PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
OS VAGÕES
Quando, em plena década de cinquenta, chegaram à Fajã Grande os empreiteiros que iriam construir o troço de estrada entre o Porto da Fajã Grande e a ladeira do Pessegueiro, junto à Ribeira Grande, trouxeram um acervo de material e maquinaria de que não havia memória. Entre esta panóplia de carros, carrinhas, pás, enxadas, picaretas, maças, e muitos outros apetrechos, vieram três ou quatro interessantíssimos e enormes vagões.
Os vagões eram uma espécie de carrinhos de mão, gigantes, que se apoiavam sobre quatro ou seis rodas, do tipo de rodas de comboio, pelo que só podiam deslocar-se sobre carris ou linhas férreas. Depois de desenhado o trajeto, era necessário desfazer os montes e, com o entulho retirado destes, encher os vales, operação que a ser efetuada nos simples carrinhos de mão, novidade também trazida pelos empreiteiros para a Fajã, nunca mais teria fim. O entulho era muito e, grande parte dele era constituída por enormes pedregulhos, incompatíveis com a reduzida capacidade dos carrinhos de mão, que tinham apenas uma roda na extremidade oposta à dos dois cabos que eram transportados apenas por um homem. Os empreiteiros sabiam-no e, por isso, se muniram dos potentes vagões e das respetivas linhas férreas. Um transporte difícil e dispendioso mas compensador. As linhas foram montadas no trajeto ainda virgem da nova estrada e os vagões não paravam, toca para baixo, toca para cima, a carregar o entulho da rocha da Volta do Delgado e a despeja-lo nas terras baixas do Vale da Vaca e do Descansadouro, o de Santo António a ser baldeado nos cerrados do Delgado, o da Volta do Pinheiro a encher os desníveis da Cabaceira e o da Ribeira do Ferreiro e do Pessegueiro a encher e a atulhar o Vale Fundo.
Mas os vagões que circulavam sobre os carris não tinham nenhuma locomotiva ou sequer motor que os locomovesse. Apenas rolavam sobre as linhas, tendo numa das extremidades uma pequena plataforma onde um ou dois homens se podiam dependurar. Quando carregados desciam na direção do povoado e, sobretudo porque carregados, deslocavam-se impelidos pela força da gravidade. Não necessitavam de condução, dispondo apenas de um potente travão, ativado por um dos homens que se pendurava nas traseiras do mesmo e que assim não só lhe controlava a velocidade nos locais mais inclinados como os imobilizava por completo, nos locais indicados para o descarregamento. Para cima é que era o diabo. Eram necessários dois homens parra empurrar cada vagão até ao local onde havia de ser novamente carregado de entulho. Felizmente na subida os vagões iam vazios.
Ora como havia muitas terras de mato e de inhames para aqueles lados, os vagões mesmo cheios com o entulho, lá iam carregando, de vez em quando, um saco de inhames, um molho de lenha ou de incensos, pertença de um familiar ou de um amigo dos que trabalhavam nos vagões. A moda pegou, foi alastrando e os vagões, durante o seu curto reinado, passaram a ser um dos principais meios de transporte dos produtos agrícolas das terras do Vale Fundo, Cabaceira, Cancelinha, Delgado e Santo António. Mas não se ficaram por aqui os interessantes vagões. Sobretudo aos domingos passaram a ser os responsáveis por interessantíssimos passeios que por vezes atingiam velocidades estonteantes. Não faltava quem os empurrasse na subida e muitos eram os que os enchiam na descida, substituindo o entulho. Tornou-se uma moda passear, aos domingos nos vagões. Não gastavam combustível, não se deperdiam e eram bastante seguros.
O entusiasmo foi tanto que até o Eleutério, um pobretanas inocente e meio atoleimado, se decidiu por um passeio de vagão. Entontecido pela rapidez do veículo, não se fartava de rir, atirando ao ar, a determinada altura:
- Neste andar, qualquer dia chegamos à Amerca.