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A FESTA DE SÃO PEDRO

Quinta-feira, 29.06.17

 

Na Fajã Grande, a festa de São Pedro realizava-se no dia 29 de Junho, dia liturgicamente dedicado ao primeiro papa, numa altura em que este dia ainda era considerado dia santo abolido. Nesse dia havia idêntico procedimento ao da festa de Espírito Santo, verificando-se apenas uma alteração: da parte da tarde organizava-se uma procissão, com coroa, bandeira e imagem do Santo, até ao Porto Velho, onde os barcos presentes haviam sido devidamente ornamentados e enfeitados. A imagem era colocada num barco juntamente com a coroa e a bandeira, enquanto o pároco, com barco a servir de púlpito, pregava o sermão, procedendo, de seguida, à bênção dos barcos.

O cortejo regressava à Casa de Cima e procedia-se às sortes dos novos cabeças, com um ritual em tudo semelhante ao realizado na festa de Espírito Santo.

A festa terminava, ao início da noite, com o “levar das sortes” aos novos cabeças.

Curiosamente a festa organizada pelo Império de S. Pedro da Casa de Cima, assim como o S. Pedro da Ponta, era em tudo ou quase tudo, muito semelhante à festa do Espírito Santo, realizada nos outros Impérios. Apenas as insígnias eram diferentes: não havia bandeira branca, a coroa era muito pequenina e, nos cortejos, era sempre acompanhada por uma imagem de S. Pedro. Como a imagem de S. Pedro, pertencente ao respectivo Império era muito pequenina, no dia da festa e nas procissões e cortejos que se realizavam por essa altura, era a imagem existente na igreja, porque bastante maior, que acompanhava as outras duas insígnias, sendo transportada em andor adequado.

Mas a grande diferença entre o Império de São Pedro e os do espírito Santo era a de que a maior parte dos mordomos pertencentes a este Império eram jovens e crianças. Chamava-se também “Império das Crianças”.

Mas, da mesma forma que na festa do Espírito Santo, na semana que antecedia a de S. Pedro e de forma idêntica, eram cantadas as Alvoradas. Na antevéspera, de tarde, organizava-se o cortejo até rolo da Baía de Água, para a matança do gado, sendo a carne distribuída pelos mordomos na véspera de manhã, acompanhada pela pequenina coroa, pela bandeira, pelos foliões e por muitas crianças.

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DIA DE MATAR O GADO

Sexta-feira, 13.05.16

A festa do Espírito Santo da Casa de Cima começava na sexta-feira antes do domingo de Pentecostes e era designada pelo Dia de Matar o Gado. Num dos domingos anteriores os cabeças haviam percorrido as casas da freguesia, a fim de arrolarem quem desejava comprar carne para o dia da festa do Senhor Espírito Santo. Igual procedimento havia de acontecer por altura das festas de S. Pedro e da Casa de Baixo.

Os cabeças primeiro arrolavam os mordomos. Cada qual declarava a quantidade de carne que pretendia para o dia da festa. Num desses domingos, ou se necessário em dois, de tarde, os cabeças, em cortejo, com os foliões e os símbolos do Divino Espírito Santo, percorriam as ruas da freguesia, a fim de saber a quantidade de carne que pretendiam, pois cada um é que pagava a sua. Além disso registavam os nomes dos mordomos que davam pão de trigo, uma vez que o pão era oferecido pelos mordomos que tinham mais posses e destinava-se como esmola para os pobres. Na verdade, este e o excedente de carne eram distribuídos pelos pobres da freguesia. Uma vez que todos compravam carne, indagavam e registavam apenas a quantidade que cada um desejava, escrevendo os nomes numa folha de papel, na qual registavam a quantidade de carne pretendida. Os que não eram mordomos ou os que o eram, mas da Casa de Baixo ou do Império de São Pedro, se desejassem, também podiam ser arrolados, indicando a carne desejada. Depois de calcular a carne necessária para a festa, quantidade que não variava muito de ano para ano, escolhia-se o gado para abater. Geralmente duas rezes bastavam.

Assim, na sexta-feira de tarde, o gado era trazido para junto da casa e amarrado junto ao pau da bandeira. Pouco depois organizava-se o cortejo para o Matadouro que ficava no Porto, num pequeno rolo que existia junto à Baía d’Água e onde, paredes meias com o caminho antigo, havia um pequeno nicho, construído para o efeito, onde era colocada a coroa. Ao lado as bandeiras, o testo e o tambor. O cortejo descia a rua Direita e a Via d’Água, até ao Matadouro. À frente a bandeira branca geralmente levada por uma criança, filho ou familiar de um dos cabeças. Depois os animais, devidamente amarrados, presos por uma corda e enfeitados com grinaldas de flores na cabeça. Seguiam-se a coroa e as bandeiras vermelhas transportadas por familiares dos cabeças. Atrás os foliões, muitas pessoas, algumas munidas do material necessário para a matança e de paus e recipientes para trazer a carne e as vísceras, no regresso, já com os animais abatidos. Os sinos repicavam e os foguetes estralejavam tanto na ida com na vinda. Os foliões acompanhavam com os seus cânticos, com destaque para o Lavrador da Arada e a Minha Vaca Lavrada. Uma vez mortos, esfolados e limpos, os animais eram partidos em quatro bons pedaços e transportados, de palanca, aos ombros, em cortejo até à casa, sempre acompanhados pelo cantar dos foliões, pelo repicar dos sinos e por muito povo, sobretudo crianças. As mulheres e familiares dos cabeças traziam as vísceras e o sangue em alguidares transportados à cabeça. As primeiras para limpar, guisar e fazer caçoila, O sangue para fazer o sarapatel. Ao chegar à Casa a carne era presa em fortes ganchos de ferro e, mais tarde, colocada no chão, mas em cima de uma boa camada de folhas de cana roca muito fresca e verde, à espera de ser cortada durante a noite. Esta parte da casa onde ficava a carne havia sido dividida com bancos, para que à noite se pudesse fazer a Alvorada e no fim desta, os jogos, mas num espaço bem mais reduzido do que nos dias anteriores. À da meia-noite, os cabeças, acompanhados por um grupo de homens experientes, começavam a desmanchar a carne e a parti-la, formando os quinhões de cada mordomo, de acordo com o que combinara, quando a coroa andara pelas casas a arrolar os mordomos.

De manhã, depois da missa, o pároco vinha benzer a carne.

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ALVORADA SANTA

Terça-feira, 10.05.16

A semana que antecedia o Domingo de Pentecostes era a semana das Alvoradas na Casa de Cima, o mais antigo império do Espírito Santo da Fajã Grande pese embora a Casa da Cuada tenha sido a primeira a ser construída. As Alvoradas começavam na terça e tinham lugar em dias alternados, ou seja, terça, quinta e sábado, pese embora nos restantes dias a Casa se abrisse e muitas pessoas, sobretudo jovens, para ali se deslocasse para jogos e brincadeiras.

As Alvoradas começavam fora da porta. Apenas a meio da cantoria os foliões entravam na casa e iniciavam a folia junto do altar onde estava a corroa. No fim eram cantadas as Ave Marias e os Oferecimentos. Até ao domingo, seguinte os foliões acompanhavam sempre a coroa, incluindo o levar as sortes, os cortejos para matar o gado e para a igreja e a distribuição da carne, durante a qual percorriam todas as ruas da freguesia, visitando as várias casas. Hoje sabe-se que esta devoção ao Espírito Santos, a distribuição de carne e pão e as próprias cantorias dos foliões assim como muitos outros costumes remontam às celebrações religiosas realizadas em Portugal a partir do século XIV, nas quais a terceira pessoa da Santíssima Trindade era festejada com banquetes coletivos designados de Bodo aos Pobres com distribuição de comida e esmolas.

Na verdade, a devoção à Terceira Pessoa da Trindade teve origem na promessa da rainha, D. Isabel de Aragão, por volta de 1320. A Rainha teria prometido ao Divino Espírito Santo peregrinar o mundo com uma cópia da coroa e uma pomba no alto da coroa, que é o símbolo do Divino Espírito Santo, arrecadando donativos em benefício da população pobre, caso o marido, el-rei D. Dinis, fizesse as pazes com seu filho legítimo, D. Afonso, herdeiro do trono. D. Isabel não se conformava com o confronto entre pai e filho legítimo em vista da herança pelo trono, pois era desejo do rei que a coroa portuguesa passasse, após sua morte, para seu filho bastardo, Afonso Sanches. A rainha Santa Isabel passou a suplicar ao Divino Espírito Santo pela paz entre o marido e o filho, evitando, assim, um conflito iminente.

A devoção ao Espírito Santo chegou às Flores, assim como a todas as ilhas, mas com matizes diferentes de umas para outras. Uma delas são as Alvoradas, ou seja os cantares de louvor, as folias e os agradecimentos dedicados ao Espírito Santo, exclusivas das Flores e Corvo. Na Fajã Grande existiam vários grupos de foliões que por altura das festas em louvor ao Espírito Santo levavam a cabo interpretações de canções/cantorias, algumas com séculos de existência e que tinham diferentes ritmos e letras consoante o momento da festa, como era o caso das Alvoradas. Na verdade o Espirito Santo, e suas festas são para todos açorianos um ponto de referência na sua crença e devoção.

Com séculos de história e muitas adaptações, por vezes novas criações, todas as freguesias da Região Açoriana, tem um ou mesmo mais "Impérios" ou "Casa do Espirito Santo" onde são celebradas/festejadas as festas ao Divino. A Fajã Grande tinha quatro casas e seis impérios, contando com os dois de São Pedro.

De ilha para ilha, no entanto, os usos e costumes variam, mas têm sempre em comum, pelo menos a coroa o símbolo máximo do Espirito Santo e as bandeiras. Também comum era o facto de na base desta devoção estava a partilha, o dar o que se tinha em abundância, aqueles que mais precisavam. Mas também eram comuns a todas as ilhas o convívio, a alegria, a folia. Na Fajã Grande imperava a Alvorada Santa.

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CANTARES DOS REIS

Quarta-feira, 06.01.16

Na década de cinquenta, celebrado no dia seis de janeiro, o dia de Reis era considerado Dia Santo Abolido, pelo que lhe era guardado respeito como se fosse um domingo e era, na verdade um verdadeiro dia de festa. Um dia talvez mais festivo do que o Natal ou o dia de Ano Bom.

Assim como no primeiro dia do ano, depois da missa da manhã e do jantar grupos de crianças percorriam todas as ruas da freguesia, a cantar os Anos Bons, junto das portas de quase todas as casas. Geralmente eramos mesmos grupos que haviam cantado os anos bons e os rituais repetiam-se. Apenas os versos que cantavam eram diferentes- Chegados junto à porta da sala de cada casa cantavam:

 

Os três reis do Oriente,

Sonharam, sonharam bem.

Sonharam que era nado,

O Menino em Belém.

 

Os três reis do Oriente,

Tiveram sonho profundo.

Sonharam que era nado,

O Supremo Rei do Mundo.

 

Sem o ver nem o conhecer,

Cheios do amor divino,

Os três reis do Oriente

Se puseram a caminho.

 

Largaram na maior pressa,

Deixaram o seu tesouro,

As ofertas que levaram

Eram mirra, incenso e ouro.

 

Foram por cada de Herodes,

Por ser o maior reinado.

Para ver se lhes dizia

Onde Jesus era nado.

 

Herodes lhes respondeu

Que em breve lhes diria.

Que esperassem mais um pouco

Que ia ver à profecia.

 

E segundo a profecia,

Há-de nascer em Belém.

Esperai aí um pouco,

Vou adorá-lO também.

 

Herodes como malvado,

Como perverso e malino.

Aos três reis lhes ensinou

Às avessas o caminho.

 

Os três reis que eram santos,

Uma estrela os guiou,

Do alto duma cabana,

Brilhantes raios deitou.

 

Do alto duma cabana,

Fez a estrela sinal,

Que ali estava o Menino,

Desde a noite de Natal.

 

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O NATAL NA FAJÃ GRANDE NA DÉCADA DE CINQUENTA

Terça-feira, 22.12.15

Na Fajã Grande, na década de cinquenta, como naturalmente em todas as outras freguesias açorianas, os preparativos para o Natal começavam alguns dias antes, por vezes e nalguns casos, quase no princípio do mês de Dezembro, sendo que durante todo aquele mês, sobretudo as crianças viviam atafulhadas numa pequena grande azáfama. Na verdade, para os mais pequenos havia várias tarefas a realizar, nomeadamente, o fazer das casas e outros edifícios para o presépio e para as quais era necessário arranjar, por vezes até pedir nas lojas, restos de caixas de sapatos e caixotes de papelão, semear os pratinhos de trigo, arranjar material para a gruta. Aos adultos, nomeadamente às mulheres, era tempo de começar a fazer os licores, reservar ovos, engordar um galo ou uma galinha e arranjar ou mandar fazer uma ou outra fatiota para a noite e dia de Natal. Mas era sobretudo a preparação da ceia e do presépio que estava em causa. Na maioria das casas, sobretudo naquelas em que havia crianças, o presépio era, na verdade, o epicentro de toda a preparação do Natal. O presépio, para além de representar a gruta de Belém onde Jesus nascera pobremente, numa manjedoura, ao lado de um burro e de uma vaca, servia também para representar, não apenas a típica freguesia açoriana, com casas, igreja, ribeiras, caminhos, moinhos, campos, etc, mostrava também cenas do quotidiano da população das ilhas, nomeadamente a ida ao moinho, os trabalhos agrícolas, a criação de gado à porta ou das ovelhas do mato, a matança do porco, a ida á fonte, o mexerico pelas ruas, etc., etc. No meio de toda esta panóplia representativa e metafórica, nunca faltava, num dos cantos, lá bem distante da gruta, a humilde casa de Barbearias, onde segundo a lenda S. José foi pedir lume para fazer uma fogueira e aquecer água para lavar o Menino e, no outro, o grandioso palácio de Herodes, perverso e malvado tetrarca da Galileia. As figuras humanas, assim como as ovelhinhas, nalguns casos, eram de barro, geralmente compradas nas lojas ou trazidas por algum familiar de outra ilha e guardadas de um ano para o outro. A maioria, no entanto, eram figuras desenhadas e recortadas de papelão. Nas ovelhas de papelão colava-se um pouco de lã ou algodão do lado que ficava voltado para fora. As personagens humanas eram pintadas ou revestidas através da colagem de pedacinhos de papel a simular as roupas. Por sua vez os montes eram construídos com pedras ou papel amarrotado e cobertos com leivas musgo verde e fofo, as ruas que circulam entre as casas eram feitas de farelo de serragem de madeira, as ribeiras que corriam pelas encostas com pratas de papel de chocolate e os lagos onde desaguavam feitos com vidros partidos, nos quais nadavam patinhos também eles de barro. A igreja, as casas e as outras construções eram de papelão e, para a cobertura dos telhados, usava-se papelão canelado. Recortavam-se as janelas e as portas, colavam-se cortinados… Enfim, nada faltava, mas todo este material tinha que ser recolhido com antecedência, o que nem sempre era fácil.

