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A QUEDA DO CANDONGA

Sexta-feira, 19.05.17

Um dos maiores desastres ocorridos na Fajã Grande, na década de cinquenta do século passado, foi aquele em que o Candonga se envolveu e foi vítima.

Mestre José Candonga era um dos mais valentes e destemidos homens de quantos existiam na Fajã Grande, naqueles tempos. Era casado com a Anina Inácia, mulher muito humilde e trabalhadora, como se dizia na altura “não parava”. Como o marido, para além de esporadicamente ser acometido de doença mental, era baleeiro, pescador e, em tempos que não havia faina marítima, “dava dias para fora”, era ela que era o homem da casa, executando, com perfeição, todas os trabalhos de cultivo dos campos e tratamento do gado. Mas sempre que podia o Candonga ajudava pois para além de trabalhar as poucas terras que tinha, a sua principal e mais importante atividade era a de pescador e, sobretudo, de baleeiro. Nos meses em que a caça à baleia estava suspensa, não apenas demandava com frequência os melhores pesqueiros da Fajã como também, sempre que o mar o permitia, integrava a campanha de um ou outro dos poucos barcos de pesca que existiam na freguesia. A sua força e valentia, porém, não impediram de ser vítima de uma terrível doença mental que forçou a que fosse internado em hospital adequado. Como se isso não bastasse foi vítima de uma terrível queda na rocha a qual lhe trouxe algumas maleitas.

Como tinha poucas terras, nomeadamente terras de mato onde pudesse cortar lenha era forçado a ir fazê-lo para a rocha, para as zonas mais inóspitas e perigosas e que eram propriedade de ninguém.

Certa tarde dirigiu-se para a zona da Fonte Vermelha. Junto à fonte, na direção norte, havia uma vereda. Por aí seguiu o Candonga cuidando que por ali encontraria boa lenha. Andou uns bons metros e postou-se sobre uma enorme pedra ou verga. Ali havia lenha em abundância e era fácil, depois de cortada, atirá-la para uma zona mais baixa de onde fosse possível transportá-la para o caminho do mato. Azar dos azares! Ao atirar um pau que acabara de cortar, fê-lo de tal modo que ele próprio também caiu de uma altura com mais de 30 metros. A queda foi fatal até porque sobre pedras e rochas e o Candonga perdeu os sentidos. Como ninguém soubesse para onde tinha ido e como ninguém se apercebesse da tragédia o Candonga permaneceu ali até à noite, altura em que foi dado o alarme pela sua ausência. Mas como já era noite e não se sabia para onde tinha ido foi impossível procura-lo. O homem passou ali a noite, não se sabendo em que condições. Na manhã do dia seguinte começaram as buscas mas só ao fim da tarde, após alguém ouvir por ali alguns gemidos o Candonga foi encontrado. Mas não foi fácil retirá-lo daquele local ermo e abrupto. Para além de estar muito débil, o acesso ao local era muito difícil, assim como a descida da rocha, pelo que foi retirado em maca. Tinha muitas escoriações, alguns ossos quebrados e muitas feridas por todo o corpo. Além disso tinha sofrido muita fome e muito frio, sobretudo durante a noite.

Levado ao hospital de Santa Cruz recuperou e regressou a casa com saúde. Comentava-se que só um homem daquela têmpera e com a força e a valentia dele conseguiria resistir a tão grande queda e, sobretudo, à solidão e ao abandono de uma noite e de um dia num estado de tão grande debilidade e sofrimento.

Foi um dia de alvoroço em toda a freguesia.

 

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MORTES EM CATADUPA

Quarta-feira, 21.10.15

A segunda metade do século XIX, na Fajã Grande, foi desastrosa para a sua população, no que a falecimentos diz respeito. Verificaram-se dezenas e dezenas de mortes, não apenas de pessoas de meia-idade mas também de jovens e, sobretudo, de crianças. Estas foram tremendamente penalizadas, sendo que a mortalidade infantil, nalguns anos se cifrava em quase cinquenta por cento. Citam-se, a seguir, dois exemplos retirados dos livros de registo de óbitos da mais ocidental paróquia açoriana – São José da Fajã Grande.

O primeiro diz respeito à família de António Rodrigues Coelho e Ana Isabel do Coraição de Jesus, moradores na rua da Fontinha, naturais da Fajã Grande, onde casaram, em 5 de junho de 1862. No ano seguinte, a 17 de abril faleceu o primeiro rebento deste casal, uma menina de nome Maria, com apenas um mês de idade. Seguiram-se outras mortes, referentes a duas meninas, ambas com o nome da primeira irmã: uma em 3 de fevereiro de 1865 com apenas 5 dias de vida e outra em 24 de setembro de 1868. Como se isto não bastasse, em 27 de setembro de 1875 faleceu o filho José de 4 meses. Por sua vez o pai destas crianças, António Rodrigues Coelho faleceu em 18 de março de 1891 com 56 anos. Era filho de José Rodrigues Coelho e Maria de Freitas. A esposa, filha de Manuel Coelho Ramos e Rita de Jesus, faleceu três anos depois com 59 anos de idade. Uma filha deste casal que passou a habitar a mesma casa e que se chamava Maria Rodrigues Vieira casou, em 22 de Setembro de 1895, com um grumete da armada, chamado Eduardo Vieira, viúvo, natural do Funchal, ilha da Madeira. Num curto espaço de tempo faleceram-lhe nove filhos. Em 6 de setembro de 1895 faleceu o filho José com 68 dias. Em 10 de outubro de 1898, faleceu o filho Eduardo de 58 dias. Em 15 de outubro de 1899 faleceu o filho João com um mês. Em 4 de Julho de 1906 faleceu o filho António com 11 meses. Em 9 de julho de 1907 faleceu o filho António de 9 meses e em 10 de setembro de 1908 faleceu o filho Eduardo de 6 meses. Finalmente, em 1 de Fevereiro de 1909 o casal teve dois gémeos nados mortos. Maria Rodrigues Vieira, naturalmente muito amargurada da vida, faleceu no ano seguinte, em 9 de Agosto de 1910 com apenas 42 anos. Quinze dias antes falecera-lhe o filho Leopoldo de 11 dias.

