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ANTIGOS PESQUEIROS DA FAJÃ GRANDE

Quarta-feira, 07.03.18

Eram os seguintes os antigos pesqueiros da Fajã Grande, desde o Canto do Areal aos Fenais ou Fanais, muitos deles ainda hoje existentes:

Calhau da Ponta, Coelheira, Pesqueiro da Canela, Poça das Salemas, Sete Toros, Corredouras, Penedos, Redondo, Retorta, Frades, Mouros, Piostra, Poça Larga, Cabeço, Carolo, Baía das Furnas, Frechada, Respingadouro, Os Tufos, Rolinho das Ovelhas, Corvelo, Pesqueiro das Lesmas, Lajinha, Pesqueiro das Pipas, Boca da Barra, Poceirão, Lombinha, Baía da Mocinha, O Verde, Ponta dos Pargos, Ponta do Cais, Pontinhas, Pesquero da Terra, Castelhana, Queirós, Passinho, Carregadouro, Combradas de Manuel Cardosinho e Fanais.

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publicado por picodavigia2 às 00:05

O PINHACRE DAS COVAS

Quinta-feira, 01.02.18

Encafuado no meio das Covas, situado lá para os lados da Ponta, junto à Rocha do Vime, o lugar do Pinhacre das Covas era, como aquele em que se encastoava, um dos mais diversificados da Fajã Grande, porquanto nele existiam os quase todos os tipos de propriedade em que o amplo terreno da Fajã Grande, no século passado, estava coberto ou subdividido. De facto ali, como nas Covas existiam terras de mato, terras da rocha, pastagens e uma ou outra terra de cultivo, estas paredes meias com a Ribeira das Casas e com o Vale do Linho. Mas a grande especificidade das Covas era o facto de parte de a quase totalidade da sua área ocupar uma parte da rocha, até ao cimo, prolongando-se quase até às relvas do mato. Tratava-se, no entanto, de uma área quase inculta, alguma só composta por gigantescas vergas de pedra, revestidas de musgo, pelo que grande parte da mesma era terreno de ninguém, uma vez que aí a rocha era muito íngreme e não possuía nenhuma vereda ou caminho de acesso.

A outra pequena parte da área do Pinhacre das Covas assemelhava-se a uma enorme ribanceira ali caída há centenas de anos e situava-se em terreno plano, integrando uma pequena parte da ampla fajã desde a Ribeira Grande até ao Risco. Junto à rocha ficavam as terras de mato, pobres e perigosas, onde floresciam apenas incensos e faias. O chão era pejado de fetos, cana roca e erva-santa. Não existiam árvores de fruto, pelo que dali se extraía apenas lenha e comida para o gado. Os fetos eram ceifados e postos a secar a fim de serem utilizados como cama para o gado nos palheiros. A cana roca, dadas as dificuldades em carreá-la era cortada e ficava por ali a apodrecer, sem utilidade nenhuma.

O Pinhacre ficava encastoado nas Covas que, por sua vez configurava a norte com o lugar do Vime e com a Rocha do mesmo nome, a oeste com o Vale do Linho e o Rego do Burro, a sul com a Ribeira das Casas, enquanto a leste era protegido pela rocha, até lá ao alto onde existiam as relvas da Caldeirinha e do Bracéu. O lugar era atravessado de sul a norte por um dos mais antigos e importantes caminhos da freguesia que ligava a Fajã à Ponta, sendo quase todo ele no espaço do território das Covas constituído por uma lendária ladeira que descia da Ponta para a Fajã conhecida por Ladeira das Covas. Várias lendas existiam sobre a mesma com destaque para a da Mulher com Pés de Cabra. Foi também naqueles descampados que durante muitos meses se ouviram gritos agonizantes que, até serem desvendados, assustaram muitas pessoas da Fajã e da Ponta que por ali passavam.

O topónimo Covas, muito comum nos Açores, terá a ver naturalmente com o facto de por ali terem existido algumas covas ou de uma parte da morfologia do terreno formar uma espécie de cova gigante. Quanto a Pinhacre muito provavelmente será uma corruptela de pingo acre, o que poderia ser uma referência a que os pingos da chuva ou os respingos de água da Ribeira das Casas, trazidos pelo vento sueste fossem bastante incómodos.

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publicado por picodavigia2 às 18:20

O CANEIRO DAS FURNAS

Quinta-feira, 11.05.17

O Caneiro das Furnas, situado no lugar do mesmo nome, era uma profunda, estreita e sinuosa enseada, localizada na costa da Fajã Grande, paredes meias com o antigo Campo de Futebol das Furnas. Era pois uma reentrância de mar, aberta em direção a terra, limitada por dois promontórios, o do lado norte um pouco tosco e baixo, mas de impossível acesso, o do sul bastante mais alto e rochoso, com pequenas escarpas, algumas delas formando excelentes poisos de pesca. Estes rochedos e escolhos que ladeavam, de um lado e outro, aquela reentrância eram de basalto negro, fazendo parte integrante da extensa faixa de baixio que ladeava a costa fajãgrandense desde o Pesqueiro de Terra até à Poça das Salemas, davam ao Caneiro uma forma curvilínea, a qual fazia uma espécie de arco, ou seio, por onde penetrava a água do mar, até um pequeno rolo que se localizava entre o termo do Caneiro e o caminho que dava para o Areal.
Perto dali a mítica Furna das Mexideiras sobre a qual circulavam muitas estórias e lendas. Contava-se que um certo homem tentara entrar por ali dentro com uma lanterna mas ela apagou-se. O homem voltou a acendê-la, mas sempre que o fazia a lanterna apagava-se. Havia ali algo de misterioso, do outro mundo que impedia que a lanterna se mantivesse acesa. Outro homem que nela também entrara, de lá nunca mais saiu. Muitos homens que por ali haviam passado viam luz no seu interior e muitos chegaram a ouvir gritos aflitivos. Também havia quem acreditasse e jurasse a pés juntos, de que aquela furna era morada e esconderijo das Mexideiras. Estas eram uma espécie de monstros estranhos, com aspeto semelhante ao diabo, em forma de mulheres que ali permaneciam durante o dia e que, apenas durante a noite, saíam do esconderijo para perseguir e atacar os mortais. Quem passasse em frente à gruta, à noitinha, em dias de temporal, podia ouvir perfeitamente, os seus ruídos e barulhos, umas vezes gritos ruidosos e barulhentos outras gaitadas finas e alegres, muito esganiçadas a ecoarem nas paredes da furna. Muitas pessoas, porém, acreditavam que eram mesmo os gritos de festa e de regozijo ou então de dor e aflição das malditas. Os mais crentes ouviam-nos perfeitamente, pois cuidavam que elas andavam ali, à solta, a retoiçar, a rebolar, à espera da hora da saída, ou seja à meia-noite, porque só a partir dessa hora podiam sair do esconderijo e circular livremente fora da gruta. Também se dizia que aquela furna escondia um enorme tesouro, deixado ali por piratas que se haviam escondido de outros piratas e tinha morrido lá dentro, mas em respeito pelos falecidos ninguém poderia lá ir procurar o tesouro. Tudo isto dava aquele lugar e, consequentemente, ao Caneiro, um sentido mítico, um ar de mistério, um enigma quase assustador.
Com a forma de um z gigante, o Caneiro iniciava-se bem lá fora, numa zona de rebentação, a umas boas dezenas de metros, na direção oeste/leste, formando uma pequena curva. Aí era largo e profundo, embora sinuoso e de difícil acesso. Depois prolongava-se por terra dentro, afunilando-se, até, na parte final, formar um quase ângulo reto, prolongando-se já com uma menor profundeza na direção norte/sul, até morrer junto a uma minúscula praia. Nesta zona era povoado de pequenos laredos, alguns visíveis com a maré vaza. Como fronteiras naturais o Caneiro das Furnas tinha a norte o Respingadouro, a sul a Coalheira, a leste um pequeno rolo pertencente ao lugar das Furnas e a oeste, obviamente o mar.
Mas o Caneiro, quer na sua parte interior quer na exterior era um excelente lugar de pesca. Para os pescadores mais pequenos e menos experientes, a margem leste da pate final era o local ideal. Aí pescavam-se sargos, rateiros, peixes-reis, pequenos badejosuu e garapaus. As lapas, por vezes até usadas como isco, abundavam por ali. Os pescadores mais experientes e destemidos demandavam a parte exterior, a sul, onde havia excelentes locais adequadas à pesca e onde abundavam vejas, salemas, castanhetas, garoupas e rocazes. No termo do Caneiro, local povoado de rochas e pedregulhos, existiam muitas moreias negras. Engodando-as com tinta de polvo ou restos de peixe era fácil apanhá-las, prendendo-as pela cabeça com tenazes e lançando-as para terra.
Era também esta parte mais interior que, por vezes se transformava em piscina, procurada sobretudo pelos banhistas mais tímidos e envergonhados que não se queriam expor aos olhares dos mirones que proliferavam no Cais e no Porto Velho.
Todo este mítico e idílico lugar parece ter sido parcialmente destruído em 2007 com a construção das chamadas piscinas naturais da Fajã Grande, como noticiou o Forum Ilha das Flores, em 8 de setembro de 2007, por coincidência o dia mais emblemático e festivo da freguesia, o dia da Senhora da Saúde: Constituíram-se como das maiores "surpresas" da Época Balnear 2007 (já a correr para o seu final).
Obra com a chancela da Câmara Municipal das Lajes, as novas Piscinas Naturais da Fajã Grande situam-se perto do antigo Campo de Futebol, e resultaram na criação de mais um espaço de veraneio no Oeste florentino.

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HORTINHAS DA CUADA

Domingo, 23.04.17

Hortinhas da Cuada era um minúsculo lugarejo da Fajã Grande, obviamente não povoado, situado lá para os lados da Cuada, mais concretamente entre Santo António e o único lugar povoado a sul da Fajã, a Cuada, que assim contribuía para o seu nome. Esta zona, desde o Delgado à Cuada, era aquela onde existiam as melhores e mais férteis hortas da freguesia e onde se produzia muita fruta, sobretudo maçãs. A ele se refere contista e reitor do Mosteiro, Nunes da Rosa, quando num dos seus contos que integram o “Pastoraes do Mosteiro” narra as vindas à Fajã Grande, por altura da Senhora da Saúde, de muitos peregrinos e romeiros que vindos de outras freguesias paravam naquelas famosas hortas para apanhar e comer saborosíssimas maçãs.

Situado para além das Hortas da Cuada este lugar era um sítio ermo, esconso e distante do caminho e a ele tinha-se acesso por uma canada ladeada por frondosas faeiras e altíssimos incensos que lhe davam um ar cavernoso, desfrequentado, sombrio e, aparentemente, tenebroso. As terras ali existentes eram poucas, a maioria de mato à mistura com uma ou outra pequena horta, de onde muito provavelmente derivava o topónimo.