A ceia da Noite de Natal era muito diferente das dos restantes dias. Para além dos torresmos e da linguiça com inhames e pão fresco, comia-se uma galinha guisada ou assada e recheada com debulho. Mas, sobretudo para as crianças, o mais desejado era o arroz doce e os figos passados e, nas casas mais abastadas, o bolo doce de frutas.

O que, no entanto, atraía mais a atenção de todos, na noite do dia vinte e quatro era a tradicional Missa do Galo, à meia-noite e que fora precedida, nos nove dias anteriores, pelas novenas de Natal, celebradas sempre de madrugada, ainda noite escura. 

O dia de Natal era dia de visitar os presépios dos amigos, vizinhos, de toda a freguesia. Nessa altura comia-se um biscoito ou uma fatia de bolo e bebia-se um cálice de licor, alcunhado com muito carinho e ternura de Chichi do Menino Jesus.

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O DIA DOIS DE NOVEMBRO

Segunda-feira, 02.11.15

Na Fajã Grande havia, durante todo o ano, um enorme respeito, uma espécie de culto e até de devoção, pelas almas dos que haviam falecido. Estes sentimentos acentuavam-se e como que tinham o seu epicentro no dia dois de Novembro, prolongando-se com réplicas diárias ao longo de todo o mês, quiçá de todo o ano. O Dia Dois de Novembro era denominado Dia de Finados ou Dia de Defuntos e era celebrado com alguma tristeza e melancolia, sobretudo por se recordarem, nesse dia de modo muito especial, os familiares e amigos falecidos.

Para além da celebração das três missas oficium defunctorum, uma delas na igreja da Ponta, fazia-se, de manhã cedo, uma romagem ao cemitério, popularmente designada por o Enterro do Velho Laranjinho durante a qual os sinos dobravam a finados. Na véspera os familiares dos falecidos limpavam o cemitério e enfeitavam com ramos de flores as sepulturas, ou os que as tinham, as campas dos familiares. Na visita ao cemitério faziam-se orações gerais, por todos os falecidos, orientadas pelo pároco. Uma vez terminadas estas cada pessoa dirigia-se para junto à sepultura do familiar a fim de, particularmente, lembrá-lo e orar por ele.

Sabe-se que o culto aos mortos é muito antigo e foi sempre comum todas as religiões, a todos os povos e a todas as civilizações, incluindo as mais antigas. Inicialmente era ligado aos cultos agrários e de fertilidade. Na verdade era crença comum à maioria dos povos da antiguidade celebrar com dignidade e simbolismo o enterro dos mortos, pois acreditavam que os mortos haviam de ressuscitar, como as sementes lançadas à terra haviam de nascer. Assim era santo e salutar o pensamento de orar por eles e respeitar a sua memória.

A Igreja Católica e os cristãos também davam grande importância a este dia, fazendo dele, sobretudo um dia de oração pelos falecidos. Assim o Dia de Finados, dois de novembro era uma espécie de vínculo suplementar entre vivos e mortos, mas também um dia de festa porque para os que acreditam em Deus a vida não acaba, apenas se transforma e terminada a vida terrena os fiéis e os crentes aguardam uma morada eterna no Céu. Na década de cinquenta o povo da Fajã Grande vivia toda esta crença com uma enorme intensidade. Os familiares mortos e as benditas almas do Purgatório estavam sempre presentes no seu quotidiano, sobretudo nas suas orações domésticas e nas celebrações litúrgicas, nomeadamente na tradicional Novena das Almas, realizada todos os dias deste mês, à noite, na igreja paroquial. Em outubro era tirada uma derrama de milho pela freguesia. Com o dinheiro resultante da venda desse milho e da arrematação das línguas dos porcos e de outras ofertas eram celebradas missas e rezados responsos por todos os mortos da freguesia, desde o Cimo da Assomada até ao fundo da Via d’Água. Durante o mês de novembro e em muitos outros dias do ano, as pessoas costumavam ir a cemitério, limpar e enfeitar os túmulos dos seus mortos e rezavam por eles, costume que se cuida que existe desde o século I, quando os cristãos já tinham por hábito rezar pelos mortos, visitando os túmulos dos mártires.

 Nalgumas localidades de Portugal, há poucos anos, ainda eram respeitadas crenças muito antigas, como por exemplo: "no dia de Finados não se caçava nem se pescava", especialmente entre as populações do interior do país. As assombrações e cortejos fúnebres, visitas macabras de esqueletos e caveiras também pertencem a esse dia simbólico. Há aldeias onde se acreditava que as almas dos afogados passeavam por cima das águas do mar e dos açudes espalhando pavor. Também se acreditava que neste dia as almas visitavam os lugares onde viveram ou onde foram assassinados seus corpos. Outra tradição portuguesa era comer, neste dia, "Caldo de Castanha". Nalgumas aldeias de Bragança ainda existe o costume de, no dia anterior ou dia dos Santos, em memória dos mortos, comer-se a "machorra" ou "canhona", nomes que se dão às ovelhas que atingiram um ano de idade sem, no entanto, terem tido crias.

 

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A FESTA DO ESPÍRITO SANTO DA CUADA

Domingo, 31.05.15

A Cuada, embora não tivesse capela ou ermida, tinha uma casa de Espírito Santo, a mais antiga da Fajã Grande, construída em 1841, sendo também uma das mais antigas da ilha, uma vez que antes da data da sua edificação, penas foram construídas na ilha das Flores duas casas de Espírito Santo, uma em Ponta Delgada em 1819, a Casa do Espírito Santo da Terra Chã e outra nas Lajes, a Casa do Espírito santo da Vila, no mesmo ano. A razão histórica que terá levado à construção desta casa, muito antes das duas da Fajã e uma na Ponta, não é fácil de descortinar mas prende-se com algumas narrativas lendárias. Na verdade e segundo algumas lendas, antigamente o povo da Fajã Grande, com as suas habitações muito próximas do mar, era frequentemente assaltado por piratas que entrando no povoado, pilhavam, roubavam, assaltavam e violavam as mulheres. O povo indefeso era forçado a fugir para locais mais interiores, por vezes até para o mato, onde permanecia escondido até os malditos desistirem dos seus malévolos intentos e abandonarem o povoado. Nesses momentos de terror invocavam a ajuda do Senhor Espírito Santo e um dos lugares onde se refugiavam, mais frequentemente, era a Cuada, talvez por ser sítio ermo, encastoado entre arvoredos e plantado num planalto de onde podiam avistar o mar. Daí o facto desta casa do Espírito Santo ter sido a primeira construída em todo o amplo espaço das Fajãs e essa a razão pelo qual, hoje com ontem, estão ligados os habitantes quer da Fajã quer da Fajãzinha.

A casa assemelha-se a uma pequena ermida, onde não falta a torre sineira, e era nela que se realizava a maior festa Cuada – a Festa do Espírito Santo

Eram dois ou três dias de festa. Mas a grande festividade a que se deslocava muita gente da Fajã e da Fajãzinha era no domingo. Durante a semana eram cantadas as Alvoradas, na sexta havia a matança do gado e no domingo, missa com um enorme arraial, no pátio da casa, durante toda a tarde. A festa era realizada no domingo da Trindade, uma vez que o anterior, ou seja, o domingo de Pentecostes era reservado para a festa da Casa de Cima, na Fajã Grande. Era pois na semana da Trindade, durante a qual se cantavam as Alvoradas que também era rezado o terço todos os dias, As alvoradas eram tocadas à terça-feira, quinta e sábado, pelos seus próprios foliões, comandados pelo Bygoret. Acrescente-se que nos domingos anteriores, desde a Páscoa, a coroa da Cuada se deslocava em cortejo até a Fajã, rumando à igreja, onde permanecia juntamente com as das Casa de Baixo e de Cima. Cheia de simbolismo e tradição, a festa da Cuada era muito apreciada e ainda hoje continua a realizar-se, pese embora a Cuada já não possua residentes permanentes.

Atualmente conta com 102 mordomos da Fajã, que no final da sexta-feira e durante a noite vem ao Império da Cuada levantar o seu “arlique/peso” de carne, que cada qual paga. Hoje como antigamente, os chambões são arrematadas com o fim de aliviar o custo da carne de cada mordomo. A festa culmina no domingo com a ida das pessoas levando as insígnias a pé desde o império na Cuada até à igreja da Fajã Grande, sendo que na parte final do percurso são incorporadas uma imagem da Rainha Santa Isabel e as coroas e bandeiras do Espírito Santo das Casas de Baixo e de Cima e de São Pedro que vêm ao seu encontro para em conjunto remarem até à igreja onde é celebrada uma missa cantada.

Hoje como ontem a festa da Cuada atrai e encanta quantos ali se deslocam para festejar o paráclito em domingo de Trindade.

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publicado por picodavigia2 às 08:12

JANTARES DO ESPÍRITO SANTO

Sexta-feira, 29.05.15

Na Fajã Grande chamavam-se Jantares às promessas que as pessoas, sobretudo os americanos, faziam em louvor ao divino Espírito Santo. Essas promessas, geralmente, eram feitas se conseguissem emigrar para a América, se a vida por essas paragens lhes corresse bem, se tivessem sucesso, o que geralmente acontecia. Quando podiam voltavam, de visita, à freguesia para dar o jantar. Estes eram de abrangência diferente. Os maiores eram do Portal ao Risco, abrangendo a Ponta, a Fajã, a Cuada e a Fajãzinha. Outros apenas à Fajã e os mais pequenos a um grupo de pobres, incluindo familiares e amigos. Eram estes os jantares que pessoas prometiam, quando iam para a América e depois vinham pagá-los. Estes jantares incluíam a distribuição da carne e do pão de graça, contrariamente à distribuição nas festas do Espirito Santo em que não era distribuída a todas as pessoas, mas apenas aos que era mordomos e pagavam a carne. Nestas festas não se distribuía pão, e os mordomos pagavam a carne. O dinheiro era para as despesas da festa e as vezes também para pagar a carne, pois tinham que comprar o gado. Algumas vezes certas pessoas faziam promessas de dar um bezerro ou uma vaca. Os mordomos da Casa de Cima, não tinham carne pela festa da Casa de Baixo e vice-versa. Não tinham carne, porque não éramos mordomos, embora houvesse quem fosse mordomo de ambas as casas e até de S. Pedro.

Era no dia da festa depois da missa que na Casa do Espírito Santo partiam o pão doce ou pão adubado como se chamava popularmente.

Os jantares obedeciam ao um cerimonial semelhante aos das festas do Espírito Santo. Alvoradas durante a semana, matar o gado na sexta-feira de tarde distribuição da carne no sábado e festa no domingo.

 

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A FESTA DA CASA DE CIMA

Domingo, 24.05.15

A festa do Espírito Santo da Casa de Cima realizava-se, sempre, no domingo de Pentecostes, ou seja sete semanas depois da Páscoa. Começava logo de manhã. Os pátios da casa, o largo do Chafariz e a rua Direita, da Praça até à igreja, enchia-se de bandeirinhas, arcos flores e colchas nas varandas e janelas. De manhã, depois de aberta a Casa, pelos cabeças e com o tradicional foguete, os mordomos e outras pessoas afluíam ao amplo edifício, que de madrugada havia sido lavado de uma ponta á outra, a fim de retirar a sujidade e os cheiros resultantes do armazenamento da carne, no dia e na noite anteriores. De imediato a garotada, enquanto esperava pela saída do cortejo, aproveitava para organizar os jogos e as brincadeiras habituais. Chegavam em cortejo e folia as coroas das casas da Cuada, de Baixo e da Ponta. Juntava-se a pequenina, de S. Pedro. À hora marcada organizava-se um cortejo, com destino igreja paroquial, enquanto os sinos repicavam e os foguetes estalejavam no ar e em abundância, ecoando nos outeiros e rochas circundantes. Quanto mais foguetes melhor era à festa e, neste aspeto a Casa de Baixo, que se realizava depois da de Cima, ultrapassava-a de longe, pois para além dos foguetes e fogo preso, à noite, ainda se dava ao luxo de, em pleno arraial, disparar um tiro de canhão. O cortejo, com destino à igreja, abria com a bandeira branca, depois as vermelhas transportadas por rapazes e a seguir as coroa levadas por meninas, ladeadas por outras transportando o cetro e flores, vestidas com trajes adequados e cercadas por outras quatro formando um quadrado com as varas. Seguiam-se os foliões, os mordomos e uma boa parte do povo. O restante esperava, no adro, a chegada à igreja, onde o pároco, como nos domingos anteriores, embora com mais solenidade também aguardava o cortejo e as coroas, à porta do Guarda-Vento.

De seguida, entravam todos na igreja, ao som do “Magnificat”, entoado pelo pároco em canto-chão. A Missa era cantada e terminava com a bênção e a incensação das coroas, enquanto se cantava o hino “Alva Pomba”. O cortejo reorganizava-se novamente, e regressava à Casa, fazendo o trajeto inverso.

