PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A IGREJA PAOQUIAL DE SÃO JOSÉ DA FAJÃ GRANDE
Hoje sabe-se que a atual igreja paroquial de São José da Fajã Grande foi construída no local onde, anteriormente, existia uma pequena ermida edificada em 1755, também sob a invocação de São José. As obras da sua construção iniciaram-se em 1847, ficando a o templo concluído em 1849. A bênção da nova igreja, a que presidiu o ouvidor Francisco António da Silveira, realizou-se no dia 1 de Agosto de 1850. Apesar de tudo, alguns anos depois, a igreja já parecia revelar alguns problemas no que à sua construção dizia respeito, pelo que necessitava de melhoramentos. Coube a um emigrante natural da Fajã Grande, de nome José Luís da Silveira oferecer 14 águias que, juntamento com outros donativos e ajudas do povo contribuíram para o restauro e melhoramento do templo.
Até à década de cinquenta a igreja não tinha bancos. Cada família levava as respetivas cadeiras, onde se sentava enquanto aguardava ou acompanhava as celebrações litúrgicas. Por essa altura colocou-se uma bancada fixa e, com a ajuda do povo, procedeu-se à construção de um salão, por cima da sacristia.
O templo revela uma construção simples mas bela e atrativa, com a porta de entrada voltada a nascente. A fachada principal, a que se une, a sul, uma torre sineira, está dividida por uma estreita cimalha. A parte inferior é de formato retangular, elevando-se do chão até à própria cimalha, sendo apenas entrecortada por uma porta central e duas janelas. Quer a porta quer as janelas também são encimadas por pequenas cimalhas, sendo que sobre a da porta existe uma lápide com datas referentes à construção do edifício e o nome do benfeitor. A parte superior, ladeada por duas colunas com cornija que terminam em botaréus, prolonga a estrutura da parte baixa desde do telhado até ao meio da janela da torre sineira. Depois vai subindo, lentamente, de forma ligeiramente côncava até ao meio, terminando num pináculo central encimado por uma cruz. Centrada no meio uma janela octogonal, com vidros minúsculos. A torre sineira é retangular, encimada por uma cúpula octogonal e uma cobertura em forma de campânula de meia-laranja. Em cada um dos quatro lados existe uma janela sineira, embora a torre possua apenas dois sinos, uma maior, na fachada principal e um menor voltado a sul. Na pare inferior, onde, com acesso apenas pelo interior do templo, se situa o batistério existe uma janela em forma de losango, com vidros de pequena dimensão. As fachadas laterais são simples, quer a do norte quer a do sul, ambas rasgadas por uma porta e duas janelas. Do lado sul, une-se ao templo a sacristia, com duas divisões. A norte o templo comunica com o cemitério. Na parte oeste encastoa-se a capela-mor, atrás da qual se situa uma arrecadação com dois andares, com acesso ao camarim e com porta para o cemitério que lhe fica anexo.
O interior da igreja é de uma só nave, com três altares. Um na capela-mor e dois laterais. Na década de cinquenta, no altar-mor, para além da imagem do padroeiro, estavam colocadas mais duas: a Senhora da Saúde e Santa Teresinha, para além de duas mais pequenas em nichos laterais. O altar lateral do lado da sacristia era destinado à Senhora do Rosário e o outro ao Coração de Jesus.
O templo ainda possuía um púlpito, um coro, um batistério, dois confessionários laterais e no teto da capela-mor estavam pintados os símbolos da nacionalidade. Uma grade separava a capela do cruzeiro e uma outra, ao fundo do templo, separava a zona reservada às mulheres e crianças da zona destinada aos homens. Apenas esta possuía bancos próprios. O acesso ao coro era feito por uma escada, encastoada a norte, logo à entrada do templo. Do coro, através duma porta, tinha-se acesso à torre sineira. O acesso ao púlpito era feito pelo interior da sacristia. A entrada da porta principal estava protegido por um guarda-vento, cujas portas principais se abriam apenas nos dias de festa.
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A IGREJA DA SENHORA DO CARMO DA PONTA
Situada bem lá no alto de uma pequena colina, sobranceira ao povoado, quase entre as últimas casas da Ponta e muito próxima da rocha, ficava a igreja da Senhora do Carmo, como diz G. Monterrey “esbelta na sua própria singeleza”. Altiva e imponente, embora simples e modesta, era ela que servia de local de culto ao povo da Ponta. Todas as celebrações litúrgicas ali tinham lugar, excepto as do Baptismo, do Crisma e a Comunhão Solene das Crianças. A administração destes Sacramentos era feita na Igreja Paroquial, juntando todas as crianças da freguesia, excepto o Baptismo que na altura era celebrado individualmente, embora em tempos idos, ali tivessem sido realizados.