As Hortinhas da Cuada, situadas lá bem escondidas ente Santo António, o Delgado, a Cuada e as Hortas da Cuada, permanecem hoje apenas como um lugar mítico e adormecido, decerto perdido, não apenas no espaço mas também e sobretudo no tempo e talvez mesmo na memória de muitos dos que, nos longínquos anos cinquenta, por ali passavam, na apanha de fruta, de incensos para o gado, de lenha para o lume ou a ceifar os fetos e a cana roca que proliferavam entre aquele denso e luxuriante arvoredo.

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AS COVAS

Sábado, 25.02.17

Situado lá para os lados da Ponta, o lugar das Covas era um dos mais diversificados da Fajã Grande, porquanto nele existiam os quase todos os tipos de propriedade em que o amplo terreno da Fajã Grande, no século passado, estava coberto ou subdividido. De facto nas Covas existiam terras de mato, terras da rocha, pastagens e uma ou outra terra de cultivo, estas paredes meias com a Ribeira das Casas e com o Vale do Linho. Só faltavam as relvas do mato mas, em contrapartida as Covas possuía as tradicionais lagoas. As lagoas eram relvas que ou tinham uma ou mais nascentes de água ou beneficiavam de regos através dos quais captavam a água das lagoas vizinhas ou de alguma ribeira ou grota que por ali passasse. Num e noutro caso a água espalhava-se por todo o terreno, tornando-o um autêntico pântano que proporcionava condições ideais para que a erva crescesse fresca e tenrinha, geralmente misturada com inhames e com agriões, uns e outros de muito boa qualidade. Devido às condições pantanosas do terreno e à sua especificidade esta erva não podia em nenhum caso ser pastada pelos bovinos, antes teria que ser ceifada com foice de mão e trazida para as manjedouras. Para além das Covas, na Fajã Grande, antigamente, existiam lagoas nas Ribeira das Casas, nas Águas, na Ribeira, na Figueira, na Silveirinha, nos Paus Brancos, no Curralinho e na Alagoinha. Mas de todas, as das Covas eram as mais emblemáticas e nelas, para além da erva fresquinha, floresciam agriões e inhames, uns e outros utilizados na alimentação dos humanos. Outra especificidade das Covas era o facto de grande parte da sua área ocupar uma parte da rocha, até ao cimo, prolongando-se quase até às relvas do mato. Tratava-se, no entanto, de uma área quase inculta pelo que grande parte da mesma era terreno de ninguém, uma vez que aí a rocha era muito íngreme e não possuía nenhuma vereda ou caminho de acesso.

A restante parte da área das Covas assemelhava-se a uma enorme ribanceira ali caída há centenas de anos e situava-se em terreno plano, integrando uma pequena parte da ampla fajã desde a Ribeira Grande até ao Risco. Junto à rocha ficavam as terras de mato, pobres e perigosas, onde floresciam apenas incensos e faias. O chão era pejado de fetos, cana roca e erva-santa. Não existiam árvores de fruto, pelo que dali se extraía apenas lenha e comida para o gado. Os fetos eram ceifados e postos a secar a fim de serem utilizados como cama para o gado nos palheiros. A cana roca, dadas as dificuldades em carreá-la era cortada e ficava por ali a apodrecer, sem utilidade nenhuma. Mais afastadas da rocha ficavam as relvas e as lagoas, umas e outras de muito boa qualidade, com destaque para os inhames que eram excelentes. Já próximo dos lugares com que fazia fronteira havia uma ou outra terra de cultivo onde se produzia, sobretudo, milho e couves.

As Covas configurava a Norte com o lugar do Vime e com a Rocha do mesmo nome, a oeste com o Vale do Linho e o Rego do Burro, a sul com a Ribeira das Casas, enquanto a leste era protegido pela rocha, até lá ao alto onde existiam as relvas da Caldeirinha e do Bracéu. O lugar era atravessado de sul a norte por um dos mais antigos e importantes caminhos da freguesia que ligava a Fajã à Ponta, sendo quase todo ele no espaço do território das Covas constituído por uma lendária ladeira que descia da Ponta para a Fajã conhecida por Ladeira das Covas. Várias lendas existiam sobre a mesma com destaque para a da Mulher com Pés de Cabra. Foi também naqueles descampados que durante muitos meses se ouviram gritos agonizantes que, até serem desvendados, assustaram muitas pessoas da Fajã e da Ponta que por ali passavam.

O topónimo muito comum nos Açores terá a ver naturalmente com o facto de por ali terem existido algumas covas ou de uma parte da morfologia do terreno formar uma espécie de cova gigante.

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A CABACEIRA DE TI CARLOS

Quinta-feira, 27.10.16

A Cabaceira era talvez o maior de quantos lugares existiam na Fajã Grande, estendendo-se desde o Delgado até à Volta do Pinheiro, por isso mesmo era vulgarmente subdivida em três lugares: Cabaceira de Baixo, Cabaceira do Meio e Cabaceira de Cima. Em minha casa, porém e por iniciativa toponímica exclusivamente nossa, havia na extensa Cabaceira mais um terceiro lugar, a Cabaceira de Ti Carlos, quase identificada, no entanto, com a Cabaceira de Cima, pois situava-se a sul, paredes meias com o Espigão e o Pocestinho.

A razão de ser deste epíteto, adotado lá em casa para identificar a parte mais sueste da Cabaceira, advinha do facto de meu pai possuir ali uma terra que lhe fora dada, juntamente com algumas outras, por um irmão dele, de nome Carlos, que havia emigrado para a América há muitos anos. Como meu pai possuía mais duas terras por aqueles andurriais, uma na Cabaceira de Baixo e outra na do Meio, aquela terra, assim como o lugar em que se situava passou a ser designada por Cabaceira de Ti Carlos. Para além de homenagearmos o benemérito irmão do meu progenitor evitávamos confundir o local onde devíamos ir, por ordem de meu pai, buscar um molho de lenha, levantar uma parede, apanhar um braçado de incensos ou ceifar uma carrada feitos ou de cana roca para a cerca do porco.

A Cabaceira de Ti Carlos, lugar, era um sítio ermo, esconso e distante do caminho que ligava o Cimo da Assomada aos Lavadouros. A ele tinha-se acesso por uma canada ladeada por frondosas faeiras e altíssimos incensos que lhe davam um ar cavernoso, desfrequentado, sombrio e, aparentemente, tenebroso. Além disso a canada iniciava-se um pouco abaixo do largo da Cancelinha, pleno de mitos, de lendas e de assombros. Estas as razões pelas quais eu me pelava de medo quando ia à Cabaceira de Ti Carlos e, confesso, que nunca ia lá sozinho. As terras ali existentes eram todas de mato e pouco mais produziam do que lenha, feitos e cana roca, uma vez que na globalidade abarrotavam de faeiras, incensos, sanguinhos e um oi outro loureiro ou pau branco. Tudo isto tornava aquele lugar ermo, esconso, tenebroso.

A minha prima e vizinha Deolinda também tinha ali uma terra, paredes meias com a de meu pai e de onde se abastecia da lenha de que necessitava no seu dia-a-dia. Não sei se por ter medo daqueles andurriais como eu, se por ser mulher solteira, ainda nova e ter receio de ser assediada por algum valdevino, pedia sempre à minha irmã que me deixasse ir na sua companhia. E lá ia todo feliz. Mas quando entrávamos na canada da Cabaceira de Ta Carlos, cheio de medo dava-lhe a mão e ao entrar na terra nunca me afastava dela.

A Cabaceira de Ti Carlos, terra que o meu tio doara ao meu pai, era, no entanto, pobre e pouco produzia. Decerto que, assim como o lugar a que deu nome, desapareceu no tempo e talvez no espaço, mas continua na minha memória como lugar quase sagrado, repleto de mitos, de sonhos e também de pesadelos.

 

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O LUGAR DO BARRO

Quinta-feira, 22.09.16

O lugar do Barro era um amplo espaço de terras de cultivo, que produziam milho, batata-doce, couves e feijão mas também havia por ali algumas relvas. O Barro localizava-se para além da Ribeira das Casas, quase na fronteira com a Ponta, nas proximidades das Covas e, consequentemente da rocha. Era uma área bastante extensa e muito fértil, até porque localizada entre duas ribeiras, a do Cão e a das Casas e constituída, quase na sua totalidade, por uma planície de terra barrenta. Era pois um lugar de grande riqueza económica para quem ali possuía propriedades.

Hoje, estranhamente, foi construída, bem no centro daquele lugar uma casa de veraneio. Na década de cinquenta, porém ainda proliferavam ali belos cerrados e terras de cultivo misturadas com outros minúsculos terrenos com as mesmas características agrícolas e, na parte norte, algumas belíssimas relvas e de excelentes pastagens para as vacas leiteiras. Na parte mais baixa e próxima do mar o terreno agrícola era substituído por enormes pedras de forma redonda e oval que constituíam uma grande parte do rolo que quase ligava o ilhéu do Constantino, na Fajã ao ilhéu do Cão, na Ponta.

Andar por ali, naqueles tempos recuados, entre o mar e a rocha caminhando sobre a fresca alfombra ou sobre as pedras do rolo, respirando ar puro, orvalhando-se com os suaves respingos de salmoura vinda do oceano trazia uma profunda sensação de paz, de calma e de tranquilidade, apenas quebradas pelo leve sussurrar das águas das ribeiras a baldarem-se em cascatas pela rocha. Lá, outrora, reinava o silêncio e a harmonia entre o homem e a natureza, apenas quebrada, uma vez ou outra, pelo barulho da ganapada da Ponta e da Fajã que ali se encontravam a fim de se defrontarem em violentas batalhas de pedradas.

Hoje, observando aquele lugar através do Google earth, parece impor-se um enorme e estranho contraste criado pelo edifício, ali construído e que inclui um amplo jardim com piscina e anexos. Ao contemplar este panorama tem-se o exemplo mais característico de quanto se tem estropiado a natureza na sua pureza original e desfeito um património natural.

Acresce dizer-se que o lugar do Barro tinha a norte o Vale do Linho, a leste as Covas, a sul o Rego do Burro e a oeste o Oceano Atlântico. O seu nome, muito provavelmente, terá origem no aspeto barrento que possuíam os terrenos ali existentes e de onde, muito possivelvelmente, em tempos idos se terá extraído o barro.

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A VOLTA DO PINHEIRO

Quarta-feira, 24.08.16

A construção da estrada entre o Porto da Fajã Grande e a ladeira do Pessegueiro, junto à ponte sobre a Ribeira Grande, trouxe grandes alterações na vida, nos costumes, nas tradições, nos hábitos e até na toponímia da mais ocidental freguesia açoriana.

No caso da toponímia, dado que o traçado da nova estrada, sobretudo a partir do sul da Cabaceira, se afastou sensivelmente dos caminhos antigos, rasgando um novo trajeto por lugares até então pouco conhecidos ou até inexistentes, surgiram novos lugares enquanto outros adquiriram nomes diferentes. N verdade, a nova estrada, aproximando lugares outrora distantes, trouxe a inexaurível vantagem de criar lugares novos. Foi o caso do lugar ainda hoje designado por Volta do Pinheiro, inexistente antes da construção daquela estrada.

