PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O PINÁCULO DO QUEIROAL
O Pináculo do Queiroal era um enorme e abrupto rochedo como que plantado em riste no meio de um enorme e elíptico vale forrado de fresca alfombra e ornamentado de bardos de hortênsias. Apontado para o céu, visto de lado era como se fossem duas mãos postas, mas observado de frente, assemelhava-se ao frontispício de uma gigantesca catedral medieval. O Pináculo situava-se no lugar do Queiroal, donde lhe advinha o nome, na freguesia da Fajã Grande mas já na fronteira com o concelho de Santa Cruz. Tratava-se de um tosco, volumoso e altivo bloco de pedra basáltica, localizado num vale, aprazível, fresco e verdejante mas encafuado e escondido bem lá no centro da ilha das Flores, sem canadas, caminhos ou outros meios de acesso. Apenas através de veredas íngremes e de atalhos sinuosos, atravessando valados e saltando grotões, lá se chegava. Por isso pouca gente o conhecia e muita mais ainda o ignorava, pois ninguém por ali passava e era escasso e reduzido o número de pessoas que ali se deslocavam, nas suas fainas diárias, de acompanhamento e vigilância do gado. Era o fim de todos os atalhos, o termo de todos os caminhos, o início do degredo, do deserto, do emaranhado. No entanto a sua localização era privilegiada, em função da vista que dali se desfrutava sobre uma boa parte da ilha e do oceano, inserindo-se, além disso, num cenário maravilhoso quase bucólico, ideal para um desenvolvimento de aliciantes projectos turísticos, na década de cinquenta ainda impensados.
O Pináculo do Queiroal, encastoado num vale amplo, rodeado de vegetação luxuriante, impunha-se, sobretudo, no seu topo com dois picos, um semelhante a uma torre e o outro em forma de triângulo, como que simulando a parte central e superior da fachada de um templo. Esta era, muito provavelmente, a razão de ser do seu epíteto.
O acesso, não apenas ao Pináculo, mas a toda a zona do Queiroal, para além de longo e demorado, era muito difícil. Primeiro a íngreme subida da Rocha e o atravessar daqueles lameiros das primeiras relvas, onde proliferavam inúmeros e minúsculos mas extremamente pantanosos afluentes da Ribeira das Casas. A partir do Caldeirão da Ribeira das Casas não havia caminho, seguia-se por trilhos que, para além de maus, eram inseguros e pouco acessíveis, uma vez que a vereda, aparentemente, parecia diluir-se, mesmo fechar-se, obstruir-se com bardos de hortênsias, de queirós e de cedros, com copas seculares e enormes, que ali se haviam desenvolvido em excesso. Como alternativa era possível seguir através das relvas, sem trilhos demarcados ou veredas decalcadas sobre a erva, gastando-se em distância o que se poupava em esforço descontrolado e, por vezes, improfícuo.
Outra curiosidade deste idílico lugar onde se situava o famoso Pináculo é que do sentido contrário não havia qualquer tipo de acesso. Era uma floresta densa de cedros e queirós, obstruindo toda e qualquer passagem. Isto porque terminava ali o território da freguesia da Fajã Grande e iniciava-se o da de Ponta Delgada, já em pleno concelho de Santa Cruz.
Enquanto se passava por ali, naquela espécie de bucólica mas agreste vereda, defrontávamos pequenas manadas de gado alfeiro, um manso e domesticado que ali era colocado temporariamente e outro quase selvagem, ali nascido e que dali havia de ser retirado, apenas quando gordo e arrolado, pronto a embarcar no Carvalho com destino a Lisboa.
O Pináculo e o vale onde estava localizado, eram um dos mais belos locais, edificados pela natureza, não só da Fajã Grande mas até da ilha das Flores, depois da emblemática Rocha dos Bordões. E como monumento natural talvez fosse um dos mais interessantes dos Açores. Mas mais do que desconhecido e ignorado, na altura, o Pináculo do Queiroal, naturalmente, ter-se-á perdido no espaço, estando, hoje, totalmente desaparecido no tempo, talvez encoberto por arbustos e arvoredos, como muitos outros monumentos naturais, existentes na Fajã Grande, na década de cinquenta, semelhantes, embora mais pequenos, como eram os calhaus das Feiticeiras, do Tufo, do Touro, a Laje da Silveirinha, a Furna do Peito e tantos outros.