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OS POÇOS DO GADO

Terça-feira, 27.12.16

Terra de abundante criação de gado que circulava nas ruas diariamente exigia bebedouros públicos, designados por Poços do Gado.

Na Fajã Grande, sobretudo devido a um microclima específico, o gado bovino, especialmente as vacas leiteiras, eram criadas nos palheiros, durante todo o ano. No inverno, a fim de serem protegidas dos temporais, permaneciam nos palheiros durante a noite, sendo levadas para as relvas durante o dia. No verão, devido ao excessivo calor que se abatia sobre a freguesia, o gado recolhia aos palheiros de manhã e era levado para as pastagens à tardinha. Isto originava uma enorme deambulação de vacas pelas ruas da freguesia e estas necessitavam de água.

Essa a razão por que ao longo do tempo se construíram vários bebedouros nas várias ruas da freguesia. Os Poços do Gado eram grandes recipientes de forma retangular, construídos em cimento, com grande capacidade de armazenamento de água e sempre com uma torneira a alimentá-lo. Estes tanques estavam sempre cheios de água, uma vez que alguns tinham abastecimento contínuo de água e nos outros havia sempre quem se prontificasse a abrir a torneira, a fim de encher o poço. Num e noutro caso, muitas vezes a água, excedendo a capacidade do poço, jorrava abundantemente pelas ruas.

Na Fajã Grande existiam quatro Poços de Gado: um na Assomada, um no Alagoeiro, um na Tronqueira e um na Via d’Água. Mas como havia muitas grotas e ribeiras, era nestas também que os animais as suas deslocações diárias saciavam a sua sede.

Curiosamente os Poços do Gado também serviam para a ganapada brincar. Cuidando que eles eram o mar, era lá que se entretinham a ensaiar mirabolantes viagens com os seus pequeninos barcos de madeira, uns de grande qualidade outros mais toscos e desajeitados. Mas todos navegavam geralmente com destino a uma América distante no espaço mas perto na imaginação.

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publicado por picodavigia2 às 00:05

A CRUZ DO OUTEIRO

Sexta-feira, 02.12.16

Uma das mais emblemáticas construções edificadas na Fajã Grande foi, inequivocamente a Cruz. Construída bem lá no alto do Outeiro, precisamente no local em que este mais se prolonga sobre o povoado, como que a separar a Assomada da Fontinha, a Cruz impunha-se e debruçava-se sobre as casas campos, num abraço gigantesco, a abençoar, pessoas, animais, lares, terras, maroiços, ruas, vielas e até o mar. Branca, ingente, altiva e gigantesca a Cruz como que se assemelhava ao Cristo Redentor do Corcovado, apresentando-se como verdadeiro símbolo do cristianismo e da fé do povo da mais ocidental freguesia açoriana, apresentando-se de forma semelhante à da gigantesca estátua brasileira, como um ícone da Fajã Grande e até das Flores, postando-se ainda como marco abençoado de dezenas e dezenas de embarcações que, emergindo no horizonte, aproavam à ilha, na demanda das rotas marítimas entre a América, a Europa e a África.

Não se sabe ao certo quando surgiu a ideia de construir uma grande cruz no alto do Outeiro, nem sequer altura em que foi construída, uma vez que o monumento não revela a data de construção. Sabe-se, no entanto que ela é um verdadeiro símbolo da fé e da crença dos nossos antepassados que assim desejavam ver a sua terra permanentemente abençoada pelos braços da cruz redentora.

Durante muitos anos e até à década de cinquenta do século passado realizava-se, anualmente junto à Cruz, uma festa com missa campal precedida de romaria que tinha lugar no dia 14 de setembro, dia em que a Igreja Católica, liturgicamente, celebra e comemora a Exaltação da Santa Cruz ou seja o madeiro em que Cristo foi crucificado. Era também junto a esta Cruz que nas terças e sextas-feiras quaresmais, um grupo de homens, quer chovesse quer ventasse, ajoelhava entoando cânticos e orações diversas e prolongadas. As suas vozes, ecoando nas encostas dos montes, ressoavam e repercutiam-se sobre os velhos telhados dos casebres. Simultaneamente, em todos os lares, famílias inteiras ajoelhavam também e, em convicta e comunitária oração, uniam-se às preces dos cantores, suplicando perdão para os delituosos e pecadores e beneficência para os infelizes e sofredores.

O Outeiro e mais concretamente o lugar da Cruz era também um enigmático local para passeios, uma vez que sobranceiro à freguesia, a que se tinha acesso por uma ingreme e sinuosa vereda, de lá se desfrutava duma vista fantástica e deslumbrantemente bela. Ao perto, os telhados e frontispícios do casario, mais ao longe os campos verdes e amarelados de couves e milho e, além, separado pela mancha negra do baixio, o oceano azulado e infinito, contrastando com a tímida pequenez da ilha. Era, inclusivamente um lugar de visitas turísticas, dada a sua rara e invulgar beleza. Ao iniciar-se a subida, o espetáculo excedia-se em pulcritude, em cores, em luzes e em sons. Mas era sobretudo no dia da festa, durante a romaria, em que o povo subia em fila empunhando as velas, entoando cânticos, ao mesmo tempo que as luzes se iam alongando na subida, formando um cordão luminoso e colorido, uma espécie de colar que se ia prolongando pela encosta até se enroscar ao redor da cruz. Visto de longe, o espetáculo era magnífico.

Emblemática e mítica era ainda a Cruz do Outeiro, por quanto na imaginação da pequenada, era lá que na passagem do ano, à meia-noite, o Ano Velho e o Ano Novo travavam uma árdua luta, com o objetivo de decidirem entre si quem ficaria a mandar no próximo ano: se o Ano Velho se o Ano Novo. Nessa noite mágica todas as crianças da freguesia adormeciam nas suas camas ou berços de palha e casca de milho, uns agarrados aos outros, muito bem cobertos e caladinhos, com os olhitos muito arregalados por fora dos cobertores, com os ouvidos à escuta, a tentar descortinar algum ruído ou barulho indicador da luta e a desejar que fosse o Ano Novo a vencer. Mas só no dia seguinte de manhã, ao indagar junto dos adultos quem teria sido o vencedor, ficavam a saber que tinha sido o Ano Novo a vencer a contenda

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publicado por picodavigia2 às 00:05

AS CASAS DA FAJÃ GRANDE NA DÉCADA DE CINQUENTA

Quinta-feira, 17.11.16

Na década de cinquenta do século passado, as casas da Fajã Grande, sobretudo as das famílias menos remediadas eram muito simples e pobres. Embora já todas fossem cobertas de telha, o que não acontecia no final do século XIX, muitas ainda eram de chão térreo, sobretudo as cozinhas. Limitavam-se a quatro paredes grossas e toscas, a um tamanho muito escasso e com altura apenas suficiente para conter uma porta por onde passasse um homem alto sem se curvar muito. Os tetos eram de telha canelada sobre uma armação de madeira, com a porta traseira da cozinha a ser a principal e a mais utilizada. Apesar de pequenas, a maioria delas albergava mais de uma dezena de pessoas, incluindo o pai, a mãe, mais de meia dúzias de filhos e geralmente uma ou duas avós ou uma tia velhinha e adoentada. As paredes exteriores de muitas delas nem eram caiadas e até o interior de algumas cozinhas também era de pedra. Eram divididas em dois ou três compartimentos por meio dum frontal de madeira, ou, nalguns casos, até por cortinados de pano. A cozinha era a parte maior, mais tosca, mais escura e também a maior da casa. Para além de cozinha servia de sala de jantar, sala para o serão e para as visitas, sala de banho, local de arrumos da lenha e das batatas e até servia para descascar e guardar o milho, sendo este dependurado nos tirantes do teto. O seu tamanho, no entanto reduzia-se bastante porquanto a maioria tinha dentro o forno e o lar. Cada casa, geralmente tinha duas portas sendo a porta de trás a mais utilizada no dia-a-dia e na faina diária. Muito escura, durante a noite, nos longos serões de inverno, a cozinha era tremulamente iluminada por uma candeia com um pavio de pano alimentado a enxúndia de galinha. A maioria não tinha chaminé, saindo o fumo por entre as telhas, sem no entanto muito dele, antes de sair, encher a cozinha, pintando-a de tisna. O compartimento central, chamado sala ou casa de fora, onde se recebiam as visitas importantes e o Senhor Espírito Santo, era também utilizado como dormitório dos filhos, geralmente dos rapazes, amontoados em uma ou duas enxergas, muitas vezes deitados ao travessar a fim de caberem todos. Finalmente o quarto, a divisão mais pequena, com duas camas, uma para o casal outra para as filhas e para a avó velhinha. Era também no quarto que se guardava a roupa domingueira e entre as camas era colocado o berço. Em frente à porta de trás da cozinha, quase todas as casa tinham um pátio, que geralmente servia para albergar os chiqueiros do porco e das galinhas.

