PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
PEDRO DA SILVEIRA
Pedro da Silveira, “o Pedro das Senhoras Mendonças” como era conhecido pelos seus vizinhos, nasceu na Fajã Grande, na rua da Assomada,(1) a 5 de Setembro de 1922. Embora fosse meu vizinho, muito amigo dos meus pais e meus irmãos mais velhos, com quem conversava frequentemente e visitasse a Fajã quando eu era criança, apenas tive o privilégio de conversar com ele num encontro de habitantes das ilhas das Flores e Corvo, realizado em Castelo Branco, há alguns anos. Nessa altura tive a honra de lhe entregar um texto meu “Noite de Natal” que ele teve a delicadeza de ler e do qual mais tarde me enviou o seu comentário. Lamentavelmente não mais pude contactar com ele. Faleceu em Lisboa, no dia 13 de Abril de 2003.
Pedro da Silveira, talvez o mais ilustre fajãgrandense de sempre, foi poeta, crítico literário e investigador quer a nível da escrita quer a nível da tradição oral. Fez parte do conselho de redacção da revista “Seara Nova” e é autor de várias obras de poesia e de recensão literária e de duas antologias de poetas açorianos.
Depois de ter completado o ensino primário na Fajã Grande, tendo já demonstrado grande inteligência e interesse pelas letras, partiu para Angra, frequentando primeiro o Seminário e mais tarde o Liceu, o que lhe permitiu completar a sua formação básica e contactar com os mais lídimos representantes da literatura lusófona do tempo e onde, de acordo com as suas palavras «Havia, pelo menos em certos meios, um culto muito fiel por Jaime Brasil e por Aurélio Quintanilha, ambos terceirenses e ambos anarco-sindicalistas. Para aí me inclinei e ainda agora, se alguma ideologia política é capaz de me dizer alguma coisa, essa é o socialismo acrata(2) ou anarquismo.”(1987)
Alguns anos depois radicou-se em Ponta Delgada, cidade onde integrou o grupo intelectual que se formou em torno do jornal “A Ilha”, periódico no qual colaborou assiduamente.
Finalmente fixou-se em Lisboa, onde viveu o resto da sua vida, embora visitando a Fajã com alguma frequência, granjeando, de acordo com o testemunho de muitos dos seus vizinhos e conterrâneos, a simpatia de todos, com os quais partilhava ideias, princípios e conhecimentos. Foi delegado de propaganda médica, promovendo produtos farmacêuticos, iniciando simultaneamente um percurso de estudo e investigação histórico-literária. Mais tarde passou a trabalhar na Biblioteca Nacional, da qual foi director dos Serviços de Investigação e de Actividades Culturais, chegando a integrar a Comissão de Gestão da mesma.
Foi um dos promotores da elaboração da Enciclopédia Açoriana e participou ainda em múltiplos estudos relacionados com a cultura açoriana e em especial com a história e a etnografia da ilha das Flores, com destaque muito especial para a Fajã Grande, onde recolheu variadíssimos textos da tradição literária oral, divulgados mais tarde na revista “Lusitana”. Iniciou a sua obra poética com A Ilha e o Mundo (1953) e prosseguiu com Sinais de Oeste (1962), Corografias (1985) e Poemas Ausentes (1999). Publicou um primeiro volume “Fui ao Mar Buscar Laranjas”, um conjunto de vinte poemas inéditos, escritos entre 1942 e 1946.
Pedro da Silveira revelou sempre um alto sentido de cidadania e uma formação ideológica e política muito firme, convicta e segura, iniciada na sua adolescência nas Flores, onde conheceu alguns exilados políticos, que “lhe revelaram quem era Salazar e ao que vinha”. Com eles, primeiro, e depois com o grupo anarquista em Angra, consolidou os princípios políticos e ideológicos essenciais que o acompanhariam por toda a vida e que fizeram com que os seus direitos políticos fossem apreendidos por Salazar que chegou a retirar-lhe o direito de voto e também que fosse permanentemente perseguido e preso pela PIDE.
Notas – (1) Em recente visita à Fajã Grande, pude verificar que a casa onde ele nasceu foi vendida. Creio que poder-se-ia muito bem ter sido transformada em “Casa museu Pedro da Silveira. Pior. A casa onde o pai nasceu, situada à Praça e que, na década de cinquenta, era um palheiro de gado e arrumos, foi totalmente destruída. Era esta a casa que ele descreve num dos seus mais belos poemas.
(2) Chama-se “acrata” a um partidário ou defensor da acracia. A acracia é uma forma de anarquismo, ou seja, uma ideologia politico-filosófica que não aceita a legitimidade de nenhuma imposição. Sendo assim, para que uma acção humana tenha valor moral deve emanar da decisão livre de quem a empreende e, por isso, todas as actividades humanas devem ser resultantes de compromissos voluntários, tomados por livre arbítrio. Na prática, os acratas defendem que as pessoas não nasceram para obedecer mas sim para decidir por si próprias.