A igreja, que tem como padroeira a senhora do Carmo, ficava implantada num adro nivelado, com acesso apenas por uma escada de degraus de pedra, voltados a Noroeste. O edifício é composto pelo corpo da nave, pelo corpo mais estreito da capela-mor, pela torre sineira que encosta, do lado esquerdo, à face da fachada e pelo corpo da sacristia que encosta à fachada lateral esquerda da capela-mor.
A fachada principal, a que se liga a torre sineira, é enquadrada pelo soco, pela própria torre sineira, pelo cunhal direito e por uma cornija que acompanha a inclinação das águas da cobertura, terminando a parte superior em forma triangular, encimada por uma cruz. Tem uma porta principal, em duas metades, encimada por um arco de volta inteira assente em impostas e duas janelas, em posição simétrica, situadas ao nível do coro que se sobrepõem logo na entrada do templo e delimitado por uma grade rectilínea. No eixo, acima das janelas, há um óculo circular, divido em pequenos vidros. Igualmente, por cima da porta de entrada, há uma pequena moldura rectangular que enquadra a inscrição "A. EGREIJA / D.N.S.D.C. / D.P.F.IDF. / N. ANNO. D. / 1898" , cuja leitura deverá ser a seguinte: A igreja de Nossa Senhora do Carmo da Ponta foi edificada no ano de 1898. Nesta altura era pároco da Fajã Grande o padre Alfredo Mariano de Sousa.
A torre sineira é composta por duas secções. A inferior é rematada pelo prolongamento horizontal da cornija de remate da fachada e tem um óculo em losango ao nível do baptistério. A secção superior assenta na cornija e tem dois vãos de sino rematados em arco de volta inteira assente em impostas: um na fachada principal e outro na fachada lateral esquerda. É rematada por uma cornija com um pináculo em cada vértice e encimada por um coruchéu hexagonal. Todos os vãos exteriores e interiores restantes são rematados em arco de volta inteira. Na parte inferior da fachada principal, a torre tem uma janela em forma de losango. A parte superior, a que se tem acesso por uma escadaria de pedra, tem janelas em cada uma das faces, mas apenas duas têm sinos.
A entrada principal da nave está protegida por um guarda-vento sobre o qual se situa o coro alto, em madeira, cujo acesso se faz do lado da epístola por uma escada em "L" também de madeira. Do lado do evangelho há uma porta de acesso ao piso térreo da torre sineira onde fica um pequeno baptistério, raramente utilizado. O acesso aos restantes pisos da torre sineira faz-se por uma porta no coro alto do lado do evangelho. Ao centro, em cada uma das paredes laterais da nave, há uma porta de comunicação com o exterior, ladeada por janelas ao nível superior. Do lado do evangelho, entre a porta lateral e o arco triunfal situa-se um púlpito com guarda em madeira pintada, sendo a consola (em forma de mísula gigante) e a escada de acesso em madeira envernizada. O corpo da capela-mor é acessível por um degrau de pedra onde assenta o arco triunfal. O acesso interno à sacristia faz-se por uma porta na capela-mor do lado do evangelho. A capela-mor tem um retábulo em talha pintada de sabor revivalista. Tanto o tecto da nave como o da capela-mor são em madeira a imitar abóbadas de berço. Por trás do altar mor existe um camarim que funciona como local de armazenamento de algumas alfaias e utensílio litúrgicos e objectos relacionados com a ornamentação e limpeza do templo.
O edifício é construído em alvenaria de pedra rebocada e pintada de branco, excepto o soco, os cunhais, as cornijas, as molduras dos vãos e os pináculos que são em cantaria à vista. As coberturas são de duas águas em telha de aba e canudo com beiral simples, excepto no corpo da sacristia que é de uma só água.
Na capela mor para além da imagem da padroeira estavam colocadas outras imagens, entre as quais a de São José, e no corpo da igreja, que não possui altares laterais, as da Senhora de Fátima e a do Coração de Jesus.
A igreja da Ponta foi construída em 1898. Contava-se que a sua construção se havia devido ao empenho e vontade do padre Henrique Augusto Ribeiro, padre natural dos Cedros e que deixou o seu nome ligado à construção de outras igrejas na ilha das Flores. A construção do templo ter-se-á iniciado cerca de três anos antes. Até 1922 a igreja da Ponta esteve provida de um sacerdote residente, pois ali existia um passal. O primeiro cura da Ponta foi o padre José Leal Furtado que ali permaneceu desde a edificação do templo até 1906, altura em que foi substituído pelo padre Alfredo Augusto Meneses e Santos, que ali permaneceu apenas durante dois anos. Nos dois seguintes o curato esteve a cargo do padre José Furtado Mota. O último cura da Ponta foi o padre Francisco José Gomes que ali permaneceu desde 1909 até 1922.