O andar de baixo ou loja também estava divido. Uma parte era destinada a guardar o gado, enquanto a outra servia para arrumos e  de nitreira.

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Os MOINHOS DA RIBEIRA DAS CASAS

Segunda-feira, 12.09.16

Antigamente, na Fajã Grande, era nas margens da Ribeira das Casas que existia o maior número de moinhos. Rezam as crónicas que em tempos idos terá existido um conjunto de cinco moinhos de água, ou menos arruinados, dispostos ao longo da Ribeira das Casas. Hoje, alguns estão em ruínas, outros pura e simplesmente desapareceram e um, o moinho do Anjinho, foi recuperado como casa de turismo rural.

Quatro destes moinhos eram de roda vertical e um é de rodízio. Nenhum deles está activo e são apenas visíveis vestígios de alguns mecanismos. Diz quem passa por ali que um dos moinhos abandonados ainda preserva as duas mós, embora em muito mau estado. De realçar que todos eles tinham levadas independentes e individuais, de água retirada ao caudal da ribeira contígua, pese embora alguns pertencessem ao mesmo dono, como era o caso dos dois moinhos de Tio Manuel Luís.

Todos estes moinhos eram construídos em alvenaria de pedra à vista e tinham cobertura de duas águas em telha de meia-cana tradicional com beiral simples, muito semelhantes às antigas habitações da Fajã Grande.

Na Ponta da Fajã, na Ribeira do Cão e na Ribeira José de Fraga existiam três moinhos de água, um de roda vertical e dois de rodízio, mas todos, hoje estão em ruínas.

Todos eles permanecem como restolho enigmático da história de uma freguesia que sempre teve no cultivo dos cereais o baluarte da sua pobre e débil economia. Reconstruídos seroam hoje não apenas um marco turístico mas também um verdadeiro ex-libris da mais ocidental localidade portuguesa e europeia.

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OS MAROIÇOS DA FAJÃ GRANDE

Terça-feira, 28.06.16

Na Fajã Grande, assim como por toda a ilha das Flores, existiam muitos maroiços. Noutras ilhas, nomeadamente, a noroeste do imponente cone vulcânico que é a montanha do Pico, também existem muitos maroiços. Os do Pico, no entanto, são típicos e estão a ser alvo de uma investigação arqueológica, dadas as semelhanças inequívocas existentes entre os maroiços madalenenses e outras estruturas piramidais encontradas nas ilhas da Sicília e de Tenerife, nas Canárias. Os maroiços da Fajã Grande, no entanto, pouco tem de semelhante às monumentais pirâmides de basalto negro que caraterizam a paisagem picoense. Mas poderão ter algo comum no que à sua origem diz respeito.

Os maroiços da Fajã Grande, construídos sobretudo entre as propriedades agrícolas, da mesma forma que os do Pico, terão resultado da necessidade de limpar os pedregulhos dos terrenos de cultivo, embora no caso do Pico a abundância das fragas e penedos ultrapassasse gigantescamente as existentes na ilha Flores. Essa a razão por que naquela ilha os maroiços adquirem maior estrutura, sendo também mais numerosos.

Mas o que distingue e caracteriza os maroiços da Fajã Grande é sobretudo a sua utilidade, sendo que em muitos deles foram plantadas figueiras e videiras, uma vez que são estruturas mais simples, de superfície plana e férteis. Dizem os estudiosos desta arte arqueológica que quer em Itália quer em Espanha, as sondagens e a recolha de materiais arqueológicos em complexos extremamente semelhantes permitiram estabelecer uma suposta datação, que poderá prolongar-se até às idades do Bronze e do Ferro. Muito provavelmente os simples e utilitários maroiços da Fajã Grande nada têm a ver com isto e são bem mais recentes e possivelmente nunca poderão ser considerados património da humanidade, nem têm o encanto e a beleza caraterística dos da ilha do Pico e que têm despertado, desde sempre, a curiosidade de visitantes e locais. Além disso, tem muita utilidade, pois para além de neles se cultivar a figueira e a videira, muitos serviam para por a roupa a coarar, para armazenamento de lenha, para veredas de acesso a outras propriedades, para as crianças brincarem, etc. Por tudo isto talvez nunca cheguem, sobretudo porque sem paralelos noutros pontos do globo, a ter o interesse das monumentais e emblemáticas pirâmides basálticas do Pico que no dizer de alguém prometem seduzir os mais céticos, num arquipélago com remanescências lendárias - qual Atlântida perdida - onde a fantasia e a história se entrelaçam de forma tão intensa, que se torna difícil descortinar onde começa a ciência e acaba o mito.

Os das Fajã Grande, infelizmente, nunca lhes poderão seguir as pegadas, até porque a maioria se perdeu entre os meandros das faias, infensos, silvados e cana roca que enchem quase tudo o que eram relvas e terras cultivadas noutros tempos.

 

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publicado por picodavigia2 às 18:00

A MINHA CASA

Quarta-feira, 15.06.16

Situada bem no coração da Assomada a casa onde nasci era uma das mais pobres e mais pequenas da Fajã Grande. Meu pai havia-a herdado dos seus pais que por sua vez a tinham herdado dos pais do meu avô que a haviam construído após o regresso do meu bisavô da América.

Paredes meias com a rua, no início da década de cinquenta esta pequena casa ainda tinha um pátio, destruído a quando da construção da estrada entre o Porto e a ladeira do Biscoito, junto á Ribeira Grande. Neste pátio, para além do Cepo da Lenha uma linda e bela jardineira que em cada primavera se cobria de flores vermelhas, aveludadas e fofas. A casa, embora possuísse um piso inferior ou loja, fora construída sobre um terreno desnivelado, pelo que vista de frente se assemelhava a uma casa térrea. Da parte de trás possuía dois pisos, sendo o inferior divido em duas lojas. Uma servia para arrumos e retrete e a outra, a maior, destinava-se a palheiro para guardar o gado.

No piso superior, situado à altura do caminho, o que, na verdade, lhe dava, vista pela frente o aspeto de casa térrea, existiam três divisões: A cozinha, a sala e o quarto de dormir, Este era um pequeno espaço, quase totalmente ocupado por duas grandes barras de madeira: a de meus pais e uma outra destinada às minhas irmãs. Entre ambas, apenas um exíguo e apertado espaço, onde, com dificuldade, balouçava um pequeno berço, atávico valhacouto dos nossos primeiros meses de vida e por onde eu e meus irmãos havíamos passado quando bebés. Tinha apenas uma janela voltada para a rua e a única mobília existente, para além das barras, era uma espécie de guarda fato feito de panos velhos e onde minha mãe arrumava a nossa roupa de domingo. Como o tabique que separava o quarto da sala era de madeira, este possuía alguns toros de madeira encastoados e pregados onde pendurávamos a nossa roupa de trazer. Ao lado do quarto a sala, simples mas muito clara, evidenciando-se uma enorme barra de madeira, onde eu e meus irmãos nos íamos acomodando e aconchegando, à medida que, sucessivamente, éramos desalojados do berço, por imperativos resultantes da vinda de novo rebento e que, conjuntamente com uma cómoda, duas caixas e seis cadeiras a desfazerem-se, constituía a mobília de luxo da casa. Numa das paredes e sobre uma pequena peanha havia um relógio, um belo exemplar da Ansónia Clok, muito possivelmente trazido de Nova York por meu bisavô ou por meu avô. Sobre a cómoda, em cujas gavetas se guardavam as roupas das minhas irmãs e de minha mãe, existia um oratório com pequenas imagens e um velho cruxifixo que se dizia ser colocado nas mãos moribundas de quantos antepassados meus haviam falecido naquela casa. As caixas para além de guardar roupa, tinham os caninhos onde eram colocadas linhas, agulhas, tesouras, dedais e outros apetrechos de costura e tudo o mais que não devesse estar ao nosso alcance. Para além de uma janela voltada a oeste a sala tinha uma porta voltada para a rua e que só se abria nos dias em que a coroa do Senhor Espírito Santo nos visitava ou em outras ocasiões mais solenes. Finalmente a cozinha, enorme, vetusta e esconsa, contrastando com a clareza da sala, onde o agregado família permanecia, não apenas para as refeições mas sempre que estava em casa e aos serões. À noite, era iluminada por uma candeia pendente duma trave negra de carvão e alimentada a enxúndia de galinha. Como não era forrada entrava muito vento pelas gretas do telhado o que fazia com que a chama da candeia flamejasse frouxa e titubeante, lançando no escuro uma luz ténue, baça e pouco clarificante, que até confundia pessoas e objetos. No lar onde se armazenavam panelas e caldeirões, ao lado do tijolo do bolo existiam duas grelhas sobre as quais se colocavam aos caldeirões quando o lume estava aceso Aí, habitualmente, evadiam-se brasas áscuas e rúbidas resultantes do arder dos garranchos de incensos e das achas de faia e sobre elas se coziam as batatas, se fazia a sopa, se fervia o leite e estufava o pão de milho. Para além disso uma mesa, uma cadeira onde meu pai se sentava e dois bancos para nós. Uns armários velhos constituíam o resto da mobília e era neles que se arrumavam pratos, tigelas e talheres. Debaixo do lar lenha picada, cestos de batatas e de inhames e sabugos para acender os lumes. Grande parte da cozinha era ocupada pelo forno, junto ao qual se arrumavam pás, varredouros, o balde do porco e a selha de lavar os pés.

