PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
FILHOSES
Um dos doces que nunca faltava em todas as casas da Fajã Grande, nos dias de Carnaval eram as filhoses. Tratava-se de um doce tipicamente açoriano que tinha como base uma versão da massa sovada mas com um tratamento final muito diferente. A massa sovada, tradicional nas festas do Espirito Santo e nas bodas dos casamentos era cozida no forno sobre a forma de pão, no primeiro caso e de rosquilhas no segundo enquanto as filhoses típicas dos dias de Entrudo eram fritas sobre a forma de pequenos pedaços retirados da massa e fritos de depois de esticados e moldados com as mãos.
Não se sabe bem a origem destas filhoses comuns a todas as ilhas e chamadas malassadas em São Miguel, mas as ilhas açorianas, apesar de distantes do continente português não apenas pelo espaço mas também pela cultura e pelas tradições receberam muita influência destes através dos primeiros povoadores. É verdade que no território continental não é costume celebrar-se o Carnaval com filoses, sendo estas tradicionais por altura do Natal.
As filhoses, na Fajã Grande eram feitas com farinha e fermento retirado do que se guardava da última fornada do pão de trigo. Feito o fermento inicial era-lhe juntado a farinha, os ovos, água, leite, manteiga, açúcar e muita raspa de limão. Tudo isto era amassado de seguida. A mulher a quem competia esta tarefa colocava um lenço de calafate, arregaçava as mangas e depois de misturar muito bem todos os elementos amassava-os aos murros como de massa sovada se tratasse. O alguidar onde amassa fora amassada era colocado em lugar quente e coberto com cobertores ou xailes a fim de que a massa levantasse muito bem. Só depois eram arrancados pequenos pedaços, esticados e moldados com as mãos que eram postos a fritar em banha de porco bem quente. Uma vez retiradas do lume as fihloses eram polvilhadas de ambos os lados com uma mistura de açúcar e canela. Eram excelentes e comiam-se devidamente racionadas nos quatro dias de folia carnavalesca, porque na quarta-feira de cinzas já era pecado comê-las não apenas porque era dia de jejum mas também porque tinham sido fritas em graxa de porco.
Na verdade, na Fajã Grande, na década de cinquenta do século passado, não havia Entrudo sem filhoses, sem batalhas de água, sem mascarados e sem danças que eram ensaiadas nas noites anteriores. As danças tinham sempre o velho e a velha, mascarados, a fazerem palhaçadas, a meter medo às crianças e a pedinchar filhoses pelas portas das casas por onde passavam.
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LEITE
Há quem afirme que os pastos das Flores ainda hoje são dos melhores do mundo. Na primeira metade do século passado essa tese ainda seria mais verdadeira, sobretudo no que às pastagens da Fajã Grande dizia respeito. Situadas em zonas baixas, muitas delas regadas com nascentes de água, por vezes vedadas durante algum tempo ou alternadas com o cultivo do milho, eram de excelente qualidade. A primeira consequência de tudo isto era a excelente qualidade do leite, na altura elemento fundamental na economia da freguesia. Para além duma parte, a maior, que era vendida ou à Cooperativa ou a Martins e Rebelo, a outra parte era fundamental para alimentação diária das famílias. O leite, nas casas dos lavradores, era elemento fundamental, do jantar, na altura denominado ceia. O leite bebia-se juntamente ou com pão, às sextas-feiras acabadinho de sair do forno, ou com o bolo do tijolo ou com as papas. Era ainda com o leite que se fabricava o queijo, também presente como conduto em muitas refeições.
A quantidade de vacas leiteiras que cada lavradora possuía é que era relativamente baixa - duas, raramente três e, nalguns casos, apenas uma. As relvas junto da porta eram poucas e poucos eram os homens que tinham tempo ou forças para ir ao leite ao mato todos os dias, dado a longa distância das pastagens e a dificuldade em subir e descer a rocha. Apesar de ordenhadas duas vezes por dia, a produção de leite obtida era relativamente baixa, pois rara era a vaca que em cada ordenha dava mais de dez litros, isto por alturas de dar a cria. O leite era recolhido diretamente da teta da vaca para as latas utilizadas para esse fim, feitas de folha-de-flandres, e fabricadas pelo latoeiro da freguesia, o Antonino de Ti Francisco Inácio. Consta que em tempos mais recuados, o leite era tirado das vacas em cabaças transportado nas mesmas. As latas de leite quando vinham do mato, ou das terras em que as vacas, nos meses de abril e maio, estavam a amarradas à estaca a trilhar as terras onde ia ser semeado o milho, eram transportadas presas e penduradas num pau, uma atrás das costas e outra à frente. Caso fosse necessário transportar três latas, aplicava-se um gancho na parte de trás do pau, permitindo assim prenderem-se duas latas atrás das costas, colocando à frente a mais pesada para contrabalançar. Arte e engenho não faltavam!
Nos dias em que não havia pão ou bolo fresco nem papas, o leite era fervido e deitado ainda a ferver sobre o pão que, nos últimos dias após a cozedura era fervido, sobre o vapor de água. Esta operação era feita num caldeirão com um suporte da madeira no fundo, sobre o qual o pão era colocado. Ao ferver, a água colocada no fundo do caldeirão provocava um vapor que penetrava no pão, amaciando-o. Assim ficava como se fosse acabadinho de sair do forno. Era o pão estufado, sobre o qual se despejava o leite que neste caso também não necessitava de ser fervido.
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QUEIJO (FABRICO CASEIRO)
A ilha das Flores, contrariamente a outras do arquipélago açoriano como por exemplo São Jorge, apesar da sua grandiosa e excelente criação de vacas leiteiras, nunca se tornou conhecida nem muito menos famosa pela produção de queijo. No entanto, por toda a ilha e, mais concretamente, na Fajã Grande sempre se fabricou, caseiramente, muito queijo, pese embora este, contrariamente à manteiga, nunca fosse comercializado, nem muito menos exportado. Atualmente, porém, é possível encontrar algum queijo produzido nas Flores à venda noutras ilhas açorianas.
Na Fajã Grande na década de cinquenta assim como nas anteriores do século passado, fabricava-se muito queijo, fazendo o mesmo parte do cardápio diário na maioria das casas. Umas vezes comia-se fresco, ou seja, acabadinho de fazer, outras, ligeiramente, curado. Apesar de ser de uso exclusivamente caseiro, o queijo feito na Fajã Grande era de ótima qualidade embora sem fama nacional ou, muito menos, internacional, pese embora de vez em quando se enviasse, particularmente, um ou outro queijinho bem curado para familiares e amigos residentes noutras ilhas ou até na América. Essa boa qualidade do queijo fajãgrandense devia-se sobretudo à qualidade das pastagens, ao excelente tratamento que era dado às vacas e, consequentemente, à excelente qualidade do leite que se ordenhava das mesmas
O fabrico de queijo, na Fajã Grande, no entanto era, puramente artesanalmente feito nas próprias moradias, o que não impedia que apresentasse características de boa qualidade. Mas o fabrico era muito reduzido, geralmente fabricava-se um queijo dia-sim dia-não, uma vez que cada lavrador tinha apenas uma ou duas vacas leiteiras e, além disso, a venda do leite à Cooperativa ou ao Martins e Rebelo era fundamental para que cada família se sustentasse e conseguisse algum dinheiro a fim de comprar nas lojas, o café, o petróleo, o açúcar e todos os outros produtos que necessitava e que não produzia. Por vezes e em certas alturas do ano as vacas davam pouco leite ou até nenhum, quer porque estivessem para dar cria quer porque fossem utilizadas para puxar os carros ou os corsões e a lavrar os campos, dado que poucos eram os lavradores que tinham à porta gado alfeiro ou junta de bois de trabalho, para carrear as lenhas, as mondas, os milhos, os estrumes, lavrar e preparar as terras para semear os milhos.
Pelo contrário, na altura em que as vacas davam crias, geralmente nos meses de março e abril, havia grande abundância de leite, chamado crostes. Acontecia que, depois de dar a cria, a maioria das vacas dava muito leite, pois eram muito bem tratadas, antes do próprio parto e nos dias que se lhe seguiam. Alem disso, muitos vitelos nem bebiam o leite todo e, na maioria dos casos não bebiam nenhum, uma vez que naqueles tempos, não era hábito comer a carne dos vitelos, estes eram pura e simplesmente abatidos e enterrados logo após o parto. Apenas um ou outro se criava para fazer dele uma futura vaca ou um gueixo de engorda. Mas era necessário retirar o leite das vacas nos dias que se seguiam ao parto. Como este não servia para desnatar e ser vendido para o fabrico de manteiga, ficava em casa. Uma parte era utilizada na alimentação e a outra deitada aos porcos. Assim a parte dos crostes que sobrava era utilizada para fazer queijos – os tradicionais e célebres queijos de crostes. Estes queijos eram fabricados em grande quantidade pelo processo tradicional do fabrico do queijo com o leite normal, amornando um pouco os crostes e juntando-lhes de seguida o coalho líquido, comprado nas lojas e que na Fajã Grande existia em todas as casas. Depois de coalhada, a massa que originaria o queijo era colocado nas formas de lata, furadas nos lados e em cima duma tabuinha, suspensa numa selha, como se fazia com qualquer queijo., sendo o soro que escorria aproveitado para os porcos.
Os queijos de crostes assim como os de leite normal comiam-se frescos. Mas quando se faziam em maior quantidade, sobravam alguns que se punham a curar ao sol durante vários dias, ao mesmo tempo que se ia escoando o soro. O queijo ficava mais duro e adquiria a cor amarelada. Quero os frescos quer os curados eram excelentes e tinham um sabor adorável.