Outro exemplo entre dezenas e dezenas e dezenas de famílias que em tempos recuados viveram na Fajã Grande foi a de José Inácio de Freitas, lavrador e Maria Florinda da Glória que casaram na igreja paroquial da Fajãzinha, em 16 de dezembro de 1841. Um filho, ainda criança, de nome Constantino faleceu em 22 de agosto de 1868. Em 4 de setembro de 1880 faleceu a filha Mara Florinda de 26 anos, solteira e algum tempo depois faleceu a filha Maria Constantina de 29 anos, também solteira. Maria Florinda faleceu em 20 de janeiro de 1889 com, 62 anos sendo mãe de seis filhos, um dos quais, solteiro, faleceu pouco tempo depois. O marido faleceu em 21 de abril de 1891. Em 1 de janeiro 1898 ainda faleceu uma familiar desta família, de nome Maria de Jesus, de 80 anos, solteira. Mas a um filho deste casal, de nome Carlos Inácio de Freitas que casou em 7 de Novembro 1888 com Maria Fagundes da Silveira, filha de Francisco Lourenço da Silveira e de Maria Luísa da Silveira e que moravam na mesma casa nas Courelas também faleceram vários filhos: em 1893 a filha Maria de 2 meses, em 1896-um recém-nascido, sem nome e em 1900 o filho José de 2 meses. O pai destas crianças Carlos Inácio de Freitas faleceu em 3 de Abril de 1902 com 49 anos.

No que aos meus avós paternos diz respeito, até porque ouvia referir que haviam falecido em criança vários irmãos de meu pai, não foram tantos os rebentos falecidos. Eles eram António Lourenço Fagundes e Maria de Jesus Fagundes e casaram em novembro de 1882. Em 27 de março de 1883 faleceu primeiro filho dos meus avós paternos, com quatro minutos de vida e que nem teve nome. Em 23 de abril do ano seguinte faleceu, recém-nascida, uma menina também sem nome. O terceiro filho, também sem nome e com apenas um minuto de vida faleceu em março de 1886. Em 1 de junho de 1891 faleceu a filha Maria de nove meses e em 5 de maio do ano seguinte outra Maria. Finalmente em 1904 faleceu outra menina com o mesmo nome e com apenas dez dias de vida.

Mortes em catadupa! Tragédias e tragédias hoje impensáveis e para as quais contribuíam, decerto, entre outras causas, uma alimentação muito pobre e deficiente, más condições higiénicas, não assistência médica nos partos e durante a gravidez, assistência médica às famílias inexistente e uma consanguinidade muito próxima e frequente.

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TRÊS ACIDENTES NO MAR NO INÍCIO DO SÉCULO XX

Terça-feira, 13.10.15

De acordo com os livros de registo de óbitos da freguesia de São José da Fajã Grande, vários acidentes tiveram lugar nos mares da mais ocidental freguesia açoriana, nos finais do século XIX e início do século XX, nos quais faleceram várias pessoas.

Assim, a nove de Abril de 1900, por volta das seis horas da manhã foi encontrada no mar da Ponta, para os lados do ilhéu do Cão, Maria Rosa de Jesus, moradora na Rua da Fonte, do Lugar da Ponta, filha de José Francisco Furtado e Maria Rosa. Era solteira, doméstica e tinha cinquenta e quatro anos. Não tinha filhos. Possivelmente terá sido vítima de um ato tresloucado ou então ter-se-á deslocado para o rolo e baixio da Ponta a fim de apanhar lapas, sendo vítima de uma escorregadela fatídica. No entanto esta segunda hipótese parece ser pouco provável, uma vez que em Abril, na ilha das Flores, às seis horas da manhã ainda é noite escura e, por conseguinte, uma altura pouco apropriada para alguém ir às lapas.

Outro estranho acidente, ocorreu alguns anos depois, no lugar do Canto do Areal, próximo do local onde anos mais tarde naufragaria a barca Bidart. No dia dezanove de Dezembro, pelas três horas da tarde, foi arrebatada pelo mar, uma criança de nome Manuel, de 10 anos, filho de Manuel Rodrigues Felizardo, conhecido na década de cinquenta por Ti Mateus Felizardo, e de Maria Fagundes Felizardo. O pároco da freguesia, padre Francisco Vieira Bizarra, no registo de óbito, descreve assim o trágico acidente: “…verificando os companheiros com quem ali brincava que o seu corpo boiava ao largo já cadáver não tendo sido arrojado à costa, até hoje, dia 27 do corrente mês e ano.” Daqui se conclui que para grande mágoa dos pais e familiares o corpo da criança nunca deu à costa, sendo sepultado no mar, pelo que foi feito apenas o registo do seu óbito.