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publicado por picodavigia2 às 00:05

O CURRAL DAS GALINHAS

Terça-feira, 03.05.16

Na Fajã Grande, na década de cinquenta, não havia casa que não tivesse um curral de galinhas. Até a do senhor Padre Pimentel assim como em todas as outras mais abastadas. É que as galinhas tinham um papel de relevo na alimentação, não apenas pela carne mas sobretudo pelos ovos. Além disso o custo da sua alimentação era fácil e barato, uma vez que eram alimentadas com milho que abundava na freguesia mas também com ervas e verduras, nomeadamente com erva-santa e ainda com o farelo que sobrava do peneirar da farinha. Ao farelo juntava-se água, fazia-se uma massa a que se adicionava, por vezes, couves cortadas, cascas de batatas picadas ou outras sobras de comida, a fim de que o cardápio das ditas cujas ficasse mais suculento.

As galinhas eram criadas num curral, construído para o efeito, junto de casa. O curral era um pequeno espaço, geralmente retirado à courela da porta. Era murado com paredes bastante altas, muitas vezes encimadas com arame farpado ou rede porque as atrevidas das galinhas se não fossem piadas ou se não tivessem as asas amarradas ou cortadas, saltavam cá para fora e iam por os ovos onde bem entendessem. Depois era o diabo para os encontrar. Além disso esgaravatavam e davam cabo das colheitas por ali existentes, Os currais, geralmente, situavam-se junto ao pátio traseiro de cada casa, cuja parte inferior havia sido transformada em poleiro. Este era uma pequena concavidade escura, tendo a um canto o linheiro, devidamente preparado para elas porem os ovos. Nos currais mais afastados do pátio contruíam-se poleiros de madeira, ou seja, pequenos casotos ou encravados na aba duma parede, ou até colocados no meio do curral. Havia quem aproveitasse este espaço para nele construir o estaleiro.

No entanto, quem tinha hortas, por entre as terras de mato, tapava-lhes bem as paredes, amarrava e cosia as asas às galinhas e soltava-as na horta, com a dupla vantagem de lhes retirar as ervas daninhas e de lhes ir lançando algum estrume. Nas hortas também se construía o poleiro, ou adaptando uma furna ali existente ou construindo um de madeira, semelhante aos dos currais. Por vezes um cesto velho, deitado, também servia de poleiro. Mas, neste caso surgia um pequeno problema. É que as atrevidas das galinhas apanhando-se à solta decidiam pôr os ovos onde bem queriam e entendiam, aqui e além, muito escondidinhos e mudando de sítio em cada dia, o que obrigava os donos a uma tarefa árdua, incómoda, demorada e por vezes improfícua para lhes descobrir os esconderijos. Era costume, para evitar tal estouvado procedimento, deixar-lhes um ovo no linheiro inicial ou um objeto que imitasse um ovo e assim, as parvas, cuidando cada uma que ele era seu, iam, à vez, lá desovar os restantes.

Na verdade, por incrível que pareça, os currais das galinhas, apesar de simples e modestas construções, tiveram um importante papel na economia e sobretudo na alimentação da população fajãgrandense.

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O PALHEIRO DO LUÍS FRAGA

Domingo, 17.04.16

Situado bem no coração do Alagoeiro, o palheiro do Luís Fraga constituía um marco importante na vida, nos costumes e até na própria história do povo da Fajã Grande. Tratava-se de um edifício de dois pisos situado num terreno murado, no centro do enorme largo do Alagoeiro. Era sobretudo esta sua localização e as vantagens que ela trazia para quantos por ali passavam diariamente, que o distinguia dos outros palheiros da freguesia e o tornava mais emblemático, mais referenciado e mais utilizado. Com uma planta simples e retangular, o acesso ao primeiro piso, onde o Luís Fraga guardava o gado, fazia-se através duma porta, que comunicava diretamente com o largo e encimada por uma pequena janela na fachada principal, ambas de madeira, sem vidros. O acesso a piso inferior também se podia fazer por outras duas portas, uma em cada empena, sendo a do lado oposto à Rocha destinada, exclusivamente, a retirar o esterco, armazenando-o num montículo contíguo. O acesso ao segundo piso que servia de armazém dos utensílios agrícolas e dos alimentos dos bovinos, fazia-se por uma porta nas traseiras, com alguns degraus em pedra, aproveitando parcialmente o desnível do terreno.

O imóvel era, como todos os palheiros da freguesia, construído em alvenaria de pedra e coberto com telha de meia-cana, sendo a cobertura de duas águas com beiral simples.

Assim como a casa onde morava e que ficava ao lado, o Luís Fraga herdara o palheiro do pai, Tio Antonho do Alagoeiro e era ali que guardava o gado e as alfaias agrícolas, servindo o palheiro, na parte superior, também como local de arrumos e de armazém de fetos e rama seca.

Mas o que caracterizava este palheiro, era, por um lado, o de ter sido uma construção destinada para este fim, sendo, por isso, detentor de uma arquitetura mais imponente e mais majestática do que a maioria dos outros palheiros da freguesia, quase todos resultantes de antigas e degradadas e, por outro, o de se situar em pleno largo do Alagoeiro. O Alagoeiro ficava para além da Fontinha, um pouco longe do povoado, já quase debaixo da Rocha e era o único lugar da Fajã, para além da Ponta e da Cuada, onde havia casas. No início dos anos cinquenta, porém, morava lá apenas uma família, a do Luís Fraga, embora existisse ali uma outra casa de habitação, abandonada e descaída, na altura, a servir para arrumos e de abrigo dos transeuntes.

O Alagoeiro, com o seu enorme largo constituía, incondicionalmente o maior e mais utlizado descansadouro da freguesia, uma espécie de lugar mítico, pois era lá que os homens, quando regressavam dos campos se sentavam a descansar, a fumar, a falquejar, a conversar, a discutir, a negociar trocas, a partilhar sonhos, a esperar uns pelos outros em amena cavaqueira e, até, a imaginar e a sonhar com a Califórnia, com farms muito grandes, com ranches, com mechins para ordenhar as vacas e lavrar os campos, com dolas, com águias e com baús cheios. Vinham em bandos, carregadíssimos, com pesados molhos, sacos ou cestos bem acaculados, todos molhados de suor e de chuva, do Pocestinho, do Pico Agudo, da Lagoinha, dos Paus Brancos, das Águas, da Silveirinha e até do Mato, enchendo as paredes e marouços do largo, com molhos de erva santa, de fetos, de incensos, de lenha ou com cestos a abarrotar de batatas ou de inhames. Era também o sítio onde o gado, no seu cirandar quotidiano palheiro/relvas/palheiro, parava para saciar a sua sede, pois havia ali um enorme poço com uma bica, por onde jorrava, dia e noite, água muito fresquinha. O Alagoeiro era pois um lugar de encontros e combinações de cruzamento de caminhos, de conciliar de destinos, de tomadas de decisões, de debates, de sonhos, de zangas e discussões e até um lugar onde se faziam negócios. O Alagoeiro era, assim, uma espécie de Mileto da Fajã Grande.

