PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O PREGADOR
Era um ilustre e conceituado pregador. O melhor da ilha! Sobretudo nos tríduos, novenas e festas de Inverno, quando não havia, em férias, professores do Seminário, Doutores formados em Roma - os únicos que lhe faziam sombra no Verão - assenhorava-se dos púlpitos e ambões, enchia as igrejas de esplendor e assinalava nas almas dos que, piedosamente, o ouviam o indelével carácter da mensagem divina.
Era exímio em citações. Poder-se-ia mesmo dizer que estas eram a sua especialidade. Para além dos Evangelhos, citava, com um rigor invejável, versículos do Antigo Testamento e das Epistolas de São Paulo, excertos dos Padres e Doutores da Igreja, das encíclicas e até dos discursos e sermões dos papas. Uma maravilha! Um dom invejado pela maioria do clero da ilha.
Certo ano, chegou à ilha, hospedando-se, por uns dias, em pleno Inverno, em casa de um amigo e colega de curso, um sacerdote a paroquiar noutra ilha, mas também ele com fama de bom conhecedor da doutrina da Igreja e muito capaz de a citar de cor.
Alertado para o dom do colega, ouviu-lhe, com redobrada atenção, um sermão pregado numa das mais importantes festas da terra. Nessa prédica, o erudito orador citou, com fluência desusada e convincente convicção, palavras de Pio XII, o Sumo Pontífice reinante, na altura.
Terminadas as cerimónias, na sacristia e já desparamentados, os outros padres elogiaram o sermão. A certa altura, o visitante observou-lhe;
- Olhe, colega. Também eu achei o seu sermão muito interessante, Mas que eu saiba Pio XII nunca disse aquelas palavras.
Resposta pronta do outro:
- Ah! Não disse! Mas devia ter dito.