Este lugar passou a designar-se assim porque junto à estrada, naquele local, um pouco antes do caminho que dava para Cuada, vindo do sul, existia um grande pinheiro. Além disso o troço da nova via desenhava, ali, no sítio onde vicejava o pinheiro, uma das suas maiores curvas, sendo que estas, nas Flores, popularmente, eram designadas por voltas. Aí paredes meias com a estrada erguia-se altivo e florescente o velho pinheiro que, pela sua altura se destacava no meio dos incensos, das faias, dos sanguinhos e dos loureiros circundantes. Assim, devido a um pinheiro tão imponente e a uma curva tão acentuada da estrada, tornou-se inevitável, na criatividade popular, batizar o novo lugar de Volta do Pinheiro.

O lugar da Volta do Pinheiro, cuja área era totalmente ocupada por terras de mato, tinha como limites, a sul o Vale Fundo e o Tufo da cuada, a oeste o Desarrassado, a norte a Cabaceira e a leste a a Pedra Vermelha.

 

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O CIMO DA ASSOMADA

Terça-feira, 09.08.16

A rua da Assomada, na década de cinquenta, era incontestavelmente a rua mais populosa da Fajã Grande. A rua, com pequenas vielas u canadas no seu percurso, tinha a forma de um ípsilon, isto é, no seu cimo, ramificava-se em duas vielas que se prolongavam em caminhos. Encafuada e num vale formado pelo Pico e pelo Outeiro, à esquerda de quem a subia, ou seja do lado do Outeiro, a Assomada delongava-se pelo início do caminho que dava para as terras de cultivo, de mato, para as relvas, para o Covão e Outeiro Grande, para a Quada, para os Lavadouros e terminava no Curralinho. Por sua vez e do lado direito. Ou seja do lado do Pico a maior rua da Fajã continuava através do chamado Caminho da Missa, que dava para a Eira da Quada, para Fajãzinha e às outras freguesias e vilas da ilha. No meio ficavam-lhe os férteis cerrados de milho e batatas do Vale da Vaca.

O Cimo da Assomada era pois uma espécie de porta de saída da Fajã Grande, para o mundo. Era por ali e pelo Caminho da Missa todos os que abandonavam a freguesia em pequenas e rápidas deslocações às Lajes ou a santa Cruz ou em viagens maiores ao Faial ou à Terceira, geralmente por doença ou para cumprir o serviço militar. Mas era também por ali que transitavam todos os que abandonaram não apenas a freguesia mas a ilha em procura de melhor vida na América e no Canadá.

Era por ali também que todos regressavam e era por ali que entrava a maleira, com a mala às costas, carregadas de cartas e de avisos amarelos, vinda das Lajes. E era por ali que nos dias seguintes partíamos, alta madrugada, de aviso amarelo em riste e chegávamos à tardinha, contentes e felizes, com uma encomenda vinda da América, às costas.

Por tudo isto e por muito mais o Cimo da Assomada deveria ser considerado um marco histórico, um verdadeiro ex-libris da Fajã Grande.

 

 

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A CALDEIRINHA

Sábado, 23.07.16

A Caldeirinha, encastoada bem lá no alto, sobre a Rocha da Ponta, era um dos mais deslumbrantes e emblemáticos lugares de quantas existiam na Fajã Grande. Situada num planalto de singela beleza e singular rusticidade, a Caldeirinha como que se misturava com o verde das relvas, das queirós, dos juncos, do tamusgo e dos vinháticos, se envolvia com o perfume salificado do oceano, cujos salpicos e respingos, apesar de distante, recebia ao de leve, se confundia com o silêncio que sobre ela desabava em catadupa emanado das escarpas circundantes e, por fim, ornava-se com o colorido das hortênsias que em bardos multicolores dividiam as propriedades dos qua ali as possuíam.

Como os restantes lugares dos matos da Fajã Grande, a Caldeirinha, na década de cinquenta, tinha um papel preponderante e de relevo não apenas no quotidiano das famílias que ali possuíam propriedades, mas também na economia da própria freguesia, por quanto grande parte daquele andurrial era zona de concelho, isto é, zona todos, onde pastava grande parte das ovelhas da Fajã e sobretudo da Ponta e que, nos meses de março e setembro, eram ajuntadas e tosquiadas nos dias de fio. Na verdade, apesar de, vocacionada desde sempre como local de pastoreio de gado vacum, nas partes mais altas e nas escarpas dos montes circundantes pastavam ovelhas, ao desvario, por sua conta, apenas recolhidas nos dias de fio. Numa espécie evasão ocasional e paradigmática, os ventos e, sobretudo as nuvens da Caldeirinha, também funcionavam como avisos meteorológicos para a população da freguesia. De facto, a Caldeirinha, enigmaticamente e devido à sua altitude e ao seu posicionamento geográfico, como que se transformara num verdadeiro centro informativo, numa espécie de boletim meteorológico, onde se podia ler e adivinhar a força do vento, a chuva, o tempo dos dias seguintes a cada dia. Mas a Caldeirinha também se apresentava como uma espécie de granja onde, juntamente com vacas, ovelhas, ervas e queirós, misturadas com coloridos carreiros de hortênsias a tapar valados e grotões, um lugar de excelência, de informação e de grande utilidade, pois era ali que em dias enevoados, cinzentos, chuvosos, se juntavam muitos homens, a ceifar bracéu, a roçar feitos, a cortar queirós para a matança do porco, ou a desbravar a maldita e perversa cana roca ou simplesmente a tratar do gado e que, vezes sem conta e se galvaniza em momentos de alegria, em encontros mágicos, em convívios gratificantes, entrelaçados em singela e genuína camaradagem. Era ali que almoçavam por vezes até repartindo os seus próprios cardápios. Em suma, a Cadeirinha, em tempos recuados, era uma espécie de mito, ou seja, um local de sonhos idílicos, de fascinações extasiantes, de enlevos arrebatadores, porque de rara beleza, grande utilidade e excessivos encantos. Uma espécie de epicentro do trabalho árduo, do convívio, do cansaço e da amizade. Um verdadeiro paraíso.

A Caldeirinha a oeste fazia fronteira com o Alto da Rocha do Vime, a Sul com o Bracéu e o Queiroal, a norte com a freguesia de Ponta Delgada, já pertencente ao Concelho de Santa Cruz e a Oeste com as relvas dos matos da Ponta e com o Risco.

A origem do seu nome muito provavelmente estará ligada ao facto de, embora situada num planalto, é ladeada por vários montes, pelo que vista de cá debaixo, de longe se assemelha a um pequena concavidade ou a uma caldeirinha.

Ali, naquele lugar de encanto e beleza rara, tudo era sublime e transcendente. Até o ar era perfumado com o bafo das vacas e das ovelhas, com o cheiro do poejo, da cidreira e da erva-nêveda, e adocicado com o verde das queirós e dos fetos, com o perfume das hortênsias.

Numa palavra a Caldeirinha era um lugar de encanto, de beleza rara e que, aparentemente, até parecia ser beijada pelo roncar dos aviões que sobrevoavam a ilha, num vai e vem contínuo entre a América e a Europa.

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O LUGAR DOS PAUS BRANCOS

Quarta-feira, 30.03.16

O pau-branco, é uma árvore endémica açoriana, existente em todas as ilhas do arquipélago, exceto na Graciosa. Atinge os oito metros de altura, tem folhas lanceoladas a ovaladas, com flores brancas e frutos de tom azulado escuro, semelhantes aos da oliveira, árvore a cuja família pertence, mas curiosamente a oliveira não vegeta nos Açores. A sua madeira é muito apreciada e utilizada sobretudo no fabrico de móveis.

Cuida-se que no início do povoamento o pau-branco, que se desenvolve juntamento com o incenso e a faia, existiria em grande quantidade nas ilhas açorianas. No entanto, com início da colonização, as zonas mais soalheiras e de melhor terreno foram assoreadas dando origem a terrenos agrícolas para cultivo dos cereais ou a pastagens para a criação de gado, o que provocou um enorme desbaste da mancha florestal primitiva. As espécies menos resistentes, como o pau-branco foram as mais prejudicadas. Atualmente, dado o abandono de muitos campos agrícolas e pastagens, as espécies mais persistentes como a faia e, sobretudo, o incenso são as mais privilegiadas e protegidas pela natureza. A ampla plantação, no século passado, de outras espécies, com destaque para a acácia e, sobretudo, para a criptoméria, também terão contribuído para o lento desaparecimento de algumas endémicas, entre as quais o pau-branco.

No entanto ficou a sua memória e, sobretudo, a sua marca indelével na toponímia de muitas localidades. Foi o que aconteceu na Fajã Grande, freguesia que entre os seus variadíssimos lugares, possuía um com o nome de Paus Brancos.

O lugar dos Paus Brancos situava-se na parte sul da freguesia, próximo da chamada zona da Lagoinha ou Alagoinha, paredes meias com a Rocha. Era um amplo espaço onde existiam três tipos de propriedades: algumas terras de mato, onde proliferavam incensos, faias, loureiros, sanguinhos, entrelaçados entre fetos e cana roca, uma outra lagoa e várias relvas. As lagoas eram terrenos onde, desmesuradamente, crescia a erva. E onde existiam os inhames de água. No entanto, como eram inundadas com a água que descia quer da Ribeira dos Paus Brancos quer das várias grotas que proliferavam na Rocha, eram terrenos muito alagadiços, o que fazia com que a erva crescesse de tal modo que, com alguma frequência, era ceifada e acarretada aos molhos para os palheiros sobretudo para alimentação das vacas leiteiras.

Formando uma ampla planície e protegido dos ventos pela Rocha e pelo Pico Agudo que lhe ficava em frente, o lugar dos Paus Brancos, assim como a sua vizinha Alagoinha era muito fértil e de excelentes pastagens, pese embora se situasse já nos contrafortes da Rocha que, neste lugar era extramente firme, hirta e segura, pois ali não havia derrocadas ou ribanceiras e geralmente não caíam pedras. A Rocha, apesar da água que por ela descia, era tão firme que através dela, havia sido, em tempos idos, construída uma vereda que dava acesso às relvas do mato, nomeadamente às do Rochão do Junco, do Rochão Grande, do Serrado Velho e do Rochão Tamusgo que lhe ficavam sobranceiros.

O lugar dos Paus Brancos a leste fazia fronteira com a Rocha do mesmo nome, a norte com a Alagoinha de Baixo, a oeste com o caminho e com o Pico Agudo e a Sul com a Alagoinha de Cima e com Mateus Pires. O acesso às propriedades fazia-se através de uma canada que se iniciava no enorme largo do Pico Agudo, onde havia um descansadoro.

