PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O RAPAZ SEM OLHOS
Era uma vez uma mãe que tinha dois filhos, mas como era muito pobre e pouco tinha para lhes dar. Um dia mandou-os pedir esmola mas havia de lhes dar, para levarem, um pequeno farnel do puco que ainda tinha em casa. Antes, porém, perguntou-lhes se queriam ambos comer da mesma vasilha ou levar cada um a sua comida separada. O mais velho disse que era melhor cada um levar a uma vasilha com a sua comida.
Assim fez a mãe. Pelo caminho o irmão mais novo disse que tinha fome e que queria comer o seu farnel. O mais velho concordou mas disse-lhe que era melhor comerem juntos, um dos farnéis, primeiro e depois o outro. Feito o acordo, no primeiro dia, comeram ambos a comida do mais novo. No segundo dia, à hora do almoço, disse este:
- Ó irmão, vamos agora comer o teu farnel?
O mais velho disse-lhe que não pois ainda era muito cedo, mas às escondidas foi comendo tudo o que levava na sua vasilha sem dar nada ao mais novo.
À noite, o irmão mais novo voltou a pedir ao mais velho que, conforme o combinado repartisse com ele o seu farnel, pois estava a morrer de fome.
O mais velho retorquiu:
- Só se me deixares tirar um dos teus olhos.
A fome era tanta que o rapaz cedeu, pese embora, depois de lhe tirar um olho, o irmão mais velho não lhe tenha dado nenhuma comida.
Na manhã seguinte aconteceu o mesmo e o irmão mais novo ficou sem o outro olho.
Vendo o irmão cego, o mais velho decidiu abandoná-lo, deixando-o sozinho. Passado algum tempo, depois de caminhar na escuridão, o rapaz chegou a um sítio onde ouviu o barulho a água. Cuidando que era um rio e com medo de cair à água e morrer afogado o rapaz decidiu sentar-se ali, não se arriscando a atravessar o rio. Cansado e cheio de fome adormeceu.
Ora era naquele local que todas as noites se reuniam as feiticeiras para decidir o que haviam de fazer no dia seguinte. Vendo ali o menino, esfomeado, doente e cego, uma das feiticeiras decidiu que havia curá-lo. Havia ali perto uma árvore. A feiticeira apanhou três folhas e cuspiu-lhe três vezes, antes de amanhecer. Depois esmagou as folhas nas mãos, formando uma papa ou bálsamo com o qual untou as pálpebras dos olhos do rapaz, que assim voltou a ter os seus olhos e a ver.
Com esta “estória” pretendia mostrar-se que afinal as feiticeiras não eram tão más como, muitas vezes, se cuidava.