Mas o grande acidente, cujos ecos ainda se ouviam nas ruas e casas da Fajã Grande, na década de cinquenta deu-se no mar dos Fanais, lugar idílico e de rara beleza e dotado de excelentes pesqueiros. A jovem Maria Amélia Pacheco, filha de Mariano Pacheco, natural de Ponta Garça S. Miguel, na década cinquenta conhecido por de mestre Mariano e de Ermelinda Amélia Alves namorava o jovem José Joaquim Pimentel de 21 anos, morador na Tronqueira, filho de António Joaquim e de Maria Florinda. Este casal de jovens na tarde do dia 14 de Março de 1906 decidiu dar um passeio de barco para o maravilhoso lugar dos Fanais, junto ao ilhéu de Maria Vaz, levando consigo João, uma criança de dez anos, irmão da Maria Amélia. Sem que nada o fizesse prever a alegria destes jovens foi desfeita por um terrível acidente, conhecido como O acidente dos Fanais. O acidente deu-se por volta das duas horas da tarde do dia 14 de Março de 1906, tendo a embarcação sido vítima de uma “submersão marítima acidental”. O cadáver da jovem, encontrado na tarde do mesmo dia, foi transportado em maca para a Fajã Grande, sendo feito o funeral no dia seguinte. Juntamente com ela faleceu o irmão João de seis anos, cujo corpo foi encontrado alguns dias depois Residiam na Via d´Água, No mesmo acidente faleceu o namorado de Maria Amélia, José Joaquim Pimentel de 21 anos, morador na Tronqueira, filho de António Joaquim e de Maria Florinda No entanto o seu corpo apenas foi encontrado quinze dias depois já em adiantado estado de putrefação, pelo que nem foi retirado do mar, onde ficou sepultado.

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DESASTRE NA RETORTA

Sexta-feira, 24.04.15

Mais um acidente trágico acidente aconteceu, nos mares da Fajã Grande, no final do século XIX. Na madrugada do dia 5 de Julho de 1899, mais precisamente às 4 da manhã, uma embarcação de pesca, com a matrícula JC324P terá naufragado na Ponta do Baixio, na Fajã Grande, ilha das Flores, mais concretamente, por fora da Retorta, quase no enfiamento da Poça das Salemas, no Canto do Areal, onde dezasseis anos mais tarde havia de naufragar a barca Bidarta. A bordo da pequena e frágil embarcação seguia apenas um homem de nome António Fraga Cardoso, agricultor, mas que naquela madrugada optou por ir à pesca. António Fraga Cardoso, tinha 65 anos, era solteiro, trabalhador agrícola. Era filho de João de Fraga Mancebo e de Maria de Jesus Cardoso. Pouco mais se sabe sobre o acidente, desconhecendo-se se terá sido por causa da forte agitação do mar ou se devido ao escuro da noite ou a outro motivo qualquer que tenha levado a a embarcação tenha embatido contra algum rochedo ou baixa por ali existente. Outra hipótese a considerar ainda é a de que o sinistrado, eventualmente, tenha sido acometido de alguma doença súbita que tenha provocado o acidente da embarcação. O cadáver foi encontrado e retirado do mar, sendo sepultado no cemitério da freguesia.

Estes dados foram retirados do registo de óbito do falecido, registado no livro de Registo de Óbitos da Paróquia de São José da Fajã Grande, com o nº 13, respeitante ao ano de 1899, elaborado pelo vigário Francisco José Constantino Flores.

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ACIDENTE NO CANTINHO

Segunda-feira, 23.03.15

No dia 20 de março do ano de 1891 deu-se mais uma trágica morte no mar da Fajã Grande, segundo se pode concluir de dados contidos no livro de registo de óbitos referentes àquele ano. O estranho acidente terá acontecido durante a noite do dia 19 para o dia 20, uma vez que o corpo foi encontrado às 6 horas da manhã, a boiar no mar, no lugar do Cantinho, ou seja no, atualmente, chamado Porto Novo. O cadáver foi identificado como sendo António Joaquim da Silveira, de 32 anos, sem profissão, solteiro, filho natural ou ilegítimo de Maria Emília da Glória. Era neto materno de José António Lourenço da Silveira e de Mariana Claudina da Silveira e nascera a 12 de abril de 1859, tendo sido batizado na igreja paroquial de Nossa Senhora dos Remédios da Fajãzinha a dezassete do mesmo mês, uma vez que nessa data a Fajã Grande ainda não fosse paróquia, embora tivesse uma pequena ermida e um cura pelo cura, o padre António José de Freitas que realizou o batismo. Recorde-se que o padre António José de Freitas nasceu na Fajã Grande em 14 de Agosto de 1808. Era filho do alferes Inácio José de Freitas e de sua mulher Maria de Jesus Ter-se-á ordenado presbítero em 1841, ou alguns anos antes, uma vez que nesse ano já era reitor na Lomba, Em 1848 transitou para a Fajã Grande, como capelão da ermida ali existente, funcionando como uma espécie de curato, pertencente à paróquia das Fajãs, com sede na Fajãzinha, tendo como igreja paroquial, a igreja de Nossa Senhora dos Remédios. Colocado na sua terra natal, ali permaneceu até 1851. Nessa altura foi transferido para o Mosteiro, regressando à Fajã Grande, tornando-se, em 1861, o primeiro pároco da nova freguesia, onde veio a falecer, a 8 de Março de 1881, com 73 anos.