Mas era sobretudo como descansadouro que o Alagoeiro se notabilizava. Exaustos e estafados com uma enorme vontade de descansar e de se aliviarem de cargas e de aflições mictórias, os homens encontravam no Alagoeiro um lenitivo para o cansaço a que arfavam e no palheiro do Luís Fraga um alento para alívio fisiológico, transformando-o, deslumbrantemente, no mais frequentado mijadouro público da freguesia. E o Luís Fraga, pelos vistos, pouco de incomodava, porquanto mantinha as portas do palheiro sempre abertas, permitindo, assim, aumentar o pecúlio de excrementos e de esterco que as vacas ali amarradas produziam.

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publicado por picodavigia2 às 00:05

OS CRUZEIROS DA FAJÃ GRANDE

Segunda-feira, 04.04.16

Nos antigos caminhos da Fajã Grande havia, outrora, vários cruzeiros quase todos assinalados com uma cruz tosca e de madeira, encastoada sobre uma das paredes circundantes do caminho, geralmente, a mais alta e mais abrupta. Os cruzeiros existentes na Fajã Grande eram, no entanto, muito diferentes dos cruzeiros das cidades, vilas e aldeias mais antigas do Portugal Continental. Estes eram formados por grandes cruzes, geralmente em pedra embora raramente apareça um ou outro também em madeira, e que normalmente eram colocadas sobre uma plataforma com alguns degraus ou sobre a extremidade de espigueiros. Os cruzeiros continentais, normalmente, eram colocados nos adros das igrejas, cemitérios, lugares elevados ou, como os da Fajã Grande, em encruzilhadas de caminhos.

Na verdade todos os cruzeiros da Fajã Grande eram colocadas nas encruzilhadas de dois caminhos, ou seja onde um determinado caminho se cruzava com outro que, regra geral, aí se iniciava. Além disso as cruzes dos cruzeiros da Fajã Grande eram todas feitas de madeira, eram de pequena dimensão e colocadas sobre uma parede ou encastoadas nela. Havia também cruzeiros, excecionalmente, em lugares perigosos, como era o caso da Rocha.

O maior e mais importante cruzeiro da Fajã Grande situava-se no Calhau Miúdo, no local onde o caminho entre a Tronqueira e o Cais se bifurcava com o que dava para a Ponta e onde este tinha início. Este cruzeiro, a sudoeste, ou seja do lado do Estaleiro, era ladeado por uma parede muito alta e era sobre esta que estava colocada a cruz. Junto a esta parede, no chão, haviam sido colocadas algumas pedras soltas que formavam uma espécie de bancada, uma vez que este cruzeiro, também servia de descansadouro, sobretudo aos homens que vinha das Covas, da Ribeira das Casas e de outra paragens de além ribeira carregados com enormes, pesados e alagados molhos de erva. Sentando-se junto à parede, os homens para além de se abrigarem, de fumarem e descansarem como que também beneficiavam duma espécie de proteção da cruz. Os homens ao passar por este cruzeiro, assim como por todos os outros cruzeiros descobriam-se tirando o boné ou o chapéu, em sinal de respeito pela cruz.

Outro cruzeiro importante era o de Santo António, no Delgado. Situava-se no caminho que ligava a Assomada à Cabaceira, no local onde também havia uma encruzilhada, na qual se iniciava o caminho da Cuada. Para além da cruz escarrapichada sobre a parede de uma horta que pertencia ao José Nascimento, o cruzeiro desfrutava de um nicho com a imagem de Santo António colocado na mesma parede, sobre o portão de entrada e que assim dava nome ao lugar. Aqui o cruzeiro também se assumia como descansadouro, um dos mais importantes da Fajã e dos poucos que dispunha de água, a qual ficava relativamente próxima.

Entre a Fontinha e o Alagoeiro, junto à fábrica da Manteiga, onde o caminho também se bifurcava com o da Bandeja e Queimadas, havia um outro cruzeiro, o qual, no entanto nunca funcionou como descansadouro, uma vez que havia, bem perto dali um dos mais emblemáticos descansadouros da Fajã, o do Alagoeiro.

No cimo da Assomada, antes das últimas casas também havia um cruzeiro, uma vez que a rua que tinha precisamente o formato de uma cruz, aí também se bifurcava.

Havia ainda outros cruzeiros, nomeadamente o da Cancelinha, no início da ladeira do Espigão e do Caminho do Vale Fundo e Cuada, ainda muitos outros que na década de cinquenta ou não tinham cruz ou a mesma se havia deteriorado, como eram os cruzeiros das Furnas, do Areal, dos Lavadouros, etc.

 

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A ANTIGA PONTE DA RIBEIRA DAS CASAS

Segunda-feira, 28.03.16

Antes de ser construída, já em plena década de sessenta, a atual estrada que liga a Ponta à Fajã, existia uma antiga ponte de madeira, na Ribeira das Casas, quase no mesmo local onde está localizada a atual ponte de betão, integrada no troço daquela estrada.

A antiga ponte da Ribeira das Casas era de suma importância quer para a população da Fajã, quer sobretudo para a da Ponta e muito contribuiu para o desenvolvimento dois mais importantes lugares que, juntamente com a Cuada, constituíam a freguesia da Fajã Grande na primeira metade do século passado.

A importância desta ponte advinha do facto de terem obrigatoriamente de a atravessar as gentes da Ponta que se deslocavam quer à Fajã quer às restantes localidades da ilha, com exceção de Ponta Delgada cujo acesso era feito pela Rocha do Risco. Do mesmo modo os habitantes da Fajã Grande tinham que passar por ali, não apenas quando se deslocavam à Ponta ou a Ponta Delgada mas também quando se iam para as suas terras de cultivo, para as pastagens do Vale do Linho, para as terras de cultivo do Rego do Burro, para as lagoas das Covas ou para as terras de mato da Rocha do Vime e das Covas assim como para muitos outros lugares situados na margem direita daquela ribeira. Do mesmo modo a teriam que atravessar quando iam levar as moendas ao moinho de Tio Manuel Luís ou simplesmente recriar-se nas águas profundas e míticas do Poço do Bacalhau. Era pois de suma importância esta ponte, embora, dada a sua estrutura, se destinasse exclusivamente a pessoas. Os animais atravessavam a ribeira enfiando-se num lago que existia paralelo à ponte e por baixo desta e que servia também de tanque de lavagem da roupa para muitas mulheres da freguesia, nomeadamente as da Tronqueira e da Via d’Água.

Esse enorme lago que ficava por baixo da ponte era ladeado, do lado da foz da ribeira, onde a profundidade era menor, por enormes pedras que serviam de passadeiras para quem decidisse atravessar a pé, o que acontecia geralmente quando se acompanhava o gado, este sim que procedia à travessia sempre pelo meio da água. Algumas destas pedras eram porosas e, por conseguinte, serviam também de lavadouros da roupa.

A estrutura da ponte era simples e tradicional. Em cada uma das margens fora construída um pequeno acesso, em forma de ladeira, formando uma espécie de ângulo reto, com uma dos catetos fixo no solo, o outro voltado para a margem oposta da ribeira e a hipotenusa a servir de rampa de acesso. Era nos bordos destas construções que se fixavam os grossos paus que sustentavam o tabuleiro da ponte. Este, por sua vez, era constituído por peças de madeira serrada, dispostas no sentido transversal, pregadas às vigas e ligadas nas longarinas ou seja nas longas vigas de madeira que uniam as duas margens. Por cima destas existia, quer a nascente quer a poente, uma espécie de corrimão, formado também por tábuas e que dava à ponte a semelhança de uma gigantesca varanda.

Do lado da Fajã, ou seja na margem esquerda, o acesso à ponte era procedido de um enorme largo onde desembocava o caminho que vinha do Calhau Miúdo, paralelo ao mar e ao Rolo. A norte este largo que também servia de descansadouro iniciava-se uma canada que, pouco depois se bifurcava, por um lado seguindo paralela à ribeira até às Águas e por outro dando acesso às férteis terras do Mimoio. Do lado da Ponta o acesso era direto para o caminho que seguia para aquela localidade, embora do lado direito tivesse uns pequenos degraus que davam acesso a uma vereda paralela e subjacente à ribeira e que que permitia demandarem-se os moinhos de Ti Manuel Luís e chegar ao Poço do Bacalhau, junto da Rocha.

 

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publicado por picodavigia2 às 00:05

CASAS VELHAS

Terça-feira, 19.01.16

O lugar onde hoje se situa a freguesia da Fajã Grande, a quando da descoberta da ilha das Flores, a oeste da qual se situa, estaria naturalmente todo coberto por uma vegetação selvagem, densa e viçosa. Os primeiros povoadores tiveram um árduo e difícil trabalho de desbravar e arrotear, transformando o terreno em campos agrícolas, ao mesmo tempo que construíam atalhos, traçavam veredas e edificavam as suas próprias habitações.