Todos voltavam às suas casas para o jantar, a fim de saborearem a carne que cada um havia cozinhado a seu gosto. Na véspera, a carne havia sido temperada e posta em “vinha-d’alhos”. De manhã era “rosada” em banha de porco e depois guisado em caldeirões de ferro, ficando prontinha antes da missa. A refeição era acompanhada normalmente com inhames e pão de trigo, havendo também, quase sempre, pão adubado.

De tarde o povo juntava-se de novo na Casa, para as arrematações, para os cantares, para os jogos, para a quermesse e, sobretudo, para o convívio. As arrematações resultavam das promessas que muitos mordomos haviam feitos em ocasiões de doença ou momentos de aflição. A fé no Senhor Espírito Santo era muita. As ofertas eram feitas de massa igual à do pão doce, mas representando uma parte do corpo, geralmente pés, mãos, braços ou cabeça, que haviam sofrido alguma maleita, ou animais, geralmente suínos ou bovinos, que haviam estado doentes mas que tinham sido curados, por graça do Divino Espírito Santo, a quem agora se agradecia. Outras pessoas ofereciam a massa, mas simplesmente na sua forma habitual de pão. Muitos mordomos que haviam feito promessas mas não tinham conseguido cozer pão, arrematavam uma oferenda semelhante à que haviam prometido e ofereciam-na, a fim de que fosse novamente arrematada.

Como era grande a quantidade de massa oferecida, muita não era arrematada. Era partida às fatias, colocada em açafates e distribuída por todos juntamente com cálices de licor ou de  “vinho fino”.

Todo o pão, tanto o das promessas como o doce e o de trigo, que sobrava era distribuído pelos pobres.

De tarde, realizavam-se as sortes, ou seja, a escolha e indicação dos nomes dos dois cabeças que, no ano seguinte, seriam os responsáveis pela preparação e organização da festa, uma vez que cada mandato, regra geral, durava apenas um ano. Os cabeças eram dois, normalmente designados por primeiro e segundo, sendo que o primeiro assumia as funções de líder. Da lista dos mordomos, os cabeças em exercício, por sua livre iniciativa, escolhiam alguns nomes que liam em voz alta perante todo o povo, que com o seu aplauso, aprovava tais escolhas. De seguida escreviam-nos, um por um, num papelinho que dobravam muito bem para que se não visse o nome que lá estava escrito e colocavam-nos todos dentro da coroa do Divino Espírito Santo. De seguida escolhiam uma criança de tenra idade e pediam-lhe que tirasse da coroa dois bilhetinhos. Fazia-se um enorme e profundo silêncio na sala e todos aguardavam com grande expectativa os nomes sorteados e escolhidos pelo Senhor Espírito Santo e que, dentro de momentos, iam ser conhecidos. Um dos cabeças, muito devagar e com estranha solenidade, abria o papel, fazia uma pausa, e de uma golfada e em voz bem alta, anunciava o nome sorteado. Uma enorme e estrondosa ovação se fazia sentir por toda à casa, seguida por uma grande salva de palmas e um imediato atirar de foguetes, saudando o novo primeiro cabeça, para o ano seguinte. Idêntico procedimento se verificava, quando era tirado e lido o outro nome que indicava quem seria o segundo cabeça.

Mas nem sempre assim acontecia. Por vezes, quando os mordomos entendiam que a festa tinha sido boa, graças à brilhante ação e ao profícuo trabalho daqueles cabeças, tentavam, umas vezes com sucesso outras não, cobri-los com a bandeira vermelha. Se o conseguissem fazer, antes de serem lidos dos dois nomes, as sortes paravam de imediato e seriam eles os cabeças, no ano seguinte. Daí que por vezes se verificassem interessantíssimas tentativas de “ataques e fugas” entre os mordomos que pretendiam cobrir os cabeças para que continuassem e estes que permaneciam de olhos bem abertos e muito atentos para fugirem à cobertura e assim se libertarem de tão trabalhoso e imponente cargo.

A festa terminava, já lusco-fusco, com um novo e último cortejo com a coroa, as bandeiras, os foliões e o povo que se organizava e, partindo da Casa de Espírito Santo, se dirigia a cada uma das casas de ambos os novos cabeças, a fim de lhes dar conhecimento oficial e entregar-lhes “as sortes”.

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publicado por picodavigia2 às 00:05

LEVAR A CARNE

Sábado, 23.05.15

O Sábado, antes do domingo de Espírito Santo, era dia de Festa na Fajã Grande, sobretudo para a pequenada. Era o dia de “Levar a Carne”.

Durante a noite, de sexta para sábado, um grupo de homens juntamente com os cabeças, não dormiam. Ficavam a noite inteira, a cortar, a serrar e a picar a carne. Estendendo molhos e molhos de cana roca sobre o soalho, sobre eles iam colocando os montinhos de carne devidamente pesados, de acordo com os registos do rol e que indicavam a quantidade de carne que cada mordomo pretendia. Havia ainda os montinhos dos que não eram mordomos mas que se haviam arrolado e de outros destinados a esmolas a pobres. Sobre cada um colocavam uma tirinha de papel com o nome do dono da casa a quem a carne se destinava. Depois ordenavam os montinhos por ruas, começando pela Assomada, na casa do Senhor João Fagundes e terminando na Via d’Água, em casa do José Tomé.

A seguir à missa da manhã, depois de estalar um foguete e repicar o sino, o Senhor Padre Pimentel, revestido de sobrepeliz, estola vermelha e barrete de três bicos, acompanhado por meu tio Chico, o sacristão, que levava a caldeirinha com a água benta e um grupo de fiéis, em procissão, dirigia-se para a Casa do Espírito Santo de Cima, a fim de benzer a carne e o pão. Ao entrar na Casa o reverendo, todos se levantavam e fazia-se silêncio. O senhor padres, ensopando o hissope na água da caldeirinha, atirava para cima da carne e do pão, respingos de água, ao mesmo tempo que recitava salmos, antífonas e orações, em latim. Ninguém o percebia. Depois, com a mão desenhava cruzes no ar e todos se benziam. O senhor padre retirava-se depois de lhe ser garantido que lhe iria ser enviada uma bela posta de carne, como recompensa pelo serviço que ele acabar de prestar.

A Casa enchia-se de crianças, munidas de pequenas cestas e travessas. Iriam, para gaudio de todos, distribuir a carne por toda a freguesia. Os homens enchiam-lhes as cestinhas com a carne, onde permanecia o nome do dono da casa a que a mesma se destinava. Não podia haver enganos. Organizava-se o cortejo a caminho do Cimo da Assomada. Os foliões e as bandeiras esperavam na rua. A coroa entrava em todas as casas. Depois da Assomada, havia de ser a Fontinha, com aquela estirada até ao Alagoeiro, onde, muito isolada, ficava a Casa do Luís Fraga. Seguiam-se a Praça, as Courelas e a Rua Direita. De tarde a Rua Nova, a Tronqueira e, por fim a Via d’Água. À frente a bandeira branca, as crianças com as cestinhas e travessas cheias de carne e de pão, as bandeiras vermelhas e a coroa, desta feita levada por um rapaz que a caminhada seria longa e cansativa. Por isso se revezava e voltava a revezar. É que a coroa entrava em todas as casas, mesmo nas que ficavam mais afastadas. Depois os foliões e os cabeças a coordenarem tudo. As crianças tinham que percorrer as ruas várias vezes porque depois de entregar a carne numa casa, voltavam à Casa do Espírito a fim de encherem de novo a cesta. A Assomada, embora não sendo a mais extensa era a rua com mais habitantes e, lá no Cimo, bifurcava-se. Uns tinham que ir para os lados do Covão outros para os do Pico da Vigia, onde, na primeira casa, morava a Senhora Estulana. Além disso a rua tinha diversas canadas que a tornavam ainda maior. A demora era muita, porque acompanhando a criança que levava a carne, a coroa entrava em todas e em cada uma das casas, sendo beijada e venerada pelos presentes. Os foliões cantavam, os sinos repicavam e, de vez em quando, estoirava um foguete. Cantavam-se loas ao Divino: Lavrador da Arada, A Minha Vaca Lavrada, Ó,Venha, etc. Também a Barca Bela: Quem quer ver a barca bela, Que se vá deitar ao mar. Nossa Senhora vai nela, Os Anjos vão a remar. S. Vicente é o Piloto, Jesus Cristo o General. Que linda bandeira levam! A bandeira de Portugal.

Casas havia que para além duma moedinha de dez ou vinte centavos dada à criança, ofereciam uma fatia de pão adubado e um cálice de licor aos que entravam. Os cabeças, com o rol, iam registando e recebendo o dinheiro da carne.

O sábado de Espírito Santo, na Fajã Grande, era totalmente destinado a ir levar a carne aos mordomos e pobres. Cada qual a guisava, em sua casa da forma que queria e entendia.À noite, era o último dia de Alvorada.

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A ROMARIA DA SENHORA DA SAÚDE

Terça-feira, 04.11.14

No conto «Cenas Triviais» do livro «Pastoraes do Mosteiro», Nunes da Rosa, na altura pároco na freguesia com o mesmo nome e conhecedor profundo dos costumes e tradições do povo da mesma e das dos arredores, naquilo que se pode considerar uma visão idealizada da América, mas que, ao mesmo tempo parece não ser aquele mundo perfeito, com que muitos sonhavam, narra o embarque de um grupo de rapazes da freguesia que abandonam a ilha, na demanda da América, viajando num yatch branco que fez proa à ilha, na procura de água, víveres e braços humanos. Este acontecimento, porquanto significava de emoção para os que partiam e tristeza para os que ficavam, gerou um desusado reboliço na freguesia.

Segundo Nunes da Rosa, os rapazes corriam em direção ao mar, carregando uma mala às costas. De olhos vermelhos, vão ruminando já as mágoas de uma saudade de tudo quanto lhes fica atrás: o trabalho do campo, os animais, as afeições domésticas, os murmúrios das ribeiras, o convívio com os irmãos, os serões, os bailos, o terço rezado em família, os jantares, os convívios e sobretudos as festas. Entre estas, Nunes da Rosa refere a Romaria da Senhora da Saúde, à Fajã Grande, nestes termos: «As romarias à Fajã, a Nossa Senhora da Saúde, pelo tempo das maçãs, com jantares pelo fresco das hortas sobre toalhas alvas de linho, e a abundância de vinho bebido por cangirões de barro, por entre as macieiras, m grupos sadios, uma alegria ruidosa!...»

Os que ficam na ilha, choram…

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publicado por picodavigia2 às 19:10

A FESTA DA CRUZ

Segunda-feira, 15.09.14

 

No início da década de cinquenta e, provabelmente, nas anteriores, uma das mais emblemáticas e interessantes festas realizadas na Fajã Grande, era a Festa de Cruz. Que tinha lugar precisamente na noite do dia 14 de Serembro, dia em que a Igreja Católica, liturgicamente, celebra e comemora a Exaltação da Santa Cruz ou seja o madeiro em que Cristo foi crucificado.

A freguesia da Fajã Grande, na parte mais a sul fica encastoada entre duas colinas ou pequenos montes, designados, vulgarmente, por outeiros. Do lado do mar tem lugar o Pico, onde se integram o Pico do Areal e o Pico da Vigia e do lado este, o Outeiro propriamente dito,, este prolongando-se na direcção sul-norte, desde a Cabaceira até à Praça, como que a despejar-se sobre o povoado, separando a Assomada da Fontinha. É precisamente nesta divisória das duas ruas, na parte mais alta do Outeiro que se ergue uma enorme cruz branca, altíssima e robusta, junto à qual, nas terças e sextas-feiras quaresmais, um grupo de homens, quer chovesse quer ventasse, ajoelhava entoando cânticos e orações diversas e prolongadas. As suas vozes, ecoando nas encostas dos montes, ressoavam e repercutiam-se sobre os velhos telhados dos casebres. Simultaneamente, em todos os lares, famílias inteiras ajoelhavam também e, em convicta e comunitária oração, uniam-se às preces dos cantores, suplicando perdão para os delituosos e pecadores e beneficência para os infelizes e sofredores. Por sua vez do Outeiro, sobranceiro à freguesia, a que se tinha acesso por uma ingreme e sinuosa vereda, dsesfrutava-se duma vista fantástica. Ao perto, os telhados e frontispícios do casario, mais ao longe os campos verdes e amarelados de couves e milho e, além, separado pela mancha negra do baixio, o oceano azulado e infinito, contrastando com a tímida pequenez da ilha.

A Cruz do Outeiro era uma espécie de ex-libris da Fajã Grande e, para além das cantorias da Quaresma, em Setembro era homenageada com uma enorme festa, celebrada à noite.. Saida da igreja paroquial organizava-se uma espécie de procissão de velas. As pessoas em grande número transportavam uma vela acessa, protegida com uma folha de papel colorido, em forma de funil. Aos que saíam da igreja, jao longo do percurso, untavam-se muitos outros fiéis, zobretudo os mais atrasados e os que moravam entre a igreja e o início da vereda.

Ao iniciar-se a subida, o espectáculo excedia-se em beleza, em cores, em luzes e em sons. Empunhando as velas, os fiéis entoavam cânticos, ao mesmo tempo que as luzes se iam alongando na subida, formando um cordão luminoso e colorido, uma espécie de colar que se ia prolongando pela encosta até se enrroscar ao redor da cruz. Visto de longe, o espectáculo era magnífico. O pároco, envergando uma estola vermelha, que a igreja da Fajã não tinha capa de asperges dessa cor, transportava o Santo Lenho. Ao chegar junto da Cruz, enquanto os fieis, mantendo as velas acesas, rodeavam a Cruz, o pároco rezava algumas orações, cantava salmos e hinos de louvor à Cruz em cantochão, e dava a benção com o Santo Lenho, aos presentes e a toda a freguesia.

Descendo o Oureiro e regressando à Igreja, entre cânticos e luzes, era celebrada a missa da Exaltação da Santa Cruz.

A Festa da Cruz, um momento religioso, pleno de fé e simbolismo, estranhamente ou talvez não, perdeu-se no tempo e até na memória.

