PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
OS DESCANSADOUROS DA ROCHA
A subida da Rocha da Fajã Grande era árdua, difícil, cansativa e desgastante. Até os mais novos, mais fortes e mais aguerridos e mesmo os que por ali transitavam quase diariamente necessitavam de momentos de descanso, de pausa e de repouso, durante a subida daquele alcantil pétreo, abrupto, íngreme e quase intransponível mas único acesso ao Mato. Quem transitava por ali com alguma raridade, ainda mais se sentia obstaculizado pela irregularidade da subida, só a podendo ultrapassar beneficiando de momentos e locais, onde pudesse descansar, embora sem nenhum conforto. Essa a razão por que ao longo da íngreme e meandrosa subida se haviam institucionalizado alguns descansadouros.
O primeiro era o da Furna do Peito. Situava-se nos arrabaldes daquela enorme gruta, semelhante a um templo, ornada com cruzes nas paredes e enriquecida com bancadas de pedra solta, umas naturais outras feitas por mãos humanas, onde os transeuntes, cansados, logo após o início da subida, podiam, calmamente, descansar. Era lá, também, que se abrigavam os pastores nos dias de chuva.
O segundo descansadouro, situado a meio da Rocha, era verdadeiramente considerado a pérola dos descansadouros. Devido à sua notoriedade e importância e à obrigatoriedade de todos ali descansarem, chamava-se simplesmente “Descansadouro”. Situava-se ao fundo da enorme volta onde ficava a curiosa furna da Caixa, que quase nada tinha de furna e de pouco mais servia do que para abrigar, parcialmente, uma ou duas pessoas, em simultâneo. O que mais caracterizava este descansadouro, para além da sua enorme utilidade como local de descanso e resfôlego, era o facto de dali se disfrutar de uma bela vista sobre uma boa parte da Fajã Grande e sobre o mar. Um espectáculo de sublimidade, uma devaneação de deslumbramento, um oásis de fascinação, um desfilar de encantamento e beleza. Na enorme curva onde se situava haviam-se construído banquetas de pedra ao redor das quais havia muros e paredes adequadas a que os transeuntes que transportassem cargas, ali as depositassem, durante o descanso.
Já mais perto do Cimo da Rocha, o descansadouro da Fonte Vermelha, o único que ao longo da subida disponibilizava água aos caminhantes. Por isso este era o descansadouro mais desejado. Da fonte, chamada de Vermelha, por se situar numa zona de barro avermelhado, jorrava, incessantemente, de uma pequena e tosca bica, encravada num tufo da Rocha, onde cada transeunte sequioso colocava uma folha de incenso ou sanguinho, uma água fresquíssima, cristalina e saborosa, que parecia que quanto mais se bebia mais água brotava do tufo. Todos os que por ali passavam dela bebiam, todos os dias e todas as vezes e, não raramente, depois de beber e de descansar, voltavam a beber muitas outras vezes, quer quando subiam quer quando desciam e o mais curioso é que a fonte nunca secava. Corria sempre, dia e noite, jorrando um frágil mas contínuo veio, lá bem do interior da terra. Ao redor da fonte, o descansadouro com banquetas e paredes adequadas ao descanso de pessoas e carregos.
Ainda no cimo da Rocha, logo a seguir à Cancela, junto ao sítio do Arame, um outro descansadouro, com uma enorme banqueta rectilínea e geometricamente perfeita, situada junto a uma encosta a proteger dos fortes ventos do Norte que ali, muito frequentemente se faziam sentir. Este descansadouro era muito utilizado, sobretudo na descida, porquanto era ali que os homens que vinham dos lados do Queiroal e os que regressavam da Água Branca e da Burrinha combinavam esperar uns pelos outros, a fim de trocarem lume e cigarros e descerem a rocha juntos.
Finalmente e já em pleno Mato havia, por aqui ou por ali um ou outro descansadouro mas menores e de pouca importância, apenas ocasionalmente utilizados, como eram os do Caldeirão da Ribeira das Casas, do Curral das Ovelhas ou até o da Burrinha.
No entanto, como a rocha era de difícil e cansativo acesso quem a subia, parava por descansar aqui ou ali, onde muito bem quisesse ou necessitasse, porque afinal “os descansadouros na Fajã Grande como o Natal, eram em qualquer sítio e sempre que um homem quisesse”.