Como seriam as casas da Fajã Grande no início do povoamento e nos séculos dezassete, dezoito e dezanove?

A resposta não parece ser muito difícil porquanto na década de cinquenta ainda existiam algumas dessas casas que haviam sido adaptadas a palheiros ou a casas de arrumação, designadas precisamente por casas velhas. A julgar pelos exemplares que foram deixados tratava-se de uma habitação, pobre, pequena, simples, com precárias condições de habitabilidade e, em muitos aspetos, semelhante a muitas que ainda existiam e eram habitadas na década de cinquenta e com algumas traços a lembrar a casa típica do Norte de Portugal Continental.

Essas casas, embora não sendo rigorosamente iguais, tinham muitos aspetos comuns, podendo pois falar-se, de alguma forma, num tipo de habitação específico ou se quisermos, uma casa tradicional. Trata-se, na sua maioria, de casas lineares, correspondentes a uma construção retangular, sobre o comprido e que geralmente tinham três divisões: cozinha, sala e um quarto. O quarto era destinado ao casal e aos filhos mais pequenos, a sala ou casa de fora que tinha uma ou mais camas para os filhos mais velhos e era aí também que se recebiam as visitas mais importantes e onde, dentro de caixas ou baús vindos da América, se guardavam as roupas domingueiras e, finalmente, a cozinha, a maior divisão da casa, que tanto servia para cozinhar como sala de estar, de local para as refeições, para fazer serão e até para guardar, encambulhar e descascar o milho no dia da apanha ou até para o guardar. De facto em muitas casas da Fajã, antigamente, penduravam-se os cambulhões do milho descascado em varas presas nos tirantes ou nas próprias traves das cozinhas, pois estas geralmente não eram a tabicadas. Para além de o guardar de ventos, intempéries e dos ratos tinha a vantagem, por um lado, de ele ir secando lentamente e por outro de manter a casa mais quente nos frios e gelados meses de inverno.

Normalmente estas casas eram térreas e só de um piso, embora algumas tivessem uma loja inferior semienterrada, por aproveitamento do desnível do terreno. A loja inferior, geralmente, servia de palheiro do gado, de arrumos de utensílios agrícolas, de guarda dos alimentos dos animais e também de retrete. A sala era o espaço mais iluminado, sendo a cozinha muito negra e escura, cheia de fumo, permanecendo geralmente num respeitável desarrumo. Geralmente possuía duas portas, uma na frente e outra na parte de trás, quase sempre sem vidros e uma ou duas janelas, sendo uma, por regra muito pequena. A sala por sua vez tinha uma porta do lado da frente, a porta principal fechada com tranca de madeira e que se abria em ocasiões mais solenes, enquanto o quarto, regra geral desfrutava apenas de uma janela. Grande parte da cozinha era ocupada pelo forno e pelo lar. Era debaixo deste que se arrumava a lenha, os cestos com sabugos e em cima do forno guardavam-se as pás e os varredouros e ainda enxadas, sachos e pás.

Cuida-se que antigamente as casas eram cobertas de palha de trigo e não tinham chaminés. O fumo evadia-se por entre a palha, com os riscos que tal operação corria. A cozinha e, nalguns casos até a sala, não tinham soalho de madeira, mas eram de terra barrenta, muito escuras e frias. Grande parte da cozinha era ocupada pela mesa das refeições, uma amassaria, pelo forno, onde se cozia o pão e pelo lar, onde se cozinhava e onde havia o tijolo do bolo. Debaixo do lar guardava-se a lenha picada, cestos de batatas e de inhames e, ao lado, o balde do porco onde se iam armazenando os restos da comida, que eram poucos, e as lavagens. Ali ficava tudo a fermentar, durante o dia. Estas casas eram construídas com pedra e não tinham nenhuma forma de revestimento, nem na parte interior nem na exterior e, consequentemente, não eram caiadas. As suas condições de habitabilidade e de higiene eram muito limitadas.

Como anexos, estas casas tinham, para além de um pátio atrás e outro à frente, um curral para o porco, outro para as galinhas, um logradouro para guardar o estrume dos animais, o cepo da lenha e o estaleiro onde se guardava o milho.

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publicado por picodavigia2 às 00:05

WINDGURU NA FAJÃ GRANDE

Quarta-feira, 30.12.15

Segundo noticiaram, recentemente, a Rádio Atlântida e o Fórum Ilha das Flores, a SpotAzores estabeleceu parceria com o "sítio" WindGuru para a instalação de oito estações meteorológicas WindGuru Live no arquipélago açoriano. Recorde-se que o Windguru é um serviço especializado em previsões meteorológicas, orientado, entre outros, muito especialmente para os amantes de windsurf e kitesurf. As previsões emanadas do WindGuru são baseadas em modelos meteorológicos, pelo que este serviço Windguru está capacitado para fornecer previsões para qualquer local no planeta Terra. A principal razão que levou à criação deste site, que dentro em breve terá uma estação no ponto mais ocidental da Europa, foi a obtenção de previsões de uma forma simples e rápida sem necessidade de pesquisar uma série de mapas meteorológicos através da internet. A sua importância é grande pese embora as previsões que se podem visualizar neste site não são declaradamente previsões oficiais, dado que o Windguru desenvolveu o site apenas para ajudar os utilizadores nas previsões. O que fornece o Windguru são apenas dados numéricos convertidos num formato legível. Cabe a cada utilizador decidir a forma de os interpretar. Dado que a previsão do tempo é extremamente difícil e os modelos que utiliza este site são bastante complicados é normal que as previsões incorram numa pequena dose de imperfeição. Isso no entanto em nada desvaloriza a colocação desta estação Na Fajã Grande. As previsões são apresentadas em tabelas que mostram como serão as condições meteorológicas nos próximos dias num dado local. Sendo certo que a velocidade e direção do vento são as informações mais importantes, mas são indicadas também a temperatura, a precipitação, a nebulosidade e as características das ondas. Neste site existem também um histórico de vento, a previsão de marés, alguns mapas com previsões e um pequeno forum para utilizadores...

A estação meteorológica WindGuru instalada na Fajã Grandessim como outras construídas noutras ilhas açorianas estará operacional no primeiro trimestre de 2016. Os dados recolhidos serão disponibilizados nos dois "sítios da Internet", com destaque para a informação WindGuru Live nas páginas das respetivas webcams dos locais, bem como a marca SpotAzores em destaque nas páginas de informação meteorológica dos respetivos locais no WindGuru.

Além dos dados a disponibilizar, esta parceria pretende também promover o próprio arquipélago dos Açores através da pesquisa no "sítio" WindGuru, referência internacional para todos os entusiastas de desportos aquáticos e de aventura.

 

NB – Dados retirados do Forum Ilha das Flores, Rádio Atlântida e Internet.

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publicado por picodavigia2 às 20:22

O FAROL

Quarta-feira, 14.01.15

Na ilha das Flores, assim como nas restantes ilhas açorianas, existem muitos faróis, marcos orientadores na frequente navegação que ao redor daquelas ilhas tinham e têm lugar, que hoje como que já fazem parte da história do arquipélago. No entanto e para além de serem testemunhos históricos e marcos necessários e indispensáveis a quem anda no mar, os faróis dos Açores contribuem, indiscutivelmente, para a caracterização paisagística de que as ilhas disfrutam, tornando-se, muitos deles, verdadeiros ex-libris das localidades onde se situam.

No entanto, estes faróis, uns muito grandes e potentes, outros pequenos e titubeantes, são, na generalidade, relativamente recentes, sendo o da Ponta do Arnel, em São Miguel, cuja construção teve lugar no ano de 1876, o mais antigo dos existentes nas nove ilhas. Por sua vez, na ilha das Flores dos dois grandes faróis existentes, um a norte e outro a sul da ilha, o da Ponta das Lajes, na parte sul da ilha, é o mais antigo, tendo sido construído 1910, enquanto o da Ponta do Albarnaz, no extremo norte, é um pouco mais recente, tendo sido construído em 1925. Na Fajã Grande existia, apenas, um pequeno farolim, situado no antigo Caminho do Porto, entre o Cais e o Porto Velho.