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FESTAS DO ESPÌRITO SANTO NA FAJÃ GRANDE DAS FLORES

Domingo, 08.06.14

Na freguesia da Fajã Grande, ilha das Flores, nos anos cinquenta, existiam seis impérios: quatro do Espírito Santo e dois de São Pedro. Os impérios eram espécies de associações ou agremiações de mordomos ou seja, de pessoas que constituíam um império. Qualquer pessoa, mesmo que não residisse na freguesia, poderia ser mordomo num ou em mais do que um dos impérios.

Os impérios do Espírito Santo, destinavam-se aos adultos e os de São Pedro às crianças, distinguindo-se, apenas, pela coroa que, no caso dos segundos, era bem mais pequenina do que a dos primeiros. Eram os seguintes, os impérios fajãgrandense: Império do Espírito Santo da Casa de Cima; Império do Espírito Santo da Casa de Baixo; Império do Espírito Santo da Ponta; Império de Espírito Santo da Cuada; Império de São Pedro da Fajã Grande; Império de São Pedro da Ponta.

Apenas os quatro impérios do Espírito Santo tinham sedes próprias, denominadas casas do Espírito Santo. Eram edifícios amplos, semelhantes a ermidas, mas embora tendo altar, não era celebrada missa e que estavam disponíveis para outros fins. A casa do Espírito Santo de Baixo foi escola durante dezenas de anos e a de Cima sede da Filarmónica, servindo também como salão de visita e de sala VIP da freguesia.

Cada império tinha os seus símbolos, os seus foliões e outros bens. Os símbolos eram a coroa (uma ou duas por império) e as bandeiras. Estas eram brancas e vermelhas, sendo que a branca simbolizava o pão e a vermelha a carne. Cada império tinha apenas uma bandeira branca e várias vermelhas. A bandeira branca era menos importante do que a vermelha: seguia à frente dos cortejos, era transportada por uma criança sem varas laterais e ficava à porta da igreja, enquanto as vermelhas eram transportadas por meninas, dentro de quadrados de varas e eram colocadas junto ao altar, ao lado da coroa, durante a missa. Para além destas bandeiras ambulantes, havia as fixas, bem maiores, mas também uma vermelha e outra branca, colocadas no mastro, em frente à casa

Cada império tinha os seus foliões que acompanhavam os cortejos e cantavam as alvoradas, nas terças, quintas e sábados que antecediam a festa. O canto dos foliões era acompanhado de um tambor e dos pratos e, nalguns casos, da pandeireta. Além disso, cada império tinha as varas e outro material, destinado à matança do gado, ao partir da carne e do pão e à organização da festa.

O objectivo principal de cada império era louvar o Divino Espírito Santo, sobretudo através da partilha da carne e do pão pelos mordomos e pelos pobres que não podiam ser mordomos, ou que, sendo-o não podiam pagar a carne. Este objectivo concretizava-se através da realização duma festa em cada ano, no dia de Pentecostes ou nos domingos subsequentes. Os impérios de São Pedro faziam-na no dia liturgicamente dedicado ao santo, ou seja 29 de Junho, na altura, dia santo abolido.

Os cabeças eram os responsáveis, em cada ano, pela festa que tinha três momentos importantes: o matar do gado, na sexta-feira, o benzer da carne e a sua distribuição pelas casas dos mordomos acompanhados da coroa, bandeiras e foliões, no sábado e a festa no domingo. Esta consistia num cortejo solene para a igreja, missa festiva e o regresso à casa, onde se prolongavam os festejos profanos por toda a tarde, com jogos, bailes, arraial e distribuição gratuita de fatias de massa sovada, vinho abafado e licores a todos os presentes. Ao anoitecer, antes de encerrar a festa, eram deitadas as sortes para escolher os cabeças para o ano seguinte. O processo de escolha processava-se de forma muito peculiar: eram colocados dentro da coroa os nomes de um conjunto de  mordomos, excluindo doentes, velhos, mulheres, emigrantes e outros julgados incapazes ou indisponíveis. Depois de ali colocados, uma criança retirava três papéis, que eram abertos e lidos na presença de todos, revelando os nomes dos sorteados. Mas se os cabeças do ano em curso tivessem feito uma festa que tivesse agradado à maioria dos mordomos, alguém, à socapa e sem que os cabeças se apercebessem, enquanto realizavam esta operação, pegava numa das bandeiras e tentava cobri-los com ela. Se o conseguisse com sucesso, a operação parava de imediato, ficava sem efeito e eles seriam os cabeças no ano seguinte.

De seguida realizava-se o último acto das festas: Levar as sortes. Organizava-se um novo cortejo, já de noite, com foliões, coroa, bandeira e os mordomos, com destino a casa dos novos cabeças, com o objectivo de lhes anunciar o mandato recebido através das sortes.

Durante a semana que precedia a festa, à noite; cantavam-se as alvoradas e o povo juntava-se na casa, convivendo através de jogos, bailes e, no sábado. com distribuição de fatias de massa sovada, vinho abafado e licores por todos. Os foliões tinham músicas específicas para cada momento ou cortejo. Esclareça-se também que em todos os domingos entre a Páscoa e o Pentecostes, as coroas e bandeiras de cada império, em cortejo separados deslocavam-se à igreja para a missa. Aguardavam uns pelos outos, à porta da igreja e eram recebidos pelo pároco que as acompanhava até aos altares laterais, onde eram colocadas, enquanto entoava o “Veni Creator”. Apenas as bandeiras brancas ficavam ao fundo da igreja.

Acrescente-se também que num desses domingos, de tarde, os cabeças, em cortejo, com os foliões e os símbolos, percorriam as casas dos mordomos, a fim de saber a quantidade de carne que pretendiam, pois cada um é que pagava a sua, e se davam ou não davam pão de trigo. Só feitas as contas escolhiam as reses a abater. O pão oferecido pelos que o tinham e o excedente de carne era distribuído pelos mordomos pobres ou pelos pobres da freguesia que nem mordomos eram.

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publicado por picodavigia2 às 16:31

A PÁSCOA

Domingo, 20.04.14

Na Fajã Grande e creio também que nas restantes freguesias das Flores, as grandes festividades religiosas anuais, com excepção do Pentecostes, vulgarmente conhecido por “Festa do Espírito Santo”, não eram celebradas com a grandiosidade e com a imponência que o eram na maioria de outras regiões do país, nomeadamente no Continente.

A Páscoa, assim como o Natal, celebravam-se com um misto de penúria, simplicidade e normalidade. A magnificência e a sumptuosidade guardavam-se para as festas locais.

Assim o dia de Páscoa não se diferenciava muitos dos restantes domingos do ano. A única tradição era a do folar, cozido na véspera. Tinha a forma de um pão de milho mas era feito de massa “sovada”, também chamada de “pão doce”, igual à que era cozida quer pelo Espírito Santo, quer pela festa de Santo Amaro, neste caso sob a forma de ofertas diversas e diversificadas. O que caracterizava o folar da Páscoa, no entanto, era que na parte mais alta e interior do mesmo fosse colocado, em vez dum ovo, um toro de linguiça, que lhe dava um sabor característico, aliando a doçura do açúcar ao salgado e à gordura dos temperos da carne de porco. A tradição medieval na Quaresma interditava ao povo de comer carne. O folar da Páscoa com o pedacinho da linguiça era como que um símbolo festivo do final da abstinência quaresmal.

Todos se “pelavam” por uma fatiazinha do folar retirada da sua parte superior, mesmo ali ao redor do pedacinho da linguiça. Normalmente era cozido um folar para cada um dos membros da família, sendo maior ou menor, consoante a idade e tamanho daquele a que se destinava.

Quanto à parte religiosa, numa altura em que a religião marcava acentuadamente a vida e os costumes, apenas a missa, em que, segundo se dizia, a cada palavra se seguia um “alleluia”. Na realidade as orações litúrgicas do dia começavam com um intróito em que o celebrante dizia “ Ressurrexit non est in nobis, alleluia, alleluia.” e terminava com “Ite missa est, alleluia, alleluia” ao que o povo, com um misto de jocosidade e alegra,  fora da igreja, respondia  em vernáculo: “Folar para a rua, alleluia, alleluia.”

 

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publicado por picodavigia2 às 07:31

A SEMANA SANTA NA FAJÃ GRANDE NA DÉCADA DE CINQUENTA

Quinta-feira, 17.04.14

Em todas as freguesias e localidades açorianas, na década de cinquenta, a Semana Santa era considerada uma semana diferente, um tempo de grande e profunda religiosidade, verificando-se, durante a mesma, importantes e significativas alterações, não apenas na forma de celebrar a fé cristã mas também na vida e nos costumes do quotidiano das populações, inclusive na própria alimentação.

Na Fajã Grande, ilha das Flores, as celebrações litúrgicas desta semana, iniciavam-se no Domingo de Ramos, com a bênção dos ramos realizada na Casa de Espírito Santo de Cima. O pároco transportava uma palma assim como uma ou outra pessoa que possuísse palmeira nos seus campos, o que era raro. A generalidade das pessoas, no entanto, transportava pequenos ramos de salgueiro, de alecrim ou de cedro. Acreditava-se que os ramos deviam ser guardados, a fim de serem queimados na Quarta-Feira de Cinzas, do ano seguinte. Terminada a bênção seguia-se uma procissão com destino à igreja, numa atmosfera mística e de oração que envolvia toda a freguesia. Na igreja era celebrada a missa, nesse domingo muito demorada, uma vez que ao evangelho era feita, em latim, língua então utilizada em todas as celebrações litúrgicas, a leitura da paixão de Jesus Cristo, segundo São Mateus. Nessa altura, os paramentos utilizados, assim como o frontal do altar-mor e o véu de cobertura do sacrário eram de cor roxa. Desde o domingo anterior, chamado, na altura, Domingo da Paixão, todas as imagens de santos existentes na igreja eram cobertas com panos roxos ou pretos ou, no caso das mais pequenas, guardadas na sacristia e as flores eram retiradas dos altares, assim como as sanefas e as cortinas das janelas. A partir desse domingo os sinos não repicavam, apenas dobravam ou davam badaladas espaçadas umas das outras. Na segunda, terça e quarta-feira, realizava-se a Via Sacra. A partir da quarta-feira da Semana Santa, o sino, deixava de tocar, sendo as trindades, o toque do meio-dia e outros anunciados pela matraca, um instrumento construído em madeira, formado por três tábuas pregadas umas nas outras e com um suporte manual na parte superior, como se de uma pequena caixa se tratasse. Na parte exterior das tábuas estavam cravadas várias argolas de ferro que se soltavam batendo em conjunto e de forma violenta e agressiva na madeira, logo que a dita cuja fosse abanada com alguma força e agilidade, produzindo assim um som barulhento, matracado, estranho e esquisito.

Na quinta-feira à noite, a igreja voltava a ser enfeitada e os altares eram revestidos de branco, sendo celebrada a missa da Ceia do Senhor, durante a qual tinha lugar a cerimónia do lava-pés, para a qual eram convidados doze homens, dos mais influentes e importantes na freguesia. No coro tentava-se adivinhar qual deles seria o Judas… E os candidatos eram vários… Terminada a missa eram retiradas as toalhas do altar e exposto o Santíssimo que assim ficava durante toda a noite, até à madrugada seguinte, velado, em turnos de uma hora.

Na sexta-feira a comemoração da morte de Jesus, era celebrada às três da tarde, através das chamadas “endoenças” mas realizadas na igreja Matriz da freguesia vizinha, a Fajãzinha, às quais, no entanto, assistiam muitas pessoas da Fajã, que para aquela freguesia se deslocavam com tal intuito. As cerimónias das “endoenças”, na Fajãzinha, eram muito concorridas, a elas vinha muita gente de outras freguesias e exigiam, para além de três padres, alfaias litúrgicas adequadas e paramentos pretos e roxos, incluindo dalmáticas que a igreja da Fajã não possuía. À noite, porém, realizava-se na Fajã a procissão do Senhor Morto. No altar da Senhora do Rosário havia um grande cruxifixo, com um Cristo amovível. Era retirado da cruz e colocado num andor em forma de esquife e seguia na procissão juntamente com a cruz da qual se pendurava um pano e com a imagem da Senhora da Soledade, a única existente na Fajã que vestia roupas e que, por isso, estava interdita de estar na igreja durante o ano. Homens com opas, transportando lanternas, a cruz e o pálio de baixo do qual seguia o pároco levando o Santo Lenho. O povo incorporava-se atrás e apenas o batucar da matraca se alternava com o silêncio da noite.

No sábado, às oito horas, era celebrada a missa da Vigília Pascal, mas muito simplificada, como se de uma missa normal se tratasse, apenas com a bênção do lume e do círio pascal, os sinos voltavam a tocar, os santos eram descobertos e a igreja enfeitadas. No domingo apenas a missa, onde a palavra “aleluia” se ouvia com muita frequência

Durante a semana Santa devia-se jejuar e não comer carne, sacrifícios nada difíceis pois isso fazia parte do quotidiano. Na Sexta-feira Santa ao almoço, devia comer-se sopa de funcho. Nesse dia o funcho era mais doce, pois Nossa Senhora também o comera, quando, carregando sofrimento e dor, subia o caminho do Calvário. No sábado coziam-se os folares recheados com ovos e linguiça para se comerem no domingo e nos dias seguintes.

Durante a semana santa não se devia namorar, cantar, dançar, assobiar ou gozar outros pequenos prazeres por serem sinais de alegria e gozo uma vez que Nosso Senhor passara toda a semana sofrendo.

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publicado por picodavigia2 às 08:55

FESTA DO PADROEIRO SÃO JOSÉ

Quarta-feira, 19.03.14

A Fajã Grande, ainda antes de ser paróquia escolheu São José como seu padroeiro. Não se vislumbram facilmente as razões desta opção. No entanto, não será de estranhar, que tendo a sede da freguesia das Fajãs, ou seja a Fajãzinha, a que o lugar da Fajã Grande pertenceu até 1861, como padroeira a Virgem Maria, Mãe de Jesus, sob a invocação de Senhora dos Remédios, aquele lugar escolhesse o Pai Putativo de Jesus, São José, como seu padroeiro, mantendo-se o orago, aquando o da criação da paróquia. Assim ficaram as duas localidades vizinhas sob a protecção de Maria e José, os pais de Jesus. Além disso, São José foi sempre considerado um dos Santos mais populares da Igreja Católica e padroeiro dos trabalhadores, portanto um Santo a cuja devoção não podia ser alheio o povo de uma terra onde o trabalho era condição fundamental de vida.