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O APOJO
Na Fajã Grande, na década de cinquenta, toda a criançada se pelava por beber uma tampinha de leite, na altura da ordenha. Ainda morno, a cheirar a erva fresquinha, era sobretudo na altura do oitono, ou seja, nos meses de março, abril e maio, durante os quais o gado estava amarrado à estaca, nas terras do cultivo, alimentando-se das forrageiras e de erva fresquinha que era para ali acarretada, que o leite sabia melhor. Até parecia que tinha um agradável sabor ao trevo ou à erva da casta. Outras vezes, sobretudo nos meses de inverno, quando os pais chegavam a casa com as latas bem cheiinhas de leite, após a ordenha era um rodopio à volta das mesmas, a fim de se conseguir a tão desejada tigelinha do dito cujo. O leite era, incondicionalmente, um dos nossos principais e mais importantes alimentos.
Mas os nossos pais, melhor do que ninguém conheciam a força do leite e o seu valor como elemento fundamental na nossa alimentação, pelo que regra geral, quando os acompanhávamos na ordenha, davam-nos sempre para beber uma tampa não de qualquer leite mas pediam-nos que aguardássemos para o fim da ordenha, a fim de sermos agraciados com o último leite retirado do úbere da vaca, ou seja, o apojo. Bem sabiam eles que este era o mais saudável e nós que era não apenas o melhor, o mais saboroso e até o mais quentinho.
Na verdade o apojo é o leite mais consistente e mais espesso e por conseguinte o mais saudável e mais forte, extraído da vaca, depois de tirado o primeiro, que é bastante menos grosso. É também o que tem melhor sabor. Por isso mesmo sabia tão bem e, pelos vistos era muito saudável, uma tampa de apojo, sobretudo nos campos, após a ordenha quando as vacas estavam amarradas à estaca.
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FAVAS CONTADAS
As favas, que terão tido a sua origem na região do Mar Cáspio ou no Norte de África, são um alimento de grande importância e muito saudável. Cuida-se que as favas terão sido utilizadas como alimento desde a Idade da Pedra. Muitos povos da antiguidade tais como os gregos, os egípcios e os romanos, já as utilizavam e as apreciavam nos seus cardápios.
Na Fajã Grande, na década de cinquenta cultivam-se muitas favas. No Alagoeiro, no Cimo da Fontinha, no Mimoio e em muitos outros lugares proliferavam pequenas belgas e grandes cerrados pejados de favas que, na maioria dos casos, substituía as culturas forrageiras, nomeadamente, as do trevo e da erva-da-casta e que se destinavam a amarrar o gado à estaca a fim de trilharem o terreno para o cultivo do milho.
As favas tinham pois, nesse tempo, um importante papel na alimentação quer das pessoas quer dos animais. No caso das pessoas, geralmente, comiam-se ainda verdes, em sopa, guisadas ou estufadas e depois de secas eram demolhadas e guisadas acompanhadas duma boa cebolada. Porém, quando secas, as favas, na Fajã Grande, também eram torradas e comidas como se fossem pinotes ou moídas e misturadas no café a fim de que este rendesse mais.
Curioso, porém, é que as favas até entravam em expressões ou ditos quotidianos como vai à fava, ou são favas contadas e as crianças utilizavam-nas para fazer brinquedos, como as célebres vacas de fava.
Com a expressão São favas contadas queria significar-se que algo já estava ganho ou que era fácil de adquirir ou de se fazer. Por sua vez Vai à fava significava mandar alguém afastar-se por já se estar aborrecido da sua presença ou por a pessoa em causa não interessar. Uma espécie de vai à merda mais delicado e educado.
Mais curioso ainda é o tentar descobrir a origem destas expressões. No que diz respeito às favas contadas esta frase parece ter a sua origem nas eleições dos abades nos mosteiros medievais e antes do advento do papel. Os monges, quando reunidos em capítulo, procediam, nesses tempos ancestrais, à escolha do abade mediante um sistema de votação que utilizava a fava como boletim de voto. Assim quem estivesse a favor do nomeado introduzia, secretamente, uma fava branca na urna e quem estivesse contra introduzia uma fava escura. No final, contavam-se as favas. Eram pois favas contadas Cuida-se mesmo que este costume de eleger com favas de diferentes cores já teria sido utlizado por alguns povos da antiguidade, nomeadamente por gregos e romanos. Mais tarde no Brasil, onde a expressão ainda é muito utilizada, na época do império, nas votações também se usavam favas brancas para significar sim, favas pretas para significar não. Cada votante colocava o voto, ou seja, a fava, na urna. Depois vinha o apuramento dos resultados pela contagem das favas, sendo que quem tivesse o maior número de favas brancas estaria eleito.
No que concerne Vai à fava parece que a expressão terá nascido do incentivar de alguém a ir à horta apanhar favas num sentido depreciativo, sobretudo quando elas na parte final da sua produção ficam mais duras e menos próprias para serem cozinhadas. São por isso deixadas nos pés para secar. Posteriormente apanhadas as vagens secas, são descascadas e os respetivos miolos postos ao sol para secar melhor e poderem ser guardados sem perigo de se estragar.
Enquanto se cozia o pão nos antigos fornos de lenha, era comum colocar, num pequeno tabuleiro, as favas para torrarem. Dava por assim dizer um aperitivo muito apreciado! Talvez a expressão se relacione com o significado anterior ou seja o de ir votar com favas.
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LAPAS
Tanto no continente português como nas ilhas dos Açores e da Madeira podem-se encontrar várias espécies de lapas, povoando abundantemente as áreas rochosas da maioria das nossas costas marítimas.
As lapas são moluscos gastrópodes com o corpo protegido por uma concha, no caso das lapas mais simples, contrariamente à maioria dos seus congéneres, que, regra geral encerram o corpo dentro de duas conchas. As lapas alimentam-se de algas. É sobretudo na maré-baixa, ou na maré vazia que se podem ver as lapas rijamente coladas às rochas. Esta estranha força da natureza impressionava tanto os humanos que, para explicar que alguém se agarrava muito a algo, quer a um bem material, quer a um sentimento, dizia-se, na Fajã Grande que estava agarrado como lapa à pedra. Só com um valente facão e uma pancada célere e certeira se conseguiam descolar as lapas dos calhaus a que se agarravam. Quando aderem às rochas, sobretudo depois de serem tocadas por outro ser vivo, é muito difícil removê-los através de força bruta. Caso alguém tente retirá-las dessa maneira, é mais provável que o espécime seja destruído que removido. Apesar de tamanha resistência à remoção, as lapas podem se locomover facilmente através de movimentos ondulados.
Também, contrariamente a outros gastrópodes, as lapas têm apenas uma concha e parecem imóveis, alheados ao vaivém das ondas. O que não se vê, quando se olha para um destes moluscos, são os seus dentes que raspam continuamente as algas com que se alimentam nas rochas onde vivem e é por isso que têm o seu habitat à beira mar sobre as pedras do baixio ou em pequenas profundidades rochosas, sobretudo no nordeste do Oceano Atlântico e no Mar Mediterrâneo. Entre seus predadores, para além dos humanos, estão estrelas-do-mar, aves marinhas, peixes e mamíferos aquáticos, como focas. As lapas possuem diversas defesas contra esses animais: podem fugir, aderir à rocha etc.
Algumas das espécies de lapas são um marisco muito apreciado nos Açores, Madeira e Canárias, sendo consumidas em cru, grelhadas nas respetivas conchas ou em diversos tipos de confeções culinárias, com destaque para o molho Afonso.
Nos Açores, assim como na Madeira, Cabo Verde e Canárias existem duas espécies de lapas, vulgarmente designadas por lapa-brava e lapa-mansa. Ainda hoje, pese embora comecem a rarear, as lapas são um dos petiscos mais apreciados em todas as ilhas açorianas.
Na Fajã Grande, na década de cinquenta as lapas tinham um papel importante, como conduto, na alimentação das pessoas. Nesses tempos era costume alguns homens assim como muitas mulheres irem às lapas, sobretudo nos dias de mar manso e em que não havia outro conduto. As lapas embora não fossem um marisco muito apreciado quanto o são atualmente, eram muito abundantes. Tanto os que ficavam mais perto do mar como os que ficavam mais distantes, se não havia outro conduto para comer com o bolo ou o pão de milho davam um saltinho sobretudo ao Canto do Areal e, em menos de uma hora, toda a família tinha uma refeição que era um consolo.
Ora como na Fajã Grande, regra geral, competia às mulheres desenrascarem-se, em termos de refeições, não apenas no que à sua confeção dizia respeito mas também no arranjo e, por vezes, na própria invenção dos produtos que haviam de cozinhar, tarefa nada fácil, devido à escassez de meios. É que sendo elas a ter que as confecionar, era também a elas que competia arranjar os ingredientes, e estes, na maioria das casas, rareavam, por isso, recorriam muitas à apanha das lapas. Munidas de um saco e um facão, pernas ao léu, esperavam pela descida da maré e lá iam, geralmente para os lados do Canto do Areal, a fim de evitarem os mirones, a espreitar uma nica de perna que fosse, por baixo duma saia que se levantava para evitar ser encharcada com a vinda de uma onda mais afoita. Sabendo o perigo que corriam ou podiam correr, geralmente, iam aos pares ou em grupo, limitando-se por regra à apanha das lapas mais longe das profundezas do mar do mar e que, geralmente, eram mansas e muito miudinhas.
Ao chegar a casa guisavam-nas de várias formas, com pedacinhos de pão de milho ou sobretudo em tortas de ovos. Mas também se comiam cruas, embora raramente.
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SOPAS DE LEITE
Na Fajã Grande, na década de cinquenta, na maioria das casas, a ceia, hoje denominada de jantar, era constituída apenas por sopas de leite. Estas sopas eram feitas com pão de milho ou, na falta deste, com bolo, cozido para o efeito num tijolo ou com papas. Era um manjar pobre, simples, mas muito saboroso e desejado, sendo que, por vezes, era reforçado e acompanhado com algum conduto, nomeadamente uma fatia de queijo, um pedacinho de linguiça, uma tirinha de torta ou até, um pratinho de sopa de agrião ou couve.