A origem deste topónimo é de fácil e simples explicação. Decerto que provinha do facto de ali existirem inicialmente muitos paus-brancos que aos poucos terão desaparecido devido ao arroteamento e transformação de algumas terras de mato em pastagens e lagoas e, mais tarde, devido à plantação de criptomérias.

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O ROCHÃO GRANDE

Domingo, 31.01.16

Situado bem lá no interior da ilha das Flores e a sul da freguesia da Fajã Grande o Rochão Grande era um lugar, apesar de exuberante, pouco procurado pelos habitantes daquela freguesia, a fim de ali trabalharem, uma vez que, para além de se situar muito distante do povoado, não possuía praticamente nenhuma propriedade ou terreno pertencente a particulares, nem muito menos agrícolas. Ali tudo era árido. Assim como os seus vizinhos Rochão do Junco, Água Branca e Burrinha quase toda a área deste lugar era zona de concelho, isto é local de terreno que não sendo de ninguém pertencia a todos. Por isso, era ali que se lançavam comunitariamente as ovelhas que eram juntas duas vezes por ano, nos chamados dias de fio, destinados à tosquia dos ovinos e ao registo das crias mais novas. Essa a razão por que estes andurriais eram procurados pelos habitantes da Fajã apenas nestes dias ou então quando, evitando a Fajãzinha e a Rocha dos Bredos, faziam viagens para Santa Cruz, ou então quando procuravam alguma rês que mais afoita e destemida, colocada nas terras próximas, se escapulia por entre os bardos de hortênsias e se perdia por ali. De resto um deserto, este Rochão Grande, povoado de forrecas, de musgos, de fetos, de queirós de cedros anões, de junco e ervas e que na verdade para pouco mais servia do que para alimento dos ovinos.
O Rochão Grande, paralelo à Burrinha estendia-se por uma enorme encosta voltada a sul, com o Pico do Touro por perto e o Morro Alto lá mais longe, confrontando com a Água Branca e o Rochão do Junco quase até ao Curral das Ovelhas e do Rochão Tamusgo.
De resto e de acordo com o seu nome, por certo teria a sua origem no facto de ser uma espécie de grande rocha em terreno plano, sendo o qualificativo grande usado apenas para o distinguir d os seus homónimos e vizinhos, nomeadamente o Rochão do Junco e o Rochão Tamusgo.
Situado no complexo montanhoso do Morro Alto, o rochedo que envolve o Rochão Grande revela-se muito vigoroso, característica comum a todo o relevo aa ilha das Flores, repleta de pináculos e rochedos de pedra e que se cuida ser fruto duma atividade combinada de vários cones vulcânicos rondando os 700-800 metros de altitude, posteriormente sobreposta com a de alguns cones menores. Daí resultou uma estrutura planáltica em dois degraus, que se prolonga até à costa. No patamar Norte, desenvolvido a uma altitude média de 600-700 metros, onde a vastidão, o silêncio, a tranquilidade e a homogeneidade dos tons verdes tomam conta da paisagem, encontra-se o Morro Alto, o Pico da Burrinha e, ainda, o da Testa da Igreja e o Pico da Sé. No patamar inferior, a Sul, com altitudes entre os 500-600 metros, os aparelhos vulcânicos são mais pequenos e modernos. Nas zonas aplanadas envolventes dos cones encontram-se lagoas, antigas crateras de afundamento, rasas ou fundas, com água acumulada na sua parte inferior. É numa destas encostas que se situa o Rochão Grande.

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A FONTECIMA

Quinta-feira, 14.01.16

O lugar da Fontecima, apesar de pequeno era um dos sítios mais férteis e produtivos da Fajã Grande, possuindo, na década de cinquenta, excelentes e fecundos terrenos agrícolas. Dos melhores da freguesia se excetuarmos os situados à beira mar, nomeadamente Furnas e Porto. Aliás na Fontecima as propriedades que não deviam ultrapassar a meia dúzia eram, na totalidade, terrenos agrícolas, embora algumas fossem extensos cerrados e outras currais ou pequenas belgas, mas todas muito produtivas. Para além do milho que se cultivava ali em grande escala, a Fontecima ainda produzia bata doce de boa qualidade, favas e, por entre o milho era semeado trevo ou erva da casta que nos meses de abril e maio serviam de sustento às vacas de leite e ao gado alfeiro que ali era amarrado à estaca.

A Fontecima fazia fronteira a norte com o Alagoeiro, a este com a Ribeira, a sul com o Batel e a oeste com a Bandeja, pelo que se situava muito perto do povoado, nomeadamente, das últimas casas da Fontinha, tornando assim o seu acesso mais rápido e facilitado.

No entanto, o que mais caracterizava este lugar era o de ele ser atravessado de norte a sul, por um estreito caminho, designado por Canada da Fontecima, uma espécie de Via Rápida a ligar o Alagoeiro ao Batel, evitando um percurso bem mais demorado pela Ribeira. Mas tratava-se de uma canada típica, porquanto, de todas as canadas da Fajã Grande, e não eram poucas, esta era a única que tinha o piso igual ao dos caminhos, isto é, do tipo calçada romana. O trajeto era curto, apertado, de bom piso, permitindo um de fácil e agradável caminhar. Uma boa alternativa ao outro caminho que também ligava o Alagoeiro ao Batel e permitia o acesso a todos os outros lugares do Sul e Leste da Fajã, incluindo a Rocha. Mas este caminho no seu normal trajeto dava uma grande volta pela Ribeira, passando junto ao Arame, o que significava um percurso bastante mais longo do que o que atravessava a Fontecima, obrigando, consequentemente, os transeuntes a uma demora excessiva. Na verdade para quem queria seguir para o Batel e para as outras localidades do sul da freguesia, até aos Lavadouros, se fosse pela Canada da Fontecima realizava um percurso bem mais curto e mais rápido. Era pois, objetivo prioritário desta canada, não apenas dar acesso às propriedades que a ladeavam e a outras circundantes, mas também e sobretudo ligar de uma forma mais rápida e eficaz, sobretudo para quem carregava molhos ou cestos às costas, o Batel com o Alagoeiro e vice-versa. Encurtavam-se distâncias, reduzia-se o trajeto, poupavam-se energias e aliviavam-se as costas de quem vinha carregado com molhos ou cestos. Por tudo isto a Fontecima era lugar de grande movimentação de pessoas, muitas vezes carregadas com molhos, cestos e sacos à espera do descansadouro do Alagoeiro.

Mas a Canada da Fontecima, apesar de tudo, não permitia a circulação de gado, nem muito menos de carros ou corsões. É que de tão estreita e apertada que era, não tinha a largura necessária para que circulassem duas rezes, ao lado uma da outra. Como, por vezes, havia gado a caminhar para baixo e outro para cima, o que ali não poderia acontecer, estava praticamente vedada a circulação de bovinos.

O trajeto da Canada da Fontecima era simples mas de boa qualidade e, sobretudo, muito mais curto. Partindo-se do Alagoeiro, junto a um poço que ali havia para o gado beber água, voltava-se à direita, evitando o caminho da Ribeira. Subia-se uma pequena ladeira, esta sim bastante larga, paralela à casa do Luís Fraga, ao cimo da qual ficava a Casa da Água, precisamente no sítio onde se situava uma nascente ou fonte que dava nome ao local e cuja água abastecia toda a rede da Fajã. A partir da Casa da Água, então, entrava-se na canada propriamente dita, iniciando-se o seu trajeto com uma pequena curva ao lado daquela casa. Embora encastoada nos contrafortes do Batel e no sopé da Rocha, do alto da Fontecima descortinava-se ao longe uma parte do casario da Fajã, do mar e a Ponta. Esta vista, no entanto, era obstruída em certos lugares porque as paredes que ladeavam os terrenos eram muito altas e grossas, impedindo quem por ali passasse ou permanecesse de avistar o que quer que fosse, a não ser uma pequena nesga do céu.

A origem deste topónimo parece ser de fácil explicação. Na verdade ali se situava uma nascente ou fonte, a última ao cimo da Fontinha e cuja água, a partir da década de quarenta foi aproveitada para abastecer a freguesia. De Fonte do Cimo ou Fonte de Cima a Fontecima foi fácil e, aparentemente, um pequeno salto.

A Fontecima, como outros imponentes lugares da Fajã Grande a marcar um espaço e um tempo e a escrever a história da Fajã Grande, sobretudo, mediante o esforço, a bravura e o empenhamento dos nossos antepassados.

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O MORRO ALTO

Quarta-feira, 04.11.15

O Morro Alto é um dos lugares mais emblemáticos da ilha das Flores. Por um lado é o ponto mais alto da ilha, tendo mais de novecentos metros de altitude e, por outro, do seu cimo obtêm-se uma belíssima vista panorâmica de toda a ilha, nomeadamente sobre lagoas e vales verdejantes, onde correm pequenas ribeiras, e sobre as localidades de Ponta Delgada, Fajã Grande e Fajãzinha. Como em tempos idos se costumava dizer, de lá vê-se mar à volta de toda a ilha. Trata-se de um acidente geológico, o mais proeminente relevo da maior ilha do grupo ocidental açoriano e tem o seu ponto mais elevado a 914 metros acima do nível do mar. Atualmente integra a Zona Especial de Conservação da Zona Central-Morro Alto. Nas suas proximidades encontra-se o Pico da Burrinha, a Testa da Igreja e o Pico dos Sete Pés. Nos planaltos que o rodeiam, do lado da Fajã Grande, as Pontas Brancas, a Burrinha, a Água Branca e o Rochão Grande. Ao lado as lagoas Funda, Comprida, Seca, da Água Branca e ainda o serpentear da Ribeira Grande e de muitos outros veios de água. O Morro Alto como que se transformou assim num belo miradouro pertencente ao concelho das Lajes das Flores, no enfiamento do de Santa Cruz e na fronteira da Fajã Grande com a freguesia de Santa Cruz, dentro de uma área classificada como paisagem protegida pela sua variada biodiversidade.

O Morro Alto é o ponto mais alto da ilha, no seu topo observa-se o processo traquítico representado pelo Pico da Sé, formando um imponente aparelho vulcânico encaixado entre dois profundos vales de erosão, cavados pelas Ribeiras da Badanela e da Fazenda.

O clima atlântico húmido funciona como um modelador ecológico originando a “zona dos nevoeiros” com ventos muito fortes e elevada pluviometria, promovendo o aparecimento de turfeiras, no local onde predomina o cedro-do-mato  o que dá a esta zona alta uma fisionomia peculiar e distinta do resto da ilha. O miradouro ali situado fica a grande altitude e debruça-se a partir do Morro Alto sobre uma paisagem de vegetação endémica bastante variada, com extensos maciços de florestas de Laurisilva características da Macaronésia sendo por isso um local classificado de paisagem protegida. A altitude permite uma vista abrangente de grande parte da ilha das Flores e do mar que a rodeia.