A mais antiga imagem de São José de que há memória na Fajã Grande, ainda existe na sacristia da igreja paroquial. Trata-se uma bela e valiosa obra artística, do século XVII, pintada a ouro, de pequenas dimensões, representando o Santo, com aspecto de caminhante, calçado com umas botas, com o Menino ao colo e uma açucena a servir de bordão. Dado o seu valor histórico, esta imagem foi sempre muito cobiçada por coleccionadores de arte e directores de museus. Nos anos cinquenta foi substituída por uma nova, moderna, em que o Santo se apresentava como carpinteiro, conduzindo o Menino por uma das mãos e segurando uma serra com a outra.

Colocada no altar-mor, em lugar de destaque, a imagem de São José, quer a nova quer a velha, foi sempre muito venerada na Fajã Grande, sendo, na década de cinquenta, celebrada uma festa no seu dia litúrgico, 19 de Março.

A festa de São José era uma das maiores da Fajã Grande, depois do Espírito Santo e da Senhora da Saúde e a ela vinham, a pé ou de barco, muitos romeiros de toda a ilha, sobretudo das freguesias vizinhas, nomeadamente da Fajazinha, Mosteiro, Ponta Delgada, Lajedo, Lomba e Cedros. Muitos deles vinham de véspera, hospedando-se em casa dos seus “conhecidos”. Era também o dia em que as crianças, geralmente, faziam a primeira comunhão e a comunhão solene.

A festa iniciava-se com um tríduo preparatório, constituído, por missa, sermão e devoção a São José. Na véspera e dia tocavam-se Trindades dobradas. Para a freguesia deslocavam-se sempre, no mínimo três padres, sendo que um deles vinha mais cedo para pregar o tríduo. Na véspera todos os padres se disponibilizavam para as confissões, dois nos confessionários laterais e outros dois nos ralos da grade, aproveitando o padre Pimentel para fazer, nessa altura, a desobriga pascal. No dia da festa, durante a manhã havia três ou quatro missas. A da manhã destinada às donas de casa e a quem não pudesse assistir às seguintes. A segunda era a missa da Comunhão, onde toda a gente comungava, pois sendo obrigatório o jejum desde da meia-noite, era quase impossível comungar na missa da festa. Esta era sempre de três padres, celebrada e cantada por um, geralmente o pároco, com outros dois a acolitá-lo e com um quarto a pregar o sermão, assumindo assim o epíteto de o “pregador da festa”. A quarta missa, se a houvesse, era celebrada no altar da Senhora do Rosário e contrariamente às outras esta não tinha sermão. De tarde realizava-se uma grande procissão. Para além da imagem de São José saíam também a da Senhora da Saúde e a de Santa Teresinha e nela se incorporavam as crianças da cruzada, os homens com as opas vermelhas, uns a transportar os andores e o pálio, outros as lanternas e a cruz, muitas pessoas e o clero, sendo que três padres seguiam debaixo do pálio, um de capa de asperges, transportando o Santo Lenho e os outros dois acolitando-o, revestidos com dalmáticas. Se a Páscoa fosse baixa, e o dia de São José coincidisse com algum dia da semana da Paixão, os Santos estavam todos retirados ou cobertos com véus. Nesse caso só saía na procissão São José.

Durante a restante parte da tarde havia arraial, com quermesse, vendas de bebidas e chocolates, arrematações e jogos, nomeadamente o do boneco de atirar bolas e o da pesca às cervejas, sob a orientação e coordenação do Albino. Antes de ser criada a Filarmónica Senhora da Saúde geralmente a procissão e o arraial não eram acompanhados por filarmónica.

No dia do padroeiro as refeições, em quase todas as casas, eram melhoradas: comia-se pão de trigo com manteiga de manhã e ao meio dia e à noite carne de vaca ou de ovelha. Caso uma e outra faltassem recorria-se a uma galinha da capoeira ou a torresmos e linguiça, tudo, é claro, acompanhado com inhames e pão de trigo

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publicado por picodavigia2 às 13:06

A FESTA DO SENHOR DOS PASSOS, NA FAJÃ GRANDE, NAS DÉCADAS DE QUARENTA E CINQUENTA

Domingo, 16.03.14

Durante os domingos da Quaresma a ilha das Flores recordava, em solenes festividades e em litúrgicas celebrações, as principais cenas da Paixão e Morte do Redentor, privilégio concedido desde tempos imemoriais apenas às duas vilas e às três freguesias maiores e, talvez, mais importantes da ilha.

As celebrações começavam na vila Lajes, no primeiro domingo, com “Caminho do Calvário” e terminavam na de Santa Cruz, no domingo da Paixão, com o “Triunfo” realizando-se, então, uma majestosa procissão em que se incorporavam nove andores. No segundo domingo, em Ponta Delgada , celebrava-se a “Flagelação”, no terceiro na Fajã Grande a “Coroação de Espinhos” eno domingo seguinte, na Fajãzinha, celebrava-se o “Encontro”.

Na Fajã, a festa de Passos era uma das maiores festividades religiosas da freguesia.

Nos dias que a antecediam preparava-se a igreja de modo muito peculiar: não havia flores nos altares, eram retiradas as cortinas e sanefas das janelas, sendo as mesmas tapadas de alto abaixo com cortinados pretos, a fim de que, à boa maneira das igrejas românicas medievais, o templo ficasse totalmente escurecido, numa espécie de penumbra, criando-se assim um ambiente propício e adequado a uma mais profunda reflexão sobre os mistérios que se celebravam. No arco do transepto, entre a capela-mor e o cruzeiro, era preso à madeira um arame com argolas donde estava suspenso um enorme cortinado preto, que abria e fechava à maneira de um pano de palco e que tapava a imagem do Senhor dos Passos até à hora do sermão que antecedia a procissão. Os sinos não repicavam, apenas dobravam. A imagem do Senhor dos Passos, todo ano escondida atrás do altar-mor, naquele dia era posta, bem no meio da capela-mor em lugar de realce e colocada em cima de um andor muito tosco e sem flores, representando Jesus Cristo num dos mais dolentes momentos de tortura e sofrimento da Sua Paixão. Sentado numa pedra, quase nu, com uma capa roxa sobre os ombros, as mãos atadas por um cordão amarelado, segurando uma cana a fazer de ceptro e com uma enorme coroa de espinhos cravada na cabeça. Do crânio perfurado pelos espinhos saíam-Lhe gotas e gotas de sangue que corriam pelo rosto e se perdiam nas barbas ou Lhe salpicavam o tronco e os joelhos. Os ombros avermelhados e o tronco despedaçado faziam entender que havia sido fortemente chicoteado nas costas.

De manhã havia missa solene como nas grandes festas. No entanto, como a capela-mor estava tapada, a celebração realizava-se num dos altares laterais, no da Senhora do Rosário. Os cânticos, eram substituídos por antífonas e salmos cantados em latim e impropérios, alguns até cantados em grego, como o Hagios athanathos, eleison hymas (Santo Imortal tem piedade de nós) tudo em canto gregoriano, pelo pároco e mais dois homens. Geralmente vinham padres de fora, o padre António da Fajãzinha e o padre Mota do Lajedo, que nestes dias celebravam missa nas suas igrejas de madrugada, a fim de se poderem deslocar a pé ou a cavalo, para a Fajã. De tarde as cerimónias iniciavam-se com um sermão, findo o qual e no momento em que o pregador proferia as palavras “Ecce Homo”, o pano preto colocado no transepto abria-se e, finalmente, a imagem do Senhor dos Passos surgia à vista de todos os fiéis. Seguia-se a procissão que percorria as ruas principais da freguesia. À frente a cruz, ladeada por lanternas e seguida do enorme guião roxo, encimado pelas quatro letras garrafais e amarelas, SPQR, acrónimo da célebre frase latina da Roma antiga “Senatus Populusque Romanus” e que os cristãos, ao longo dos séculos, haviam adaptado e traduzido por “Salvai o Povo Que Remiste”. A seguir os anjinhos, os meninos da Cruzada Eucarística cobertos com a cruz de Malta, desenhada a vermelho numa faixa branca atravessada sobre o peito. Depois os homens vestidos de opas vermelhas e roxas, transportando as lanternas ou levando o pálio sob o qual caminhava lentamente o pároco, revestido de capa de asperges roxa e véu de ombros da mesma cor, barrete preto de três bicos, segurando bem erguida com ambas as mãos, a cruzinha do Santo Lenho. Finalmente o andor com a imagem do Senhor dos Passos. Uma parte do povo que não se incorporava na procissão, postava-se nas beiras dos caminhos e, compungido, genuflectia ao passar a minúscula relíquia que supostamente havia tocado na verdadeira cruz de Cristo. Atrás dois homens entoavam o “Miserere”em cantochão.

Depois de recolher a imagem era de novo colocada na capela-mor para que todos os fiéis, formando uma fila ordenada, prestassem a sua adoração, osculando um dos pés de Redentor.

 

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publicado por picodavigia2 às 12:37

DIA D'INTRUDE

Segunda-feira, 03.03.14

Na década de cinquenta, a terça-feira de Carnaval, na Fajã Grande chamada popularmente por “Dia d’Intrude” assim como o domingo que a antecedia e que era designado por “Dmingue Gorde” eram dias consagrados ao divertimento e à folia e, estranhamente, festejados e celebrados mais entusiasticamente do que, por exemplo, o Natal ou Páscoa, as maiores festas cristãs do calendário litúrgico e religioso, ambas plenas de costumes, de tradições e de festejos, noutras regiões do país. Não havia casa, incluindo as mais pobres, que não tivesse o cardápio melhorado naqueles dias, do qual constava, infalivelmente, galo ou galinha guisado, acompanhado com inhames e filhoses. A maioria dos homens, sobretudo os mais jovens, divertiam-se à brava, mascarando-se, fantasiando-se e disfarçando-se de formas estranhas, por vezes esquisitas e até assustadoras e com os mais extravagantes trajes, numa completa transformação, não apenas do seu aspecto físico mas também da sua personalidade e da sua maneira de ser, chegando mesmo a alterar as suas formas físicas e o próprio sexo. Incompreensivelmente, às mulheres era absolutamente “proibido” participar activamente em todos os folguedos destes dias e muito menos mascar-se ou fantasiar-se, sendo-lhes permitido, apenas, assistir como espectadoras passivas a todas as brincadeiras, pirraças, assaltos alegres às casas de uns e outros, assim como às danças de entrudo que, apesar de autênticas manifestações da cultura popular, também estavam interditas ao sexo feminino, talvez por influência de crenças e convicções religiosas. Estranhamente eram alguns homens que se fantasiavam de mulher para formarem pares e dançarem uns com os outros, nas chamadas “danças de Carnaval”.

Mas estes dias, na Fajã Grande, eram realmente dias de grande festança e alegria. Em primeiro lugar ocupavam lugar de destaque, as célebres e tradicionais danças de Entrudo, não apenas as que se organizavam na freguesia, mas até algumas vindas de outras freguesias, geralmente, da Fajãzinha. Ensaiadas e preparadas muitas semanas antes, no que dizia respeito à letra e música de cada uma, ao fabrico e arranjo de roupas e adereços e aos ensaios das cantigas e da própria dança. Entre as brincadeiras, a da água era a rainha. Nesse dia toda e qualquer pessoa, incluindo as mulheres, podiam atirar água para cima de outrem que ninguém levava a mal. Só que depois vinha a “vingança” por parte daquele ou daquela que inicialmente havia sido molhado E então aconteciam autênticas batalhas de água, com o objectivo de ver quem atirava mais água para cima de um “adversário”, servindo para tal tudo o que fosse vasilhame manejável. Muitas vezes, à água misturava-se farinha e, eventualmente, outros ingredientes menos aconselháveis.

Finalmente, em cada casa o almoço era, substancialmente, melhorado. No domingo gordo havia filoses, doiradas, salpicadas com açúcar e canela, saborosas, deliciosas, quase celestiais de se comer e chorar por mais. Antes porém, o galo, morto de véspera, guardado em vinha-d’alhos, de um dia para o outro. Depois de rosado e guisado, era colocado à mesa a fumegar, juntamente com uma travessa de inhames, a encher a casa de odores perfumados e os comensais de apetites devoradores. Na terça-feira tudo se repetia, acrescentando-se ao galo ou substituindo-o por torresmos e linguiça e uma morcela ou outra que para tal se havia guardado, da altura da matança.

Na realidade, sendo o Entrudo ou Carnaval uma festa de lazer e divertimento, mas cujo significado e vivências se associam à cultura de cada povo, a Fajã Grande também o celebrava à sua maneira e de acordo com as suas potencialidades, não devendo, no entanto, ser estranha a estes festejos alguma influência oriunda de outras localidades, naturalmente trazida pelos primeiros povoadores, nomeadamente no que dizia respeito às danças e sobretudo à tradição de nestas circular um velho ou uma velha. É que em muitas localidades do norte de Portugal celebra-se, nestes dias, o “Culto do Velho ou da Velha” que simboliza uma espécie de despedida do Inverno e o acolhimento da Primavera, que está prestes a chegar. Tudo isto, talvez, vestígios de cultos pagãos muito antigos. Na Fajã Grande também se designava o Carnaval por “Velho Entrudo”.

Os festejos de Carnaval, na Fajã Grande, no entanto, também tinham um outro significado importante, na medida em que, como que representavam uma espécie de subconsciente colectivo, dado que era uma festa de liberdade, onde tudo era permitido fazer-se, e onde normas, preceitos e costumes se esqueciam para permanecer durante três dias o quase "vale tudo", libertando-se, assim, o sofrimento, a dor e a vida dorida daquele um povo.