No caso do pão utilizado não leite, havia duas hipóteses de confecionar esta refeição. No dia de cozer o pão, com ele ainda muito quente e logo após ser retirado do forno, este era esmiolado dentro da tijela com o leite, sendo que este nem era fervido. Era o pão que o aquecia. Nos dias seguintes, quando o pão já estava frio, o leite era fervido e deitado de imediato, ainda bem quente sobre o pão esfarelado, sendo assim o leite a aquecer o pão. Se o pão já fosse velho e tivesse alguma apetência para criar bolor, era estufado, isto é, aquecido ao vapor da água colocada no fundo de um caldeirão. Neste caso como ficava muito quente era ele também a aquecer o leite. Em todas estas situações o pão transformado em sopas com o leite era, na verdade, um manjar delicioso, saboroso e muito apreciado
Quando faltava o pão de milho, ou simplesmente quando rareava, cozia-se bolo no tijolo. Depois de cozido, este ainda quente, tal como o pão, era migado no leite fresco e colocado numa tijela, constituindo, assim, uma das mais frequentes e tradicionais ceias da população, sobretudo da mais pobre. Caso o bolo sobrasse de um dia para o outro, procedia-se ao contrário, isto é, fervia-se ou simplesmente aquecia-se o leite, sendo o bolo migado no mesmo, mas ainda frio. Neste caso, era o leite que aquecia o bolo, enquanto no primeiro era ao contrário, isto é, o bolo é que aquecia o leite. Finalmente quando faltava o pão e o bolo faziam-se papas com farinha de milho, as quais, ainda quentes eram misturadas no leite, da mesma forma que o pão ou o bolo.
Este belo manjar era comido em tijelas de louça, muitas delas pintadas, algumas até com interessantes desenhos e com a ajuda duma colher. Estas sopas tornavam-se muito mais apetitosas se fossem acompanhadas com uma fatia de queijo fresco ou meio curado ou com outro conduto ou até com um pratinho de sopa que se ia comendo em conjunto. Havia também quem gostasse delas acompanhados de uma tirinha de linguiça ou outro conduto de porco. Na altura em que as vacas davam bezerro o leite era substituído pelos crostes, sendo que com estes também se fazia queijo, muito bom e adequado para acompanhar as próprias sopas.
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PRATOS TÍPICOS
Despertar para os "valores culturais tradicionais" de uma comunidade, por mais humilde, pequena e pobre que ela seja, e fazer o seu registo ad perpetuam rei memoriam, é cada vez mais interessante, necessário, imperativo, frequente e comum. Em toda a parte. Nas Flores e na Fajã Grande, uma minúscula comunidade açoriana encastoada entre o mar e a rocha, isolada por veredas, ribeiras e grotões, também tem, obviamente, os seus valores culturais, os seus costumes, as suas tradições, as suas lendas e até a sua história. O Pico da Vigia, desde sempre tem alertado e até registado, embora de forma simples, os seus valores a diversos níveis, permitindo realizar um conjunto de recolhas que, uma vez armazenadas, explicam, conservam e preservam aquilo que foi o dia-a-dia dos nossos antepassados, os seus hábitos, costumes e tradições. Infelizmente quase tudo é feito, apenas, de memórias. Por vezes, no entanto, tratam-se de recolhas completas e pormenorizadas de valores tradicionais, com destaque especial para os costumes e tradições, onde se inclui a culinária. É verdade que hoje nos podemos confrontar com outras pesquisas mais persistentes, com trabalhos mais interessantes e valiosos. Sem tudo isto, muita coisa se perdia, pois poder-se-ia cuidar que o mundo, sobretudo o do passado, nada mais era para além de nós próprios. É também com intenção de desenvolver o turismo de que a Fajã Grande é uma espécie de ex-libris da ilha das Flores e atrair turistas para esta ilha que estas pesquisas mais presentes se tornam no nosso quotidiano.
A Fajã Grande não era muito rica em culinária, aliás não o era em nenhuma outra coisa. Mas possuía os seus pratos típicos. Os principais tinham a sua origem no porco, cuja matança, em Dezembro era efetuada em quase todas as casas, incluindo as mais pobres. No dia da matança saboreava-se a deliciosa caçoila feita com algumas das vísceras do animal e um pouco de carne da barriga. Nos dias seguintes vinham os torresmos e a linguiça, os ossos salgados e o toucinho, por vezes cozido numa sopa de agrião, de couve ou de funcho as morcelas, o sarapatel e o molho de fígado. Nos dias de festa, se houvesse carne de vaca, ela era guisada. Na sua ausência era substituída por galinha, sobretudo pelo Carnaval e pelo Natal. No domingo subsequente ao dia de fio era o carneiro guisado que imperava. O consumo do porco perdurava por todo o inverno e estendia-se aos meses de verão e outono. Intercalava-se com tortas, com peixe frito, lapas, feijão e o tradicional mangão. Por vezes imperava uma boa sopa de feijão, couve, repolho, agrião e até de funcho. Sopas de pão ou bolo do tijolo e leite constituíam o cardápio da ceia. Raramente se faziam as fatias douradas. Quando mais velho, o pão era estufado. Doces eram raros: as filoses pelo Carnaval, o arroz doce pelo Natal e o pão adubado ou massa sovada pelo Espírito Santo e Santo Amaro. As escaldadas cozidas no formo, em vez do pão, também eram frequentes, assim como o milho cozido e a abóbora. As papas também eram muito frequentes à ceia. As finas e as grossas, as fatias. No dia seguinte eram cortadas à talhada e, por vezes, fritas.
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LINGUIÇA COM INHAMES
Uma das iguarias mais comum na maioria das casas da Fajã Grande, na década de cinquenta, sobretudo nos meses seguintes à matança do porco, era a saborosa e apetitosa linguiça, geralmente acompanhada com inhames, uns de água, das lagoas das Covas, da Figueira, da Alagoinha, das Águas e dos Paus Brancos, outros secos, das terras da Cabaceira, Delgado, Lameiro, Lombega, Moledo do Grosso e de tantas outras. Embora muito poupada, com um pedacinho repartido a cada um dos elementos do agregado familiar, por vezes muito numeroso, a linguiça era uma preciosidade. Como se aproveitava quase toda a carne do porco, em cada casa fazia-se muita longuiça. O processo de a fazer era fácil. Picava-se a carne, procedia-se ao seu tempero de forma semelhante à dos torresmos de vinha-d’alhos. Três dias depois, se fosse necessário, pica-se a carne ainda em bocados mais miúdos com que se enchiam as tripas delgadas que no dia da matança haviam sido muito bem lavadas. Depois de cheias com o auxílio das engorladeiras atavam-se, ambos os extremos com um fio, começando, primeiro, por amarrar um dos lados. Depois, apertando-se bem a fim de que a carne se adaptasse à tripa e se enchesse, ia-se espetando uma agulha para aquela perder o ar. Mas a agulha deveria ter enfiada e estar presa a uma linha, para que não deslizasse e, assim, se perdesse entre a carne, o que seria fatal. Terminada esta tarefa, amarrava-se a outra extremidade e penduram-se no fumeiro, enfiadas numa pau próprio, o pau das linguiças até ficarem bem curadas e louras. Só depois se cortavam aos pedaços e se colocavam nas talhas de barro de baixo de banha, extraída dos torresmos de toucinho do porco. Nos dias em que se coziam inhames, bastava ir à talha e tirar um ou dois toros e fritá-los na própria banha que lhes vinha agarrada. Estava o almoço pronto. E que delicioso que era, sendo normalmente reservado aos domingos ou dias de festa. Em casos de maior aperto e falta da dita cuja, comiam-se os inhames apenas encharcados na banha, onde se podia encontrar um ou outro vestígio da saborosa linguiça. Mas o sabor lá estava e o cheiro também. Às vezes quase se comia apenas ao cheiro da dita cuja.
A propósito do cheiro, contava-se que um homem se havia ido confessar por altura da desobriga. O confessor perguntou-lhe se havia comido linguiça durante as sextas-feiras da Quaresma. Como o homem respondesse afirmativamente, o padre mandou-o, como penitência, colocar uma moeda de escudo na caixa de esmolas da igreja. O homem prometeu cumprir a penitência imposta e foi absolvido. De seguida aproximou-se da caixa das esmolas, tirou do bolso uma moeda de escudo e começou a rodá-la junto à caixa onde devia ser colocada. Como demorasse algum tempo, o padre admirado com aquele gesto, perguntou-lhe:
- Então?! Por que não colocas a moeda dentro da caixa?
Ao que homem respondeu:
- Senhor Padre, eu apenas comi os inhames com o cheiro da linguiça. Por isso a caixa deve apenas cheirar a moeda.
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LAPAS COM PÃO DE MILHO ESFARELADO
Na Fajã Grande, regra geral, competia às mulheres desenrascarem-se, em termos de refeições, não apenas no que à sua confeção dizia respeito mas também no arranjo e, por vezes, na própria invenção dos produtos que haviam de cozinhar, tarefa nada fácil, devido à escassez de meios. É que sendo elas a ter que as confecionar, era também a elas que competia arranjar os ingredientes, e estes, na maioria das casas, rareavam. Recorria-se à linguiça, aos torresmos e à carne de porco salgada que se ia esticando durante o ano, a uma galinha, a ovos, a peixe que lhe fosse oferecido ou tivessem salgado, ou até a pratos simples, como era o mangão, feito apenas com batata, cebola e banha de porco. No entanto, mulheres havia que tentavam alterar o cardápio sempre que podiam, pelo que recorriam à apanha das lapas. Munidas de um saco e um facão, pernas ao léu, esperavam pela descida da maré e lá iam, geralmente para os lados do Areal, onde os mirones, a espreitar uma nica de perna que fosse, por baixo duma saia que se levantava para evitar ser encharcada com a vinda de uma onda mais afoita. Sabendo o perigo que corriam ou podiam correr, geralmente, iam aos pares ou em grupo, limitando-se por regra à apanha das lapas mais longe das profundezas do mar do mar e que, geralmente, eram mansas e muito miudinhas.
Ao chegar a casa guisavam-nas de várias formas, sendo a mais sublime, as guisadas com pedacinhos de pão de milho.
