Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]



RITINHA

Quarta-feira, 23.04.14

Ela chega todas as manhãs, às vezes, antes do nascer do Sol! Traz consigo o brilho inebriante do astro-rei, o sorriso das estrelas adormecidas, o sabor da aurora debutante, a ternura das madrugadas florescentes. É uma dádiva celeste, um dom sublime, um encanto maravilhoso.

Assinala-a um meigo sorriso, envolve-a um abafado desejo, asperge uma terna vontade de ficar, de estar, de saltar para o meu colo e agarrar-se a mim com ambos os bracitos, como se tivesse medo de eu me evaporar.

Depois despede-se dos que partem: uns para a escola, outros para o trabalho, todos para a vida. Há, ali, escondido naquele olhar meigo e brilhante um misto indeciso, uma vontade partilhada, um não saber se ir ou se ficar. Fica! Não tanto por opção mas mais por imperativo de quem lhe cerceia o destino.

Depois sobe… O elevador parece que a distrai e desperta mais… Se os outros carregam no botão que lhe impinge o subir e o abrir da porta, por que não há-de ela carregar. Novamente os imperativos dos adultos a cercear desejos inocentes, vontades espontâneas.

Espera-a a caminha e o leitinho quente/morno, que a temperatura, naturalmente, tem que ser bem doseada, assim como o conteúdo. No meu colo suga, com suavidade e apetite, o biberon. Canto e embalo. A ternura atinge o epicentro: Junto ao berço, pequenino, Sonha mãe carinhosa, Sonho belo e divino… O encanto metamorfoseia-se em desvelo. É a sublimidade suprema.

Depois, deposito-a no bercito, ao lado da Quitinha, a que há muito se agarrara e ao peluche… Pouco depois, adormece…

Agora dorme, que regá-lo! Deixá-la dormir. Apetece-me reler o poema de António Nobre O Sono do João, e transcrever alguns excertos do mesmo:

O João dorme... (Ó Maria,

 Dize àquela cotovia

 Que fale mais devagar:

 Não vá o João, acordar...)

 

 Tem só um palmo de altura

 E nem meio de largura:

 Para o amigo orangotango

...

O João dorme... Que regalo!

 Deixai-o dormir, deixai-o!

 Calai-vos, águas do moinho!

 Ó mar, fala mais baixinho...

 E tu, Mãe! e tu, Maria!

 Pede àquela cotovia

 Que fale mais devagar:

 Não vá o João, acordar...

 

Ó Mãe, canta-lhe a canção,

 Os versos do teu irmão:

Na Vida que a Dor povoa,

 Há só uma coisa boa,

 Que é dormir, dormir, dormir...

 

 E tu vê-lo-ás crescendo

 A teu lado (estou-o vendo

 João! Que rapaz tão lindo!)

 Mas sempre, sempre dormindo...

 

 Mas para isso, ó Maria!

 Dize àquela cotovia

 Que fale mais devagar:

 Não vá o João, acordar...

 

António Nobre, in 'Só'

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 10:21





mais sobre mim

foto do autor


pesquisar

Pesquisar no Blog  

calendário

Abril 2014

D S T Q Q S S
12345
6789101112
13141516171819
20212223242526
27282930