Filho de pai incógnito, sem profissão e o acidente ocorreu durante a noite do dia da festa do padroeiro da ermida da Fajã Grande, São José. Tratam-se de indícios que poderão permitir que o rapaz, eventualmente, de costumes pouco abonatórios, se possa ter excedido, talvez com bebida ou então poder-se-á ter tratado de um suicídio. O registo, no entanto, nada permite concluir.

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O ACIDENTE DO POIO

Terça-feira, 24.02.15

No dia 18 de Janeiro do longínquo ano de 1887, mais um trágico acidente assolou a população da Fajã Grande, quando o povoado, com pouco mais de duas décadas de existência como freguesia, se solidificava e fortalecia. Pelas 4 ou 5 horas da tarde, não se sabe bem ao certo, foi encontrado morto um jovem de 18 anos, de nome José Cristiano Rodrigues Júnior.

O malogrado José era filho único de José Cristiano Ramos e de Margarida Jacinta Rodrigues, residente na rua das Courelas, na casa que fora dos seus avós paternos, sendo viva, na altura apenas a avó Margarida de Jesus. Estes são os dados que se podem retirar do registo de óbito deste jovem. No entanto, como foi opai deste jovem, José Cristiano Ramos que adotou a minha avó materna, depois de ela ficar órfã de mãe, ouvi, muitas vezes, em criança ela contar esta história. Os pais sofreram um desgosto tremendo. O rapaz havia ido para o mato tratar de gado terá sido atingido por uma pedra caída duma encosta.

Consta que a falta causada pela perda do filho foi a principal razão pela qual ele e a esposa adotaram a minha avó, que não se poupava em louvar e bendizer a bondade deste casal, sobretudo dele, porque a esposa enlouqueceu algum tempo depois, tendo-lhe dado muito trabalho. Pai Cristiano, como era familiarmente tratado, era um homem, bondoso, honesto, trabalhador e consta que muito religioso. Faleceu repentinamente quando, já doente, resolveu ir cortar uma árvore numa terra que tinha no Cabeço da Rocha, perto da Silveirinha.

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O ACIDENTE NA QUEBRADA DOS FANAIS

Quarta-feira, 10.12.14

No dia 3 de Abril do ano de 1871 foi encontrado morto na Quebrada dos Fanais, no lugar da Ponta da freguesia da Fajã Grande, Francisco Inácio Serpa, natural e residente no mesmo lugar da Ponta. O falecido que muito provavelmente se deslocara para ali sozinho era casado com Ana de Freitas, deixou três filhos e, naturalmente, muitos outros parentes e amigos que choraram a sua morte. Era filho de Manuel Caetano Serpa, natural da freguesia do Lajedo, e de Mariana de Jesus natural do lugar da Ponta, ambos já falecidos.

Francisco Serpa não deixou testamento e foi sepultado no cemitério da freguesia, tendo presidido às cerimónias fúnebres o pároco António José de Freitas. Muito provavelmente terá sido encontrado apenas quando procurado, depois da sua família estranhar a sua demora naqueles andurriais.

A Quebrada dos Fanais fica situada na rocha dos Fanais e na baía com o mesmo nome, tendo em frente o ilhéu de Maria Vaz ou da Gadelha e resultou de uma antiga derrocada da rocha, sobre o mar, formando uma pequena fajã. Apesar de muito distante do povoado da Ponta e de ser local de difícil acesso, era um lugar muito procurado, por ser muito fértil, onde floresciam bons inhames e, sobretudo, por ser um ótimo pesqueiro. Além disso também era lugar privilegiado, por ser muito escondido, permitindo assim que as baleeiras americanas se abastecessem de água e por onde se esquivavam, muitos homens na demanda da América. Mas era um sítio muito perigoso, uma vez que o seu acesso obrigava a descer uma rocha íngreme, de onde, frequentemente, caíam pedregulhos e derrocadas. Muitos outros acidentes ali se terão verificado, sobretudo no século XIX.

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A MORTE INESPERADA DO NESTOR

Segunda-feira, 13.10.14

O Nestor foi o melhor jogador de futebol, de sempre, da Fajã Grande e fez parte da equipa de futebol desta freguesia, que, nos anos trinta, deu início à prática do futebol, na mesma. Nessa altura, os jogos realizam-se num campo situado no Estaleiro, entre o Porto e o Calhau Miúdo, num serrado que ali existia e que, posteriormente, foi dividido por “malhões” dado que pertencia a três donos: ao Laureano Cardoso, ao António Barbeiro e ao Chileno. Foi esta equipa, de que o Nestor era, sem sombra de dúvida, o melhor jogador, que efetuou o primeiro jogo oficial de futebol, na freguesia mais ocidental da Europa, sendo a partida disputada contra uma equipa das Lajes, o “Nacional Sport Club”, tendo-se realizado no dia 24 de Julho de 1939, data em que o campo também foi oficialmente inaugurado. O clube se chamava-se “Fajã Grande Sport Clube”, equipando com camisola azul e calção branco, o qual originaria, mais tarde, o Clube da Fajã Grande, que revê o seu apogeu na década de cinquenta.

Este e alguns outros jogos fez o Nestor, defendendo as cores do team fajãgrandense. Dizia, quem ainda o viu jogar, que era o melhor jogador de sempre da Fajã Grande. Um excelente avançado centro e um grande marcador, A tragédia, no entanto, havia de o atingir, tendo o Nestor falecido bastante novo e a sua morte deveu-se a um, perfeitamente, evitável acidente ligado ao próprio futebol. Durante um jogo, disputado já no campo das Furnas, a bola terá ido parar ao mar. Como só havia uma, o jogo parou e coube ao Nestor ir buscá-la, para o que teve que se atirar à água. Era Inverno e esta estava muito fria e o Nestor muito suado. O contacto com a água gelada ter-lhe-á provocado uma constipação, seguida de uma pneumonia e depois uma tuberculose que lhe foi fatal.