A igreja da Ponta teve obras de beneficiação em 1971, altura em que foi construída o novo adro e a actual escadaria.
NB – Parte destes dados foram retirados do Inventário do Património Imóvel dos Açores
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A CASA DO CABRAL
A casa do Cabral, na Assomada era outro das mais imponentes construções da Fajã Grande e o mais emblemático daquela rua, na década de cinquenta. Tratava-se de uma casa de habitação de planta em forma de "L", como a maioria dos edifícios mais majestosos da freguesia e tinha dois pisos. Implantada na frente de rua, com a frente voltada a este, estava, na altura, divida em duas moradias. A norte morava o Cabral e a sul o Francisco Inácio.
Caiada de branco com barras cinza, a fachada principal era delimitada por uma faixa que simulava o soco, pelos cunhais e pela cornija. Tinha três portas no piso térreo, com um óculo oval entre as duas portas do lado esquerdo. Sobre cada porta existia um vão ao nível do piso superior, sendo o central uma janela de sacada com varanda e guarda em ferro fundido e os outros, duas janelas simples e de peito. Na vertical do óculo havia uma faixa estreita, de aspecto mais recente que divide os dois fogos, mas sinal de que em tempos idos, o edifício seria habitado só por uma família.
A fachada lateral norte correspondia ao braço do "L" e tinha, no piso superior, uma porta de acesso à primitiva cozinha e duas janelas de peito. No topo deste braço do "L", a encimar a cozinha, havia uma chaminé de grandes dimensões. Havia também uma escada exterior, adossada à fachada lateral esquerda, que liga esta esta porta do piso superior e a outra, situada ao nível do piso térreo, que fica semienterrada. Ao lado um balcão, de baixo do qual existia uma cisterna de água, recurso muito já muito pouco frequente na Fajã Grande, na época de cinquenta, uma vez que a greguesia fora abastecida de água nos finais da década de quarenta.
Actualmente o edifício ainda está em óptimas condições, tendo-se procedido, frequentemente à sua manutenção. É construído em alvenaria de pedra rebocada e pintada de branco, excepto o soco, a faixa divisória e a cornija que são pintados de cinzento e os cunhais, a consola da varanda e as molduras dos vãos que são em cantaria à vista. A cobertura é de quatro e duas águas em telha de meia-cana tradicional com beiral duplo e telhão de cimento pintado de branco na cumeeira.
Identificado como a “Casa do Cabral” este edifício faz parte integrante daquilo de que mais importante o simples e pobre património arquitectónico da Fajã Grande e constitui um dos seus elementos mais importantes e de maior significado.
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A CASA DO MANUEL DAWLING
Não tanto pelo seu formato, valor histórico ou pelo aspecto ou estrutura interior mas sobretudo pela sua localização e mais ainda pelas suas interessantes e inéditas fachadas exteriores, a casa do velho Dowling era uma das mais emblemáticas da Fajã Grande. Não porque tivesse a imponência e beleza da do Chileno, a altura e os três andares da do Tavares ou a sumptuosidade e a história da de Tio José Luís, mas sobretudo pela originalidade das suas fachadas, nomeadamente da que ficava voltada a noroeste, ou seja para o lado do Monchique e que confrontava com o Caminho de Baixo.
Com uma planta em forma de "U" e com dois pisos, um, o superior, destinado a habitação e um outro, o inferior, destinado a loja de arrumos, a casa do Manuel Dowling caracterizava-se e especificava-se por estar implantada entre duas ruas acentuadamente desniveladas: a Fontinha com o piso do empedrado praticamente paralelo ao telhado e o Caminho de Baixo, situado ao nível da porta a loja. As duas entradas da moradia, quer a da sala quer a da cozinha, podiam fazer-se por uma ou por outra das ruas, uma vez que o pátio que possuía em frente, voltado a sudoeste, comunicava com a Fontinha, através de uma escadaria de degraus de pedra rústica e com o Caminho de Baixo, neste caso atravessando o pátio da Casa de Espírito Santo de Cima que lhe ficava contígua.
O piso superior correspondia à habitação propriamente dita, enquanto o inferior era ocupado por lojas e tinha uma área menor porquanto resultava do aproveitamento do desnível do terreno. O acesso principal ao piso superior fazia-se através de uma escada com um pequeno balcão adossado à fachada principal. A porta de entrada era ladeada por janelas de peito com as ombreiras prolongadas inferiormente de modo a esboçar um avental. Ao nível da loja, junto ao arranque da escada, havia uma pequena porta alinhada pela janela da esquerda. Por sua vez o balcão ligava-se a um patamar que acompanhava a fachada lateral voltada para a Fontinha e onde se localizavam duas portas, separadas da empena do caminho por um estreito vão, formando uma espécie de rego, semelhante ao da vizinha Rosária Sapateira. Era através da escada de pedra tosca e estreita que fazia a ligação deste patamar com a Fontinha.