O farol da Fajã Grande era uma pequena construção, caiada de branco e debruada a vermelho, em forma de torre, com a parte inferior da mesma formando uma pequena cabine. Nesta cabine, para além de outros objetos, guardava-se durante o dia uma enorme lanterna que, depois de acesa, à noitinha, subia através de uma espécie de elevador manual, até ao alto da torre, onde havia uma espécie de pequeno varandim circular, descoberto e com um gradeamento de ferro ao redor. Era aí que encaixava a lanterna e era aí, também, que a mesma permanecia acesa até de manhã. Nessa altura, voltava a descer, sendo então apagada e guardada na cabine inferior, até à noite. A lanterna ficava voltada a oeste e, desse lado da torre, havia umas pequenas escadas em ferro que, em caso de necessidade, permitiam a subida à parte mais alta do farol. A torre e a cabine ficavam dentro de um pequeno quadrado, construído em cimento sobre o baixio, com um muro ao redor e com um portão de acesso. De resto mais nada. Uma simplicidade pura, genuína mas prática.

A luz do farol era pouco potente e destinava-se apenas às embarcações costeiras. A navegação no mar alto guiava-se pelo farol do Albarnaz, cujos raios eram bem visíveis na Fajã Grande, por de trás da Rocha da Ponta. O farol da Fajã teve sempre um faroleiro a quem competia a tarefa diária de o acender à noite apagar de manhã. No entanto e para além destas atividades diárias, o faroleiro era também o responsável pela manutenção do mesmo, nomeadamente, pelo olear de roldanas, cabos e manivelas, limpeza e asseio do interior da cabine, abastecimento do combustível para a lanterna, pintura de gradeamentos e escadas, etc..

Na Fajã, na década de 50 o faroleiro era o senhor Arnaldo, viúvo de um primeiro casamento e casado em segundas núpcias com a senhora Luciana Gonçalves. Curiosamente, o pároco, o professor e o faroleiro eram consideradas as pessoas mais ricas da freguesia, com melhores casas e com estatuto social superior,

O farol da Fajã deu nome ao lugar onde se situava, sobretudo na zona do baixio, onde havia uma poça, chamada Poça do Farol e que servia de piscina natural e de aprendizagem de natação aos mais pequeninos. Além disso era um local acolhedor e fascinante sobretudo aos domingos e nas tardes de verão, durante as quais muitas senhoras da freguesia davam passeios até ao farol, sentando-se no murete, observando o mar, a baía, o rolo e a maravilhosa paisagem que dali se disfruta De facto, o farol da Fajã Grande, tendo com cenário oposto a Rocha das Águas e a cascata da Ribeira das Casas, enquadrava-se numa espécie de aguarela viva em que a natureza estava mais viva e mais próxima, dando-nos a sensação de estarmos a ser “embalados” na presença do infinito.

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publicado por picodavigia2 às 00:19

AS FONTES E O CHAFARIZ

Quarta-feira, 22.10.14

Na década de cinquenta e após o abastecimento de água no início da mesma, existiam na Fajã Grande onze fontes de fornecimento de água ao público, sendo que uma delas se apresentava com formato de chafariz, uma vez que possuía mais do que uma torneira. Paralelamente existiam apenas quatro bebedouros para o gado, possuindo todos eles fontes, sendo que uma delas, no Alagoeiro, corria permanentemente, pois não tinha torneira.

As fontes estavam assim distribuídas pelas ruas da freguesia: duas na Assomada, duas na Fontinha, duas na Rua Direita, uma nas Courelas, uma na Rua Nova, uma na Tronqueira e duas na Via d’Água. Estas fontes eram muito procuradas para abastecimento de água porquanto eram poucas as casas que, na altura, estavam abastecidas com água. Mas as fontes também eram lugares de encontro, descanso, conversas, namoricos e até de brigas e ajuste de contas.

Algumas destas fontes tinham um formato antigo, uma espécie de furna ou nicho construído em argamassa e possivelmente seriam fontes antigas, anteriores à construção da rede pública de água, sendo abastecidas por canalizações muito rudimentares ou por alguma nascente que existisse ali por perto. Era o caso de uma fonte existente a meio da Fontinha, conhecida por Fonte Velha. Uma outra semelhante existia na Assomada, denominada apenas por Fonte. As outras, no geral, eram construções simples, em pedra e cimento, em forma de quadrado, com uma superfície lisa e apenas com uma peanha na base, onde se colocava o vasilhame, enquanto enchia. Para além desta Fonte antiga, existente na Assomada, no cruzamento que dava para a primeira canada do Pico e em frente à casa das Senhoras Mendonças, existia uma oura, no cimo da rua, logo abaixo da bifurcação que dava para o Caminho da Missa e junto à casa do Francisco de José Luís. Na Fontinha, para além da Fonte Velha, existia uma segunda, lá bem no cimo da Rua, por detrás da casa do tio Britsa. O único chafariz existente na freguesia era privilégio da Rua Direita, era a única fonte de abastecimento de água com duas torneiras, possuindo alguns ornamentos no frontispício e situava-se no largo da entrada para a Casa do Espírito Santo de Cima. Curiosamente a segunda fonte existente na principal e mais aristocrática rua da freguesia localizava-se na empena sul da Casa do Espirito Santo de Baixo, edifício onde também funcionava a escola. As fontes das Courelas, Tronqueira e Rua Nova situavam-se mais ou menos a meio das respetivas ruas. Na Via d’Água uma das Fontes também se escarrapichava a meio da viela, enquanto a segunda ficava lá mais para baixo, no início do Porto.

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publicado por picodavigia2 às 08:56

O CAVALO DE SERRAR LENHA

Terça-feira, 14.10.14

Na Fajã Grande a lenha era fundamental na via e nos costumes da população, como que fazia parte do seu quotidiano. Quer o acender do lume, duas ou três vezes por dia, quer o dia semanal, geralmente a sexta-feira, em que se acendia o forno para cozer pão, quer por altura da matança, das festas e de outras ocasiões especiais, usava-se muitíssima lenha, de faia, de incenso, de pau branco, loureiro, sanguinho ou até de cedro ou de queiró. Por vezes até os garranchos de incenso retirados da manjedoura, após as vacas lhe comerem as folhas, bem como os milheiros e os sabugos eram utilizados como lenha.

Uma boa parte da lenha, trazida para junto de casa e armazenada em local próprio, era delgada, pelo que era, facilmente, partida à mão, se seca, ou, simplesmente picada com o machado. No entanto, muita lenha era resultante dos troncos e ramos de grossas árvores, cortadas para o efeito ou abatidas por já serem velhas, pelo que tinha que ser serrada e depois aberta, isto é, feita em lascas, a fim de que coubesse nas grelhas dos lares e, também, para que ardesse melhor.

Antes de ser picada com o machado os grossos troncos tinham que ser serrados em pequenos toros, para o que era necessário, para além da serra, um suporte especial, chamado cavalo de serrar lenha.

O cavalo de serrar lenha era uma estrutura de madeira, simples e primitiva mas muito funcional. Com quatro paus grossos, com cerca de um metro de cumprimento, formavam-se dois xis, sendo que o cruzamento deveria ficar numa das extremidades. Era esta parte que ficava para cima, enquanto as pontas mais compridas faziam de pés. Os xis eram ligados um ao outro, com tiras laterais de modo que tivessem grande resistência. Uma vez colocado em pé, o cavalo, o tronco que se pretendia serrar era colocado sobre os vês voltados para cima e resultantes dos dois xis, de forma a permitir que saísse uma num dos lados, ou seja, o pedaço do pau que se pretendia serrar e cujo tamanho se podia regular.

Na Fajã quase todas as casas tinham o seu cavalo de serrar lenha, construído, geralmente, pelo próprio proprietário. Quem o não tinha, quando precisava, pedia-o emprestado a um vizinho que nunca negava o empréstimo.