O prato era simples de realizar e era excelente. Cobriam-se as lapas com água a ferver, a fim de que se lhes retirassem as cascas e alguma areia existente. De seguida picava-se cebola, salsa, tomate e alho, refogando tudo em banha de porco. Não era preciso juntar sal, pois dizia-se que as lapas já o traziam. De seguida juntam-se outros temperos e as lapas que, como eram miúdas, coziam rapidamente. Agita-se o tacho, não se devendo mexer com a colher. Esfarelava-se uma boa quantidade de miolo do pão de milho já velho e juntava-se, sendo que se houvesse pouco molho se poderia juntar um pouco de água e uma gota de vinagre. Misturava-se muito bem, a fim de que o pão se envolvesse e secasse o molho. Era delicioso!
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TORTAS DE MUSGÃO
Em tempos idos comiam-se na Fajã Grande, com muita frequência, tortas de ovos, algumas vezes simples, outras misturando os ovos com os mais diversos produtos. Era o que acontecia com as chamadas tortas de musgão, feitas com farinha e ovos, a que se juntava a chamada erva patinha, vulgarmente conhecida por erva do calhau ou musgão.
Para as confecionar juntava-se aos ovos batidos com a farinha, nalguns casos, simplesmente aos ovos, o musgão picado, adicionando alguns temperos e às colheradas fritavam-se em banha de porco sendo, geralmente, comidas com bolo do tijolo.
Hoje, estas tortas parecem ter ressuscitado e regressado como prato típico da ilha das Flores.
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SOPAS DE BOLO E LEITE
Na Fajã Grande, na década de cinquenta, sobretudo quando faltava o pão de milho, ou simplesmente quando rareava, cozia-se bolo no tijolo. Depois de cozido, este ainda quente era migado no leite fresco e colocado numa tijela, constituindo, assim, uma das mais frequentes e tradicionais ceias da população, sobretudo da mais pobre. Caso o bolo sobrasse de um dia para o outro, procedia-se ao contrário, isto é, fervia-se ou simplesmente aquecia-se o leite, sendo o bolo migado no mesmo, mas ainda frio. Neste caso era o leite que aquecia o bolo, enquanto no primeiro era ao contrário, isto é, o bolo é que aquecia o leite,
Este belo manjar era comido em tijelas de louça, muitas delas pintadas, algumas até com interessantes desenhos e com a ajuda duma colher. Estas sopas tornavam-se muito mais apetitosas se fossem acompanhadas com uma fatia de queijo fresco ou meio curado. Havia também quem gostasse delas acompanhados de uma tirinha de linguiça ou outro conduto de porco. Na altura em que as vacas davam bezerro o leite era substituído pelos crostes, sendo que com estes também se fazia queijo.
A cozedura do bolo era simples, rápida e fácil. Além disso o aquecimento do tijolo exigia muito menos lenha do que o forno, podendo fazer-se com simples garranchos de incenso ou faia,
Para cozer o bolo, primeiro escaldava-se, misturando-se água a ferver sobre a farinha, mexendo-se com uma pá de madeira, a pá do bolo. Colocava-se a arrefecer e formavam-se bolas que depois se iam espalmando até se assemelharem a uma grande roda que, com uma faca era partida em quatro quartos. Aquecido o tijolo ou a chapa eram-lhe colocados em cima os quartos. Deveria haver uma atenção permanente para não deixar queimar o bolo, devendo o mesmo ser virado, a meio da cozedura.
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SOPAS DO ESPÍRITO SANTO
Era por estas alturas do ano que se fazia a festa do Espírito Santo da Casa de Baixo e muitos americanos, ao regressar davam os seus jantares com as tradicionais Sopas do Espírito Santo. Embora pouco vulgares, na década de cinquenta, na Fajã Grande, havia quem as fizesse. Para isso e para além da carne de vaca que ou era apalavrada por altura das festas de Espírito Santo, ou era recebida como esmola quando algum americano prometia um jantar, necessitava de alguma carne de galinha, no caso de a de vaca ser pouca,, um bom naco de toucinho, um mancheia de folhas de couve e algumas louro, um bom kilo
de batatas, duas cebolas e cabeças de alho. Por vezes juntava-se repolho, batatas doces, sangue e fígado cozidos e uma boa quantidade de fatias de pão de trigo e, preferencialmente, duro, folhas de hortelã e temperos vários. Geralmente acrescentava-se linguiça, o que fazia com que estas sopas mais se assemelhassem a um bom cozido à portuguesa.
Para a confecção, colocava-se a cebola, o alho, o louro e os outros temperos num saco de pano ou fazenda fina, feito em casa, num caldeirão de ferro meio de água. Colocavam-se a cozer as carnes temperadas de sal, juntamente com a couve. Quando bem cozida retira-se as carnes e na água coloca-se os restantes ingredientes até cozerem por completo. A linguiça coze-se à parte. Aquece-se o caldo e vaza-se por cima das fatias de pão, do sangue e do fígado cortado, juntando-se as batatas. Podia comer-se primeiro a sopa e depois as carnes com as batatas ou juntar tudo num mesmo prato.
Duma forma ou de outra, eram excelentes estas Sopas do Espírito Santo.
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O FOLAR DA PÁSCOA
O Folar da Páscoa, como o nome indica, era confeccionado por altura da Páscoa, geralmente na Sexta-Feira Santa, à tarde, dia em que se também cozia o pão de milho. Assim aproveitava-se o forno quente para, depois do pão, cozer os saborosíssimos folares. Não havia família que os não cozesse e mais do que um. Em muitas casas, como na minha, era sempre cozido um para cada pessoa, sendo que, no caso das crianças, o tamanho variava, pois o folar era tanto mais pequeno quanto menor era o seu destinatário. Depois era o prazer e a alegria de o comer no dia de Páscoa. O entusiasmo era tanto que dizia-se, a brincar, que quando, durante a missa, o pároco dissesse, “aleluia, aleluia” a resposta do sacristão devia ser “folar prá rua”.
Tradicionalmente, na Fajã Grande o folar da Páscoa era feito da seguinte forma, juntando os ingredientes escolhidos: farinha, açúcar, fermento guardado de uma cozedura de pão anterior, banha de porco nas casas mais pobres ou manteiga, limão, canela em pau, noz-moscada leite, ovos e toros de linguiça.
Começava-se por preparar o fermento, desfazendo-o em água morna e misturando um pouco de farinha e o pau de canela, que se retira depois, até levedar bem, geralmente até a tigela onde se fazia transbordar. Depois eram misturados os ovos inteiros com o açúcar, a que se juntava o leite a ferver, mas mexendo sempre para misturar bem e não cozer os ovos. Junta-se, de seguida, a farinha, com o fermento com a banha ou manteiga, um pouco de sal e a noz-moscada raspada. Mistura-se tudo e amassa-se muito bem como se fosse massa sovada e deixa-se levedar, cobrindo com cobertores. Depois tendem-se bolas como se fossem pães, colocando-se-lhes em cima, pedaços de linguiça que se cobrem com pedaços de massa, devidamente esticada. Vão a cozer no forno, depois do pão, pois não precisam de muito calor. Ao sair do forno s
são pincelados com gema de ovo.
Uma delícia, os folares de outros tempos!
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SARAPATEL
Sarapatel é uma designação comum de diversas iguarias preparadas com vísceras de porco, cabrito, borrego ou até de bovino, como acontecia na Fajã Grande. Nascido no Alto Alentejo, o sarapatel alastrou-se por todo o país e até foi adoptado por outros países, especialmente no Brasil.
Na Fajã Grande o único sarapatel cozinhado era feito com sangue de bovinos, por altrura do Espírito Santo ou quando se matava alguma rês. Por vezes, para enriquecer o sarapatel, para além do sangue coalhado com que era feito, juntava-se-lhe pequenos pedaços de toucinho ou outra carne, o que era muito raro. Uma das características desta iguaria é seu teor de gordura, bastante acentuado, sobretudo por causa da presença de pedaços de toucinho. O prato era de realização muito fácil. Uma vez posto a cozer o sangue, num caldeirão de ferro,, acrescenta-se hortelã e uma ou duas grandes pimentas-de-cheiro, inteiras. Serve-se o prato acompanhado com batata-doce ou inhame. Era servido à ceia dos mordomos, na sexta-feira de matar gado para o Senhor Espírito Santo.
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GALINHA DE ENTRUDO
Na Fajã Grande, na década de cinquenta e anteriores, pelo Carnaval, era hábito na maioria das casas, mesmo nas mais pobres, matar uma galinha, escolhendo-se, entre todas, aquela que estivesse mais gorda e que, na altura, preferencialmente, não pusesse ovos. Destinava-se ao almoço da terça-feira de Carnaval, também designada por terça-feira Gorda ou do Entrudo. A maioria das vezes a galinha era simplesmente guisada, mas em muitas casas era guisada com recheio, noutras recheada e assada no forno, neste caso, depois de o ter utilizado para cozer o pão ou o bolo.
Rezam as crónicas que, para a galinha guisada, a receita era fácil. Morta e depenada a dita cuja, usavam-se os pés, as pontas das asas, o coração, o fígado, o sangue e, se os tivesse, os ovos que estavam à espera de serem postos, para fazer uma canja. A galinha era, então, partida em pedaços, temperada e rosada em banha de porco. Finalmente era guisada em tacho ou caldeirão de ferro, com muito tempero e com molho muito aromático que seria despejado sobre os inhames, a servirem de acompanhamento.
No caso da galinha com recheio, a receita era um bocadinho diferente e mais difícil de efectuar. Não havia canja, pois os miúdos da galinha, os ovos e o sangue eram usados para fazer o recheio.
A galinha era, da mesma forma, cortada em pedaços os quais eram colocados em vinha d’alhos para os temperar, durante algumas horas, de modo semelhante ao que se fazia para guisar. Depois de algum tempo em vinha-d’alhos, a fim de criar gosto, fritavam-se os bocados da galinha, em lume brando (de preferência dentro da panela em que havia de ser cozinhada no final), até ficarem louros. Na gordura que sobrasse, refogava-se a cebola até ganhar transparência. Fazia-se o refogado, juntavam-se os pedaços da galinha e, de seguida, a marinada que sobrara do tempero e a água julgada necessária para cozer a galinha.