A sua morte e o acidente que a provocou foram uma enorme tragédia para a freguesia, sendo presente na memória de todos, sobretudo porque prematura e inesperada, durante décadas.

 

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A ENXURRADA DA PONTA

Sexta-feira, 17.01.14

Situada a norte da Fajã Grande, o lugar da Ponta fica encastoado entre a rocha e o mar, numa faixa de terreno rectangular, uma espécie de belga gigante, balizada entre a Ribeira do Cão e a Rocha do Risco. A Rocha pétrea e abrupta protege e abriga aquele pequeno povoado, dos ventos fortes de leste e é sulcada por diversas ribeiras e grotas, muitas delas a ostentar, na descida, belas e maravilhosas quedas de água, concedendo ao lugar da Ponta uma beleza impar, uma frescura inebriante e uma sonoridade inigualável. Além disso, a Ponta beneficia da Rocha, não apenas porque nela se aninha e abriga, mas também porque dela recebe grande parte dos produtos necessários ao seu sustento e dos próprios animais. Mas por vezes a rocha também é madrasta, porquanto nela se reflectem, intensamente, os calores do Verão, que depois são rechaçados para cima dos casebres e, muito especialmente, porque, de em vez em quando irrompe torturante e ameaçadora, lançando sobre o povoado jactos de terra, pedras e lama. São as ribanceiras ou enxurradas que, por onde passam deixam o caos e a destruição.

Uma das maiores derrocadas de que a Ponta foi vítima, aconteceu na década de sessenta. Decorria o mês de Setembro. Na véspera da festa da Senhora da Saúde, chuvas torrenciais desabaram sem dó nem piedade sobre a orla oeste da ilha das Flores, atingindo sobretudo a zona das Fajãs. A penetração das águas torrenciais nos aclives e socalcos da rocha sobretudo nos terrenos circundantes às margens de grotas e ribeiras e, sobretudo, o grosso e volumoso caudal de que estas últimas foram vítimas, fez com que se enchessem de terra, pedras, lama e árvores, arrastando tudo isso na descida da rocha, precipitando-se avassaladoramente sobre os terrenos circundantes às casas. Na Ponta, uma das ribeiras que atravessava a localidade, excedeu-se, excessivamente, no seu caudal, provocando uma derrocada de pedras e lama que destruiu terrenos, caminho, atalhos veredas, casas velhas e atingiu algumas moradias.

Curiosamente era nos arrabaldes do leito dessa ribeira que existia o matadouro do gado, utilizado para abater as reses por altura das festas do Espírito Santo ou quando algum americano prometia um jantar em louvor da Terceira Pessoa da Trindade. Assim, naquele local, existia um nicho, em forma de pequena capelinha, que tinha gravado os símbolos do Paráclito e onde se colocava a coroa, enquanto se abatia o gado, trazido e levado em procissão e com o acompanhamento dos foliões.

Após a catástrofe e para espanto de todos, a derrocada destruiu tudo ao redor do nicho, não deixando pedra sobre pedra. Apenas este, mantendo a sua alvura e solidez, permanecia absolutamente intacto como se nada por ali tivesse passado. Por isso mesmo o povo cuidou que se tratava de um verdadeiro milagre do Senhor Espírito Santo.

Este não desmoronar-se do nicho onde se colocava a coroa do Senhor Espírito Santo tornou-se ainda mais simbólico e misterioso por quanto foi interpretativo do solidificar-se duma clara e notória oposição existente na altura em todas as ilhas, a determinações do bispo diocesano que culminaram na “Excomunhão” dos Impérios e na proibição dos símbolos do Espírito Santo entrarem nas igrejas paroquiais e serem colocados sobre os altares.

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O ACIDENTE NA POÇA DAS SALEMAS

Sábado, 28.12.13

Em meados da década de sessenta, a população da Fajã Grande foi alarmada por mais um acidente mortal, no mar. O José Joaquim fora encontrado, praticamente sem vida, na Poça das Salemas

José Joaquim Cardoso de Freitas era filho do Roberto de José Padre e da Madalena da Maria da Ponta, que moravam na rua da Via d’Água, numa casa térrea, mas caiada de branco, situada ao lado de um chafariz que havia, precisamente na maior curva daquela artéria, em frente à antiga casa do Senhor Arnaldo, derrubada a quando da abertura da estrada que ligava o Porto da Fajã à Ribeira Grande.

Nascido no final da década de quarenta, o José Joaquim teve uma infância pouco feliz, não granjeando simpatias, não dispondo de grandes oportunidades para ser feliz, nem sendo contemplado com a sorte ou bafejado pela fortuna, nem sequer agraciado pelo bem-estar. Talvez por tudo isso e por muito mais, ao terminar a escola primária foi-lhe dada a oportunidade de ingressar no Seminário Diocesano, cujos primeiros cinco anos, nessa altura, deviam ser cumpridos no Seminário Colégio de Ponta Delgada, em São Miguel, onde aquela instituição estava sediada. Agarrou, inicialmente, com ambas as mãos a oportunidade que lhe era disponibilizada, para se libertar dos trabalhos quase esclavagistas a que era obrigado, das canseiras, dos aborrecimentos, dos constrangimentos e de outros males que sobre si caíam. Mais tarde, porém, falhou. Os estudos não correram da melhor forma, a inteligência era algo limitada e a vontade de estudar quase nula, fracassando em quase todas as disciplinas. Assim foi forçado a regressar à Fajã, com um destino incerto, com um futuro problemático, com um percurso devida assinalado pelo estigma do insucesso. De fracasso em fracasso, o José Joaquim entrou num mundo onde as oportunidades de ser feliz eram raras e diminutas e a capacidade de se realizar como pessoa era-lhe cerceada quase por completo. Eram esbatidas, esfumadas e dispersas as perspectivas que lhe delineavam o futuro. Tentou de tudo um pouco, mas quase nada conseguiu com eficiência e eficácia, até que o infortúnio havia de lhe bater à porta, pondo-lhe fim à vida.

