PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O PÁSSARO COR DE FOGO
(CONTO DE MATLDE ROSA ARAÚJO)
Era uma vez uma mulher, uma pobre mulher que ia á lenha. Ia á lenha todos os dias, com um grande saco arrastando-o pelo chão. (…)
E um dia, um dia quando a pobre mulher se arrastava mais cansada e nada via, nada e scutava; quando as suas mãos rugosas, de tantos anos tanto trabalharem, apanhavam as folhas e a lenha do chão que ia metendo num grande saco, ouviu!, como num sonho, ouviu o ruído de um cavalo vindo de longe… um cavalo que depressa se aproximava de si.
E pensou alto: um cavalo pelo bosque?! Nunca vi tal. Estarei a sonhar?
Mas não sonhava. Na clareira do bosque, mesmo no chão, onde se espalhava o Sol, um lindo cavalo branco estacou.
Um cavalo branco parou sobre a clareira do Sol! Trazia montado, segurando nas rédeas de couro fino, um lindo menino de olhos dourados. E a pobre mulher perguntou:
- Quem és tu? Serás meu neto? Filho de algum filho meu? E um pássaro poisa no teu ombro como se fosses um ramo e aí estivesse descansando…
E tornou a perguntar:
- Quem és tu?
O menino sorriu. Sorriu como só sabem sorrir as crianças e o próprio Sol pela manhã.
- Eu hoje venho ajudar-te. Sobe para o meu cavalo com o teu saco de troncos e de folhas secas. Sobe… Anda…
E logo a pobre e velha mulher subiu para a sela do cavalo, como se tivesse quinze anos e corresse para dançar uma dança maravilhosa pela mão do seu namorado. E sentou-se sobre a sela do cavalo junto com o menino. De seguida voou também para cima da sela o saco de serapilheira escura que parecia ter asas.
E os olhos dourados do menino sorriam mais.
E a pobre mulher pensou alto: Se fosses meu neto não eras melhor para mim…
O menino quase a emendou:
- Que importa não ser teu neto? Todos somos netos, filhos, irmãos dos outros mais. Nem olhas o Sol, nem escutas o canto dos pássaros, nem a música do vento, cansada de tantos anos de luta pelo calor do lume, apanhando esta lenha do chão: cansada como os próprios troncos velhos que vento faz cair.
Eu vim com o meu cavalo para te dizer que os velhos precisam de ajuda, do amor dos novos: têm direito ao descanso, à alegria.
Vai escutando pobre e velha mulher, e alegra o teu coração: eles os velhos, tem o direito a poder olhar o Sol, como nós meninos, a escutar o cantar dos pássaros e o murmurar do vento.
Eu vim no meu cavalo branco, ajudar-te. Os teus filhos estão longe e não o podem talvez fazer…
E o pássaro cor de fogo da lareira, no ombro do menino pousado, de novo cantou, cantou de alegria!
Então a pobre e velha mulher deixou-se sorrir docemente. Uma estranha e alegre música lhe falava no peito.
Matilde Rosa Araújo A velha e o Bosque, Livros Horizonte