Por mim confesso que, em criança, era tanto o medo que eu tinha dos mascarados e dos velhos das danças que não saía de casa naqueles dias. Como era geralmente no “Dia d’Intrude” que meu pai fazia o canteiro da batata-doce, na terra da porta, junto ao monte do estrume do gado, eu pelava-me para ficar com ele e o ajudar nesse dia, encontrando assim um excelente pretexto para me evadir dos festejos carnavalescos e sobretudo de ser agarrado pelos “velhos” mascarados das danças que se atiravam aos “pimpolhos como cães a bofes”.

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publicado por picodavigia2 às 00:18

A PROCISSÂO DO SENHOR AOS ENFERMOS

Sábado, 14.12.13

Tempos idos, costumes e tradições muito diversas mas que se perderam no tempo e evaporaram nas memórias. A Visita do Senhor aos Enfermos, na Fajã Grande e em muitas outras freguesias açorianas, por alturas da Páscoa!

No dia da Festa de Corpo de Deus, nalgumas terras, noutras no domingo seguinte ao dia de Páscoa, chamado, vulgarmente, “Domingo da Pascoela” ou “Domingo Quasímodo” fazia-se a “Procissão do Senhor aos Enfermos”. A Fajã Grande não fugia à regra, sendo feita, geralmente, no domingo da Pascoela. A denominação de Pascoela advinha-lhe de ser uma espécie de segunda Páscoa ou Páscoa menor, dado que nestes dias se realizavam algumas actividades de índole pascal e que transitavam do domingo anterior, como era o caso da visita do Senhor aos Enfermos. Por sua vez a designação de “Domingo Quasímodo” advinha do simples facto de a primeira palavra do intróito da missa nesse dia, na altura celebrada em latim, ser precisamente a palavra “Quasimodo…”. Curiosamente e pela mesma razão foi este o nome dado também pelo escritor francês Vítor Hugo a um personagem, por sinal feio, medonho e corcunda mas de uma simpatia contagiante, de um dos seus romances que tem como cenário principal nada mais nada menos do que a Catedral de Notre Dame de Paris, exactamente por ter nascido ou sido encontrado neste domingo.

Regressando à Fajã Grande e ao domingo da Pascoela ou Quasímodo, era precisamente neste dia que se fazia a célebre procissão da Visita do Senhor aos Enfermos. Após a missa o celebrante revestido de capa de asperges e debaixo do pálio, segurado por seis homens, saía da igreja e percorria todas as ruas da freguesia onde havia doentes acamados, levando-lhe o “Sagrado Viático”. O cortejo seguia em procissão pelas ruas atapetadas com flores e plantas de variadíssimas cores e com as janelas e varandas ornamentadas com colchas e flores. À frente as crianças da Cruzada e os homens com as opas vermelhas segurando velas e lanternas, depois o pálio e finalmente o povo, cantando e rezando.

No ano em que meu avô materno faleceu, precisamente no mês de Maio, a casa da minha avó, na Fontinha foi uma das visitadas pelo Senhor aos Enfermos, no mês de Abril, altura em que ele já se encontrava bastante doente.

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publicado por picodavigia2 às 09:24

A FESTA DA SENHORA DO CARMO DA PONTA

Segunda-feira, 18.11.13

Era em meados de Julho que se realizava a festa da Senhora do Carmo, na Ponta, de cuja ermida era a Padroeira. Era a primeira festa de Verão da ilha das Flores. Aliás era costume, na altura, dizer-se que as festas de Verão, nas Flores, começavam e terminavam na Fajã Grande: em Julho com a Senhora do Carmo e em Setembro com a Senhora da Saúde. Antigamente a festa era celebrada no dia dezasseis de Julho, data em que, segundo a tradição carmelita, Nossa Senhora apareceu a S. Simão Stock e lhe entregou o escapulário. Mais tarde porém e para que um maior número de fiéis pudesse demandar a Ponta e participar na homenagem à Virgem do Carmo, a festa passou a celebrar-se num dos últimos domingos de Julho.

Para além do tríduo de preparação, de duas missas no dia (a da comunhão e a da festa), desta festividade, em honra de Nossa Senhora do Carmo, também fazia parte uma grandiosa procissão pela principal artéria da Ponta e ainda um arraial no Outeiro, num largo que existia frente ao adro e à Casa de Espírito Santo. Vinham padres e forasteiros de toda a ilha e a procissão incorporava as várias imagens existentes na ermida da Ponta, guiões, o Santo Lenho e muitos fiéis, alguns dos quais descalços e de escapulário ao peito, em cumprimento de promessas feitas para obter a protecção, as graças e bênçãos da Virgem.

Mas o que mais caracterizava esta festa era a cerimónia da imposição escapulário da Senhora do Carmo, a quem o solicitasse e que se realizava geralmente antes da missa da festa. O escapulário era constituído por duas pequenas tiras de pano castanho, presas uma à outra com dois elásticos que devíamos colocar ao pescoço de forma visível apenas no dia da festa e nos restantes dias por debaixo da roupa, uma tira sobre o peito e a outra nas costas. Isto no caso de se aderir apenas à ordem menor, porque mulheres havia que aderindo à ordem maior, teriam que andar vestidas com um vestido castanho sobre o qual usavam o escapulário, também imposto numa cerimónia ainda mais solene. Neste caso, as tiras, também de cor castanha, eram muito maiores cobrindo-lhes o corpo quase por completo como se fosse um avental ou uma bata aberta nos lados. Na Ponta havia muitas mulheres assim vestidas permanentemente, fruto de promessas que haviam feito.

O escapulário da Ordem do Carmo, que ainda hoje é reconhecido pela Igreja Católica e que todos os Papas do século XX terão usado, foi aprovado em 1226, pelo papa Honório III e embora inicialmente fosse usado apenas pelos frades e freiras da Ordem do Carmelo, mais tarde passou a ser usado pelos fiéis que o desejassem, quer sob a forma de hábito, quer limitando-se apenas às pequenas tiras de pano. Em 1964, o Papa Paulo VI autorizou, em virtude dos incómodos que o seu uso por vezes implicava, que o escapulário pudesse ser substituído por uma simples medalha com uma das faces a ostentar uma imagem de Maria e a outra com uma imagem do Sagrado Coração de Jesus

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publicado por picodavigia2 às 13:21

O PADROEIRO

Sábado, 02.11.13

São José é o padroeiro da paróquia da Fajã Grande.

José é um dos personagens mais célebres do Novo Testamento, marido da mãe de Jesus Cristo. Segundo a tradição cristã, nasceu em Belém da Judeia, no século I a.C., descendia da tribo de Judá e era descendente do rei David. Segundo a tradição, José foi designado por Deus para se casar com a jovem Maria, mãe de Jesus, que era uma das consagradas do Templo de Jerusalém, e passou a morar com ela em Nazaré, uma localidade da Galileia. Segundo a Bíblia, era carpinteiro de profissão, ofício que terá ensinado a Jesus. Por essa razão as imagens de São José representam-no, geralmente, de mão dada com o menino e com uma serra na mão.

A escolha de José, para esposo da Virgem Maria, segundo uma lenda que se contava na Fajã Grande, aconteceu depois de Deus seleccionar um grupo de homens bons, generosos e de grande virtude, entregando a cada um, uma vara retirada de uma bela planta, mas ainda sem flor. Avisou-os Deus que as guardassem, pois uma delas, a do mais virtuoso, do mais santo e do que tivesse melhor coração, mesmo arrancada da planta, havia de florir. Na realidade e passado algum tempo a vara que José guardara foi a única a florir, sendo ele o eleito para esposo de Maria, Mãe de Jesus. Por essa razão em muitas das suas imagens colocadas nos altares, em vez da serra, São José surge, segurando na mão um ramo florido e, neste caso com o Menino Jesus ao colo.

São José é um dos santos mais populares da Igreja Católica, tendo sido proclamado "protector da Igreja Católica Romana", pelo seu ofício, "padroeiro dos trabalhadores" e, pela fidelidade à sua esposa, "padroeiro das famílias", sendo também padroeiro de muitas igrejas e lugares do Mundo. Uma delas é a da Fajã Grande das Flores.

A festa em memória do seu padroeiro, realizava-se, na Fajã Grande, no dia dezanove de Março e era a maior festa da freguesia depois da realizada em honra da Senhora da Saúde, no mês de Setembro.

 Precedida de um tríduo, em que geralmente era convidado para pregar um “padre de fora”, ou seja, de outra freguesia da ilha, a festa, no seu dia, explodia em três epicentros ou pontos altos. De manhã, tinha lugar a chamada “Missa da Comunhão”, celebrada por um dos sacerdotes de fora, solenizada e com sermão. Demorava uma eternidade porque toda a gente comungava e, nesse tempo a comunhão era recebida, de joelhos, à grade e distribuída apenas pelo celebrante. Mas era um momento de grande emoção, sobretudo nos anos de Comunhão Solene, o que acontecia de três em três anos. Depois e mais tarde a “Missa da Festa”, também demoradíssima, cantada e com sermão, celebrada pelo pároco e acolitada por dois sacerdotes, um a fazer de diácono e outro de subdiácono, estes revestidos de dalmáticas brancas, bordadas a amarelo, as únicas que a igreja possuía, para além de duas pretas. Momentos solenes eram o canto da Epístola pelo subdiácono, o Evangelho e o “Ite missa est” pelo diácono e o Prefácio e o “Pater Noster” pelo presbítero celebrante. Finalmente à tarde, precedida de sermão, realizava-se a procissão.

O pároco aproveitava o facto de esta festa se realizar sempre na Quaresma e antes da Páscoa para também proceder à desobriga pascal. Assim, com um tiro matava dois coelhos. Na véspera da festa, vários sacerdotes deslocavam-se à Fajã e durante a tarde procediam ao confesso. Os sinos anunciavam a hora do perdão, a igreja enchia-se, os sacerdotes colocavam-se nos confessionários e à grade onde estavam encravados dois ralos e desatavam a perdoar pecados e a impor as respectivas penitências. Depois e até ao dia seguinte deveria haver muito cuidadinho para não se pecar, caso contrário “estragava-se” a confissão feita e, pior do que isso, ficava-se incapaz de comungar, não dando cumprimento à desobriga.

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publicado por picodavigia2 às 16:07

A FESTA DA SENHORA DO ROSÁRIO NA FAJÃ GRANDE

Terça-feira, 08.10.13

Na Fajã Grande, na década de cinquenta, todos os anos se realizava, num dos domingos de Outubro e de forma a não coincidir nem com a Festa da Senhora do Rosário das Lajes nem com a festa do Patrocínio da Fajãzinha, a festa da Senhora do Rosário, também denominada, sobretudo por pessoas mais antigas, pela festa do Terço.

Esta festa, segundo contavam algumas pessoas mais idosas, tivera a sua origem por volta do ano de 1917, altura da primeira Grande Guerra Mundial e remontava também ao tempo em que começaram a ser divulgadas as aparições de Nossa Senhora aos pastorinhos de Fátima, altura em que, obviamente, ainda não existia a devoção à Mãe de Deus sob a invocação de Senhora de Fátima. Na altura, paroquiava a Fajã o padre Francisco Vieira Bizarra, homem de grande cultura e de acentuada espiritualidade, grande amigo de Nunes da Rosa que fora pároco o Mosteiro e a quem este escritor dedica um dos contos do seu livro “As Pastoraes do Mosteiro”. O padre Bizarra era natural de São Roque do Pico, tendo-se ordenado sacerdote em 1893, sendo nesse ano, nomeado coadjutor da Fajã Grande, onde era pároco o padre Manuel Augusto de Lima. O padre Bizarra permaneceu, como cura, na Fajã Grande, apenas durante dois anos, após os quais foi transferido para a vila das Velas, na ilha de São Jorge. Regressou à Fajã em 1909, agora como pároco, cargo que exerceu até 26 de Fevereiro de1922, dia em que faleceu com apenas cinquenta e dois anos de idade. Foi durante esta sua segunda e mais longa passagem pela Fajã Grande que criou a festa do Terço, em honra da Senhora do Rosário com o objectivo de solicitar à Virgem o regresso de todas aqueles que da Fajã Grande e de toda a ilha das Flores foram chamados a participar na primeira Grande Guerra e implorando também â Mãe de Deus que aquele terrível flagelo que devastou o mundo, no início do século XX, acabasse o mais depressa possível, para o bem de toda a humanidade. A festa continuou nos anos seguintes como cumprimento do voto feito, incentivou-se a quando da Segunda Guerra e mais tarde com a ocupação de Goa, Damão e Diu e, sobretudo, já nos anos sessenta, em plena guerra do Ultramar.

Na igreja da Fajã, no altar lateral sul, existia uma bela imagem da Virgem, de estilo barroco, pintada a ouro, com o menino ao colo e segurando nas mãos um enorme rosário de prata. Era essa imagem, conhecida como a Senhora do Rosário que era colocada em andor, no dia da festa, percorrendo algumas ruas da Fajã. Num dos domingos anteriores era feito um peditório por toda a freguesia. Ofereciam-se produtos agrícolas, galinhas, ovos, queijos, ofertas de massa e bolos doces, a fim de serem arrematados. Com o dinheiro resultante das arrematações e outros donativos era organizada a festa com confissões, tríduo preparatório, missa cantada, sermão, procissão e um pequeno arraial, mais tarde abrilhantado pela filarmónica Senhora da Saúde. Geralmente vinha um padre de fora, mais concretamente o padre António da Fajãzinha.

Acrescente-se que mês de Outubro era o mês consagrado ao Rosário de Nossa Senhora e que, durante o mesmo, era realizada, diariamente, na igreja paroquial, uma celebração denominada “Novenas do Rosário” em que se rezava o terço, havendo também uma prática ou pequeno sermão sobre cada um dos quinze mistérios do Santo Rosário, na altura, agrupados apenas em três categorias: gozosos, dolorosos e gloriosos. 

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publicado por picodavigia2 às 20:21

A FESTA DA SENHORA DA SAÚDE

Domingo, 15.09.13

Nos anos50, afesta da Senhora da Saúde, que desde há décadas se realizava e continua a realizar na Fajã Grande, era incontestavelmente, na altura, uma das maiores e das mais concorridas de toda a ilha das Flores.

