PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O PALHEIRO DO LUÍS FRAGA
Situado bem no coração do Alagoeiro, o palheiro do Luís Fraga constituía um marco importante na vida, nos costumes e até na própria história do povo da Fajã Grande. Tratava-se de um edifício de dois pisos situado num terreno murado, no centro do enorme largo do Alagoeiro. Era sobretudo esta sua localização e as vantagens que ela trazia para quantos por ali passavam diariamente, que o distinguia dos outros palheiros da freguesia e o tornava mais emblemático, mais referenciado e mais utilizado. Com uma planta simples e retangular, o acesso ao primeiro piso, onde o Luís Fraga guardava o gado, fazia-se através duma porta, que comunicava diretamente com o largo e encimada por uma pequena janela na fachada principal, ambas de madeira, sem vidros. O acesso a piso inferior também se podia fazer por outras duas portas, uma em cada empena, sendo a do lado oposto à Rocha destinada, exclusivamente, a retirar o esterco, armazenando-o num montículo contíguo. O acesso ao segundo piso que servia de armazém dos utensílios agrícolas e dos alimentos dos bovinos, fazia-se por uma porta nas traseiras, com alguns degraus em pedra, aproveitando parcialmente o desnível do terreno.
O imóvel era, como todos os palheiros da freguesia, construído em alvenaria de pedra e coberto com telha de meia-cana, sendo a cobertura de duas águas com beiral simples.
Assim como a casa onde morava e que ficava ao lado, o Luís Fraga herdara o palheiro do pai, Tio Antonho do Alagoeiro e era ali que guardava o gado e as alfaias agrícolas, servindo o palheiro, na parte superior, também como local de arrumos e de armazém de fetos e rama seca.
Mas o que caracterizava este palheiro, era, por um lado, o de ter sido uma construção destinada para este fim, sendo, por isso, detentor de uma arquitetura mais imponente e mais majestática do que a maioria dos outros palheiros da freguesia, quase todos resultantes de antigas e degradadas e, por outro, o de se situar em pleno largo do Alagoeiro. O Alagoeiro ficava para além da Fontinha, um pouco longe do povoado, já quase debaixo da Rocha e era o único lugar da Fajã, para além da Ponta e da Cuada, onde havia casas. No início dos anos cinquenta, porém, morava lá apenas uma família, a do Luís Fraga, embora existisse ali uma outra casa de habitação, abandonada e descaída, na altura, a servir para arrumos e de abrigo dos transeuntes.
O Alagoeiro, com o seu enorme largo constituía, incondicionalmente o maior e mais utlizado descansadouro da freguesia, uma espécie de lugar mítico, pois era lá que os homens, quando regressavam dos campos se sentavam a descansar, a fumar, a falquejar, a conversar, a discutir, a negociar trocas, a partilhar sonhos, a esperar uns pelos outros em amena cavaqueira e, até, a imaginar e a sonhar com a Califórnia, com farms muito grandes, com ranches, com mechins para ordenhar as vacas e lavrar os campos, com dolas, com águias e com baús cheios. Vinham em bandos, carregadíssimos, com pesados molhos, sacos ou cestos bem acaculados, todos molhados de suor e de chuva, do Pocestinho, do Pico Agudo, da Lagoinha, dos Paus Brancos, das Águas, da Silveirinha e até do Mato, enchendo as paredes e marouços do largo, com molhos de erva santa, de fetos, de incensos, de lenha ou com cestos a abarrotar de batatas ou de inhames. Era também o sítio onde o gado, no seu cirandar quotidiano palheiro/relvas/palheiro, parava para saciar a sua sede, pois havia ali um enorme poço com uma bica, por onde jorrava, dia e noite, água muito fresquinha. O Alagoeiro era pois um lugar de encontros e combinações de cruzamento de caminhos, de conciliar de destinos, de tomadas de decisões, de debates, de sonhos, de zangas e discussões e até um lugar onde se faziam negócios. O Alagoeiro era, assim, uma espécie de Mileto da Fajã Grande.
Mas era sobretudo como descansadouro que o Alagoeiro se notabilizava. Exaustos e estafados com uma enorme vontade de descansar e de se aliviarem de cargas e de aflições mictórias, os homens encontravam no Alagoeiro um lenitivo para o cansaço a que arfavam e no palheiro do Luís Fraga um alento para alívio fisiológico, transformando-o, deslumbrantemente, no mais frequentado mijadouro público da freguesia. E o Luís Fraga, pelos vistos, pouco de incomodava, porquanto mantinha as portas do palheiro sempre abertas, permitindo, assim, aumentar o pecúlio de excrementos e de esterco que as vacas ali amarradas produziam.