Certa tarde decidiu-se por ir aos polvos para o Canto do Areal, com vontade e energia de percorrer, se necessário, todos os caneiros e poças que por ali abundam, desde a Poça das Salemas até à Coalheira e ao Caneiro das Furnas, a fim de conseguir apanhar meia dúzia de polvos que pudesse vender e fazer algum dinheiro. Partiu sozinho como já fizera outras vezes. Caniço curto e grosso na mão, “pexeiro” às costas, iniciou a pescaria com a necessária captura de caranguejos, meia dúzia que fossem para amarrar ao nylon do caniço e pô-los a balancear para cá e para lá, nas poças, a fim de despertar o apetite dos octópodes. Os excêntricos moluscos marinhos logo que vissem os caranguejos a nadar, embora mortos e amarrados com o fio invisível, cuidando que eles estavam vivos e ali à sua disposição, haviam de sair das suas buracas e atirar-se a eles como Santiago aos Mouros. Aí ele, José Joaquim, muito rápido e certeiro havia de lhes enfiar o “pexeiro” com um enorme anzol e prendê-los de tal maneira que nenhum havia de lhe escapar.

Entusiasmado com o presumível sucesso da pescaria, começou na Poça das Salemas de fora. A maré estava muito seca e chegava lá muito bem, a pé. Mas os arrabaldes da poça, normalmente cobertos de água estavam a abarrotar de limos verdes, de sargaços molhados, de algas escorregadias e perigosas e o José Joaquim não sabia nadar. Provavelmente uma escorregadela e estatelou-se sobre o baixio, batendo com a cabeça e, como se isso não bastasse, escapuliu para dentro da poça, cheia de água, ficando ali a flutuar de costas para cima, como alguém o encontrou, algumas horas depois.

Na tentativa de o salvar, apesar de estar morto, ainda foi levado para o Hospital de Santa Cruz, onde foi registado o óbito, tendo sido sepultado, no dia seguinte, no cemitério daquela vila.  

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O INCÊNDIO DA CUADA

Sexta-feira, 29.11.13

Glória era uma das filhas de José Maria de Sousa e Maria José Teodósio, naturais e residentes na Cuada e que casaram na igreja paroquial da Fajã Grande, no dia 8 de Julho de 1877. Quis o destino que Maria José falecesse muito nova e José Maria, passados alguns anos, voltasse a casar, doando os filhos que tivera do primeiro casamento a famílias da Fajã que os criaram e educaram, com excepção de Glória que continuou a viver na casa de seus pais, no pequenino e isolado lugar da Cuada, freguesia da Fajã Grande.

Com muito trabalho e não menos sacrifício, lutando contra a fome e contra a pobreza, vencendo obstáculos e suplantando limitações, conquistando a sua vida por si própria, Glória cresceu, tornou.se moçoila saudável e robusta. Mulher feita ainda jovem, casou com Francisco, recentemente regressado das Américas. Mas, assim como a de Glória, a vida de Francisco não tinha sido fácil. Tal como muitos outros rapazes da Fajã, encafuados entre trabalhos e misérias, debaixo daquelas rochas e penhascos, Francisco também sonhou com a América e, um dia, para lá decidiu partir. Escondeu-se, à noitinha, nas margens da Ribeira das Casas e de madrugada atirou-se à aventura, navegando num pequeno batel que o conduziria a bordo de uma Escuma americana, ancorada nas redondezas do Monchique, carregada de água, verduras, carne, marinheiros e mais dois clandestinos. A guarda do forte da Castelhana, apercebendo-se da fuga e do embuste, atirou a matar sobre o batel. Francisco, temendo ser alvejado ou preso e impedido de fugir, atirou-se ao mar, nadando na direcção da Escuma, por entre os tiros da guarda cada vez mais intensos e certeiros. Francisco escapou e, passados alguns meses, chegou à Califórnia, prometendo, no meio da sua aflição, um jantar em honra do Senhor Espírito Santo, do “Portal ao Risco”.

Mas a vida de Francisco na América não foi fácil, nem a sorte o bafejou, regressando, algum tempo depois à Fajã, pobre, triste e acabrunhado. Foi então que casou com Glória, fixando residência na Cuada e com ela trabalhou, cavou, lavrou, ceifou, adquiriu uma ou outra terra e morreu, ainda novo, deixando onze filhos órfãos, a promessa por pagar  e Glória viúva. Glória chorou-o com dor, lembrou-o com saudade mas decidiu que tinha que ser forte e que havia de ser ela sozinha a criar e educar os seus filhos.