Para o recheio, cortavam-se os miúdos aos bocadinhos, embebia-se pão em leite quente e amassava-se. À parte, picavam-se a cebola e os dentes de alho que se refogavam em banha, sem deixar alourar muito. Misturavam-se os miúdos picados e deixava-se apurar. Acrescentava-se o pão amassado no leite, ovos cozidos picados e os temperos julgados necessários, sem esquecer muita salsa bem picada. Deixava-se apurar mais um pouco. Depois de pronto, retirava-se do lume, deixava-se arrefecer um pouco e acrescentavam-se ovos crus, para ligar. Envolvia-se o recheio num pano branco, não muito tapado, cosia-se o pano com agulha e linha e colocava-se este preparado no tacho, sobre a galinha, depois de o molho ter diminuído um pouco, para que não entrasse em contacto com o recheio. Tapava-se o caldeirão e deixava-se cozer. Servia-se o recheio cortado às fatias e os pedaços de galinha, acompanhado de inhames ou batata-doce.
Quem eventualmente tivesse acendido o forno nesse dia, aproveitava o calor do forno para assar a galinha mas, neste caso, não a partia. Limpava-se e lavava-se muito bem o interior da galinha e coloca e colocava-se o recheio lá dentro, cosendo-se a pele com um fio, para que o mesmo não saísse com o calor.
Esta galinha com recheio ou simplesmente guisada, também costumava ser um prato típico do Domingo de Páscoa e da noite de Natal, por vezes, acompanhada de massa sovada. No Carnaval, era muito boa acompanhada com filhós frescas.
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AS FILHÓS DO ENTRUDO
Na Fajã Grande não havia Entrudo sem mascarados, sem danças e, sobretudo, sem filhós. Fazer filhós era um hábito antiquíssimo e, por isso mesmo, na altura da folia carnavalesca, não havia casa que as não confeccionasse, com mais ou menos ovos, com muito ou pouco açúcar, com mais farinha de milho do que de trigo, de acordo com as posses de cada um.
Os ingredientes eram relativamente fáceis de adquirir, pois eram quase todos caseiros, com excepção da farinha, do açúcar e da canela que eram comprados nas lojas. Para um bom alguidar de filhós bastava um quilo de farinha de trigo e outro de açúcar, uma porção de banha de porco, ovos, casca de limão, água, um pouco de fermento e canela, em pau e em pó.
Para as confeccionar começava-se por juntar ao fermento, devidamente preparado na véspera, a farinha, o açúcar, os ovos, a casca ou raspa de limão e o pau de canela, misturando-se tudo com a água até se formar uma pasta homogénea ou seja com os ingredientes todos muito bem ligados. Com o lenço da cabeça colocado de “calafate”, para não caírem cabelos, amassava-se a mistura muito bem amassada, até ficar muito fofinha, devendo de seguida repousar durante algum tempo até levantar até encher o alguidar. Depois de amassar e antes de se cobrir com grossos cobertores, a mulher que amassava devia benzer, traçando com o lado exterior da mão direita uma cruz sobre a massa e rezando a seguinte jaculatória: “Sam Juan ta fermente e Santantonho ta crescente.” Quando pronta ou seja quando a massa subisse ou “viessse”, colocava-se o alguidar sobre o lar e levava-se ao lume uma sertã com bastante banha de porco. Com as mãos cortavam-se pedacinhos da massa que se esticavam bem esticadinhos (até podiam rebentar a meio) e eram postos a fritar, devendo ser virados e retirados quando bem alourados. Escorrida a gordura as filhós eram polvilhadas com açúcar misturado com canela em pó, mas muitas vezes e para poupar açúcar comiam-se tal qual como vinham do lume. E mesmo assim eram muito boas. Deliciosas!
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PÃO ADUBADO
Na Fajã Grande, antigamente, chamava-se “Pão Adubado” à tradicional Massa Sovada, comum a todas as ilhas açorianas e intimamente liga às festas d Apenas o nome variava. De resto, no que à sua confecção dizia respeito, tudo era muito semelhante ao que se fazia nas outras ilhas.
Assim os ingredientes necessários eram, para além da farinha de trigo, fermento e água, o açúcar, a manteiga, a raspa de limão, um pouco de vinho abafado, noz-moscada, sal, leite e ovos. Estes, juntamente, com o leite e o açúcar constituíam o tal adubo que tornava este pão tão especial, saboroso e diferente quer do pão de trigo, cozido apenas pelas festas, quer do de milho dos dias habituais.
Para preparar este verdeiro luxo que, nas casas mais pobres, apenas se usava pela festa do Espírito Santo, nos casamentos e para fazer os bonecos de Santo Amaro, batiam-se os ovos com o açúcar muito bem batidos, misturava-se o fermento que era feito de véspera, a casca dos limões raspada, a noz-moscada, também raspada, o vinho abafado, o sal, a manteiga amolecida, o leite e, por fim, a farinha. Amassa-se tudo muito bem amassado, de modo a dar uma espécie de sova na massa com as costas da mão e deixava-se a levedar, tapando o alguidar com um cobertor grosso. Depois tendia-se o pão, formando bolas redondas, que se douravam com gema de ovo. Finalmente, iam a cozer no forno bem aquecido com lenha e bem varrido com o varredouro de ramos verdes.
Por alturas da Páscoa também se cozia um pão semelhante a este, chamado folar e que levava no cimo um ovo ou um toro de linguiça. Pelo Carnaval era também com esta massa que se faziam as filhós.
Pão Adubado, assim chamávamos manjar celeste que tão raramente saboreávamos.
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QUEIJO DE CROSTES
Colostro é uma forma de leite de baixo volume segregado pela maioria das fêmeas dos mamíferos nos primeiros dias de amamentação pós-parto. Composto de vários factores para o desenvolvimento e protecção do recém-nascido, como água, leucócitos, proteínas e outros. O colostro vai se transformando gradativamente em leite maduro nos primeiros quinze dias pós-parto.
Dizem os livros que o colostro tem uma importante função na imunidade passiva de algumas espécies de animais, pois nele existe uma grande quantidade de imunoglobulinas, que em determinadas espécies não conseguem passar pela placenta, ficando a cargo total do colostro transferir da mãe para o filho. Além da quantidade de imunoglobulinas, o colostro distingue e diferencia-se do leite normal pela quantidade de sólidos totais. Com o tempo, essas diferenças vão diminuindo e essa secreção vai se transformando em leite absolutamente normal
O colostro é também a única substância capaz de eliminar todos os resíduos de mecónio do trato gastrointestinal da cria recém-nascida, ajudando o intestino a amadurecer e a funcionar de maneira eficiente, além de prevenir o aparecimento de alergias, infecções e diarreia, pelo adequado controle e equilíbrio das bactérias que se desenvolvem no seu intestino. No dia do parto o colostro apresenta-se ainda mais rico, daí se considerar que, para qualquer recém-nascido, as primeiras horas de vida serem chamadas por especialistas de "golden hours".
Como o colostro é rico em células imunologicamente activas, em anticorpos e proteínas protectoras, funciona como uma espécie de primeira vacina, protegendo p bebé contra várias possíveis infecções. O colostro ajuda a regular o próprio sistema imunológico em desenvolvimento, ajuda a proteger os olhos e a reduzir as infecções, a estimular os movimentos intestinais e ajuda na prevenção da icterícia.
No caso das vacas o colostro apresenta-se como um líquido fino, amarelo , semelhante à água-de-coco e tem um sabor adocicado.
Na Fajã Grande, antigamente, ao colostro, ou seja, ao leite dado pelas vacas depois de parir, chamava-se crostes. Acontecia que, depois de dar a cria, a maioria das vacas dava muito leite, pois eram muito bem tratadas, antes do próprio parte nos dias que se lhe seguiam. Alem disso, muitos vitelos nem bebiam o leite todo e, na maioria dos casos não bebiam nenhum, uma vez que naqueles tempos, não era hábito comer a carne dos vitelos, estes eram pura e simplesmente abatidos e enterrados logo após o parto. Apenas um ou outro se criava para fazer dele uma futura vaca ou um gueixo de engorda.
No entanto era necessário retirar o colostro ou os crostes da vaca nos dias que se seguiam ao parto. Mas como este não servia para desnatar ficava em casa, sendo uma parte dele utilizada na alimentação dos humanos e o restante deitado aos porcos. Assim uma parte dos “crostes” era consumida à ceia, em vez do leite tradicionalmente utilizado naquela refeição e comido com pão, bolo ou papas, no caso do pão e bolo sobre a forma de sopas. Outras vezes era, simplesmente, bebido sem nada, mas sempre depois de fervido. Mas ainda sobrava muito que era utilizada para fazer queijos – os tradicionais e célebres “queijos de crostes”. Estes queijos eram fabricados em grande quantidade pelo processo tradicional do fabrico do queijo com o leite normal, amornando um pouco os crostes e juntando-lhes de seguida o coalho líquido, comprado nas lojas e que na Fajã Grande existia em todas as casas. Depois de coalhado o colostro era colocado nas formas de lata, furadas nos lados e em cima duma tabuinha, suspensa numa celha, como se fazia com qualquer queijo.
Os queijos de crostes comiam-se frescos. Mas como se faziam em grande quantidade, sobravam alguns que punham a curar ao sol durante vários dias, ao mesmo tempo que se ia escoando o soro. O queijo ficava mais duro e adquiria a cor amarelada. Quero os frescos quer os curados eram excelentes e tinham um sabor adorável.
