PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
OS PALHEIROS DA FAJÃ GRANDE
A Fajã Grande era terra onde, antigamente, havia grandes cuidados com o gado bovino, dado que este constituía a principal e, nalguns casos, única fonte de receita de uma pobre e rudimentar economia de subsistência. O que mais prejudicava os animais, sobretudo as vacas leiteiras era o estado do tempo. No verão dias de calor horrível, quase insuportável. No inverno noites geladas, por vezes acompanhadas de ventos, chuvas torrenciais e trovoadas. Para proteger os animais era necessário resguardá-los em sítios onde não fossem vítimas do irregular estado do tempo, o que prejudicava sobretudo, o que de mais importante forneciam – o leite.
Para os proteger dos malefícios do tempo existiam os palheiros. Estes eram de três tipos: uns, construções de raiz, destinadas exclusivamente a este fim, outros, antigas casas de habitação ou casas velhas, para tal adaptadas e uns terceiros não chegavam a sê-lo porque eram pura e simplesmente, as lojas das moradias, permitindo assim que pessoas e animais habitassem, conjuntamente, no mesmo edifício: as pessoas no piso superior e os animais, na loja.
Os palheiros de raiz e que para tal haviam sido construídos, eram, geralmente, situados numa plataforma elevada em relação à rua onde estavam edificados. O acesso fazia-se por um caminho pedonal, parcialmente, em escada. Estes tipos de palheiros eram construídos em alvenaria de pedra à vista, semelhantes às casas primitivas, mas, contrariamente a estas, cobertos em duas águas e com telha de meia-cana tradicional, oriunda da Graciosa, tendo como as moradias, um telhão na cumeeira e um beiral simples. Junto a eles, em frente à porta do piso inferior situavam-se os montes onde, ao longo do ano, se ia guardando e acumulando esterco dos animais. Os palheiros de dois pisos, geralmente, tinham planta rectangular, com uma porta de acesso ao piso inferior encimada por uma pequena janela na fachada principal e uma porta de acesso ao piso superior, numa das empenas laterais ou nas traseiras. O acesso ao segundo piso fazia-se por esta porta, aproveitando, geralmente o desnível do terreno, embora muitos tivessem apenas a porta da frente e o acesso ao piso superior se fizesse por uma escada interior com alçapão. Nestes palheiros, os animais ficava no piso inferior, enquanto o superior servia de arrumos, sendo, também, nele que se guardava a comida do gado que, assim era atirada directamente para as manjedouras, através de alçapões colocados sobre estas e que, presos por dobradiças, abriam e fechavam facilmente.
No piso inferior eram colocadas junto a uma das paredes a manjedoura onde se deitava a comida dos animais e às quais estavam amarrados com uma corda, pela cabeça. A meio do palheiro e paralelo â manjedoura havia um rego, destinado a recolher os excrementos e a urina dos animais. A urina era armazenada, através de um orifício que existia no rego, numa poça, construída no próprio chão do palheiro, num dos cantos mais recônditos. Os excrementos, misturados com a cama feita com fetos secos e restos de comida deitada debaixo de cada animal, transformavam-se no esterco que deveria ser retirado e padejado com um garfo, pelo menos dia sim, dia não, para o monte que existia fora da porta do palheiro, onde era devidamente arrumado e guardado. No lado oposto ao da poça, geralmente tapada com uma prancha, colocavam-se os molhos de comida, erva, incensos, couves, ramas de batata, espiga de milho, etc. Em todos os palheiros, para além de cordas, bordões e aguilhadas, havia um banquinho para a ordenha. Os animais ocupavam sempre os mesmos lugares que eles próprios já conheciam, sozinhos ou agrupados aos pares, em espaços separados por divisórias construídas com paus e ripas de madeira, chamadas repartiamentos. Alguns palheiros mais sofisticados, no andar superior e sobre as manjedouras tinham alçapões que se abriam quando se pretendia deitar a comida aos animais, a qual, nestes casos era guardada no piso superior.
No caso dos palheiros adaptados das antigas casas de habitação, chamadas casas velhas, tudo era rigorosamente igual, embora fossem geralmente só de um piso, servindo, por isso, neste caso, simultaneamente, como local de arrumos. O mesmo acontecia nas lojas das casas que serviam de palheiros, nas quais, num canto, ainda havia a tradicional caneca, para recolha e armazenamento da urina e fezes do agregado familiar.