Outrora o Morro Alto era passagem obrigatória de quem se deslocava da Fajã Grande para os Cedros, quer em negócios, em visita de amigos ou pela festa de São Roque. Da mesma forma calcorreavam o Morro Alto os homens da Fajã que em dia de Fio se deslocavam pela Burrinha e Água Branca para juntar as ovelhas dispersas naquelas longínquas paragens. De resto um deserto permanente. Hoje um local de grande interesse turístico.

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O CANTO DO AREAL

Sexta-feira, 23.10.15

O lugar do Canto Areal, na Fajã Grande, era uma extensa faixa de terreno situada à beira mar, quase todo ela baixio e rolo, que se prolongava desde as Furnas e Redondo até aos contrafortes do Pico, confrontando a leste com as Furnas e o Areal. Assim os seus limites geográficos eram, a norte, as Furnas e o Redondo, a este o Areal e as Furnas, a sul o Pico e a Rocha da Eira da Cuada e a oeste o mar.

Contrariamente ao seu vizinho Areal, uma espécie de pai ou matriz do Canto do Areal, este era um lugar exclusivamente de pequenos terrenos agrícolas, designados por currais, com terreno muito arenoso e consequentemente pouco produtivos. Alem disso, embora os currais do Canto do Areal fossem separados uns dos outros e protegidos por altas paredes, eram frequentemente fustigado por ventos e salmouras que lhes caíam em catadupa e que prejudicavam fortemente os vários produtos agrícolas ali cultivados. Essa a razão pela qual nestes minúsculos terrenos, geralmente, se cultivasse apenas couves, abóboras, bogangos, batatas-doces de latada e pouco mais.

Mas era nestes currais assim como nos terrenos do Areal, das Furna e do Porto que, devido à sua proximidade do mar, se faziam as primeiras sementeiras e as plantações do cedo. Durante o Inverno, porém, todos estes terrenos permaneciam quase incultos, pelo que em janeiro se assemelhavam a um deserto árido e inóspito. Era em fevereiro que se começavam a trabalhar estes currais que, no entanto, não mereciam um tratamento tão esmerado como os seus vizinhos cerrados do Areal. Estes, antes de semear o milho, os feijões e outros produtos agrícolas eram muito bem estrumados com carros e carros de bois, com as sebes cheias de esterco ou de sargaço, a percorrerem as Courelas, guinchar, carregadíssimos. Entravam nos campos que ficavam junto do caminho ou abriam-se portais numas e noutras terras que deviam caminho para que os carros chegassem aos campos mais distantes. Quer o estrume, quer o sargaço eram despejados em pequenos montes ao longo de todo o terreno. Depois com garfos de tirar esterco, os montes iam-se desfazendo à medida que o estrume ia sendo espalhado sobre o terreno de modo a cobri-lo por completo, Dias depois os campos eram abertos, isto é lavrados com arado de ferro e de seguida gradeados e tornados a lavrar com o arado de pau, de forma a estarem aptos para as sementeiras. Era o abrir da terra. Só depois eram lavrados, novamente com arado de pau, a fim de nos regos se lançarem as sementes, geralmente de milho. Passado algum tempo a enorme planície enchia-se de um verde esperançoso e prometedor de colheitas de excelente qualidade. Mas logo vinham os malditos ventos a desfazerem, a partirem e a devastarem tudo o que ali se produzia e, se algo ficasse em pé, lá vinha do mar a famigerada salmoura a destruir e a aniquilar o pouco que havia resistido aos invernosos vendavais. Tão grande preocupação, no entanto, não se tinha com os currais do Canto do Areal. A exiguidade do espaço e a fraqueza do terreno não justificavam grandes cuidados. Eram como que cultivados, como se costumava dizer, ao deus dará. Além disso, a maior parte do espaço do mais ocidental dos lugares fajãgransdenses, que era atravessado por uma extensa vereda litoral, que se iniciava no Porto, junto ao Matadouro, era ocupado por uma zona inculta e de ninguém. A norte, do lado do Pico, uma enorme rolo de pedras soltas que de nada servia a não ser para apanhar moiras para ir pescar às vejas. Depois uma enorme mancha negra de baixio, junto ao mar, recortada com pequenas enseadas e poças, com destaque para as duas maiores: a Poça das Salemas de fora e a de dentro, local que ficou célebre por ali ter naufragado, no início do século XX, a barca francesa Bidart, pelo que aquele lugar também se chamava o lugar da Bidarta. A zona do baixio era muito rica em lapas, peixe e achados, pelo que muitos homens e mulheres para ali se dirigiam, os primeiros para se atirarem ao mar na procura de uma boia, duma garrafa, duma bola de vidro ou de um fardo de borracha ou para pescar, as mulheres para a apanha de lapas, conduto indispensável, sob a forma de tortas ou de Molho Afonso, em muitas casas fajãgrandenses na década de cinquenta.

A origem deste topónimo é de fácil identificação. Este lugar tinha a sudoeste, na sua fronteira com o mar, uma espécie de rolo, onde era fácil verificar ainda alguns vestígios de um enorme areal, possivelmente ali existente. em tempos idos. Além disso os próprios currais de todo este lugar eram, na verdade, muito arenosos, talvez constituídos por areias transportadas pelo vento. Daí que toda esta zona, até às primeiras casas das Courelas fosse de verdade e com razão alcunhado de o Areal, o qual, apesar das vicissitudes climáticas, tinha um papel de relevo e de grande importância na produção agrícola e na economia da freguesia. A designação de Canto advém do facto de, sendo o vizinho Areal um lugar quase quadrado, este pequeno, pobre e marítimo lugar se situar no canto sudoeste desse lugar, ou seja daquele que justamente recebera o nome de Areal.

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A PONTA

Quinta-feira, 08.10.15

O lugar da Ponta da Fajã Grande, mais conhecido simplesmente por Ponta, com a sua igreja dedicada a Nossa Senhora do Carmo, é um local de grande beleza e equilíbrio paisagístico. No entanto, devido à sua proximidade da rocha e as consequentes derrocadas que, de vez em quando, por ali têm desabado, gerou-se, nos últimos tempos, alguma perplexidade e incerteza relativamente à permanência ali dos seus habitantes, em consequência das restrições legais de habitação impostas, pelos responsáveis da Região, na sequência dos desabamentos de 1987. Assim, a Ponta conta, atualmente, apenas com cerca de 20 habitantes residentes. No entanto, encafuada no verde dos socalcos e andurriais da rocha, com as suas cascatas a escorrer pelas escarpas abaixo, a Ponta da Fajã Grande não deixa de continuar a ser um lugar belo e idílico que teima em manter-se com o carácter próprio e autónomo que criou desde que, nos primórdios do povoamento da ilha, serviu de fronteira entre as freguesias de Nossa Senhora do Remédios das Fajãs e de São Pedro da Ponta Delgada.

A Ponta manifesta-se assim, hoje, como uma localidade como que imaginária e de sonho, emaranhada num mito de silêncio e de isolamento, consubstanciada num idílico com tradições profundamente rurais, onde ainda se ouve o cantar dos pássaros, o murmurar das águas e o marulhar do mar, por vezes intempestivo.

Em tempos idos, porém, a Ponta foi um povoado com mais população do que os atuais lugares que constituem a freguesia a que pertence. A sua igreja, sede do curato, foi construída em 1898. A sua construção deveu-se, em grande parte, ao empenho e ação o padre Henrique Augusto Ribeiro, natural dos Cedros, ilha do Faial, na altura vigário e ouvidor de Santa Cruz das Flores e a quem se deve também a construção de outras igrejas das Flores. Até 1922 o curato, munido de um passal, esteve a cargo de um cura próprio, que ali vivia, tendo sido o seu primeiro cura o padre José Leal da Silva Furtado. Seguiram-se os padres Alfredo Augusto Menezes e Santos, José Furtado Mota e Francisco José Gomes.

O lugar da Ponta, no que ao seu povoamento dizia respeito, era e continua a ser constituído, fundamentalmente, por uma enorme rua, quase paralela à Rocha e que se iniciava logo a seguir à Ribeira do Cão, terminando no extremo oposto já no sopé da Rocha, onde existia uma pequena capelinha de madeira, dedicada à Senhora de Fátima, mandada construir por João Lizandro. Só na década de sessenta esta capelinha foi substituída pela atual ermida, construída muito próximo do local da primeira, também ela dedicada à Senhora de Fátima. Foi benzida em Setembro de 1969 pelo então ouvidor de Santa Cruz, padre Francisco Vitorino Vasconcelos. Um ano antes, fora lançada a primeira pedra pelo então pároco da freguesia, Padre José Gonçalves Soares e nela introduzida a ata do registo desse acontecimento e uma moeda do ano em curso. Da rua principal, no entanto partiam algumas pequenas vielas, sobretudo do lado do oceano. Para além da igreja da Senhora do Carmo e da ermida da Senhora de Fátima, a Ponta ainda possuía uma interessante Casa do Espírito Santo, construída em 1862, sob a forma de capela, de arquitetura muito interessante, situada no largo do Outeiro, ao lado da igreja, bem como alguns outros edifícios particulares. Na década de cinquenta a Ponta ainda possuía um posto de desnatação de leite e dois estabelecimentos comerciais.

Hoje sabe-se que o lugar da Ponta foi povoado desde o século dezasseis. Visto de longe este lugar apresenta-se deslumbrante e belo a igreja branca de Nossa Senhora do Carmo a impor-se entre verde dos andurriais e dos cerrados de milho. A Ponta da Fajã é um lugar de sonho cingido por montanha e mar. Do lado norte existe uma subida para Ponta Delgada, um antigo trilho de trabalho, por onde passavam animais e homens que diariamente iam à ordenha ao mato. Era por ali também que subiam os pescadores com destino aos Fanais. Hoje é trilho muito apreciado, devido às deslumbrantes vistas que dali se desfruta, por caminhantes sendo um trilho de referência nos Açores e mais concretamente na Ilha das Flores. O trilho pedestre tem o seu início em Ponta Delgada, passa pela Ponta da Fajã e termina na Fajã Grande. Ao longo dele destacam-se troços de piso de pedra antiga e pastagens delimitadas por muros de pedra. Quem o percorre pode observar, ao longe a ilha do Corvo, o Ilhéu Maria Vaz e o Ilhéu do Monchique. Durante o percurso, podem encontrar-se exemplares de flora endémica dos quais se destacam o cedro-do-mato, a urze, o azevinho, o bracel, o sanguinho, o pau-branco e a faia-da-terra. Podem ainda observar diversas espécies de aves, tais como o tentilhão, o canário e o melro-preto assim como algumas espécies migratórias que nidificam na ilha como é o caso do cagarro e dos garajaus.