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publicado por picodavigia2 às 10:01

OS MAROIÇOS

Quinta-feira, 11.09.14

Os maroiços da Fajã Grande e da ilha das Flores em geral são bastante diferentes dos da ilha do Pico, embora na sua essência tenham muito de semelhante. Sobretudo porque uns e outros são grandes amontoados de pequenas pedras, nas Flores designadas por cascalhos, que foram amontoados entre as paredes de duas ou mais propriedades agrícolas, com a simples intenção de limpar o terreno, ou seja de o tornar não apenas para tornar a terra mais fácil de trabalhar mas, sobretudo, mais produtiva. Mas as diferenças são significativas, sobretudo no que diz respeito à estrutura, à forma e à funcionalidade. Assim, enquanto no Pico, os maroiços se assemelham a monumentais pirâmides de basalto negro que caracterizam a própria paisagem local, com formas, por vezes muito bem delineadas, com semelhanças inequívocas com outras estruturas piramidais encontradas na Ilha da Sicília, em Itália, e na Ilha de Tenerife, nas Canárias, e que, actualmente, constituem atracção turística, os maroiços da Fajã Grande são construções toscas, sem formas definidas, por vezes terrenos abandonados e, geralmente, cobertos de vegetação, nomeadamente de videiras e figueiras. Os maroiços da Fajã Grande são das estruturas mais simples do que os do Pico que evidenciam uma edificação recente, desinteressada e pouco cuidada. Por vezes até parece que foi a própria natureza que os construiu. No entanto, o que mais os caracteriza é o aproveitamento dos espaços no interior para o cultivo, embora descuidado de algumas árvores. Na Fajã Grande era nos maroiços que se apanhavam os figos e colhiam as uvas, uns e outras destinadas, exclusivamente, na alimentação, quer frescos quer transformados em compotas, vulgarmente chamados doces,

Considerados património da humanidade, os maroiços, pela sua beleza característica, os maroiços dos Açores, sobretudo os do Pico, desde sempre despertaram a curiosidade de visitantes e locais. Para Romeo Hristov, professor da Universidade do Texas, não restam dúvidas que a divulgação do estudo realizado até ao momento, e que conta com o apoio da Câmara Municipal da Madalena, vai revolucionar o universo científico, colocando Ilha do Pico no epicentro da investigação arqueológica neste ramo.

É esta rudez dos maroiços da Fajã Grande que os afasta dos louvores da ribalta. Como os do Pico, hoje, considerados paralelos aos de outros pontos do globo e que prometem seduzir os mais cépticos sobre o seu significado histórico, num arquipélago com remanescências lendárias - qual Atlântida perdida - onde a fantasia e a história se entrelaçam de forma tão intensa, que se torna difícil descortinar onde começa a ciência e acaba o mito. 

Eram vários os maroiços que existiam nas terras de meu pai. Mas o que mais me encantava e atraía era o do Cerrado do Porto, um dos maiores, mais belos e mais produtivos maroiços da Fajã Grande. Localizado no extremo Sul do cerrado, fazia fronteira com terras da Caravela e a ele podia aceder por uma vereda que se iniciava a meio da Ladeira do Calhau Miúdo. Se viéssemos pelo Porto e pelo portal do cerrado, situado a noroeste, para aceder ao maroiço teríamos que atravessar o cerrado, calcando ou destruindo as sementeiras. Essa a razão pela qual, quando o nosso objectivo era apenas aceder as figos e uvas do maroiço, deveríamos optar pela vereda da Ladeira do Calhau Miúdo. Que saborosa era a uva do maroiço do Porto e que bons eram os figos que ali havia e que eram de duas qualidades: pretos e bacorinhos.

 

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publicado por picodavigia2 às 15:46

OS PALHEIROS DA FAJÃ GRANDE

Sábado, 19.07.14

A Fajã Grande era terra onde, antigamente, havia grandes cuidados com o gado bovino, dado que este constituía a principal e, nalguns casos, única fonte de receita de uma pobre e rudimentar economia de subsistência. O que mais prejudicava os animais, sobretudo as vacas leiteiras era o estado do tempo. No verão dias de calor horrível, quase insuportável. No inverno noites geladas, por vezes acompanhadas de ventos, chuvas torrenciais e trovoadas. Para proteger os animais era necessário resguardá-los em sítios onde não fossem vítimas do irregular estado do tempo, o que prejudicava sobretudo, o que de mais importante forneciam – o leite.

Para os proteger dos malefícios do tempo existiam os palheiros. Estes eram de três tipos: uns, construções de raiz, destinadas exclusivamente a este fim, outros, antigas casas de habitação ou casas velhas, para tal adaptadas e uns terceiros não chegavam a sê-lo porque eram pura e simplesmente, as lojas das moradias, permitindo assim que pessoas e animais habitassem, conjuntamente, no mesmo edifício: as pessoas no piso superior e os animais, na loja.

Os palheiros de raiz e que para tal haviam sido construídos, eram, geralmente, situados numa plataforma elevada em relação à rua onde estavam edificados. O acesso fazia-se por um caminho pedonal, parcialmente, em escada. Estes tipos de palheiros eram construídos em alvenaria de pedra à vista, semelhantes às casas primitivas, mas, contrariamente a estas, cobertos em duas águas e com telha de meia-cana tradicional, oriunda da Graciosa, tendo como as moradias, um telhão na cumeeira e um beiral simples. Junto a eles, em frente à porta do piso inferior situavam-se os montes onde, ao longo do ano, se ia guardando e acumulando esterco dos animais. Os palheiros de dois pisos, geralmente, tinham planta rectangular, com uma porta de acesso ao piso inferior encimada por uma pequena janela na fachada principal e uma porta de acesso ao piso superior, numa das empenas laterais ou nas traseiras. O acesso ao segundo piso fazia-se por esta porta, aproveitando, geralmente o desnível do terreno, embora muitos tivessem apenas a porta da frente e o acesso ao piso superior se fizesse por uma escada interior com alçapão. Nestes palheiros, os animais ficava no piso inferior, enquanto o superior servia de arrumos, sendo, também, nele que se guardava a comida do gado que, assim era atirada directamente para as manjedouras, através de alçapões colocados sobre estas e que, presos por dobradiças, abriam e fechavam facilmente.

No piso inferior eram colocadas junto a uma das paredes a manjedoura onde se deitava a comida dos animais e às quais estavam amarrados com uma corda, pela cabeça. A meio do palheiro e paralelo â manjedoura havia um rego, destinado a recolher os excrementos e a urina dos animais. A urina era armazenada, através de um orifício que existia no rego, numa poça, construída no próprio chão do palheiro, num dos cantos mais recônditos. Os excrementos, misturados com a cama feita com fetos secos e restos de comida deitada debaixo de cada animal, transformavam-se no esterco que deveria ser retirado e padejado com um garfo, pelo menos dia sim, dia não, para o monte que existia fora da porta do palheiro, onde era devidamente arrumado e guardado. No lado oposto ao da poça, geralmente tapada com uma prancha, colocavam-se os molhos de comida, erva, incensos, couves, ramas de batata, espiga de milho, etc. Em todos os palheiros, para além de cordas, bordões e aguilhadas, havia um banquinho para a ordenha. Os animais ocupavam sempre os mesmos lugares que eles próprios já conheciam, sozinhos ou agrupados aos pares, em espaços separados por divisórias construídas com paus e ripas de madeira, chamadas repartiamentos. Alguns palheiros mais sofisticados, no andar superior e sobre as manjedouras tinham alçapões que se abriam quando se pretendia deitar a comida aos animais, a qual, nestes casos era guardada no piso superior.

No caso dos palheiros adaptados das antigas casas de habitação, chamadas casas velhas, tudo era rigorosamente igual, embora fossem geralmente só de um piso, servindo, por isso, neste caso, simultaneamente, como local de arrumos. O mesmo acontecia nas lojas das casas que serviam de palheiros, nas quais, num canto, ainda havia a tradicional caneca, para recolha e armazenamento da urina e fezes do agregado familiar. 

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publicado por picodavigia2 às 08:50

O FORTE DO ESTALEIRO

Segunda-feira, 02.06.14

As ilhas dos Açores desde os primórdios do seu povoamento sentiram a necessidade de se defenderem e protegerem contra os ataques e assaltos de piratas e corsários, atraídos não só por víveres, pela água e pelos bens existentes nas mesmas mas também pelas riquezas das embarcações que ali aportavam, oriundas da África, da Índia e do Brasil. Desde de em meados do século XVI começaram a ser construídas, em todas as ilhas, fortificações ou fortes militares, com o objectivo de proteger as populações e manter as ilhas em segurança.

Assim, ao longo dos tempos, foram-se construindo vários tipos de fortes militares, uns maiores outros menores, em todas as ilhas, nomeadamente, nas do grupo ocidental, mais isoladas e consequentemente mais expostas aos ataques de piratas e corsários. Estes fortes situavam-se nos portos e ancoradouros, chefiados por militares guarnecidos pelas populações locais sob a responsabilidade dos respectivos concelhos.

Cuida-se que nas Flores terão existido cerca de 27 fortes militares, sendo 5 deles na Fajã Grande, a saber: Castelo da Ponta, Vale do Linho, Castelhana, Estaleiro e Portal da Rocha, este já na freguesia da Fajãzinha. Entre estes destacou-se, na Fajã Grande, o Forte do Estaleiro, localizado no lugar a que lhe deu o nome, entre o Porto e o Calhau Miúdo, Em posição dominante sobre um boa parte do litoral e a ampla baía da Ribeira das Casas, constituiu-se como um forte destinado à defesa do ancoradouro ali sediado e do porto adjacente, defendendo um e outro dos ataques de piratas e corsários, outrora frequentes nesta região, virada a oeste e muito mais isolada.