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MIGAS
Mesa pobre e pouco variada era a da Fajã Grande, na década de cinquenta e nas anteriores. Cada família alimentava-se com o que produzia ou criava. Nenhum alimento se comprava, até porque não havia dinheiro nem sequer algo que se pudesse comprar. Sendo assim os pratos típicos e da cozinha fajãgrandense eram poucos, escassos e de muito reduzida opulência. Quase insignificantes. No entanto, existiam alguns pratos que, apesar de simples e pobres, se podem hoje considerar, verdadeiramente, típicos ou, se quisermos, tradicionais da Fajã Grande das Flores. A maioria era feita tendo como elemento básico o pão. Mas como este era cozido em cada casa, uma vez por semana, regra geral, ao fim de algum tempo, ficava duro, ressequido, rijo, por vezes bolorento e pouco tragável. Daí a capacidade de o apresentar, quando já velho, cozinhado de forma que parecesse ou se assemelhasse como quando estava fresco, como era o caso do “pão estufado”. As “migas”, por sua vez, também feitas à base de pão, eram um prato muito saboroso, de fácil realização e destinado a aproveitar o pão velho. Faziam-se, geralmente, com pão de trigo, embora as famílias mais pobres as fizessem com pão de milho. Para além do pão era necessária apenas, água, cebola, sal, alho, salsa, banha de porco e umas folhas de hortelã.
A água era posta a ferver, em caldeirão de ferro, juntamente com a salsa, dois dentes de alho picado, com a cebola cortada e um pouco de sal. Quando a água já tivesse adquirido o sabor dos ingredientes, mantendo sempre a fervura, juntava-se o pão, partido aos pedaços, onde ficava a ferver, durante algum tempo. Depois escorria-se a água e juntava-se banha de porco e a hortelã, tapava-se o tacho durante mais algum tempo. Por fim, segurando bem a tampa, sacudia-se violentamente, a fim de misturar a gordura e a hortelã e o pão adquirir o sabor destes ingredientes, sobretudo com o perfume da hortelã.
Era um delicioso prato que geralmente se comia de manhã, acompanhado duma boa tigela de café e uma “niquinha” de queijo fresco. Se comida como refeição do dia ou da noite, tinha ainda a vantagem de não necessitar de outro conduto para acompanhar, pois o sabor da banha era, por si próprio, já um conduto.
As migas serviam-se quentinhas, mas as que sobravam, a meio da tarde ou noutra ocasião qualquer, mesmo frias, eram excelentes.
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A BATATA BRANCA
A Fajã Grande era local de muito cultivo e produção de batata branca, de tal forma que esta, nos anos cinquenta, era considerada elemento essencial no cardápio diário de todas as famílias da freguesia. Crê-se, no entanto, que nem sempre terá sido assim, uma vez que, como reza a história açoriana, este tubérculo só deu entrada nas ilhas dos Açores no terceiro quartel do século dezoito, alguns anos depois da chegada da batata-doce e cerca de cem depois da introdução da cultura do milho.
A batata branca, na Fajã, era cultivada sobretudo nas terras mais próximas do mar, nomeadamente, nas Furnas, no Areal, no Porto e no Estaleiro, onde era semeada em alternância com o milho e tinha como objectivo principal alimentar não apenas as pessoas mas também os porcos. Mas a batata branca de melhor qualidade e de melhor produção era semeada e cultivada nas courelas e nos pequenos terrenos junto das habitações, onde era muito adubada, muito bem tratada, de maneira a crescer sempre viçosa e a estar sempre disponível para as primeiras necessidades alimentares de cada família.
Na realidade, a batata revelou-se sempre de grande importância na economia fajãgrandense pois, para além de ser consumida por pessoas e porcos, também se utilizava a sua rama, logo que cortada e ainda fresca, para alimento das vacas. Além disso, alguns dos maiores produtores vendiam a batata excedente das suas colheitas, não só na Fajã mas também noutras freguesias da ilha.
Diziam os antigos que até à década de cinquenta do século passado, a batata branca era cultivada, na Fajã, em menor quantidade do que a batata-doce, sendo essa cultura feita quase exclusivamente nas courelas, junto às habitações. Sabe-se também que esta fraca produção de batata branca na primeira metade do século passado se deveu, sobretudo, a uma doença ou maleita que atingiu este tubérculo e que o tornava incapaz de ser utilizado para consumo. A importação da batata branca para consumo, de outras ilhas, nomeadamente do Faial e São Miguel ficava muito cara, por isso a sua utilização, como alimento, nessa altura, decresceu bastante na Fajã, sendo substituída não apenas pela batata-doce mas também pelo inhame.
A partir de 1947, ano em que o governo português autorizou a importação da semente de batata, a junta começou a disponibilizar, por toda a ilha das Flores, semente de excelente qualidade. Essa a razão por que se verificou, a partir de então na Fajã Grande, um aumento substancial da sua produção e, consequentemente, do seu consumo. A partir de então o seu cultivo estendeu-se às terras do Areal, das Furnas e do Porto. A semente importada era de boa qualidade e vendida a um preço acessível. Tratava-se das célebres batatas Arran-Banner, Arran-Consul e Up to date, designadas popularmente por Arranbana, Arranconsul e Aptudeite, importadas da Europa. Foi então que se começaram a semear grandes extensões de terreno com as novas espécies que se reproduziam em larga escala, e que constituíam uma parte importante da alimentação das pessoas e dos animais.
Assim as batatas brancas, sobretudo cozidas, começaram a ser o acompanhamento mais frequente de qualquer conduto, sobretudo à refeição do meio-dia. Por vezes e nas casas mais pobres, até eram comidas sem nada ou com fatias de abóbora ou maçarocas de milho que eram cozidas juntamente com elas. Era sobretudo as batatas brancas que acompanhavam o peixe frito ou cozido, a molha de carne, as tortas, uma ou outra lata de conserva, a carne de porco e até a linguiça frita. Além disso eram elemento essencial, tanto na sopa de couve como na de agrião e ainda eram utilizadas, sobretudo à ceia, geralmente as que sobravam do jantar, para fazer o tradicional “mangão”.
Acrescente.se que a batata branca é originária dos Andes, no Peru, donde foi trazida, em 1570, para a Europa pelos conquistadores espanhóis, ao que parece, por mera curiosidade botânica. Porém, com o com o passar do tempo, a batata, um alimento muito rico em vitamina B e C e, sobretudo, em ferro e zinco, tornou-se num dos vegetais mais utilizados na alimentação humana, não apenas no velho continente, mas em todo o mundo. A Fajã Grande não foi excepção.
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MORCELAS
Na Fajã Grande, como em todos os outros lugares, freguesias ou regiões do país, as morcelas eram feitas por altura do Natal, normalmente nos dias que o antecediam, sendo confeccionadas no próprio dia da matança do porco.
Para a sua realização utilizavam-se as tripas grossas, o bucho e o velho, sendo tudo muito bem limpo, lavado, tornado a lavar, virado e revirado, areado com laranjas azedas, folhas de cebola e farinha e novamente muito bem lavado até ficar completa e absolutamente limpo. Como,”sem sangue não se fazem morcelas”, o sangue do porco era ingrediente obrigatório. Para tal o porco devia ser muito bem degolado a fim de “deitar” a maior quantidade de sangue possível, o qual era aparado num enorme alguidar, onde se juntava uns punhados de sal, mexendo-se constantemente com as mãos ou com colheres de pau, para que não coagulasse. Ao sangue de um porco normal ou médio devia juntar-se mais ou menos um quilo de arroz cozido, duas tigelas médias de rama de cebola picada e também cozida, duas mãos cheias de salsa picada, alhos igualmente picados, pedacinhos de carne e de toucinho da barriga e temperos variados: canela, cominhos, noz-moscada, cravo-da-índia, sal e malaguetas. Um pormenor curioso era o de que a rama da cebola depois de cozida deveria ser muito bem espremida, o que se fazia geralmente apertando-a dentro de uma toalha ou outro pano. Uma vez juntos todos os ingredientes, misturavam-se muito bem, provava-se e acertavam-se os temperos, deixando-se repousar durante algumas horas.
Só então se enchiam as tripas grossas, o bucho e o velho com todo este preparado, devendo atar-se, antecipadamente, uma das extremidades da tripa com um fio barbante ou outro que se tivesse mais à mão. As tripas não deviam ser muito cheias ou acoguladas a fim de não rebentarem, sobretudo durante a cozedura. Depois de encher a tripa, amarrava-se a outra extremidade, prendiam-se os fios das duas pontas uns nos outros de modo a que a morcela formasse uma espécie de semicírculo, prendiam-se pelos cordões em grupos ou cachos, em varas de vime e mergulhavam-se, durante algum tempo, em água a ferver e a que, antecipadamente, se juntara um mão cheia de sal. Para saber se as morcelas já estavam cozidas, retirava-se uma e bicava-se com uma agulha; se não vertesse sangue era sinal de já estarem cozidas e prontas a retirar.
As morcelas geralmente serviam-se cortadas às rodelas ou fritas em banha e comiam-se acompanhadas de pão de milho, de bolo, de batata-doce ou de inhame. Eram um excelente e saboroso manjar! Também se guardavam algumas, debaixo de banha, para se conservarem melhor e comerem mais
Era tradição, em muitas casas da Fajã Grande, cozer os pés do porco junto com as morcelas, os quais, juntamente com o bucho, constituíam a ceia no dia da matança, na qual participavam apenas as pessoas da casa e uma ou outra mais chegada ou amiga.
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O BOLO DO TIJOLO
Sabe-se hoje que o milho apenas começou a ser cultivado nos Açores no século XVIII e que os fornos de lenha só foram autorizados nas ilhas a partir do ano de 1766. Além disso, nessa altura, eram apanágio exclusivo dos capitães-donatários e das famílias mais ricas. Mas mesmo quando generalizado o uso do forno pelas famílias mais pobres e pelo povo em geral, pelo menos nas Flores, quer o pão de trigo quer o de milho, eram cozidos apenas pelas festas, muitas vezes em casa de um vizinho ou de um amigo ou familiar, que possuísse forno. Não há dúvida pois que foi o bolo cozido em tijolos que alimentou durante anos e anos a população da maior parte das ilhas, nomeadamente a das Flores.
A Fajã Grande não fugiu à regra e, sendo assim, é muito provável que os seus primeiros habitantes recorressem ao tijolo para cozer o bolo, alimento fundamental no seu cardápio quotidiano, utilizando a farinha produzida através do cereal que haviam trazido e introduzido na região os primeiros povoadores – o trigo. Sabe-se também que em tempos de más colheitas, de secas, de fomes e de peste os habitantes da Fajã e de outras localidades das Flores, em tempos idos, até terão recorrido às raízes dos fetos, da junça e até do jarro ou do grão do tremoço para fazer farinha e cozer bolo, juntando-a assim à do trigo, rara e escassa ou até substituindo-a quase na totalidade.
