles caiam direitinhos no rego, muito bem alinhados uns à frente dos outros, como se fossem soldadinhos numa parada militar. Cada rego fechava-se com o abrir do seguinte, tapando assim os grãozinhos que ali ficavam a germinar durante alguns dias. Por fim a terra era de novo gradeada e alisada para que os grãos ficassem todos muito bem escondidinhos e assim germinassem mais facilmente, com a ajuda do Sol e da chuva dos dias seguintes. Não tardava muito e era um regalo ver o milho a crescer, a crescer, muito verdinho e espevitado. Nas extremidades do campo e nos lugares mais abrigados pelos bardos das beiradas ficavam pequenos canteiros de batatas, feijão, ervilhas e melões, misturados com as couves, as alfaces e o cebolo. Em Abril e Maio, quando o milho ainda estava miudinho, homens e mulheres em conjunto sachavam e mondavam os campos, de lés a lés, retirando as ervas daninhas e os pés de milho mais bastos para que os outros crescessem à vontade. Nos dias seguintes o campo transformava-se num enorme tapete de folhas verdes, caneladas e pontiagudas, ladeadas pelos canteiros onde floresciam couves repolhudas e as ervilhas e os feijoeiros começavam a trepar pelas estacas de cana que eram espetadas aqui e além. Os milheiros cresciam de dia para dia, as suas folhas entrelaçavam-se umas nas outras e balouçavam como ondas ao sabor das brisas matinais e os caules, canelados e esguios, tornavam-se altíssimos, enfeitando-se lá no alto com umas flores estranhas que cobriam os campos com um manto esbranquiçado e fofo. Algum tempo depois nos caules enrijecidos começavam a formar-se espiguinhas cabeludas que iam crescendo e alourando ao Sol do estio. Em Setembro as espigas amadureciam por completo e procedia-se à apanha. As mulheres arrepelavam dos caules já muito amarelados e envelhecidos as espigas maduras e recolhia-as em enormes cestos, enquanto os homens os iam acarretando para os carros ou para as lojas de arrumos, nos campos juntos das casas. Depois cortavam-se as folhas e os caules e guardavam-se para alimento dos animais.

Era o milagre do nascimento dos grãos de milho e do seu crescimento.

Algum tempo depois marcava-se o dia da desfolhada. Todos, mas sobretudo os mais jovens, esperava ansiosamente essa noite de sonho e de magia.

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publicado por picodavigia2 às 00:05





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