Mas de repente e sem que nada o fizesse prever este belo e magnífico lugar se tornou-se numa “Zona de alto risco“ numa espécie de “localidade fantasma”. Foram as fortes chuvadas que duraram dias que se desencadearam sobre este local que fizeram com que na zona da rocha, atrás da igreja, se desse uma derrocada de grande parte da encosta que caiu por duas fases, sobre parte do povoado. Por milagre não houve feridos entre a população no entanto a derrocada destruiu muitos campos de cultivo e algumas casas. Os vestígios desta desgraça ainda hoje são visíveis pois a vegetação só muito lentamente recupera o seu terreno. Já na década de sessenta uma enorme derrocada havia assolado este martirizado lugar.

Ponta um mito perdido no tempo, uma vez que hoje residem ali apenas seis famílias a poucos metros daquele que é o ponto mais ocidental da Europa, embora, durante o dia alguns dos antigos residentes, hoje a morar na Fajã, ali se deslocam para trabalhar os campos e tratar do gado.

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AS HORTAS DO DELGADO

Segunda-feira, 17.08.15

Das zonas de terras de mato da Fajã Grande, quer da orla leste que ladeava a Rocha desde o Pocestinho à Fonte Simão, quer a das que situavam em toda a zona costeira, desde Santo Antóno até ao Vale Fundo, a zona do Delgado era indiscutivelmente a que possuía melhores hortas. Também povoadas de hortas muitos férteis as suas vinzinhas da Cabaceira e Caminho da Cuada, assim como a de Santo António, esta muito pequena e, na prática, integrada no território do lugar do Delgado. Havia também algumas hortas na Cancelimha, na Lombega, na Silveirinha e até no Pocestinho mas não se aproximavam, em termos de qualidade, das do Delgado e arredores.

A palavra horta no léxico fajãgrandense significava quinta ou pomar, sendo a designaão de horta, no sentido de terreno onde se cultivam legumes e cereais, substituída por courela ou terra da porta. Assim as hortas, quintas ou pomares da Fajã Grande eram terrenos limitados por altas paredes e por renques de árvores, constituídos, geralmente, por várias belgas e currais, destinados à cultura de árvores de fruto e, nalguns casos, inhames. As hortas do Delgado eram, de facto, verdadeiros pomares, ou seja terrenos onde se cultivavam sobretudo plantas frutíferas, cuja produção, no entanto se destinava, exclusivamente, para o consumo da família a que pertenciam. Quando o excesso de frutas ultrapassava o consumo familiar, ofereciam-se aos parentes, aos amigos ou a quem se devia favores ou era destinado à alimentação dos suinos, sobretudo no caso das maçãs. Raramente a fruta era vendida. Diga.se, de passagem, que esta fruta era muito saudável pois para além de ser de muito boa qualidade não era tratada com nenhuns produtos químicos. Era indispensável na saúde e crescimento das crianças. Muitas vezes também era utilizada para fazer doce que devidamente guardado em frascos durava para todo o ano, E que saborosos que eram estes dices de frasco! 

O que caracterizava estas propriedades era o facto delas também terem zonas de cultivo de batata doce, legumes, inhames e milho. Daí, provavelmente, a razão de também se chamarem hortas. Estas hortas do Delgado eram excelentes terrenos, muiito produtivos e muito bem trabalhados, onde floresciamom belas arvores de fruta, assim como incensos, faias, loureiros, sanguinhos e muitas outras árvores. Os fetos, a cana roca e outras mondas eram ceifadas e retirados e, por vezes, nos currais mais fundos e mais tapados por paredes ou bardos colocavam-se as galinhas. Para alem de adubarem o terreno com o extrume retiravam-lhes as ervas daninhas. Nestas hortas cultivam-se diversas árvores de fruto, entre as quais bananeiras, pereiras, macieiras, amexieiras. araçaleiros, damasqueiros, pessegueiros, castanheiros, toas elas também se cultivavam bons e saborosos inhames, geralmente entre as árvores de fruta. laranjeiras, tangerineiras e outras. Nalgumas existiam também videiras e figueiras de figos branos, pingo de mel e pretos. Estas hortas ou pomares também permitiam que os que as demandavam puessem gozar de momentos de sombra e tranquilidade enquanto saboreavam as deliciosas frutas. No entanto isto raramente acontecia, porquanto o tempo era todo pouco para o trabalho.

Na década de cinquenta, uma das maiores e melhores hortas do Delgado pertencia ao meu avô materno José Batelameiro. O acesso à mesma fazia-se pelo caminho que ligava o cimo da Assomada ao cruzamento de Santo António com o caminho da Cuada. Nesse cruzamento voltando à esquerda, ou seja a leste, seguia-se para a Cabaceira, Espigão e Lavadouros. No cruzamento da ladeira que dava para o Outeiro Grande havia um enorme portão, guarnecido com duas grossas ombreiras e uma verga de pedra única, como se de uma porta de edifício se tratasse. Era por aí que se entrava. Subindo alguns degraus entrava-se na primeira belga, transformada em terreno agrícola onde se cultivava batata doce, feijão e milho. A horta de forma retangular, prolongava-se na direcão da Cuada e era protegida do caminho e dos terrenos circundantes por altas e grossas paredes. Nas belgas e currais seguintes, situados numa zona mais funda existiam belas macieiras, excelentes amexeieiras, pereiras, damasqueiros e bananeiras. Todas árvores bem extrumadas e trabalhadas e, consequentemente, muito produtivas. Eram sobretudo as ameixas que ali se produziam que faziam crescer àgua na boca. Ameixas grandes, vermelhas e carnudas. Mas as peras e as maçãs não hes ficavam atrás, assim como as laranjas, os damascos e até os figos. No final da década de cinquenta a horta foi cortada a meio, pela nova estrada que ligava o Porto da Fajã à ladeira do Pessegueiro, junto à Ribeira Grande. Além disso todos os meus tios abalaram para a América e meu avô faleceu. Por tudo isso, a horta do Delgado do meu avô, uma das melhores da Fajã. aos poucos, foi fenecendo a olhos vistos. Finalmente foi vendida. Dissolveu-se.

No início do século XX estas hortas do Delgado, assim como a fruta que nelas se produzia parece terem tido fama em toda a ilha das Flores. A elas e às suas saborosíssimas maçãs se refere o contista açoriano Nunes da Rosa, na altura a paroquiar na freguesia do Mosteiro e que no seu livro Pastoraes do Mosteiro, quando num dos contos se refere às célebres romarias que nesses tempos eram realizadas à Fajã Grande, por altura da festa da Senhora da Saúde.

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O CALHAU DA BARRA

Sábado, 27.06.15

O Poceirão era um enorme lago, uma espécie de gigantesca piscina natural, encafuado entre os rochedos negros do baixio. Tinha forma circular com uma pernada a entrar pela ilha dentro, a terminar no mítico Caneiro do Porto, logo por baixo da Eira. A sua comunicação com o Oceano Atlântico fazia por uma estreita barra, onde pontificava um enorme calhau que havia jus ao nome – Calhau da Barra.

O Calhau da Barra era um enorme e escuro rochedo, povoado de lapas e caranguejos, bem escarrapachado na porta de entrada e saída do Poceirão e como que a protegê-lo das maresias a que o oceano, naqueles meandros, era fértil. Era uma espécie de portal a obstruir as intrigantes investidas das gigantescas ondas que, muitas vezes, ali abundavam. Em dias mais intempestivos e de maior reboliço, o Calhau parecia incapaz de as obstruir e as malditas, acicatadas por fortes ventanias, saltavam como loucas por cima dele e enchiam o Poceirão de espuma branca, transformando as suas águas, habitualmente calmas, numa intrigante e perturbadora revolta. Além disso, traziam consigo enxames e enxames de respingos de salmoura que, não se contentando em ficar por ali, atingiam os cerrados e courelas do Porto, do Estaleiro e da Cambada, cerceando, destruindo, aniquilando as suas verdejantes e promissoras culturas. Um espetáculo deslumbrante e belo para quem passeava por ali, mas um suplício torturante para os agricultores.

De resto o Calhau da Barra permanecia discreto e silencioso. A norte, do lado da Ponta dos Pargos, separava-se de terra por um enorme e profundo valado. Era por aí que entravam e saíam as embarcações. A sul, do lado da Baía da Via d’Água, quase se ligava a terra, através duma espécie de cordão umbilical que eram umas baixas, em horas de maré vaza e de calmaria, com a crista de fora e perfeitamente visíveis à tona d’água. O Calhau tinha a forma duma espécie de campânula gigante, embora na sua vertente oeste, voltada ao mar, tivesse adquirido uma forma lisa, facetada, uma aresta vertical, muito provavelmente, fruto do marulhar contínuo das ondas durante dezenas e dezenas de séculos. Do lado leste, voltado para o Poceirão a sua forma era bem mais oval e a sua estrutura arenosa, em forma de arribas, espécies de degraus, toscos e inteiriçados, que os nadadores mais afoitos subiam com agilidade. Depois, bem lá do alto, atiravam-se de mergulho para o vale da entrada que sabiam possuidor de águas mais profundas e menos perigosas. Como o Caneiro era uma espécie de berçário de nadadores aprendizes, em tardes de calor, sempre cheio de crianças e mulheres a molhar as pernas até ao joelho, muitos rapazes e homens aproveitavam para se banharem em frente ao Porto Velho. Era nessas alturas que os mais afoitos e investidos nadavam até ao Calhau da Barra. Depois subiam-no e mergulhavam bem lá do alto. Chegar ao Calhau da Barra a nado, já era um grande feito. Mergulhar do alto da sua crista um feito notável. Sair pela Barra fora e nadar até ao Cais, um ato heroico. Confesso que o fiz uma vez, acompanhado pelo Cardosinho e pelo José do Urbano! Mas jurei que nunca mais o faria, pois segundo o testemunho de pessoa fidedigna que nos viu de terra, nadámos entre corais e tubarões!

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publicado por picodavigia2 às 00:57

O QUEIROAL

Quinta-feira, 04.06.15

O Queiroal era, em extensão, um dos maiores lugares da ilha das Flores que pertenciam à freguesia da Fajã Grande. Situado lá bem no alto e no interior da ilha, o Queiroal distinguia-se pela exuberância dos seus recantos, pelo verde das suas pastagens, pelo abrupto dos seus pináculos e ravinas, pelo esconso dos seus grotões e valados, por um indefinido e silencioso mistério envolvente. Situado no extremo leste da Fajã, do lado oposto ao oceano e muito distante do povoado, o Queiroal era zona de excelentes pastagens, separadas umas das outras por valados e grotões onde floresciam intensos bardos de hortênsias multicolores que lhe davam um colorido inebriante, delicioso e mítico. Situava-se na fronteira com o concelho de Santa Cruz, nomeadamente com as freguesias dos Cedros e de Ponta Delgada. Uma parte do Queiroal, em termos de localização geográfica e administrativa, já pertencia ao Concelho de Santa Cruz, porquanto os proprietários de algumas relvas tinham que ir pagar a faxina às Finanças da vila de Santa Cruz.