Ainda mal o luto se havia levantado, o dos filhos, porque o seu, Glória havia de guardá-lo para sempre, e nova tragédia havia de acontecer. A casa onde moravam, situada no único largo existente na Cuada e onde o caminho que seguia da Fajã se bifurcava para a Eira da Cuada e para o Vale Fundo, possuía, na parte inferior, duas lojas. Uma delas estava destinada ao gado enquanto a outra servia para guardar, juntamente com as rudimentares alfaias agrícolas, a rama seca, destinada ao alimento dos bovinos no inverno. Uma das filhas, inadvertidamente, numa noite escura, deslocou-se à loja e acendeu um fósforo num sítio onde havia a rama seca e, de um momento para o outro, sem que ninguém se apercebesse ou pudesse fazer o que quer que fosse, o fogo propagou-se pela rama, pelas madeiras e pelos pobres recheios da casa, incendiando e queimando, em instantes, tudo o que ali existia, provocando um enorme alarido em toda a Cuada. Os vizinhos acorreram com baldes e latas de água, chegaram pessoas da Fajã para ajudar, mas já era tarde. A casa ficou totalmente destruída, assim como todo o seu recheio. Glória e os filhos ficaram apenas com a roupa que vestiam no momento.

Mas Glória não desistiu e voltou a arregaçar as mangas. De toda a ilha e da América chegaram roupas e ajuda. Reconstruíram a casa e reorganizaram a vida, embora aquele terrível incêndio deixasse, para sempre, marcas horrorosas e indeléveis na memória e na mente daquelas crianças, algumas das quais, mais tarde e já adultas, acabaram por ser vítimas de doenças mentais com agravados desgastes emocionais e com acentuados desequilíbrios da sua personalidade. Glória, porém, manteve-se sempre firme vigorosa, acompanhando-os, amparando-os e confortando-os nas doenças e tendo ainda que superar os vitupérios e as injúrias de algumas mentes maliciosas e ingénuas que insinuavam que o incêndio teria sido “castigo” do Senhor Espírito Santo porque a promessa do jantar não fora paga.

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publicado por picodavigia2 às 09:22

O DESASTRE DA RIBEIRA DAS CASAS

Quarta-feira, 20.11.13

Na Fajã Grande chovia com muita frequência e intensidade, pelo que não era necessário regar os campos com a água das nascentes ou das ribeiras, umas e outras a proliferar pela freguesia e a alagar escarpas e veredas. Se por vezes não chovia o necessário, o que acontecia, excepcionalmente, apenas nos meses de verão, faziam-se “rogações” e normalmente Deus atendia as rituais orações do pároco e as fervorosas preces do povo, concedendo a chuva tão desejada e necessária para os campos.

Assim a água que nascia lá do fundo da terra, sobretudo, no Mato e na Rocha e que escorria, em belas cascatas, pelas grotas e ribeiras daquele altíssimo alcantil, sobranceiro à freguesia, era aproveitada apenas e exclusivamente para alimentar os moinhos e para drenar lagoas, ou seja, os terrenos pantanosos onde a erva crescia substancialmente e era ceifada e acarretada para os palheiros para alimento do gado, ou simplesmente servia para lavar roupas e tripas, nos pequenos lagos que se formavam, sobretudo na Ribeira das Casas e na Ribeira, os cursos de água mais próximas do povoado.

Mas para que a água corresse na direcção dos moinhos e movimentasse os seus engenhos com a sua força motriz era preciso controlar o seu caudal, desviá-la do seu curso regular e conduzi-la por regos e levadas, na direcção dos moinhos. A principal ribeira que alimentava moinhos na Fajã Grande, para além da Ribeira do Cão lá para os lados da Ponta, era a Ribeira das Casas.

Orientar e canalizar as suas águas no espaço que ela percorria cá em baixo, perto do povoado e em terreno chão, serpenteando por entre relvas e campos de milho, a ligar o mítico Poço do Bacalhau ao Rolo, onde tinha a sua foz, era tarefa relativamente fácil e nada perigosa. Mas fazê-lo lá no alto, por cima da Rocha, já no Mato, na zona do Bracéu, onde ela corria, altiva e volumosa através de um leito crivado de pedregulhos e com as margens rodeadas de silvados, de calhaus e de bardos de hortênsias era bem mais difícil e perigoso. Mas a tarefa tinha que ser efectuada pelos donos dos moinhos ou pelos seus familiares.