Na Fajã, na década de cinquenta, ainda se cozia, com muita frequência, o bolo de milho em tijolos de barro, sendo muitos deles, na altura, substituídos pelas “chapas” de ferro, privilégio dos lavradores com mais posses. Mas os primitivos tijolos, onde ainda se cozia o bolo feito com farinha de trigo, chamado “parrameiro” (cf. Rui de Sousa Martins in “O Pão no Arquipélago dos Açores”) eram feitos com uma laje de pedra basáltica, devidamente cortada e polida.
Os processos de cozer o bolo, quer com farinha de trigo quer com a de milho, eram, no entanto, muito semelhantes. Na Fajã Grande, nos anos cinquenta, o bolo do tijolo, de farinha de milho, era feito da seguinte maneira: a farinha de milho era peneirada para um selha de madeira ou para um alguidar de barro. De seguida era “aberta” no centro, fazendo-se uma cova onde se punha o sal, escaldando-a, isto é, deitando-lhe em cima uma boa quantidade de água a ferver, mexendo-se rápida e energicamente com uma enorme espátula de madeira, conhecida por “pá do bolo”. Este bolo, cozido na Fajã Grande, não levava fermento. Depois de escaldada, a massa devia arrefecer. A seguir juntava-se a mistura, na altura um pouco de farinha de trigo. Antigamente porém, e dado que a farinha de trigo tinha que ser comprada, a mistura utilizada era o inhame ou a batata-doce raspados. Hoje ainda há quem misture a batata doce raspada à massa do bolo, tornando o produto final extremamente saboroso. Finalmente amassava-se e formavam-se bolas que depois se achatavam com maior ou menor altura, colocando-as em cima de uma superfície lisa, sendo depois cortadas em quatro quartos que se iam colocando sobre o tijolo, depois de afogueado, bem quente e polvilhado com farinha. Quando se pressentisse que o bolo já está cozido de um lado, virava-se, com a ajuda de uma faca, colocando a outra face sobre o tijolo até a mesma se cozer. Esta operação requeria alguma atenção, a fim de evitar que o bolo não queimasse de nenhum dos lados.
Este bolo “saído do tijolo” a ferver, migado e misturado numa tigela de leite fresco ou então já frio, no dia seguinte a ser cozido, mas no leite fervido, na década de cinquenta e anteriores, era a “ceia” diária da maioria das famílias da Fajã Grande, sendo por vezes, e nas casas dos lavradores mais abastados, acompanhado com um pedacinho de queijo, com uma torta, com conduto de porco ou até com uma sopa de agrião.
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INHAMES
Na década de cinquenta, na Fajã Grande, o inhame, paralelamente à batata branca e à doce, era um dos alimentos mais utilizados como acompanhamento do conduto. Comia-se inhame ao meio-dia e, por vezes, até à noite, a acompanhar os torresmos, a linguiça, o peixe frito, uma torta de ovo ou, nos dias de Espírito Santo, de São José e da Senhora da Saúde, carne guisada, umas vezes de galinha, outras de vaca. Considerado um bom alimento e de cultivo fácil, os inhames existiam, na Fajã, em grande quantidade e eram de excelente qualidade. Uns, os chamados inhames de água, abundavam nos terrenos alagadiços das Covas, das Águas, da Rocha do Vime, da Figueira, dos Paus Brancos e junto às margens de quase todas as ribeiras e grotas, enquanto os outros, os inhames de seco, se cultivavam nas hortas e terras de mato, juntamente com as árvores de fruto, nas belgas e terrenos mais soalheiros. Eram famosos os inhames do Delgado, da Cuada, da Lombega, da Cancelinha, do Moledo Grosso e de muitos outros lugares.
Os inhames, também chamados cocos nalgumas das outras ilhas açorianas, são desconhecidos na Europa, mas existem noutras partes do globo, nomeadamente no Brasil e na África. A sua raiz é a única parte comestível da planta e tem a forma de um tubérculo, cujo tamanho varia, desde os que se assemelham a pequenas batatas de apenas alguns centímetros de diâmetro até inhames gigantes, embora os da Fajã não fossem nem muito grandes, nem muito pequenos. A pele do tubérculo é áspera e pelosa, difícil de raspar, provocando, por vezes, graves alergias aos que executam a sua preparação, tornando-se difícil descascá-los e ainda mais raspá-los, tarefa necessária antes de os cozer em caldeirões de ferro, durante horas e horas. Antes da chegada à Fajã das panelas de pressão, os inhames geralmente eram cozidos em gigantescos caldeirões de ferro e em grandes quantidades, quase um cesto de cada vez. É que o tempo que demoravam a cozer e a lenha que gastavam não permitiam que se cozinhassem em pequenas quantidades. Os inhames também se comiam fritos, às rodelas, mas sempre depois de cozidos.
Em fresco, quando cortado, o inhame expele uma seiva viscosa e irritante para a pele e mucosas, devido aos ráfides de oxalato de cálcio que contêm. Depois de cozido, o seu interior é farinhoso e a superfície exposta ao ar enegrece rapidamente por oxidação. A porção comestível do inhame é a polpa, que sendo esbranquiçada, depois de cozida fica com uma cor diferente, nuns casos acastanhada, noutros rosada ou roxa e, nos inhames de água, ligeiramente esbranquiçada. Esta cor ainda era mais avermelhada, na chamada carapeta, ou seja, na parte inferior do inhame, geralmente menos saborosa e mais aguada do que a parte contrária. Quando a carapeta do inhame ou até algum inhame na totalidade era “rum” isto é, quando o inhame era muito aguado e pouco gostoso, era utilizado como alimento dos porcos. Havia também quem os tivesse em excesso e alimentasse os porcos com inhames crus mas de boa qualidade. A plantação do inhame faz-se de forma inédita mas simples: tiram-se as folhas e uma boa parte do caule, corta-se o tubérculo na parte superior e planta-se. As folhas do inhame, sobretudo as maiores e mais resistentes, também conhecidas por “orelhas de elefante” eram muito usadas, na Fajã Grande, para transporte de água, quando os homens andavam a trabalhar em terras perto de nascentes e, nos anos sessenta, até houve, nos Açores, mais concretamente na ilha de São Miguel, uma tentativa para as secar e com elas fazer cigarros, substituindo assim o tabaco e evitando a nicotina. Este projecto, no entanto abortou, pois os cigarros para além de possuírem fraca qualidade, desfaziam-se facilmente e eram intragáveis.
Devido ao seu exótico e excelente paladar para a maioria dos humanos e possuindo um valor nutricional muito bom e utilizando-se numa gama variada e diversa de composições culinárias em que pode ser incorporado, o inhame é considerado uma cultura de alto valor, sendo hoje cultivado em todas as regiões tropicais e subtropicais e em algumas regiões temperadas não sujeitas a geadas, como acontece nas ilhas açorianas. Nos Açores e na ilha das Flores, o inhame tornou-se num alimento de luxo, sendo cultivado em grande escala para ser servido na restauração, sobretudo no acompanhamento de produtos regionais como os torresmos, a linguiça, a morcela e a molha de carne.
Em finais do século XVII, nos Açores, uma tentativa de alteração das regras de cobrança do dízimo sobre o inhame levou a um levantamento popular conhecido como a “Revolta dos Inhames”, com o epicentro na ilha de São Jorge, o qual foi somente debelado após do envio de tropas do continente que chegaram a todas as ilhas.
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SOPA DE AGRIÃO
Quase todos os dias, a maioria dos homens que possuíam vacas leiteiras, na Fajã Grande, deslocavam-se às lagoas, a maioria delas situadas nas Covas, na Ribeira das Casas, na Figueira, nos Paus Brancos e na Lagoinha, a fim de ceifarem um molho de erva fresquinha e tenra, que eles próprios traziam aos ombros, muitas vezes encharcados com a água que escorria da erva e que era fundamental no cardápio diário das vacas leiteiras. Em quase todas estas lagoas, regadas por uma ou mais nascentes de água e, junto destas, para além de bons inhames, floresciam verdejantes e macios agriões. Muitos homens, sobretudo os mais pachorrentos, geralmente por solicitação das suas consortes, que se viam e desejavam para arranjar matéria-prima para as refeições, apanhavam um ou dois punhados deles, amarravam-nos com um fio de espadana e prendiam-nos na extremidade do bordão que os ajudava a contrabalançar o peso do molho da erva e a facilitar o seu transporte.
Pois esses agriões destinavam-se a confeccionar a saborosa sopa de agrião, na altura muito utilizada como ceia, na ilha das Flores.
Para a confecção da saborosíssima sopa de agrião à moda das Flores, para molho de agriões, exigia uma colher ou duas de banha de porco, uma fatia grossa de toucinho retirado da salgadeira, cerca de meio quilo de batatas descascadas e cortadas em pedacinhos, uma cebola picada e um ou dois dentes de alho picados
A sua confecção era muito simples e fácil. Aquecia-se a banha, num caldeirão de ferro, até derreter. Juntava-se, de imediato, a cebola e os alhos picados. Refogava-se até a cebola começar a ficar tenra. Nessa altura juntava-se a água, e adicionavam-se os cubos de batata e a talhada de toucinho. Tudo devia ser, então fervido até as batatas se apresentarem cozidas.
Entretanto, arranjavam-se os agriões, removendo apenas os caules mais rijos, as folhas amareladas e alguma erva que estivesse junta. Lavavam muito bem e deixar escorrer. Temperava-se a sopa com sal e pimenta. Depois retirar a panela do lume e deixava-se amornar um pouco, a fim de se retirar a fatia de toucinho que era cortado aos pedacinhos de forma a que desse um para cada comensal.
Finalmente juntavam-se os agriões, deixar retomar fervura. Por fim retirava-se a sopa do lume e servia-se quentinha, com um quarto de bolo, uma fatia de pão de milho, por vezes até acompanhava a tigelinha de sopas de leite. E era tão bom!