Celebrada no dia 8 de Setembro (mais tarde passou para o domingo mais próximo deste dia) a ela vinham romeiros de toda a ilha, sobretudo da Fajãzinha, do Mosteiro, do Lajedo, de Ponta Delgada, dos Cedros, das Lajes e da Lomba. Alguns, sobretudo os de mais longe, vinham com um ou dois dias de antecedência, regressando muitos deles à sua freguesia apenas na oitava da festa, pernoitando e alimentando-se em casa dos seus “conhecidos” da Fajã, durante vários dias. Também do Corvo, quase todos os anos, vinha uma lancha carregadinha de forasteiros que também se acomodavam em casa dos seus conhecidos da Fajã. Até à inauguração da Filarmónica “Senhora da Saúde”, no início da década de cinquenta, vinha geralmente uma banda de fora, da Fajãzinha, da Lomba ou do Corvo, as quais geralmente traziam muitos romeiros. Foi precisamente no ano em que a filarmónica contratada, a da Lomba, não compareceu que surgiu a ideia, mais tarde concretizada, de se criar uma banda de música na Fajã.

No que dizia respeito à parte litúrgica, a festa começava com um tríduo preparatório, pregado geralmente por um padre de outra freguesia ou por um professor do Seminário de Angra, natural das Flores, dado que nessa altura proliferavam pela ilha e que ainda se encontravam em férias, sendo o mais habitual o Dr Caetano Tomás, do Lajedo. Na véspera, de tarde, eram as confissões, geralmente com 4 padres de fora, espalhados pelos confessionários laterais ou pelos ralos da grade da capela-mor. No dia da festa celebravam-se três missas: a da manhã, bastante cedo, destinada às cozinheiras e pessoas que não pudessem ir a outra, mais tarde; a da comunhão, celebrada às nove, com sermão e destinada sobretudo às crianças da catequese e da Cruzada Eucarística e a outros comungantes e às onze, missa solene, cantada, de três padres e com sermão. Nesta quase ninguém comungava, dado que, na altura para o fazer era preciso guardar jejum desde a meia-noite.

Da parte da tarde, interrompendo o arraial, havia a procissão. À frente a cruz paroquial ladeada por duas lanternas, umas e outra levadas por homens trajando opas vermelhas. Depois os anjinhos de asas brancas e cestas de flores e as crianças da Cruzada Eucarística, cobertas com a cruz de Malta, desenhada a vermelho, em faixas brancas, atravessadas sobre o peito. Logo atrás os andores de Santa Teresinha, São José e da Senhora da Saúde, transportados por homens, vestidos de opas brancas. Depois os homens de opas vermelhas, carregando lanternas, pendões e o pálio, sob o qual seguia o Ouvidor das Lajes envergando capa de asperges branca e véu de ombros da mesma cor, a segurar o Santo Lenho, ladeado por dois padres vestidos com dalmáticas também brancas. À frente do pálio seguia o clero excedente que geralmente era pouco e algum seminarista em férias na ilha, envergando sotainas negras e sobrepelizes brancas. Logo atrás a Filarmónica. A procissão percorria a rua Direita, para cima até à Praça e para Baixo até à Rua Nova e as janelas, varandas e pátios das casas por onde passava estavam enfeitadas com colchas de cores variadas, que davam à rua Direita um colorido desusado. A rua estava ornamentada com bandeirinhas multicolores presas nos cantos e janelas das casas e o chão era atapetado com verduras e flores. Uma vez regressada à igreja, a procissão terminava com um sermão. Os três sermões do dia da festa eram geralmente pregados por pregadores diferentes e todos eles, assim como os do tríduo e a missa cantada eram promessas de fajagrandenses residentes na Califórnia e que antecipadamente faziam as suas reservas. Um sermão custava cento e vinte escudos, a missa cantada cem e a missa rezada vinte. As Trindades eram dobradas e não havia início de celebração ou levantar a Deus que não tivesse foguetes e  repique bem redrobado. Durante a procissão os sinos também repicavam e os foguetes estralejavam ecoando nas rochas das Águas e da Figueira.

Paralelamente havia uma parte profana ou cívica que começava no sábado e continuava no domingo e que consistia fundamentalmente num enorme arraial, com música, foguetes, quermesse e os jogos do Albino: o do boneco, em que um boneco de madeira suspenso na cintura por um eixo, rodopiava sobre um caixilho também de madeira, apoiado no chão com algumas pedras. O jogo consistia em atirar, de uma distância previamente delimitada, cinco bolas ao boneco, por um escudo. Quem acertasse no dito cujo e conseguisse que ele desse uma volta completa sobre si próprio receberia um prémio: um chocolate, uma laranjada, uma cerveja ou um pirolito de bola. Outro jogo era o da pesca à cerveja: dispostas seis garrafas de cerveja, outros tantos jogadores munidos de um caniço, com um fio e uma argola em vez do anzol teriam que enfiar esta o mais rapidamente possível no gargalo da cerveja que estava na sua frente. O prémio era a própria cerveja para o primeiro que atingisse o objectivo do jogo.

À noite o arraial era iluminado com várias lanternas petromax. Só depois da ida do Padre Pimentel à Califórnia, com o dinheiro que ele por lá arrecadou se comprou um motor que, sob os cuidados de José Furtado, iluminava não apenas a igreja mas também o adro e a parte central da Rua Direita com séries de lâmpadas multicolores também vindas da América. Enquanto José Furtado não chegava ou quando o motor falhava o arraial, para gáudio de muitos, fazia-se às escuras.

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publicado por picodavigia2 às 19:40

A FESTA DE SANTO AMARO

Sábado, 10.08.13

Uma das maiores e das mais importantes festas celebradas, nos anos cinquenta, durante o Inverno, na Fajã Grande, era a de Santo Amaro.

Amaro, segundo uns, Mauro ou Amauro, segundo outros, nasceu em Roma em 1512 e foi frade beneditino, tornando-se célebre, sobretudo, pelo seu poder taumaturgo. Já em vida, ao ser enviado por São Bento de Roma para a Gália (hoje França), a fim de, a pedido do Bispo de Le Man, estabelecer a vida monástica beneditina naquela região, foi vítima de grandes e variadas atribulações durante a viagem, mas a todas, no entanto, de acordo com os seus biógrafos, escapou milagrosamente. Foi sobretudo, após a sua morte que os milagres se multiplicaram eem breve SantoAmarotornou-se conhecido,  celebrado e venerado por toda a Europa Católica, sendo também escolhido para patrono dos aleijados e especialmente invocado para a cura de reumatismo, epilepsia, gota, rouquidão, resfriados e muitas outras doenças e maleitas.

Muito provavelmente por influência dos primeiros colonos e povoadores, nos Açores Santo Amaro também foi sempre alvo de grandes devoções por parte da população de todas as ilhas, sendo até que algumas freguesias o têm como padroeiro e, nalguns casos, o Santo até deu nome à própria localidade. Nas ilhas açorianas, o fiel e pioneiro discípulo do patrono da Europa, também é invocado para a cura milagrosa de inúmeras maleitas e é considerado o patrono dos sapateiros e dos artesãos de cobre.

Na Fajã Grande, Santo Amaro era invocado para cura de tudo o que fosse quebrado, torcido, desmanchado, fora do lugar ou para tudo o que tivesse qualquer tipo de lesão, mazela ou achaque em qualquer parte do corpo humano, desde das pontas dos pés até ao cocaruto da cabeça. Para além disso, o Santo ainda era invocado na cura das doenças das crianças, na eficiência e normalidade dos partos e até nas doenças ou mal olhados dos porcos, das vacas e das galinhas. Na igreja paroquial, num dos nichos laterais do altar da Senhora do Rosário havia uma pequenina imagem de Santo Amaro, vestido com o seu hábito de monge beneditino e em sua honra fazia-se uma enorme e grandiosa festa no segundo ou terceiro domingo de Janeiro, normalmente a seguir ao dia 15 do mesmo mês e agendado no calendário litúrgico como o dia a ele dedicado, por se comemorar a sua morte.

Para além de missa votiva, cantada e com sermão, tinha lugar de destaque, após as celebrações litúrgicas, um enorme leilão, onde eram arrematadas inúmeras ofertas feitas em massa sovada com o formato ou feitio da parte do corpo humano, da criança ou do animal que o Santo milagreiro havia curado miraculosamente. Antes da missa o altar enchia-se por completo de promessas, personificadas por pães de massa sovada em forma de cabeça, braços, estômago, pernas, pés, de crianças (umas já crescidas outras acabadas de nascer), de porcos, vacas e até galinhas que ali ficavam durante a missa, finda a qual eram solenemente benzidas e depois arrematadas em leilão, no adro da igreja.

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publicado por picodavigia2 às 08:11

O IMPÉRIO DE SÃO PEDRO

Sábado, 29.06.13

Na Fajã Grande existiam 6 Impérios: quatro do Espírito Santo (Casa de Cima, Casa de Baixo, Ponta e Cuada) e dois de S. Pedro (Casa de Cima e Ponta).

Curiosamente a festa organizada pelo Império de S. Pedro da Casa de Cima, assim como o S. Pedro da Ponta, era em tudo ou quase tudo, muito semelhante à festa do Espírito Santo, realizada nos outros Impérios. Apenas as insígnias eram diferentes: não havia bandeira branca, a coroa era muito pequenina e, nos cortejos, era sempre acompanhada por uma imagem de S. Pedro. Como a imagem de S. Pedro, pertencente ao respectivo Império era muito pequenina, no dia da festa e nas procissões e cortejos que se realizavam por essa altura, era a imagem existente na igreja, porque bastante maior, que acompanhava as outras duas insígnias, sendo transportada em andor adequado.

Mas a grande diferença entre o Império de São Pedro e os do espírito Santo era a de que a maior parte dos mordomos pertencentes a este Império eram jovens e crianças. Chamava-se também “Império das Crianças”.

Mas, da mesma forma que na festa do Espírito Santo, na semana que antecedia a de S. Pedro e de forma idêntica, eram cantadas as Alvoradas. Na antevéspera, de tarde, organizava-se o cortejo até rolo da Baía de Água, para a matança do gado, sendo a carne distribuída pelos mordomos na véspera de manhã, acompanhada pela pequenina coroa, pela bandeira, pelos foliões e por muitas crianças.

A festa realizava-se no dia 29 de Junho, dia liturgicamente dedicado a S. Pedro e S. Paulo, quando ainda era “dia santo abolido”. Nesse dia havia idêntico procedimento ao da festa de Espírito Santo, verificando-se apenas uma alteração: da parte da tarde organizava-se uma procissão, com coroa, bandeira e imagem do Santo, até ao Porto Velho, onde os barcos presentes haviam sido devidamente ornamentados e enfeitados. A imagem era colocada num barco juntamente com a coroa e a bandeira, enquanto o pároco, com barco a servir de púlpito, pregava o sermão, procedendo, de seguida, à bênção dos barcos.

O cortejo regressava à Casa de Cima e procedia-se às sortes dos novos cabeças, com um ritual em tudo semelhante ao realizado na festa de Espírito Santo.

A festa terminava, ao início da noite, com o “levar das sortes” aos novos cabeças.

 

 

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publicado por picodavigia2 às 16:04

A FESTA DO ESPÍRITO SANTO

Terça-feira, 11.06.13

Durante toda a semana, quer a que antecedia a festa da Casa de Cima, no domingo de Pentecostes, quer a da Casa de Baixo, no da Trindade, na Fajã Grande das Flores, nos anos cinquenta, cantavam-se, à noite, às terças, quintas e sábados, as Alvoradas.

Um foguete, lançado por um dos cabeças, logo ao anoitecer, indicava que a partir daquele momento a Casa estava aberta. Os que iam chegando aos poucos, após entrar, rezavam por um momento em frente ao altar do Divino, iluminado e enfeitado, onde estava a coroa e, de seguida, sentavam-se em bancos dispostos de forma rectangular, contra as paredes laterais da enorme casa, ou ficavam a conversar pelo meio do amplo salão, enquanto a garotada ia fazendo jogos como o de descobrir um objecto a toque de tambor, o jogo do lenço, o burrinho do Lamé e muitos outros.

À hora marcada e com a casa à cunha, anunciada por um segundo foguete, principiava a Alvorada. Numa fase inicial a cantoria começava no pátio, fora da porta da Casa. De seguida, os foliões, um dos quais tocando tambor e outro, “testos” ou pratos, entravam na Casa, formavam uma roda e iniciavam uma dança típica, durante a qual cantavam,  “Alvorada Santa” e outros cânticos apropriados. Curiosamente e durante a dança, cada um ao passar em frente ao altar, onde estava a coroa, rodopiava sobre si próprio e invertia a sua postura habitual na roda, de modo a ficar, durante os segundos que por ali passava, voltado de rosto para o altar, a fim de que ao andar em frente ao Divino Espírito Santo, não o fizesse de costas voltadas, sinal óbvio do respeito devido à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade.

De seguida, o grupo parava, postava-se em frente ao altar e cantava as sete “Ave Marias”, seguindo-se o “Oferecimento” das mesmas, após o qual a Alvora terminava.

Após a cerimónia, a maior parte do povo, sobretudo os mais jovens, permanecia pela noite dentro na Casa, fazendo jogos de roda diversos, entre os quais o do Anel e outros jogos tradicionais em que todos paricipavam. Estes jogos, durante os quais todas as brincadeiras eram permitidas e as manifestações amorosas toleradas, eram uma excelente ocasião de se iniciarem ou até se solidificarem muitos namoricos, noutros lugares e noutros espaços proibidos pelos pais.

Na sexta-feira, antes da festa, de tarde, matava-se o gado. Os cabeças haviam elaborado antecipadamente uma lista com a quantidade de carne que cada mordomo, pertencente ao Império, desejava. Depois de tudo somado, era imperioso apalavrar, de seguida e atempadamente, umas duas ou três reses que perfizessem em quilos o total de carne desejado pelos mordomos.

