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SUICÍDIO DE SONHOS

Domingo, 18.05.14

Desde pequenina que Josefina queria ser professora. Sonhava com uma vida futura, digna e nobre mas, também, calma e tranquila. Ter um marido que a amasse, filhos que educasse e visse crescer. Construir uma casa com um pequeno jardim, onde pudesse ter um cão e um gato e, sobretudo, flores, muitas flores. Depois, com os filhos já crescidos, viajar, viajar muito.

Sonho legítimo, o da Josefina...

Os anos, porém, foram passando, vácuos e céleres. Josefina foi crescendo e o seu sonho, aos poucos, foi-se desfazendo entre dificuldades e limitações, esfumando entre esperas e incertezas, desconcertando-se entre ilusões e quimeras.

Chegaram os trinta! O destino, aparentemente, fintara Josefina. Mas inda não era tarde para nenhum dos sonhos em que, serenamente, se embalara, se evaporasse, por completo. A nível profissional, porém, não conseguira completar o décimo segundo, nem, consequentemente, tirar um curso universitário e ser professora. Os pais enfermos de há muito, obstruíam-lhe desejos, cerceavam-lhe vontades. O destino levou-me para outros caminhos. Primeiro foi a caixa de um supermercado da pequena cidade onde vivia e, mais tarde, uma perfumaria de um Centro Comercial, a uns quilómetros de distância.

O mardo e os filhos não chegaram. Nunca se lhe deparara o homem ideal que a amasse e estimasse e que com ele partilhasse a sua aventura sonhadora. Começava a pensar que lhe bastaria o marido e os filhos. Era tempo de abdicar do jardim, do cão, do gato e, até, das flores de que tanto gostava. Um apartamento serviria perfeitamente…

Chegaram os trinta e cinco… tudo mais se enevoou, esfumou e como que desapareceu quando o emprego na perfumaria, onde trabalhava, cessou. Declarada falência, regressou a casa sem emprego… A morte dos pais deixou-a desolada. O desemprego trouxe-lhe consumições.

E voltou a abdicar. Primeiro das viagens com que tanto sonhara e, sobretudo, daquilo que mais desejava e com que mais sonhara: os filhos. Restava-lhe uma pequena parcela do sonho inicial - o marido. Um companheiro e amigo com quem comungasse alegrias, partilhasse desilusões e esquecesse sonhos.

Chegaram os quarenta… E o seu último e talvez mais legítimo sonho desvaneceu-se… O companheiro com que sonhara partilhar a vida, não apareceu. Josefina sentiu-se velha, triste, solitária e, sobretudo, sem os sonhos que não conseguira concretizar!

Uma amiga de longa data bem a reconfortava:

- Nunca é tarde para sonhar e nunca devemos deixar de fazê-lo porque se o deixarmos de fazer a nossa vida pára. A tua vida não pode nunca parar. Ninguém consegue realizar todos os sonhos, mas se desiste nada há-de conseguir.

Nada!

Mas no silêncio das madrugadas perturbantes, em que, entontecida, despertava, Josefina, um dia, escreveu:

 

Era a ti que eu queria

era contigo que eu sonhava.

A ti eu me agarrava

e me prendia,

 

Eram os meus sonhos

que te traziam até mim,

desfazendo a escuridão do meu caminho

anulando os destroços

dos pesadelos em que navegava.

 

Tu eras o eco que ouvia,

a luz que me iluminava.

Caminhávamos, lado a lado, de mãos dadas,

Pelos caminhos que eu delineara.

 

Agora, os meus sonhos são quimeras,

desfeitas, assoladas por temporais,

onde me sinto só.

O silêncio do meu corpo

é o eco da sua ausência definitiva.

 

O suicídio dos meus sonhos

transformou o meu sentir

e rodeou-me de escuridão e medo.

 

Vagueio sozinha num tempo,

sem fim, sem sentido e sem ternura…

O meu corpo, dorido, rodopia

num silêncio, estranho, esquisito,

que quebrou e destruiu, por completo,

a minha inocência de menina

os meus sonhos de adolescente,

os meus desejos de mulher.

 

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publicado por picodavigia2 às 10:43





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