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SOPA DE FEIJÃO
Um dos pratos mais comuns nas casas fajãgrandenses, na década cinquenta, era a sopa de feijão. Servia-se, geralmente, ao jantar, ou seja à refeição do meio-dia e, embora sendo habitualmente designado por sopa, era, no entanto, um prato tão substancial que só por si só, juntamente com o pão, constituía uma refeição completa.
O feijão foi sempre um produto muito cultivado na Fajã pois “dava-se” bem em todos os terrenos e tinha boas condições de produção, tanto nas terras junto do mar como nas mais interiores. Além disso, o cultivo do feijão não exigia a exclusividade de um campo, isto é, não precisava de um terreno só para si, dado que crescia, florescia e frutificava muito bem em simultâneo com outros produtos agrícolas, nomeadamente com o milho. Neste caso com uma dupla vantagem: não era preciso trabalhar os terrenos de propósito para semear o feijão, pois aproveitava-se os que estavam preparados para o cultivo daquele cereal e nem era necessário espetar na terra estacas de cana ou de vimes para os feijoeiros subirem, uma vez que o faziam enroscando-se no próprio milheiro e ainda por cima enrolavam-se de maneira tão graciosa, admirável e de tal modo funcional que parecia que as vagens eram fruto do próprio pé de milho. Uma vez apanhadas as maçarocas, as vagens do feijão ficavam ali, penduradas nos milheirais, a amadurecer e a secar. Mais tarde, o feijão era apanhado, descascado, posto a secar nos pátios e estava pronto a guardar para com ele se confeccionar a tal sopa.
Havia muito feijão na Fajã! E havia-o de várias cores e raças. Mas o encarnado e o raiado eram os mais usados para a sopa. Uma vez demolhado de um dia para o outro, era posto a cozer em bastante água, com cebola, tomate e alho picados e outros temperos, nunca esquecendo uma boa colher de “graxa” de porco, preferencialmente da que cobria a linguiça. Quem tinha possibilidades juntava uma ou duas talhadas de toucinho ou um pedaço de osso da cabeça do porco. Em muitas casas mais pobres cozinhava-se simplesmente sem nada, ou melhor, apenas com colher de banha. Uma vez bem cozida em caldeirão de ferro, esta espécie de sopa era retirada do dito cujo, ainda a fumegar, com uma conha, sendo baldeada para uma terrina onde haviam sido colocadas fatias de pão de trigo. Nas casas com menos posses, nas quais a minha se incluía, colocavam-se fatias de pão de milho em vez do pão de trigo. E não é que a sopa de feijão parecia ainda ficar melhor… e então se levasse a talhadinha de toucinho… Era um verdadeiro manjar dos deuses!
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CAÇOILA DE PORCO EM DIA DE MATANÇA
A “Caçoila de Porco” era o prato típico e obrigatório em todas as matanças do porco na Fajã Grande. Os ingredientes eram todos adquiridos no próprio dia, dado que eram retirados do porco, após matança, assim que este era aberto e consistiam, para além dos temperos previamente comprados e da banha guardada da matança anterior, em uns bocadinhos de carne da barriga, o fígado e o coração.
Para a confecção da Caçoila começava por cortar-se a carne com o toucinho em pedaços pequeninos, assim como o coração e o fígado e temperavam-se muito bem com sal, alho, cominhos e malagueta. Depois e num velho e robusto caldeirão de ferro, sobre o lume feito com umas achas de faia bem acesas, colocava-se a banha com uma folha ou duas de louro, os dentes de alho e as cebolas picadas até estas alourarem, mexendo-se sempre que necessário com uma enorme colher de pau. Quando a cebola já estava bem lourinha acrescentavam-se os pedacinhos da carne e os do coração, mexendo-se de quandoem vez. Passado algum tempo, quando a carne e o coração já estavam bem rosadinhos, juntavam-se os pedacinhos de fígado, alguma água se necessário e, por fim, provava-se para rectificar os temperos. O caldeirão ficava tapado, abrindo-se de vez em quando para mexer e controlar a quantidade de líquido ou até os temperos, enquanto se ia afogueando o lume até este, por fim, ficar apenasem brasido. Servia-se com inhame, escaldadas, pão de milho ou de trigo, neste caso ensopavam-se as fatias do pão de trigo no saboroso molho da caçoila.
Nalgumas casas ou naquelas onde ou quando não havia inhames, juntava-se no final, quando as carnes já estavam quase cozidas, pedacinhos de batata branca que cozinhados naquele molhinho, adquiriam um sabor muito bom. Neste caso aumentava-se a quantidade do pão, quer de trigo quer de milho, e as escaldadas que, por vezes, eram substituídas por bolo do tijolo.
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COUVES COM CONDUTO
Um dos pratos mais típicos e tradicionais da gastronomia Fajã Grande era as couves com conduto. A sua confecção era simples mas o prato era muito apreciado e saboroso, sendo cozinhado com mais frequência nos meses de Inverno, logo a seguir à matança do porco. Os seus ingredientes também eram poucos e simples: batata, couve e carne de porco, para além da cebola, alho, banha de porco e outros temperos. A batata por vezes era substituída pelo inhame, que neste caso era cozinhado à parte. As couves, por sua vez, abundavam nos campos das Furnas, do Areal e do Porto, ou nas courelas junto às casas, pelo que era fácil de se obterem, sendo por isso mesmo, utilizadas em grande quantidade, não só neste prato masem outros. Acarne de porco utilizada era a que após a matança havia sido cortada, salgada e guardada nas salgadeiras, ou seja, os ossos da cabeça, da coluna e das patas e algumas postas de toucinho que continham alguma carne, sobretudo as das orelhas e os pés. Quanto à confecção a tarefa era fácil. Utilizava-se um caldeirão de ferro com água a ferver, colocado em cima duma grelha onde se fazia o lume e colocava-se dentro os ingredientes, com alguns temperos, sendo que a carne de porco era sempre lavada previamente para lhe extrair a maior parte do sal e só depois era colocada no caldeirão, sempre em primeiro lugar, uma vez que a sua cozedura demorava mais do que as couves e as batatas.
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AS SOPAS FEITAS COM A CARNE E O PÃO DO SENHOR ESPÍRITO SANTO
Não se pode falar propriamente em Sopas de Espírito Santo na Fajã Grande como as que se faziam e ainda se fazem, dando cumprimento a usos e costumes ancestrais, em quase todas as outras ilhas açorianas, nomeadamente, no Pico e Faial, onde se davam e distribuíam, frequentemente, sobretudo no Verão, as “Sopas do Senhor Espírito Santo”. Na Fajã essas promessas eram feitas de forma diferente. Designavam-se por “Jantares do Senhor Espírito Santo” e a carne era distribuída crua por todas as casas da freguesia, acompanhada da coroa, da bandeira e dos foliões, ainda crua, juntamente com o pão, este sim cozido. Assim era dada a possibilidade a cada família cozinhar a carne como muito bem quisesse e entendesse, na sua própria a casa, sendo que muitas vezes, depois de guisada a mesma se juntava ou era deitada sobre o pão, embebendo-o com o molho no próprio prato ou em terrinas, fazendo-se, então, as tradicionais sopas do Senhor Espírito Santo.
A carne era preparada e cozinhada da seguinte forma: uma vez temperada em vinha d’alhos, a carne era cozida lentamente, juntando-se as cebolas, os alhos e algumas folhas de couve inteiras e com o talo, normalmente amarradas num pequeno molhe. Ao mesmo tempo e amarrados num pequeno saco ou pedaço de pano colocavam-se os temperos, geralmente, alho, sal, pimenta em grão, hortelã e cravos da Índia. Juntava-se a água necessária para cozer e depois encharcar a quantidade de pão que se tinha. Uma vez bem cozida a carne retirava-se do lume e, partindo o pão às fatias e colocando-o com folhas de hortelã, no próprio prato ou numa terrina de louça e deitava-se em cima o caldo da carne ainda a ferver, formando assim as sopas que acompanhavam a carne, juntamente com umas boas talhadas de inhame.
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TORRESMOS DE VINHA-D’ALHOS
Os torresmos de vinha-d’alhos eram um dos pratos mais comuns no cardápio fajãgrandense, na década de cinquenta, sobretudo nos meses que se seguiam â matança do porco, que, regra geral tinha lugar em Dezembro. Dado que na ilha das Flores, como aliás em todas as outras ilhas açorianas, o clima não permitia a conservação da carne de porco sob a forma de presunto, toda a carne, ou era guardada, depois de frita, debaixo de banha, dentro de umas vasilhas de barro vidrado, chamadas “barranhas” ou salgada e guardada, no caso dos ossos, da cabeça e dos pés, e guardada nas “salgadeiras”, também estas feitas de barro. Assim, a carne propriamente dita era toda picada. Uma boa parte para a linguiça e a outra para os tradicionais torresmos de vinha-d’alhos, que depois de temperados e fritos eram colocados debaixo de banha. Quando se pretendia utilizá-los, bastava apenas retirá-los da banha e aquecê-los. Estavam prontos a serem servidos e eram deliciosos.
Para a sua confecção, nos dias subsequentes à matança do porco, era seleccionada a carne na quantidade desejada, devendo conter anexa alguma gordura, pois essa dava-lhes um melhor sabor e tornava-os mais tenros e gostosos. A carne partia-se em pequenos pedaços, sob a forma de cubos e depois era temperada com alhos, cominhos, malagueta, sal e pimenta-da-jamaica, deixando-a neste tempero durante alguns dias. Depois os pedaços partidos que dariam origem aos torresmos, eram fritos em banha, arrefecidos e guardados na “barranha”, misturados com a própria banha, de modo a que a camada superior ficasse totalmente coberta.
Na altura em que se pretendia comer os torresmos, retirava-se da vasilha a quantidade pretendida, deixando os outros cobertos com a banha. Voltavam a ser fritos, mas muito ligeiramente e eram servidos acompanhados com batata-doce ou inhame cozido ou com pão de milho ou bolo do tijolo. Uma delícia!