Era a fachada lateral esquerda, voltada a noroeste que assumia integralmente os dois pisos e era, obviamente a mais fascinante. Nela havia vários vãos com uma distribuição irregular: duas portas no piso térreo, sendo uma delas rematada em arco, sobre as quais havia, ao nível do piso superior uma janela de peito e uma janela de sacada, com a guarda de madeira à face das ombreiras e, mais afastada, uma janela de sacada com varanda saliente cuja guarda em madeira, com recortes e ripado, reproduz uma guarda mais antiga.
O edifício era construído em alvenaria de pedra rebocada e caiada, excepto o soco ou beira superior que era pintada de cinzento assim como todos os beirais, os cunhais, a cornija, a consola da varanda e as molduras dos vãos. A cobertura é do tipo de duas águas em telha de meia-cana tradicional, como era uso e costume na Fajã Grande, com beiral simples e telhão na cumeeira.
Na realidade a casa do Manuel Dowling era, sob o ponto de vista arquitectónico, um dos edifícios mais interessantes e de maior envergadura artística da Fajã Grande.
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A CASA DE TI JOSÉ LUÍIS
A casa onde na década de cinquenta, morava a viúva de Ti José Luís, juntamente com algumas filhas e filhos ainda solteiros, constituía, na verdade, talvez o mais emblemático edifício habitacional da Fajã Grande, sob o ponto de vista arquitectónico e, sobretudo, histórico. Na realidade, hoje é por de mais confirmado que aquele edifício terá sido mandado construir, muito antes da construção da actual igreja, e, muito provavelmente, pertenceu e foi residência de António Freitas Henriques, um dos mais ilustres fajangrandenses de todos os tempos, nascido no lugar que naquela altura ainda pertencia à freguesia das Fajãs, a 30 de Março de 1721, onde foi capitão, entre 1751 e 1770, ano em que faleceu. Era filho do capitão Gaspar Henriques Coelho e de Francisca Rodrigues e foi também vereador municipal, juiz do ordinário e comandante, com patente real, da companhia de ordenanças das Lajes. Era irmão do padre Francisco de Freitas Henriques, o primeiro sacerdote que, pese embora a Fajã ainda não fosse paróquia, prestou serviço religioso na antiga ermida de São José, anterior à actual igreja. Sabe-se também que esta residência, mais concretamente do lado Sul, onde na altura vivia o José Natal, estava ligada com a respectiva ermida, através de uma ponte, a fim de que os “senhores” para ela se dirigissem sem ter que passar pela rua, evitando, à boa maneira aristocrática, misturar-se ou envolver-se com o povo. Não se conhecem, no entanto, os residentes intermediários, na posse e usufruto do imóvel, se os houve entre os descendentes da família Freitas Henriques e os moradores na década de cinquenta, embora muito provavelmente Ti José Luís, pertencesse àqueles descendentes, uma vez que tinha o mesmo apelido “Freitas”.
Tratava-se de um belo edifício, com aspecto exterior monumental, uma verdadeira casa solarenga, de planta rectangular, com dois pisos mais sótão, estando, na década de cinquenta dividida em duas habitações, uma ocupada pela família de Ti José Luís, outra pelo José Natal.
A fachada principal do edifício, voltada para a Rua Direita, é emoldurada, na parte inferior, contigua ao chão, por uma base ou soco invulgarmente alto e saliente e por uma cimalha com faixa, ornada com friso e cornija onde apoia o beiral, requintes arquitectónicos raramente encontrados na Fajã Grande. A mesma fachada ainda apresenta três portas alternadas com quatro frestas, e por cima de cada uma das portas e no enquadramento das mesmas, rasgam-se igual número de janelas de peito cujos aventais estão ligados às cornijas das portas que ficam por baixo. Quer as portas quer as janelas são encimadas por uma verga, com uma pequena cornija, semelhante à do telhado. A porta sul era a única que pertencia à residência de Ti José Luís e dava entrada para uma sala, através da qual, por uma escada se subia ao piso superior. A porta do central havia sido, na década de cinquenta ou antes, transformada em janela da referida sala e a do Sul era independente e dava acesso à loja do José Natal e mais tarde da Senhora Bernadete. Por sua vez na empena da direita, ou voltada a sul e na qual é visível o aproveitamento do sótão, havia uma porta ao nível do piso térreo também encimada por uma janela. Do lado direito da janela há uma outra porta mais pequena, a que se tinha acesso por uma escada com balcão e que dava para a cozinha. A cimalha da fachada principal prolonga-se pela empena direita formando a base de um frontão cujo remate superior é feito por uma faixa e uma cornija que acompanham a inclinação das águas da cobertura.