Acredita-se que a toponímia "Estaleiro" se deva a que, primitivamente no local, tenha existindo algum tipo de facilidade, como uma simples rampa, para a reparação naval, pese embora o lugar se estenda por terra dentro abrangendo, para além da costa, um pequeno espaço de terras de cultivo. Foi também aqui que existiu o primeiro campo de futebol da freguesia A região caracterizava-se, pois, por terras de cultivo, nomeadamente de géneros como o milho, a batata, a batata-doce, o feijão, cebolas, e couves. O forte do Estaleiro terá existido activo durante os séculos XVIII e XIX e consistiu numa pequena fortificação junto ao mar, adjacente ao ancoradouro do chamado Porto Novo, sobre a baía da Ribeira das Casas. Dela existe alçado e planta, com o título "Forte do Estaleiro da Fajam Grande", de autoria do Sargento-mor do Real Corpo de Engenheiros, José Rodrigo de Almeida. A "Relação" do marechal de campo Barão de Bastos em 1862 refere-o apenas como "Posto das Fajãs", informando que "Tem uma casa em mau estado". Na década de cinquenta, no entanto,  ainda podiam ser observados alguns vestígios de uma estrutura que não chegou aos nossos dias.

 

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publicado por picodavigia2 às 00:23

A MOBÍLIA

Quarta-feira, 21.05.14

Na Fajã Grande, na década de cinquenta, a maioria das casas tinha apenas três divisões, contendo uma mobília modesta, simples e tosca.

A cozinha era a divisão da casa mais utilizada. Para além do lar e do forno, havia uma mesa de jantar, grande e rudimentar, à volta da qual, se colocava uma ou duas cadeiras e dois bancos. Junto da mesa, existia uma caixa de arrumos, servindo de assento numa das cabeceiras. Junto ao lar havia um lava mãos de ferro, com uma bacia e um jarro de esmalte ou louça. Ao lado um ou dois baldes de madeira que se destinavam a ir encher água à fonte, caso não existisse canalizada. Os lavradores mais abastados possuíam uma amassaria e, em muitos casos, até um guarda louça, alguns com portas de vidro. A amassaria, uma modernidade nestes tempos, tinha uma dupla função: guardar alimentos e alguns objectos e servir de suporte para amassar o pão e estendê-lo, depois de saído do forno. Algumas casas também possuíam guarda louças, mas na maioria a louça era guardada em prateleiras pregadas nas paredes da cozinha. Todas as casas tinham selha e bancos para lavar os pés e balde do porco.

Na sala, onde normalmente dormiam os rapazes, havia uma enorme barra, várias cadeiras, uma cómoda com gavetas de arrumo de roupa e bugigangas. Sobre a cómoda, geralmente existia um oratório e uma infinidade de retratos de familiares emigrados na América, encaixilhados em passe-partouts de papelão. Nos cantos ou junto às paredes, entrelaçadas com as cadeiras, havia uma ou duas caixas, vindas da América em tempos idos e floreiras de madeira, com vasos de plantas, naprons e bolas de vidro encontradas no mar.

Finalmente, no quarto de dormir, quase todo o espaço era ocupado por duas barras: uma para o casal e outra para as filhas. Quando havia crianças recém-nascidas, um berço separava as duas barras. Pregadas nas paredes havia pequenas farripas de madeira, forradas com pedaços de pano onde se guardava a roupa de domingo e das festas.

Junto às portas havia capachos de casca de milho e um relógio, geralmente um Ausónia, vindo da América.

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publicado por picodavigia2 às 10:04

AS FONTES

Domingo, 22.12.13

Na Fajã Grande, na década de cinquenta, havia muitas fontes, duas em cada uma das ruas maiores e uma nas mais pequenas. Assim a Assomada, a Fontinha, a Rua Direita e a Via d’Água tinham duas fontes cada, enquanto as restantes ruas tinham simplesmente uma, isto se não tivermos em conta os bebedouros do gado, na Fajã vulgarmente chamados “poços”, e que também tinham uma fonte, embora nalguns a água corresse continua e permanentemente, dado que não possuíam torneiras. Havia também algumas fontes fora do povoado, sendo as mais célebres a Fonte Vermelha e a do Delgado, mas dessas não reza esta crónica.

As fontes, na Fajã Grande, como naturalmente noutras terras, situavam-se em sítios mágicos, bucólicos, poéticos e míticos, transformando-os em verdadeiros locais de encontro, de descanso, de conversa, de amizade, de troca de afectos e, por vezes até, de namoricos.

Por outro lado, pode dizer-se, em boa verdade, que as fontes tinham um tríplice valor – funcional, simbólico e ornamental. Funcional, porque como a maioria das casas da Fajã Grande, na década de cinquenta, não possuía água, era preciso “ir à fonte”, buscar água. Na realidade eram elas que forneciam a água necessária para lavar as casas e a roupa, para a higiene pessoal, para cozinhar, para dar de beber aos animais e às vezes até para regar os pequenos jardins dos pátios em frente das casas. A água das fontes servia também para matar a sede dos que junto delas passavam ou se aproximavam. Muitas vezes, os que percorriam os caminhos nas suas lides quotidianas, paravam junto às fontes não só para beber água, mas também para descansar e conversar com quem ali estava. Algumas fontes também eram descansadouros, como uma que existia na empena Sul da Casa do Espírito Santo de Baixo. As fontes também tinham um valor simbólico porque eram autênticos sítios privilegiados e singulares, muito bem localizados na freguesia, de tal forma conhecidos por todos que serviam de referenciais para encontros, para conversas e para momentos de descanso. Por vezes, ia-se à fonte para dar dois dedos de conversa, para dar um recado ou até para namorar. Finalmente as fontes tinham um valor ornamental, pois normalmente estavam situadas em cruzamentos de ruas e nelas eram construídos nichos de cimento, com artefactos diversos para segurar o vasilhame e banquetas à volta para as pessoas descansarem, depois de saciarem a sua sede. As fontes até serviam como locais para brincadeira da garotada que ali enchia a boca para brincar à pesca à baleia, para bochechar ou até para molhar os outros, tapando a torneira com o dedo, de forma que a água respingasse para os lados e alagasse os comparsas de brincadeira ou quem por ali passasse descuidadamente.

Sob o ponto de vista arquitectónico, as fontes da Fajã eram edificações simples, geralmente em forma de nicho, construídas em cimento e caiadas de branco como as casas. Normalmente só tinham uma torneira, com excepção de uma, na Rua Direita, no cruzamento do Caminho de Baixo, que tinha duas torneiras e que, por isso mesmo, se chamava “Chafariz”, enquanto as outras eram simplesmente designadas por “Fontes”. A Fonte Velha, na Fontinha, as do meio da Assomada e da Via d’Água e a da Tronqueira eram belas e antigas construções, em forma de nicho gigante, que por vezes até serviam de abrigos quando chovia. Todas as fontes tinham uma peanha para se colocarem as vasilhas de encher a água, na qual havia também um esgoto. Contrariamente a muitos outros lugares do país, na Fajã as fontes não tinham tanque para lavar roupa, talvez porque ir lavar à roupa às ribeiras fosse um hábito ancestral, que devia manter-se pois era lá que as mulheres se juntavam em maior número e onde havia mais abundância de água.

Na Fajã Grande, na década de cinquenta havia ao todo onze fontes. Uma fonte no Cimo da Assomada, logo a seguir à casa do Corvelo e uma outra no largo da Canada, em frente à casa das senhoras Mendonças. Na Fontinha também havia duas fontes: uma, designada por Fonte Velha, num largo em frente à casa do “Arionó” e outra, lá mais para cima, ao lado da casa de tio Britsa. Nas Courelas havia apenas uma, também num cruzamento, em frente à Casa do João Cardoso e funcionava como descansadouro de quem vinha carregado do Areal. Na Rua direita o Chafariz e a fonte junto à Casa de Baixo e na Tronqueira, apenas uma, junto à casa do Roberto Belchior. Na Via d’Água também existiam duas fontes, uma, mais antiga, em frente à casa do José Furtado e outra, construída quando da abertura da estrada, também num largo, ao lado da casa do Serpa da Ponta. A Rua Nova, a mais pequena da Fajã, também tinha apenas uma fonte.

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publicado por picodavigia2 às 14:39





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