Uma parte do território do Queiroal era constituída por montes e por planaltos onde havia grandes pastagens separadas por sebes de hortênsias, valados e grotões. Ao meio e quase a atravessá-lo de este a oeste expandia-se e prolongava-se num vale, aprazível, fresco, verdejante e de uma beleza rara mas encafuado e escondido bem lá no centro da ilha, sem canadas, caminhos ou outros meios de acesso. Apenas através de veredas íngremes e de atalhos sinuosos, atravessando valados e saltando grotões, lá se chegava. Por isso pouca gente conhecia este idílico local, enquanto muitos outros, simplesmente, o ignoravam, pois quase ninguém por ali passava e era escasso e reduzido o número de pessoas que ali se deslocava, nas suas fainas diárias, de acompanhamento e vigilância do gado ou para ceifar os fetos e limpar as pastagens. Para quem partia da Fajã Grande, o Queiroal constituía o fim de todos os atalhos, o termo de todos os caminhos, o início do degredo, do deserto, do emaranhado. No entanto a sua localização era privilegiada, em função da vista que dali se desfrutava sobre uma boa parte da ilha e do oceano, inserindo-se, além disso, num cenário maravilhoso quase bucólico, ideal para um desenvolvimento de aliciantes projetos turísticos, na década de cinquenta ainda impensados e hoje denegridos. Além disso, a sua localização permitia que grande parte do seu território se visse do povoado. Muitos homens sentados na banqueta da Casa do Espírito Santo de Baixo, de tarde, a descansar, conseguiam ver as rezes que pastavam naquelas verdejantes pastagens. Eram, na verdade excelentes as pastagens do Queiroal. Essa a razão por que mesmo muito distantes, muitos proprietários colocavam lá as vacas de leite com a obrigação de ali se deslocarem todos os dias para a ordenha, o que era imensamente cansativo e desgastante. Eram também muito férteis aqueles terrenos e, apesar de situadas no mato, num clima frio e intempestivo, o Teodósio chegou a lavrar alguns e a semear milho. O milho era bom e os resultados da colheita excelentes, mas o diabo era transportá-lo, em cestos, às costas até ao cimo da Rocha e, pior, ao descer a Rocha. Um martírio.

Era no Queiroal que se localizava o Pináculo com o mesmo nome. Era um enorme e abrupto rochedo como que plantado em riste no meio de um enorme e elíptico vale forrado de fresca alfombra e ornamentado de bardos de hortênsias. Apontado para o céu, visto de lado era como se fossem duas mãos postas, mas observado de frente, assemelhava-se ao frontispício de uma gigantesca catedral medieval. O Pináculo, situado num vale amplo, rodeado de vegetação luxuriante, impunha-se, sobretudo, no seu topo com dois picos, um semelhante a uma torre e o outro em forma de triângulo, como que simulando a parte central e superior da fachada de um templo. Esta era, muito provavelmente, a razão de ser do seu epíteto.

O acesso ao Queiroal, para além de longo e demorado, era muito difícil. Primeiro a íngreme subida da Rocha e o atravessar daqueles lameiros das primeiras relvas, onde proliferavam inúmeros e minúsculos mas extremamente pantanosos afluentes da Ribeira das Casas. A partir do Caldeirão da Ribeira das Casas não havia caminho, seguia-se por trilhos que, para além de maus, eram inseguros e pouco acessíveis, uma vez que a vereda, aparentemente, parecia diluir-se, mesmo fechar-se, obstruir-se com bardos de hortênsias, de queirós e de cedros, com copas seculares e enormes, que ali se haviam desenvolvido em excesso. Como alternativa era possível seguir através das relvas, sem trilhos demarcados ou veredas decalcadas sobre a erva, gastando-se em distância o que se poupava em esforço descontrolado e, por vezes, improfícuo.

Outra curiosidade deste idílico lugar onde se situava o famoso Pináculo é que do sentido contrário não havia qualquer tipo de acesso. Era uma floresta densa de cedros e queirós, obstruindo toda e qualquer passagem. Isto porque terminava ali o território da freguesia da Fajã Grande e iniciava-se o da de Ponta Delgada, já em pleno concelho de Santa Cruz. Dados estes condicionalismos, nas belas pastagens do Queiroal grassavam pequenas manadas de gado alfeiro, um manso e domesticado que ali era colocado temporariamente e outro quase selvagem, ali nascido e que dali havia de ser retirado, apenas quando gordo e arrolado, pronto a embarcar no Carvalho com destino a Lisboa.

Resta acrescentar que o Queiroal era limitado a norte pelo concelho de Santa Cruz, a leste pela Água Branca, a oeste pelo Cimo da Rocha e pela Caldeirinha e a sul pela Ribeira das Casas, onde pontificava o mítico Caldeirão. O seu nome deriva, naturalmente, de ser um local onde florescia muita urze, uma endémica açoriana, nas Flores conhecida por queiró.

Quem mais propriedades tinha no Queiroal era o Lucindo Cardoso. Por essa razão deslocava-se para ali quase todos os dias, a mondar a ceifar fetos e a tratar do gado. Por vezes ali passava a noite numa furna. Além disso, referia-se e elogiava com frequência as propriedades que ali possuía. De tanto por lá andar e de tanto àquele lugar se referir foi apelidado de Homem do Queiroal.

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publicado por picodavigia2 às 00:05

MATEUS PIRES E ROLINHO DAS OVELHAS

Segunda-feira, 27.04.15

Na Fajã Grande, como em todas as outras freguesias das Flores e das restantes ilhas dos Açores, existiam diversíssimos lugares, a maior parte dos quais não habitados, mas, alguns deles com nomes muitíssimo interessantes. É o caso, entre muitos outros, de dois lugares da toponímia fajãgrandense: “Mateus Pires” e “Rolinho das Ovelhas”. Como a maioria de muitos outros lugares, estes terão uma pequena história ou lenda, relacionada com a origem e razão de ser do seu nome bem como do motivo ou motivos que os terão originado.

Quanto ao lugar de Mateus Pires, ficava no caminho que ligava a Fontinha aos Lavadouros, mais precisamente integrando um outro lugar, muito maior e mais amplo, chamado Alagoinha. Partindo da Fontinha e Alagoeiro, subindo por aquele caminho em direção aos Lavadouros, a seguir à ladeira do Pico Agudo, começava a Alagoinha. O caminho, no cimo da ladeira, fazia uma curva à esquerda, em direção à Rocha, seguindo depois paralelo a esta, para iniciar logo a seguir a descida da ladeira da Alagoinha. Era precisamente neste sítio e junto à Rocha, que existia um pequeno montículo, no meio da enorme planície da Alagoinha, que ficava o lugar chamado Mateus Pires. Tratava-se de um lugar pequeno, formado por duas ou três terras de mato e uma relva, tendo sido claramente originado por uma ribanceira, em tempos muitíssimo recuados, caída da Rocha. Contavam os antigos que andando por ali um homem de nome Mateus Pires, teve o azar de ser colhido pela ribanceira e ficar soterrado debaixo da mesma, nunca mais sendo de lá tirado o seu cadáver, pois a quantidade de entulho caído da rocha era tanta e tal que não havia meios que o permitissem fazer. Dele apenas ficou a memória assinalando com o seu nome aquele lugar – o lugar de Mateus Pires.

O segundo era o Rolinho das Ovelhas, este situado junto ao mar. Tratava-se de uma espécie de pequeno enclave entrincheirado entre a Baia d´Água, a norte e o Respingadouro, a sul. Por sua vez, a este, o Rolinho das Ovelhas fazia fronteira com o Porto e as Furnas e a oeste com o Oceano Atlântico. A ele tinha-se acesso apenas por um caminho de terra batida e pedregulhos (hoje transformado em marginal) que ficava junto ao mar e ligava o Matadouro ao Areal, passando pelo Campo de Futebol. Uma vez que se situava à beira-mar e sendo um lugar pequeno, uma parte do seu espaço, a que confinava com o mar, era ocupada pelo baixio enquanto o restante era constituído por terras de lavradio onde se cultivava milho, couves, batata-doce e batata branca. Sendo assim o estranho nome, dado a este lugar, teria a sua origem, no que concerne à primeira palavra, no facto de, sendo localizado à beira mar, haver por ali algum pequeno rolo, ou seja uma parte da zona costeira constituída por pequenas pedras soltas e lisas que com o reboliço das ondas do mar se iam alisando ainda mais e mais umas às outras. Mais difícil de explicar, porém, será o nome “das Ovelhas”. É que nunca por ali terão andado ovelhas a pastar ou a fazer outra coisa qualquer, por um lado porque entre as pedras negras do baixio não havia erva e, por outro, porque os terrenos circundantes nunca foram relvas ou pastagens de ovelhas. Assim a explicação parece ser outra. É que na Fajã a palavra “ovelha” também era usada no sentido figurado, significando neste caso, a parte superior ou a crista de um determinado tipo de onda do mar que rebentava em espaços e tempos alternados, formando pequenos amontoados de espuma branca, que se assemelhavam a ovelhas. Assim usava-se a expressão “ O mar hoje está pejado de ovelhas” para caracterizar o estado do mar onde predominava aquela ondulação. Provavelmente que este tipo de ondas deveria ter sido, outrora, muito frequente naquela zona da costa e, por essa razão, muito naturalmente se passou a chamar àquele local o “Rolinho das Ovelhas”

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publicado por picodavigia2 às 00:01

A EIRA DA CUADA

Terça-feira, 14.04.15

A Eira da Cuada era um dos mais interessantes e míticos lugares a Fajã Grande. Situava-se num planalto, junto ao mar, a sul da freguesia e, consequentemente, muito próximo da Fajãzinha. O acesso a este lugar, para quem morava na Fajã, fazia-se pelo antigo Caminho da Missa que tinha o seu iniciava no cimo da Assomada, à direita de quem a subia. Os habitantes da Cuada, no entanto, podiam deslocar-se para os campos e propriedades que ali possuíam através duma estreita e sinuosa canada que ligava os dois lugares, conhecida pela Canada da Eira da Cuada. Quem vinha dos lados da Fajãzinha chegava à Eira da Cuada atravessando a Ribeira Grande e subindo a ladeira do Biscoito, que fazia fronteira a sul com aquele interessante lugar. Os restantes confrontos eram a Cuada a leste, o Caminho da Missa a norte e o Oceano Atlântico a oeste. O nome advinha-lhe, provavelmente, de em tempos idos, ter existido ali uma eira onde os habitantes da Cuada debulhavam o seu trigo. Trata-se, no entanto, de uma mera hipótese, uma vez que na década de cinquenta do século passado já não existiam vestígios ou memórias de qualquer eira ali existente noutros tempos. Assim, o epíteto poder-lhe-á ter sido atribuído, simplesmente, pelo facto daquele lugar se situar sobre um amplo planalto, de tal maneira liso e circular, formando um grande eirado e que fazia lembrar uma espécie de eira gigante.