O edifício é construído em alvenaria de pedra rebocada e caiada, excepto os beirais das portas e janelas, a base ou soco e as cimalhas, que são em cantaria, pintada de cor cinza como a maioria das casas da freguesia.
Era na rua Direita, ao lado desta casa solarenga que se situavam os mais belos e imponentes edifícios da Fajã Grande, incluindo um outro, localizado mesmo em frente e também dividido por dois proprietários e formando dois fogos, um onde moravam três irmãos, filhos de Joãozinho e um outro onde morava o Francisco da Cuada.
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A CASA DO ESPÍRITO SANTO DE CIMA
Das quatro casas de Espírito Santo que existiam na Fajã Grande e que ainda hoje permanecem como património arquitectónico da mais ocidental freguesia açoriana, a última a ser construída foi a Casa de Espírito Santo de Cima, popularmente conhecida simplesmente como “A Casa de Cima”. A data da sua construção, estampada no frontispício, logo por cima da escultura de uma coroa encastoada entre duas janelas, sobre a porta principal, remonta ao longínquo ano 1886, ou seja cinco anos após a erecção da paróquia da Fajã Grande. Talvez por ser a mais recente, talvez porque a disposição do terreno a isso obrigasse, talvez porque os seus arquitectos e construtores, numa simulada tentativa de valorizar o edifício, pretendessem que a sua entrada principal comunicasse com a Rua Direita, esta casa possui um estilo específico e uma estrutura arquitectónica própria e sensivelmente diferente das outras três casas do Espírito Santo, da Fajã Grande: Cuada, Ponta e Casa de Baixo. Outra diferença arquitectónica significativa era o facto de, por um lado, a porta principal se situar, à maneira das catedrais, igrejas e ermidas, na empena oposta ao altar-mor e por outro, por essa mesma empena ter um estilo diferenciado e ser encimada por uma espécie de torre sineira. Esta torre, porém, era de uma só fachada, tinha uma cruz lá no alto e não possuía sino, o que não impedia, no entanto, que o estilo do seu frontispício se assemelhasse mais a uma capela do que às tradicionais casas do Espírito Santo, dispersas por todas as freguesias da ilha das Flores. Além disso, a própria fachada principal do edifício era arquitectonicamente enriquecida com um formato específico e diferente no que diz respeito quer à porta, quer às janelas, sendo os vidros destas últimas e os que encimam a porta, foscos e coloridos, simulando uma espécie de vitral. Em frente à porta principal e também imitando as igrejas, a Casa de Cima possuía um adro, característica também apenas a esta casa e à da Cuada. O edifício ainda possuía janelas laterais de um e outro lado o que conferia ao seu interior excelente luminosidade, própria dos templos e casas de oração modernos.
Por sua vez o interior era formado por um amplo e rectangular salão assoalhado, divido no fundo por uma grade a isolar uma espécie de capela-mor, onde existia um altar “versus pópulo”, em tudo semelhante aos das igrejas e em cujo pequeno trono, pintado a ouro, se colocavam as coroas dos dois impérios: a da Casa de Cima e a de São Pedro. Em dois nichos, encastoados um em cada lado do altar, estavam colocadas as imagens de São Pedro e da Rainha Santa Isabel. Ao lado duas portas que comunicavam com duas pequenas “clausetas”, uma para as bandeiras, tambores e utensílios vários e a outra para arrumos.
A Casa do Espírito de Santo de Cima, situada bem no centro da Fajã, quase no cruzamento do Caminho de Baixo com a rua Direita, a dois passos da igreja, para além de ser amplamente usada durante as festas de ambos os impérios, (São Pedro e Casa de Cima) ainda funcionava, na altura, como uma espécie de salão “multi usos”. Servia para a celebração da missa sempre que a mesma não podia ter lugar na igreja paroquial, quando esta estava em obras. Mas tinha ainda muitas outras funcionalidades quer religiosas quer civis. Era lá que, nas visitas pastorais, o senhor bispo se paramentava para iniciar o cortejo processional até à igreja paroquial, rra lá que se benziam os ramos e se organizava a procissão que precedia a missa no Domingo de Ramos e era lá que se recolhia a coroa da Cuada quando esta se deslocava à Fajã, nos domingos a seguir à Páscoa. Por outro lado, também era lá que se juntava o povo para receber o Governador Civil ou outra entidade, era lá que se reuniam os cabeças com os homens da freguesia para preparar o dia de Fio e arquitectar as estratégias para recolher as ovelhas e foi lá que durante muitos anos a Filarmónica “Nossa Senhora da Saúde” teve a sua sede, sendo lá também que fazia os seus ensaios. Finalmente acresce dizer-se que a Casa do Espírito Santo de Cima ainda funcionou, nas décadas de quarenta e cinquenta, como sala de teatro e até de cinema, servindo, muitas vezes, para sala de reuniões e de convívio da população e até para sala de jantar em dias de casamento, quando o número de convidados dos noivos era tão grande que estes não cabiam na casa de um ou de outro.
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A CASA DA SENHORA ESTOLANA E O RESTAURANTE “CASA DA VIGIA”
A casa da Senhora Estolana era a última do Cimo da Assomada, do lado do Caminho da Missa, ou seja, do mesmo lado e um pouco antes da canada que dava simultaneamente para as terras e relvas do Pico e para a Vigia da Baleia, ou seja para o Pico da Vigia. Era uma casa muito branquinha, com as barras das portas e das janelas pintadas de azul, mas um pouco misteriosa e enigmática, uma vez que quer a Senhora Estolana depois de enviuvar, quer todos os seus filhos e filhas partiram para a América. Daí que a casa ficasse abandonada, isolada, deserta, descaída e envelhecida criando aquele ar tenebroso e de mistério, para quem, como eu, criança, por ali passava, até porque ficava um pouco distante das outras casas da freguesia.
Hoje vejo-a através de imagens da Internet, da mesma forma que era outrora, quando ainda era habitada pela senhora Estolana, branquinha, com as barras de um azul muito claro, mas anunciada de forma muito diferente, ou seja, como sendo um restaurante, denominado por “A Casa da Vigia”, com as indicações de que está localizado apenas a 2 km da Aldeia da Cuada e situada na Fajã Grande, freguesia considerada como “lugar ideal para tomar uns bons banhos no mar”, depois do qual se pode ir ao referido restaurante mimar as papilas gustativas. A “Casa da Vigia” é dirigida por uma senhora italiana e os ingredientes ali servidos, segundo consta das informações recolhidas no site, uns são cultivados e crescem numa horta biológica que existe mesmo ali ao lado da antiga casa da Senhora Estolana, enquanto outros são produtos locais, à excepção dos deliciosos vinhos tintos que são importados da Toscânia, Itália, dado que nem a Fajã Grande nem a ilha das Flores são produtoras do precioso líquido.
Destaque-se ainda para um pormenor interessante: o restaurante “Casa da Vigia” possui no seu terraço uma biblioteca.
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A CASA TRADICIONAL DA FAj GRANDE
A ampla fajã situada na zona Oeste da ilha das Flores, o cantinho mais ocidental da Europa, corresponde a uma área entre o mar e as rochas, dividida a meio pelo Ribeira Grande, a fronteira natural entre as duas freguesias que ainda hoje a ocupam - a Fajãzinha e a Fajã Grande. A quando da descoberta da ilha, esta fajã seria naturalmente coberta por uma vegetação selvagem que os primeiros povoadores a pouco e pouco foram desbravando e transformando o terreno em campos agrícolas, dado que era bastante fértil. No entanto, como ficava na parte Oeste da ilha e sendo um local de difícil acesso, devido às rochas que a cercam, foi a última zona da ilha a ser povoada.
Na Fajã Grande, foi a zona situada entre o Pico da Vigia e o Outeiro, ou seja, na Assomada, local mais abrigado das intempéries e dos temporais, que se construíram as primeiras habitações, muitas delas ainda existentes na década de cinquenta do pretérito século. Tratava-se de uma habitação, em muitos aspectos, semelhante à que então existia no Norte de Portugal Continental.