O gado previamente seleccionado era levado para junto da Casa do Espírito Santo, onde aguardava a organização do cortejo, assim constituído: à frente os animais e a garotada, depois a bandeira branca, as duas vermelhas e a coroa, atrás da qual caminhavam os foliões a cantar, seguidos duma enorme chusma, mais de meia freguesia. Na torre da igreja os sinos em alegres repiques e o estalejar dos foguetes juntavam-se à procissão, que caminhava, lesta, em direcção ao sítio onde gado seria abatido – o Matadouro. Este situava-se no fim da rua da Via  d’Água, já quase no Porto, ali mesmo à beirinha da Baía d’Água, num pequeno rolo que separava o baixio do caminho e no qual havia um nicho apropriado, onde era colocada a coroa, ladeada pelas bandeiras, durante o tempo que demorava a matança, esfola e esquartejamento dos animais. Quanto às vísceras, o fígado, o coração e a língua ficavam para os matadores, com os quais normalmente guiavam uma apetitosa “caçoila”, o sangue era dado a quem o quisesse para fazer um saboroso sarapatel, assim como o bucho com o qual, depois de muito bem lavadinho, se fazia dobrada. Os bofes e  a cabeça eram dados aos cães e as tripas atiradas ao mar, para gáudio dos peixinhos.

Terminadas todas estas operações, o cortejo regressava à Casa. A carne das rezes era espetada pelos tendões em grossos paus, de palanca, transportados por homens, aos ombros, suspensa, ainda a escorrer os últimos pingos de sangue, enquanto os sinos, os foguetes e o cantar dos foliões, as pessoas, a coroa e as bandeiras enchiam as ruas de som, de cores, de desejos, de festa e de alegria. Colocada no chão da Casa, devidamente forrado com folhas de cana roca, a carne ficava ali a arejar e a aguardar que as mãos experientes de um grupo de homens, durante a noite, a desmanchasse e cortasse aos pedaços e com eles fizessem montinhos, de acordo com os pedidos formulados pelos mordomos e outros para os pobres, escrevendo num papelinho que lhe colocavam em cima, o nome do destinatário.

No sábado de tarde distribuía-se a carne pelas casas dos mordomos que a haviam solicitado na segunda-feira de Páscoa, anterior. Nesse dia, as duas coroas em conjunto e acompanhadas pelos cabeças e foliões de ambas as Casas, haviam percorrido todas as moradias da Fajã, de um ponta à outra, a fim de “atestar” os mordomos de cada uma, ou seja, saber de qual das casas pretendiam a carne, se apenas de uma ou das duas, assim como a quantidade que desejavam.

A cerimónia iniciava-se pela manhã, com a bênção da carne e do pão, este cozido por promessas de alguns dos mordomos e que seria distribuído pelos pobres juntamente com alguma carne. O pároco dirigia-se para a Casa do Espírito Santo de sobrepeliz e estola branca, acompanhado pelo sacristão com a caldeirinha e o hissope. Colocava-se em frente aos montículos de carne e às pilhas de pão, aspergia-os com o hissope, rezava algumas orações em latim e depois de fazer um cruz sobre tudo e todos, retirava-se.

Competia às crianças da freguesia, da parte da tarde, levar carne a casa dos mordomos. Munidas de pequenas cestinhas ou travessas, aos pares e em constante rodopio, uns levando o pão e a carne aos pobres e outros a carne aos mordomos, de acordo com o nome indicado no papelinho e que um dos cabeças, à medida que partiam, ia riscando no rol elaborado na 2º feira de Páscoa. Acompanhavam-nas os foliões, as bandeiras, a coroa e algumas pessoas. A coroa entrava nas casas de todos os mordomos, juntamente com as oferendas, para que cada elemento da família beijasse a pombinha, símbolo do Divino Espírito Santo, encravada numa das extremidades do ceptro.

A distribuição iniciava-se no cimo da Assomada. Seguia-se o Alagoeiro e a Fontinha, o Caminho de Baixo, as Courelas, a Rua Direita, a Rua Nova, a Tronqueira e terminava, já ao início da tarde, no fim da Via d’Água. Os sinos tocavam durante todo o dia, logo de manhã durante a bênção e pela tarde fora, enquanto demorava a distribuição, alternando o seu alegre repicar com os sons do tambor e dos testos e com o cantar dos foliões.

Meu tio era o sacristão, cargo a que estava anexo o de sineiro. A sua pouca disponibilidade para um e outro cargo, obrigara o pároco à contratação de um ajudante, tendo a escolha recaído sobre mim. Por isso me iniciei cedo no papaguear do latim da liturgia e no tocar dos sinos, tarefa esta em que me orgulhava e ufanava, pois tocava-os como ninguém. Do alto na sineira via e ouvia o canto dos foliões acompanhados pelo tambor e pelos testos. Por isso, assim que eles paravam, iniciava logo um harmonioso e prolongado repique que para além de permitir um bom descanso aos foliões, fazia com que o Divino Espírito Santo não andasse a circular pelas ruas e pelas casas, um momento que fosse, sem ser acompanhado por música: ou pela do cantar dos foliões ou pela do toque dos sinos.

No domingo realizava-se a verdadeira festa do Espírito Santo. De manhã, depois de aberta pelos cabeças e com o tradicional foguete, os mordomos e outras pessoas afluíam à casa, onde de imediato a garotada, enquanto esperava pela saída do cortejo, organizada os jogos e as brincadeiras habituais. À hora marcada organizava-se um cortejo, com destino igreja paroquial, enquanto os sinos repicavam e os foguetes estalejavam no ar e em abundância, ecoando nos outeiros e rochas circundantes. Quanto mais foguetes melhor era à festa e, neste aspecto a Casa de Baixo ultrapassava de longe a de cima, pois para além do fogo preso, à noite, ainda se dava ao luxo de, em pleno arraial, disparar um tiro de canhão. Como era habitual, o cortejo abria com a bandeira branca, depois as vermelhas transportadas por meninas e a seguir a coroa levada também por uma menina, ladeada por outras transportando o ceptro e flores, vestidas com trajes adequados e cercadas por outras quatro formando um quadrado com as varas. Seguiam-se os foliões, os mordomos e uma boa parte do povo. O restante esperava, no adro, a chegada à igreja, onde o pároco, como nos domingos anteriores, embora com mais solenidade também aguardava o cortejo e a coroa, à porta do Guarda-Vento.

De seguida, entravam todos na igreja, ao som do “Veni Creator Spiritus ”. A Missa era cantada e terminava com a bênção e a incensação da coroa, enquanto se cantava o  “Alva Pomba”. O cortejo reorganizava-se novamente e regressava à Casa, fazendo o trajecto inverso.

Todos voltavam às suas casas para o jantar, a fim de saborearem a carne que cada um havia cozinhado a seu gosto. Na véspera, a carne havia sido temperada e posta em “vinha-d’alhos”. De manhã era “rosada” em banha de porco e depois guisado em caldeirões de ferro, ficando prontinha antes da missa. A refeição era acompanhada normalmente com inhames e pão de trigo, havendo também, quase sempre, pão doce.

De tarde o povo juntava-se de novo na Casa, para as arrematações, para os cantares, para os jogos e, sobretudo, para o convívio. As arrematações resultavam das promessas que muitos mordomos. Eram feitas de massa igual à do pão doce, mas representando uma parte do corpo, geralmente pés, mãos, braços ou cabeça, que haviam sofrido alguma maleita, ou animais, geralmente suínos ou bovinos, que haviam estado doentes mas que tinham sido curados, por graça do Divino Espírito Santo, a quem agora se agradecia. Outras pessoas ofereciam a massa, mas simplesmente na sua forma habitual de pão. Muitos mordomos que haviam feito promessas mas não tinham conseguido cozer pão, arrematavam uma oferenda semelhante à que haviam prometido e ofereciam-na, a fim de que fosse novamente arrematada.

Como era grande a quantidade de massa oferecida, muita não era arrematada. Era partida às fatias, colocada em açafates e distribuída por todos juntamente com cálices de licor ou de  “vinho fino”.

Todo o pão, tanto o das promessas como o doce e o de trigo, que sobrava era distribuído pelos pobres.

A festa prolongava-se até ao anoitecer.

No dia da festa, à tardinha, realizavam-se as sortes, ou seja, a escolha e indicação dos nomes dos dois cabeças que, no ano seguinte, seriam os responsáveis pela preparação e organização da festa, uma vez que cada mandato, regra geral, durava apenas um ano. Os cabeças eram dois, normalmente designados por primeiro e segundo, sendo que o primeiro assumia as funções de líder.

Da lista dos mordomos, os cabeças em exercício, por sua livre iniciativa, escolhiam nove nomes que liam bem alto perante todo o povo, que com o seu aplauso, aprovava tais escolhas. De seguida escreviam-nos, um por um, num papelinho que dobravam muito bem para que se não visse o nome que lá estava escrito e colocavam-nos todos dentro da coroa do Divino Espírito Santo. De seguida escolhiam uma criança de tenra idade e pediam-lhe que tirasse da coroa dois bilhetinhos.

Fazia-se um enorme e profundo silêncio na sala e todos aguardavam com grande expectativa os nomes sorteados e que, dentro de momentos, iam ser conhecidos. Um dos cabeças, muito devagar e com estranha solenidade, abria o papel, fazia uma pausa, e de uma golfada e em voz bem alta, anunciava o nome sorteado. Uma enorme e estrondosa ovação se fazia sentir por toda à casa, seguida por uma grande salva de palmas e um imediato atirar de foguetes, saudando o novo primeiro cabeça, para o ano seguinte. Idêntico procedimento se verificava, quando era tirado e lido o outro nome que indicava quem seria o segundo cabeça.

Mas nem sempre assim acontecia. Por vezes, quando os mordomos entendiam que a festa tinha sido boa, graças à brilhante acção e ao profícuo trabalho daqueles cabeças, tentavam, umas vezes com sucesso outras não, cobri-los com a bandeira vermelha. Se o conseguissem fazer, antes de serem lidos dos dois nomes, as sortes paravam de imediato e seriam eles os cabeças, no ano seguinte. Daí que por vezes se verificassem interessantíssimas tentativas de “ataques e fugas” entre os mordomos que pretendiam cobrir os cabeças para que continuassem e estes que permaneciam de olhos bem abertos e muito atentos para fugirem à cobertura e assim se libertarem de tão trabalhoso e imponente cargo.

A festa terminava, já lusco-fusco, com um novo e último cortejo com a coroa, as bandeiras, os foliões e o povo que se organizava e, partindo da Casa de Espírito Santo, se dirigia às casa de ambos os novos cabeças a fim de lhes dar conhecimento oficial e entregar-lhes “as sortes”.

Entre as festas de Espírito Santo da Casa de Cima e da Casa de Baixo havia grande rivalidade e até alguma competição, pois cada qual se esforçava por fazer uma festa melhor do que a outra. A Casa de Cima, da qual meu pai foi sempre mordomo, tinha contra si um senão: é que fazia sempre a festa, no próprio domingo do Pentecostes e a de Baixo no domingo seguinte, ou seja no da Trindade, o que obviamente lhe concedia alguma vantagem ou favoritismo.

Interessante, no entanto, é que toda esta rivalidade era salutar e respeitada. Basta recordar que as duas coroas em conjunto e acompanhadas pelos cabeças, pelos foliões e por muitos adeptos de ambas as Casas, percorriam em conjunto e lado a lado todas as moradias da Fajã, de um ponta à outra, afim de, em cada ano, “atestar” os mordomos de cada uma, ou seja, saber de qual das Casas pretendiam a carne e a quantidade desejada, por altura da festa. Tudo isto era realizado no maior e mais salutar espírito de colaboração.

No entanto era opinião generalizada e quase unânime de que a festa da Casa de Baixo ultrapassava de longe a da Casa de Cima: um cortejo mais solene, as meninas que levavam a coroa mais bem vestidas, pois os pais eram mais ricos, mais fogo, incluindo fogo preso à noite e, sobretudo, pelo tiro disparado pelo canhão, em pleno arraial, a meio da tarde do domingo e pelo qual todos esperaram com ansiedade. Simplesmente espectacular!

A origem do dito cujo era desconhecida, embora se cuidasse que tivesse, outrora, sido recolhido na costa, onde por vezes vinham parar muitos restos e objectos de navios naufragados. O canhão era uma enorme boca de fogo de artilharia que estava montado sobre uma carreta e que consistia basicamente num tubo fechado numa das extremidades e dentro do qual, através da outra, se ia metendo pólvora, papelão e outro entulho, o qual era muito bem batido e calcado com uma soquete, de forma a ficar compacto e simular uma espécie de projéctil, que, depois de pronto, era incendiado através do lume que dentro dele se introduzia por meio de um rastilho que atravessava um pequeno orifício na parte superior da grossa parede do tubo. O canhão era colocado sobre o chafariz que existia junto à empena Sul da Casa, do lado do altar. Enquanto se preparava o material, a rua Direita e os caminhos e pátios ao redor enchiam-se, para apreciar aquele grandioso e imponente momento da festa. Uma vez tudo preparado, todos se afastavam, enquanto um homem, o mais “anamudo” e expedito, largava lume ao rastilho, afastando-se logo em grande correia. O rastilho ia ardendo lentamente até fazer chegar o lume ao interior do tubo e incendiar a pólvora ali armazenada, provocando uma enorme explosão, projectando a grande distância aquele entulho transformado em bala e provocando, simultaneamente, um grande estrondo, que alguns segundos depois se repetia em eco, na Rocha das Águas.

Era a alegria total! Um dos momentos mais altos e mais emocionantes da festa.

Conta-se ainda hoje, que num determinado ano, alguém, de propósito ou não, no final da operação de batimento do entulho, se esqueceu de tirar o soquete, sendo este projectado juntamente com a bala e encontrado, dias depois, numa terra lá para as bandas do Mimoio, já próximo da Ribeira, o que permitiu, assim, esclarecer as duvidas que existiam sobre o alcance daquela antiga arma de guerra, transformada, na altura, em canhão  do Espírito Santo.

 

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