Certa tarde, o moinho do Engenho, situado na margem direita da Ribeira das Casas, logo abaixo das Águas, parou de repente, sem que ninguém o esperasse. Cuidaram os seus proprietários que tal paragem se devia a um inesperado corte de água, lá para cima, no Mato, possivelmente devido a alguma ovelha morta, caída no Caldeirão e que ali encalhara, a alguma ribanceira que se tivesse despenhado, entulhando o caudal ou a outro motivo qualquer. Assim, era imperioso que a ribeira retomasse o seu curso normal e a sua água chegasse ao moinho. O Antonino de José Luís e o Francisco de José Francisco, de imediato, se prontificaram junto dos pais para resolver o imbróglio. Decidiram caminhar os dois para o Mato, com destino ao lugar do Bracéu, nas margens da Ribeira das Casas, precisamente na tentativa de recuperar, orientar e coordenar as suas águas, no sentido de que elas voltassem a alimentar o moinho que não poderia continuar parado. Sem que nada o fizesse prever, enquanto se baixavam para chafurdar nos lodos, arrancar leivas, retirar pedregulhos e troncos de árvores ali encravados pelas enxurradas, a fim de abrir espaço por onde a água voltasse a deslizar, um enorme calhau despenhou-se do alto, atingindo mortalmente o Francisco. Perante o corpo inanimado do amigo, o Antonino começou a fazer sinais alarmantes e a gritar na direcção do povoado, a fim de informar o que se passava e ser enviado auxílio. Foram alguns velhotes que estavam sentados na banqueta da Casa de Espírito Santo de Baixo, a descansar, que deram pelo rebate. Logo grupos de homens partiram lestos para o local enquanto familiares, amigos e praticamente toda a população da Fajã gritava, chorava, clamava e berrava prevendo que enorme desgraça acontecera. No entanto uns homens da Ponta que andavam pero dali, na Rocha, para os lados das Covas, ouvindo os gritos e apercebendo-se da tragédia, adiantaram-se e subindo pela rocha do Vime, chegaram, mais cedo, ao local. Nem eles nem os da Fajã que demandaram o local pouco depois, puderam fazer o que quer que fosse para salvar o Francisco. Na realidade o Francisco estava morto e o Antonino em estado de choque. Desceram a Rocha, com o cadáver às costas e o Antonino aos ombros, por entre os choros e os lamentos de toda a freguesia. O féretro foi colocado na casa velha do Laureano Cardoso, à Praça, aguardando a chegada do Padre Pimentel que alguém fora chamar à Fajãzinha, para onde o reverendo se havia deslocado, a fim de participar na Festa do Patrocínio.

Após ser ungido com a Santa Unção, o corpo do Francisco foi transportado numa simples escada, até à casa dos pais, na Tronqueira, onde foi velado, sendo sepultado no dia seguinte.

Um trágico acontecimento que atingiu drasticamente uma freguesia inteira. O Francisco, um jovem na flor da vida, era muito respeitado e querido, amigo de todos e tinha o seu casamento marcado, precisamente com uma irmã do amigo que o acompanhou em momento tão trágico.

 

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publicado por picodavigia2 às 09:53

O DESASTRE DO VALE FUNDO

Quinta-feira, 17.10.13

Durante a construção da estrada que liga o Porto da Fajã à Ribeira Grande foi necessário partir muito calhau e rebentar muita pedreira. O traçado da estrada, ao contrário dos caminhos antigos que nos seus trajectos procuravam os locais mais fáceis de abrir, era quase rectilíneo, desviado dos antigos caminhos, atravessando terras e serrados, cortando montes e tapando vales, rompendo por todo e qualquer sítio, sem dó nem piedade. Ao serem escavados os montes, no entanto, por vezes, surgiam enormes, pétreos e pesados calhaus ou indomáveis e tremendas pedreiras que só poderiam ser retiradas dali, a fim de desobstruírem o traçado da estrada, depois de partidas e desfeitas em mil pedaços. Os empreiteiros, vindos da Terceira, sabiam-no bem e, por isso, vieram prevenidos e preparados com pólvora, dinamite e os respectivos meios de perfuração de tão inexauríveis rochedos em que a ilha das Flores e, muito especialmente, a zona das fajãs era pródiga.

O processo de remoção de um calhau ou grande pedregulho era moroso, árduo e bastante complicado. Era necessário fazer um furo na respectiva pedra. Para tal eram necessários três homens: um a segurar a cavilha de ferro que muito lentamente ia fazendo um furo no penedo e dois outros homens batiam alternadamente com martelos de ferro na cavilha. De vez em quando tinham que parar para limpar o pó que se acumulava no orifício que, aos poucos, se ia perfurando. Só depois de pronto era metida uma vela de dinamite no buraco e a ela se ligava um “fiusgo” bastante comprido. De seguida gritava-se bem alto “fooooooooogo” para que não apenas os trabalhadores mas também quem por ali passasse ou andasse se colocasse em sítios protegidos. Só então se acendia lume no fio que ia ardendo lentamente até chegar à vela, provocando uma estrondosa explosão e o consequente rebentamento da pedra, que simultaneamente fazia explodir pelo arredores uma série de lascas cortantes como navalhas e uma enorme quantidade de pequenos pedregulhos tão mortíferos como balas. Mas os empreiteiros não terão trazido as velas de dinamite necessárias para tão grande quantidade de rochedos e, por isso, em alternativa ao dinamite, usavam. Sobretudo na parte final da empreitada, uma mistura de pólvora e outros explosivos, o que se tornava ainda mais perigoso.

Ora aconteceu que numa destas operações, lá para os lados do Vale Fundo, já quase junto à Ribeira do Ferreiro, ao preparar uma pedra com pólvora, esta terá sido atingida inadvertidamente por uma faísca que provocou uma explosão e um rebentamento, o qua apanhou alguns trabalhadores de surpresa. Foram atingidos gravemente três homens: o Corvelo, o Francisco Facha e o Roberto de José Padre. O Corvelo teve morte imediata, o Francisco Facha ficou gravemente ferido, sendo evacuado para Lisboa tendo perdido um dos olhos, enquanto o Roberto, o ferido com menor gravidade, foi evacuado para o Faial.

A notícia do acidente foi recebida no povoado com grande alvoroço e preocupação. As informações eram confusas e contraditórias e muita gente acorreu ao lugar para se certificar se algum familiar tinha sido atingido.

Apesar de grave e causar uma morte, no entanto, as consequências deste acidente poderiam ter sido bem maiores. No entanto ele constitui um marco bem amargo e doloroso no historial da construção daquele pequeno troço de estrada que havia ligar definitivamente a Fajã Grande a Santa Cruz, às Lajes e ao resto da ilha.

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publicado por picodavigia2 às 23:18





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