As casas da Assomada e muito mais ainda as da Fajã Grande, obviamente, que não eram todas iguais. No entanto, a maior parte tinha, na realidade, muitos aspectos semelhantes, podendo pois falar-se, de alguma forma, num tipo de habitação específico ou se quisermos, uma casa tradicional, da qual, no entanto, se destacavam uma boa parte das moradias, com algum ar e semblante um pouco aristocrático, da Rua Direita, onde viviam as pessoas de mais posses e que muito provavelmente teriam sido construídas por emigrantes regressados da América. O mesmo muito provavelmente terá acontecido com algumas das melhores e maiores casas das outras ruas, também distintas das outras pelo seu tamanho e sumptuosidade. Exceptuando estas, normalmente em forma de L e com dois andares, sendo ambos geralmente de habitação ou uma parte de habitação e outra de arrumos, mas não de gado, as restantes casas eram bastante semelhantes. Estas provavelmente também eram as mais antigas dada a sua semelhança com algumas mais velhas já abandonadas ou adaptadas a palheiros de gado. Tratam-se de casas lineares, correspondentes a uma construção rectangular, sobre o comprido e que geralmente tinham três divisões: cozinha, sala e um quarto. O quarto era destinado ao casal e aos filhos mais pequenos, a sala ou “casa de fora” que tinha uma cama para os filhos mais velhos e era aí também que se recebiam as visitas mais importantes e onde se guardavam as roupas domingueiras e, finalmente, a cozinha, a maior divisão da casa, que tanto servia para cozinhar como sala de estar, de local para as refeições, para fazer serão e até para guardar, “encambulhar” e descascar o milho no dia da apanha ou até para o guardar. De facto em muitas casas da Fajã penduravam-se os “cambulhões” do milho descascado em varas presas nos tirantes ou nas próprias traves das cozinhas, pois estas geralmente não eram a tabicadas.
Normalmente estas casas eram térreas e só de um piso, embora muitas tivessem uma loja inferior semienterrada por aproveitamento do desnível do terreno. A loja inferior, geralmente, servia de palheiro do gado, de arrumos e também de retrete. A cozinha e a sala eram os espaços mais iluminados. A primeira geralmente possuía duas portas, uma na frente e outra na parte de trás e uma ou duas janelas. A sala por sua vez tinha uma porta do lado da frente, a porta principal e que se abria em ocasiões mais solenes, enquanto o quarto, regra geral desfrutava apenas de uma janela. Grande parte da cozinha era ocupada pelo forno e pelo lar. A partir do abastecimento de água à Fajã, a maioria das cozinhas passou a beneficiar de uma fonte de água corrente e uma pia feita em cimento e encastoada numa parede, junto ao lar.
Estas casas eram cobertas de telha e não tinham chaminés, uma vez que não sendo a cozinha tabicada, o fumo evadia-se por entre as telhas. Em muitas delas a cozinha não era a assoalhada, mas de terra barrenta, chamada cozinha térrea. Grande parte da cozinha era ocupada pelo forno, onde se cozia o pão e pelo lar, onde se cozinhava e onde havia o tijolo do bolo e debaixo do qual era empilhada e arrumada a lenha picada.
Como anexos, estas casas tinham, para além de um pátio atrás e outro à frente, um curral para o porco, outro para as galinhas, um logradouro para guardar o estrume dos animais, o cepo da lenha, o «estaleiro» onde se guardava o milho e uma courela onde se cultivavam produtos agrícolas, com uma parte reservada ao canteiro da batata doce.
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A GARAGEM DOS TERREIROS
Situada bem lá no cimo da Rocha da Fajãzinha, mais para os lados da Caldeira, a Garagem dos Terreiros foi durante muitos e muitos anos um ponto de referência não apenas para a população da Fajã Grande mas também para a da Fajãzinha e do Mosteiro, porquanto representava o fim da única estrada que ligava Santa Cruz e eventualmente as Lajes, mas com um longínquo percurso pela Fazenda, Lomba e Caveira, à zona mais ocidental da ilha.
No início da década de cinquenta havia apenas duas estradas na Ilha das Flores: uma a ligar as Lajes a Santa Cruz e a outra que partindo de Santa Cruz atravessava os Matos, terminando nos Terreiros, precisamente em frente à dita Garagem. Daí a importância, utilidade e interesse que esta assumiu pois, nestas condições e naquela altura, era lá que as pessoas, assim como as mercadorias ou esperavam transporte a Santa Cruz ou, no caso inverso, aguardavam carregamento ou companhia para a freguesia a que se destinavam. As pessoas, muitas vezes, ali descansavam, comiam os seus farnéis e abrigavam-se da chuva ou protegiam-se dos temporais para, sobretudo no caso da Fajã que ficava bem mais longínqua, palmilharem a pé a Rocha da Figueira ou a dos Bredos, atravessar a Fajãzinha, de lés-a-lés, transpor a Ribeira Grande, subir a ladeira do Biscoito até à Eira-da-Cuada e percorrer o Caminho da Missa até entrar na Fajã pelo cimo da Assomada. Também era para lá, onde era guardada à espera de transporte, que era conduzida em mulas toda a manteiga e até a nata destinada à fábrica de Santa Cruz e que a Fajã produzia.
