PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
RETALHOS DE GUERRA
Quando no início de 1974 cheguei à Guiné, entrei em pânico. Haviam-me integrado, contra a minha vontade, num cenário de uma guerra estúpida, aberrante e tremendamente horrível para a maioria das famílias portuguesas. Por essa altura estavam na Guiné, a lutar contra o PAIGC, cerca de trinta mil homens, na sua maioria oriundos de Portugal Continental dos Açores e da Maneira. No meio centenas, milhares de nativos inocentes. Nessa altura a situação naquele território era tremendamente explosiva, como se pode concluir dos relatos que se seguem, retirados do livro Os Anos da Guerra Colonial de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes:
“A operação "Amílcar Cabral", durante a guerra colonial na Guiné, foi realizada por forças do PAIGC contra o quartel de Guileje junto à fronteira com a Guiné-Conacri, ataque que apontava para uma tentativa de tomada do quartel.
Durante a execução duma coluna de reabastecimento, as forças de Guileje foram fortemente emboscadas por duas vezes, a cerca de dois quilómetros do quartel, tendo sofrido um morto, sete feridos graves e quatro feridos ligeiros. Por falta de evacuação aérea, um dos feridos graves pouco depois. O comandante enviou mensagens a alertar para a gravidade da situação. Mas o PAIGC, antecipou-se e iniciou os ataques a Guileje que solicitou apoio urgente, pois estava debaixo de fogo contínuo. Foi-lhe respondido que seria efectuado o apoio aéreo logo que possível. No dia seguinte foi recebida, em Gadamael, a última mensagem de Guileje: "Estamos cercados de todos os lados". Seguiu-se o silenciamento das comunicações com o quartel.
Finalmente a guarnição portuguesa retirou-se do quartel de Guileje para Gadamael-Porto, depois de cinco dias de contínua flagelação pelo PAIGC, que ocupou a base. Os militares portugueses seguiram a pé para Gadamael, deixando para trás as viaturas e o armamento pesado, destruído ou inutilizado. Nos quatro dias seguintes Guileje foi bombardeada 36 vezes. O interior do aquartelamento tinha sido atingido durante um ataque com 200 impactos de granadas, que causaram grandes danos materiais; Por essa altura realizou-se uma visita do chefe de Estado-Maior General, à Guiné, perante a grave situação que se vivia, onde acompanhou a última fase das operações e analisou as medidas a tomar para garantir a manutenção duma capacidade militar mínima.
Durante um mês o PAIGC realizou 220 acções militares de sua iniciativa, atingindo o valor mais elevado desde o início da guerra. Gadamael esteve, durante mais três dias debaixo de fogo de armas pesadas e ligeiras continuadamente, com disparos de morteiros, canhões sem recuo e lança-granadas foguete, com um número de rebentamentos estimado em cerca de 700, que causaram cinco mortos e 14 feridos e elevados prejuízos materiais.
A companhia de Caçadores de Cacine transmitiu, então, a seguinte mensagem para Bissau: "Informo Gadamael-Porto destruído. Feridos e mortos confirmados. Pessoal daquele fugiu para o mato. Solicito providências e instruções concretas acerca procedimento desta". Perante isto, o Comando-chefe determinou que as tropas pára-quedistas, que se encontravam em Cufar, seguissem para Gadamael.
Durante um mês as forças portuguesas na Guiné sofreram 63 mortos, 269 feridos e um prisioneiro, tendo o PAIGC realizado 166 ataques a posições militares portuguesas, 36 emboscadas, 12 ataques contra aeronaves, um contra embarcações, e implantado 105 minas, das quais 66 foram accionadas por militares portugueses, o que dá ideia do agravamento da situação sofrida na Guiné neste período. Na sequência destes acontecimentos, realizou-se em Bissau, a 8 de Junho, uma reunião de comandos, com a presença do general Costa Gomes, Chefe do Estado-Maior General. Concluiu-se pela necessidade de efectuar um retraimento do dispositivo, por forma a garantir um reduto final, em torno da zona central do território, com afastamento das guarnições de fronteira. A manobra proposta configurava uma acção retardadora em profundidade para “ganhar tempo e consolidar um reduto final que in extremis, ainda possa permitir a solução política do conflito”. Esta solução era a clara admissão de que as forças portuguesas tinham de abdicar da posse de boa parte do território da Guiné e das suas populações para se concentrarem num reduto central.”
NB - Excertos retirados do livro Os Anos da Guerra Colonial de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes.