PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
“SENHORA DO PRANTO” DE JOSÉ AUGUSTO BORGES
Da autoria de José Augusto de Melo Borges e sob a égide da Câmara Municipal do Nordeste, ilha de São Miguel, foi recentemente publicado o livro Senhora do Pranto – Caminho de Fé.
Numa linguagem simples, comunicativa, esclarecedora, raiada de jactos de fé, ornada com vivências pessoais e enriquecida com dados históricos e com testemunhos de alguns devotos, mas acessível aos mais humildes dos crentes que demandam aquele pequeno “santuário” mariano, José Augusto Borges relata-nos vivências, testemunhos, lendas e estórias daquele que é considerado um dos mais antigos e emblemáticos templos religiosos, não apenas do concelho do Nordeste mas até de toda a ilha de São Miguel.
Construída no ano de 1522, a pequenina ermida situada na Lomba de João Soares, precisamente no extremo da freguesia de São Pedro de Nordestino, já na fronteira com a Lomba da Fazenda, está ligada a algumas interessantes lendas, já referidas por Gaspar Frutuoso. Naquele ano, altura em que começou uma grande peste em Ponta Delgada, um moço guardador de gado avistaria Nossa Senhora e a Virgem ter-lhe-ia ordenado, entre outras tarefas, a da construção duma ermida, ali, naquele andurrial, sobre o mar. O povo, eivado de fé, tê-la-á construído, de imediato. Durante as obras, escreve frei Agostinho de Montalverne, a água teria milagrosamente aparecido e, depois de pronto, o templo seria de muita romagem. Conta ainda Gaspar Frutuoso que outros factos sobrenaturais se repetiram em 1563, por ocasião de um grande terramoto. Não obstante toda esta crença e devoção, a ermida passou, ao longo dos séculos por vicissitudes diversas, chegando mesmo a ser abandonada ao descalabro, durante alguns anos. Mas a devoção no povo nunca se extinguiu, procedendo-se sempre a vários restauros, com destaque para o último, verificado já na segunda década do século XXI.
Construída sobre uma lomba junto do mar, no silêncio da natureza e afastada dos burburinhos dos povoados e até da vista dos que passam nos caminhos circundantes, esta ermida, verdadeiro testemunho de crença e fé das gentes do nordeste micaelense, guarda, no seu interior uma valiosa imagem da Virgem com um conjunto de capas anexo e uma tela representando a descida da Cruz, estando uma e outra, bastante longe das primitivas, nomeadamente a tela que, se cuida que, tendo ido a restaurar, terá sido substituída por uma outra, em tudo semelhante.
O livro está dividido em duas partes. Na primeira, o autor, misturando a história e a realidade com a ficção, relata-nos a “estória” de uma jovem – Maria de Lurdes – cuja vida, desde o namoro e casamento dos pais, se prende intimamente com a ermida e com a devoção à Senhora do Pranto. Através de um relato fictício mas sempre fundamentada em vivências reais, a que o autor não é alheio, o leitor vai construindo, por entre os modos de vida, os costumes e as tradições dos nordestinos de antanho e sobretudo pelas suas vivências religiosas sempre direccionadas para a invocação da Senhora do Pranto, “caminhos de vida” diversos e diversificados, sempre aureolados pelo apoio e auxílio, por vezes milagroso, da Senhora – Senhora de encontros, de aflições, de estudantes, de pescadores, de militares em guerra, de romeiros e de emigrantes, proporcionando a todos os mais sublimes momentos de alegria, as mais emblemáticas vidas de felicidade, os mais sensatos e profícuos caminhos que, através da fé e da oração, conduzem à salvação, sobre a poderosa intercessão da Mãe de Deus - a Senhora do Pranto, também designada por Senhora da Vida.
Na segunda parte José Augusto Borges relata, de forma rigorosa e documentada, os aspectos mais significativos da história da ermida, referindo as principais obras de restauro, nomeadamente, as últimas, inauguradas em Fevereiro de 2012, as quais fizeram da ermida da Senhora do Pranto “um dos marcos do património cultural e arquitectónico do Nordeste”. Por tudo isso e, sobretudo, por ser um local de paz, onde tudo o que “o envolve torna-o um sítio privilegiado para nos encontrarmos com Deus, connosco e com os outros”. No alto da Lomba onde se situa a ermida ficamos “completamente isolados de todo e qualquer casario, temos uma visão paradisíaca à nossa volta: a nascente o mar azul que toca o céu na linha do horizonte e a oeste a montanha que se ergue até ao céu.” Por tudo isto, segundo o autor, a ermida da Senhora do Pranto deve integrar o “roteiro religioso” da ilha do Arcanjo.
Recorde-se que José Augusto Borges que fez uma boa parte da sua formação académica no Seminário de Angra, foi bancário em Ponta Delgada e na Ribeira Grande, reformando-se como gerente em 2002, já havia publicado um primeiro livro sobre esta ermida, intitulado Lágrimas de Fé.