A Garagem era um edifício em pedra, caiada de branco, coberta de telha alaranjada, ficava no lado esquerdo de quem subia o caminho vindo da Fajãzinha e constituiu durante a década de cinquenta não apenas o terminal da Carreira e dos poucos automóveis e carros de praça existentesem Santa Cruzmas também o local de carga e descarga das camionetas dos principais comerciantes da ilha: do Flores, dos Serpa de Santa Cruz e do Germano e da Firma das Lajes. A garagem era portanto, ponto de partida e de chegada obrigatório para as populações do Mosteiro, Caldeira, Fajãzinha, Fajã Grande, Ponta e de grande parte das Flores
Por todas estas razões a Garagem dos Terreiros tornou-se como que um lugar mítico, um ponto de encontro de pessoas que por ali transitavam quase todos os dias em maior ou menor quantidade e que depois seguiam para as vilas ou para outras freguesias, a pé ou de carro. A primeira vez que a vi foi quando fui a pé da Fajã às Lajes acompanhar uma cunhada de meu tio que necessitava de tratar dos papéis para o casamento e me levou por companhia para que não atravessasse os matos da ilha sozinha. Depois por lá passei a pé inúmeras vezes, mesmo depois de construída a estrada que ligava os Terreiros ao Porto da Fajã, dado que a escassez de automóveis a tal nos obrigava. Nessa altura o percurso pelos Bredos e Eira-da-Cuada caiu em desuso, uma vez que a caminhada a pé pela nova estrada era bem mais fácil e acessível e com a vantagem ainda de se encurtar caminho subindo, na volta da Alagoinha, pela Rocha da Figueira, cujo a maior parte do percurso, apesar de tudo, consistia numa autêntica escada de pedra e por isso era bastante íngreme, árduo e cansativo.
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A CASA DO CHILENO
A “Casa do Chileno” poder-se-ia, na realidade, considerar, na altura em que eu era criança, como o verdadeiro “ex libris”(1) da Fajã Grande.
Situada quase no termo da Via d’Água, à esquerda de quem descia, o deslumbrante e altivo edifício ficava sobranceiro ao caminho, logo a seguir à antiga casa do Senhor Arnaldo, aquela que existia na curva, em frente ao chafariz e que foi derrubada quando da construção da estrada Porto/Ladeira do Pessegueiro, a fim de desfazer e aligeirar aquela enorme curva em L, ali mesmo em frente à casa de José Furtado. O edifício impunha-se aos que por ali passavam, salientando-se entre os pequenos casebres que o rodeavam, ostentando uma imponente sumptuosidade e um soberbo encanto, envolvendo-se num misto de grandiosidade, de mistério e até de sonho.
Habitualmente desabitado, sabia-se que pertencia a um ilustre fajãgrandense que raramente visitava a freguesia e que ainda jovem partira para o Chile, na demanda de sorte e de fortuna, as quais supostamente e a julgar pela grandiosidade e riqueza do edifício, o haviam bafejado. Daí o seu epíteto de “Casa do Chileno”.
A fachada principal tinha três portas uniformemente distribuídas ao nível do piso térreo. A verga da porta central tinha inscrita a presumível data da sua construção - "1884". No piso superior e alinhadas por cima das portadas do inferior, a fachada tinha três vãos: uma janela de peito axial e duas janelas de sacada com guarda em ferro fundido. Lá bem no alto, por cima do restante casario, quase a desafiar em altura a torre da igreja e muito bem centrado, um belo torreão, raridade na freguesia, com duas janelas de sacada geminadas e com varanda comum, rematadas em arco de volta inteira.
A planta da casa era em forma de L correspondendo a fachada lateral esquerda ao braço maior daquela letra, tendo uma porta no piso térreo e outra ao nível do segundo, ao qual se tinha acesso através duma escada exterior, que dava para a cozinha.
A casa do Chileno, como a maioria das da Fajã, era construída em alvenaria de pedra rebocada e pintada de branco, excepto os cunhais, a cornija, as consolas das varandas e as molduras dos vãos. Apenas a fachada principal da torre era em alvenaria de pedra rebocada e caiada, dado que as laterais eram em ripas de madeira pintada de verde. Por sua vez a cobertura era igual à das restantes casas ou seja em telha de aba e canudo com beiral simples e telhão na cumeeira. A torre era rematada por um interessante elemento decorativo em madeira.
As madeiras interiores eram de pinho e dizia-se que era mobilada com luxuosas mobílias e recheada de louças e móveis também de grande valor, a contrastar com a pobreza e miséria da maioria das casa da Fajã Grande, na altura.
(1)“Ex libris” – é uma expressão latina que significa a “marca” ou a característica fundamenal de alguém, de alguma coisa ou lugar. Por exemplo, um dos “ex-libris” da cidade do Rio de Janeiro é a monumental estátua de Cristo-Rei e de Lisboa a Torre de Belém.