PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O NAMORO
Antigamente, na Fajã Grande, como provavelmente em muitos outros meios rurais açorianos, o namoro revestia-se de características muito específicas e peculiares.
Iniciado com olhares intencionais, piscar de olhos ocultos ou pequenos encontros fortuitos, o namoro só se iniciava, oficialmente, depois de o rapaz pedir a noiva aos pais. Só a partir de então, podia falar com ela, mas sempre em lugares públicos ou acompanhados de terceira pessoa, com maior incidência, a uma janela da casa da rapariga, sendo que o rapaz, de forma nenhuma poderia entrar em casa. Dizia-se que os ditos namorados já tinham autorização para falar. Só depois de um segundo pedido, confirmado pela autorização do pai da noiva, o rapaz tinha autorização para entrar em casa, onde passava a ser uma presença assídua, sobretudo aos serões.
Sendo assim, pode dizer-se que o namoro, antigamente, na Fajã Grande, se dividia em três etapas, correspondendo a tantos outros rituais específicos: piscar o olho, falar e entrar em casa.
Assim, todo o namoro se iniciava, geralmente, com pequenos, simples e fortuitos olhares entre o rapaz e a rapariga, o que acontecia sobretudo por alturas de festas e arraiais, muitas vezes com jogos e bailes, como era o caso das semanas que antecediam e precediam as festas do Espírito Santo. Nesta fase preliminar, o rapaz que pretendia namorar a rapariga do seu agrado, procurava atraí-la com olhares sucessivos e com piscar de olhos, contínuos e intencionais. Normalmente a rapariga, ao notar e perceber o que se passava, ou, no caso das mais tímidas, ruborizava de pudor e corava de vergonha, ou, no caso das mais destemidas e afoitas, respondia com outro piscar de olho, sinais, num caso e noutro, de que o rapaz não lhe era indiferente. Geralmente, estes primeiros olhares completavam-se com pequenas mensagens, transmitidas por sinais ou pelo simples mover dos lábios, numa linguagem quase imperceptível, a que se chamava falar de boca pequena.
Depois destas trocas de olhares, de mensagens e de consentimentos recíprocos, o rapaz procurava então ver, novamente, a sua eleita, passando-lhe à porta, às horas que calculava pudesse descortiná-la, ou em lugares onde pudesse encontrá-la o que, geralmente, acontecia ou na ribeira enquanto lavava a roupa ou aos domingos, à saída da missa. Esta fase do namoro revestida de mil cautelas e em grande segredo, desenrolava-se muitas vezes sem que os familiares se apercebessem, ou o público, no geral, notasse. Eram corridas loucas, sobretudo aos domingos para encontrar e falar à bem amada, sendo que, muitas vezes, os encontros eram combinados por papelinhos, sinais deixados nos buracos das paredes ou com ajuda de uma criança ou irmã mais nova.
Finalmente o rapaz resolvia iniciar o namoro e falar com a rapariga, comunicando-lhe a resolução de ir pedir ao pai dela licença para com falar.
Caso o pai concedesse a devida autorização, o rapaz podia falar com a rapariga, regra geral junto da casa dela, mas não entrando nunca. As conversas aconteciam à porta, à janela, num muro ou balcão, ou então num lugar público, geralmente encostados a uma parede, mas sempre a considerável distância um do outro, sendo-lhe apenas permitido falar até às trindades, ou seja, até ao pôr-do-sol. Daí o adágio: Trindades batidas, meninas recolhidas”. Também por alturas de festas e arraias, mas sempre em público, era permitido aos namorados falarem. Durante esta fase do namorico, caso a rapariga necessitasse de ir para os campos, tratar das galinhas, lavar roupa à ribeira, ou levar a moenda ao moinho, devia ser acompanhada por uma criança.
Logo que os namorados entravam nesta fase do namoro, geralmente, começavam a pensar no casamento, iniciando-se os preparativos: a rapariga começava a bordar o enxoval, enquanto que o rapaz começava a amealhar o dinheiro destinado à compra dos móveis e apetrechos que lhe competia levar. E quando resolviam casar, o rapaz combinava com a rapariga o dia em que iria pedi-la em casamento, e esta comunicava à mãe, que, por sua vez, transmitia ao pai.
No dia e hora agendados, o rapaz dirigia-se à casa da rapariga, geralmente, acompanhado dos próprios pais, com o intuito de pedir a rapariga em casamento. Muitas vezes era um ritual estranho. O pai, depois de dar o seu consentimento, mandava a mulher, que assistira ao pedido, chamar a filha, à qual comunicava o acontecimento, inquirindo se era do seu agrado, obtendo, obviamente e entre muita vergonha, uma resposta afirmativa.
A partir do pedido de casamento, o rapaz já podia falar com a rapariga dentro de casa, e já podiam sair juntos, desde que se fizessem acompanhar por um familiar, geralmente uma irmã mais nova, que muitas vezes, os deixava livres, para ela própria descobrir e encontrar o seu eleito. As famílias passavam a visitar-se, havendo convites recíprocos para as matanças do porco.
Em relação a uma rapariga que tivesse sido pedida em casamento, dizia-se que tinha namorado da porta p´ra dentro e, por isso, estava comprometida, sendo-lhe proibido, conversar e até olhar para outro rapaz. Este processo contratual de casamento era sim, promessa formalmente assumida, encontrando-se em jogo a honra de duas famílias, e quando, por agravo de qualquer das partes, o casamento era desmanchado, a rapariga tarde ou nunca voltaria a casar, ficando para tia.
Outros tempos, estes!