Mas o que mais caracterizava aquele lugar era o facto de apenas a parte leste do mesmo ser ocupada por terras de lavradio pertencentes, na maioria, aos habitantes da Cuada, enquanto a oeste e sobre uma enorme ravina lançada sobre o mar, existir uma espécie de largo, um espaço público ou de ninguém, relvado e povoado de variadíssimos calhaus. Entre estes existia um muito especial, designado por Pedra da Missa ou Calhau de Nossa Senhora. Acerca deste calhau, contava-se que antigamente, quando a Fajã Grande ainda não era paróquia e, consequentemente, não tinha igreja nem pároco, os seus habitantes deslocavam-se à Fajãzinha, todos os domingos, para assistirem à missa na igreja paroquial. Acontecia porém que a Ribeira Grande, que separa as duas localidades, como é bastante larga e com um caudal muito volumoso, não possuía ponte mas sim umas pequenas passadeiras ou alpondras que em dias de muita chuva ficavam submersas na água, o que, juntamente com a força do caudal, umas vezes dificultava e outras impedia por completo a sua travessia. Quanto tal acontecia os fiéis, impossibilitados de atravessar a ribeira, ficavam do lado de cá, no alto da Eira da Cuada, olhando para a igreja da Fajãzinha, que dali de se avistava, rezando e cantando durante a celebração da missa e apenas se dispersando e voltando às suas casas quando viam as pessoas saírem da igreja, sinal de que a missa terminara. Além disso faziam-se sempre acompanhar duma pequenina imagem de Nossa Senhora que colocavam em cima daquela pedra, durante a missa, ao redor da qual ajoelhavam e rezavam. Em paga da sua grande devoção, a imagem de Nossa Senhora, que fora ali colocada tantas e tantas vezes pelos crentes, deixou, para sempre, bem gravadas naquele calhau as marcas dos seus pés. Na verdade na pedra existiam duas pequenas cavidades na parte superior, semelhantes às marcas de dois minúsculos pés. Também se contava que no regresso os fiéis vinham carregados com pedras destinadas à construção de uma ermida, o que de facto aconteceu antes da construção da atual igreja, na década de cinquenta do século XIX.

Acrescente-se que sendo o Caminho da Missa, outrora, via obrigatória para quem se quisesse deslocar da Fajã Grande à Fajãzinha ou a qualquer outra localidade da ilha, exceto a Ponta Delgada e aos Cedros, este lugar era muito movimentado, sobretudo em dias de vapor ou seja nos dias em que o velhinho Carvalho de Araújo demandava a ilha das Flores. Por ali passavam, nesses dias, dezenas e pessoas, não apenas os que haviam embarcar ou desembarcar, mas também os familiares que os acompanhavam até aos Terreiros ou até a Santa Cruz ou às Lajes, assim como os comerciantes e os carros de bois que acarretavam as mercadorias que a Fajã produzia, nomeadamente manteiga, assim como os animais que embarcavam, mas sobretudo os que traziam ou acarretavam os produtos importados e que o navio transportava, nomeadamente, farinha, açúcar, café, sabão, petróleo e algumas bebidas.

Era também à Eira da Cuada que muitas pessoas se deslocavam, nesses dias em que o Carvalho chegava, para irem esperar os parentes e familiares que chegavam à ilha, de modo muito especial os americanos. Eram sobretudo as crianças e os velhos, porquanto os jovens e os adultos, mais afeitos e expeditos, seguiam até aos Terreiros onde os carros de praça vindos de Santa Cruz, terminavam o seu percurso.

Do alto da Eira da Cuada desfrutava-se de uma maravilhosa vista, sobre o mar, a Fajãzinha, a fajã que a ladeava, a rocha cheia de verde e de cascatas, as rochas da Figueira e dos Bredos, onde, em meados da década de cinquenta, começava a desenhar-se a nova estrada que ligaria os Terreiros à Fajã Grande. Deslumbrante, este lugar!

 

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publicado por picodavigia2 às 08:12

A CANADA DA FONTE (NA ASSOMADA)

Quinta-feira, 09.04.15

A Canada da Fonte ficava perto da minha casa. Era uma viela exuberante, plena de magia. Haviam-na plantado logo a seguir à primeira curva de quem, partindo da Praça, subia a Assomada. O mais interessante para mim, nos meus tempos de criança é que a Canada da Fonte como que desenhava um semicírculo ao redor da minha casa, formando uma espécie de auréola, de que eu me sentia o centro

Na verdade, a Assomada, embora fosse uma rua retilínea, tinha, ao longo do seu extenso percurso, algumas minúsculas e típicas canadas a aumentar-lhe o casario. Umas com meia dúzia de casas outras com uma ou duas. Algumas desertas. Mas todas pequenas, estreitas e sinuosas. A Cana da Fonte era uma das mais extensas e com maior número de moradias. Iniciava-se num largo que existia em frente à casa das senhoras Mendonças e onde havia uma fonte que lhe daca o nome. Na década de cinquenta moravam nesta espécie de braço principal da Assomada apenas quatro famílias. Tio José Pureza, o António Augusto que durante muitos anos foi o regedor da freguesia, o João de Freitas e o José Fagundes, o que lhe dava uma densidade populacional relativamente baixa. Morariam ali umas umas quinze ou dezasseis pessoas. Em tempos idos, no entanto teriam sido mais, uma vez que havia ali mais alguns edifícios, nesta altura transformados. Uns serviam de casas de arrumos, outros de palheiros de gado. Mas todos, outrora teriam sido casas moradias, pelo que quase triplicaria o número de habitantes desta canada. A canada, desde o seu início até à casa do João de Freitas, possuía uma largura assinalável, pelo que mais se poderia considerar um caminho, por onde passava, à vontade, um carro ou um corsão puxado por uma junta de bois. Afunilando-se logo a seguir à fonte e prolongando-se de seguida numa pequena reta, a canada iniciava-se com a casa do Tio José Pureza, à esquerda de quem nela caminhava, partindo da própria rua da Assomada. Do outro lado duas casas de arrumos. Seguia-se uma curva, a formar um ângulo de noventa graus, prolongando-se, novamente em reta, na direção sul norte. Era em frente à casa do João de Freitas, precedida por uma outra, nessa altura já palheiro, que a canada da Fonte como que terminava, pese embora, de seguida, se prolongasse por uma vereda, atravessando uns terrenos agrícolas ali existentes. Ligava-se a uma outra vereda, esta sim, uma canada no sentido pleno da palavra, com início junto à casa do Catrina e a prolongar-se pelo Pico dentro, paralela às Courelas.

Quantas vezes atravessando a terra da porta de meu pai que separava o pátio traseiro da minha casa da velhinha Canada da Fonte, eu, a correr como um louco, ia postar-me num maroiço a brincar e a apreciar os que iam e vinham percorrendo aquela canada. E não eram poucos. Uns, os que ali moravam na sua faina diária de idas e vindas. Outros familiares que ali vinham de visita. Mas muitos eram também os que por ali passavam, ocasionalmente, na mira de encurtar caminho entre o fundo das Courelas e o Cimo da Assomada. Sobretudo as mulheres que, além disso evitavam passar à Praça e serem miradas pelos homens que ali se sentavam, a bisbilhotar, a falquejar e tecer comentários a quem por ali transitava. Sobretudo às mulheres. Hoje, muito provavelmente, a Canada da Fonte que ornava e dava mais graça à minha casa e que eu guardo na memória cheia de pessoas, de vida e de movimento, ter-se-á transformado num deserto mítico, abandonado.

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publicado por picodavigia2 às 00:18

JUNCALINHOS

Sábado, 04.04.15

Juncalinhos era o nome de um lugar da freguesia da Fajã Grande. Situava-se no mato, na zona do Curral das Ovelhas e do Rochão, mas à beira da rocha, por cima da Rocha dos Paus Brancos. Era um lugar muito pequeno, cujo espaço era apenas ocupado por algumas relvas, onde era lançado gado alfeiro. A grande distância a que ficava do povoado impedia que se colocassem lá vacas leiteiras, uma vez que exigiam uma deslocação diária aquele local para, no mínimo, se proceder a uma ordenha diária.

O seu nome terá, naturalmente, a origem na palavra juncal, ou seja um terreno, geralmente húmido, onde crescem juncos. O uso do diminutivo depreende-se, muito provavelmente, do facto de os juncos que por ali cresciam serem de reduzido tamanho.

O junco, na verdade, pertence a um grupo de plantas que crescem, em geral, nos alagadiços. Aquele lugar, à beira da rocha, era muito húmido. Em toda aquela zona crescia o junco, havendo, inclusivamente, mais além, um lugar chamado Rochão do Junco. Aliás exista muito junco na Fajã Grande. Era utilizado, sobretudo, para cama do gado e para brincadeiras das crianças O junco possui um caule cilíndrico, com três fileiras de folhas, e as suas flores, quase minúsculas, são esverdeadas ou castanhas. A pequena vagem que produz, como fruto, contém muitas sementes escuras, que parecem poeira. O junco tem cor verde-escura e flexível, que cresce com frequência e facilidade nas bermas dos caminhos e nas relvas húmidas. Os juncos, antigamente, também eram utilizados para fazer cestas, esteiras e assentos de cadeira.

Em virtude da sua pequenez, das alterações de vegetação que deve ter sofrido e do inacessível acesso, o lugar dos Juncalinhos, muito provavelmente terá desaparecido do mapa fajãgrandense.

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publicado por picodavigia2 às 09:48

A CAMBADA

Quinta-feira, 19.02.15

Cambada, estranhamente, é o nome de um lugar da Fajã Grande, situado ente a Via d’Água e a Tronqueira, sendo ainda ladeada a sudoeste pela Caravela e a norte pelo Porto. A Cambada é uma afirmação contundente dum lugar mas desafiador da sua origem e génese. É um lugar cuja origem do nome não parece ser fácil.

Na língua portuguesa a palavra cambada que pode ser nome ou adjetivo e o verbo cambar têm os seguintes significados: cambada, substantivo feminino, tem dois significados. Significa porção de coisas enfiadas e dependuradas do mesmo cordão, gancho, etc e no sentido figurado grupo de pessoas consideradas desprezíveis ou de mau carácter, sendo, neste caso sinónimo de canalha, corja, súcia. Não parece que nenhum destes significados esteja na origem deste topónimo. Por sua vez, cambar, verbo intransitivo, significa mudar, transformar, mudar de rumo ou de direção, sendo que em náutica se utiliza com o significado de mudar de um bordo para outro (vento, escota das velas, etc.).Por sua vez, como verbo transitivo trocar. No entanto o significado mais vulgar de cambar é o de andar com as pernas tortas, estar coxo, coxear, entortar ou ficar torto. Neste caso o adjetivo formado a partir do participo passado, cambado significa que ou quem tem as pernas tortas, que está coxo, torto ou acalcado.

O mais provável é que este último significado seja o que estará na origem deste topónimo. Como o lugar da Cambada se situa perto de locais onde hoje existem moradias, noutros tempos poderá ter existido ali, como existiu no Areal, no Porto e noutros lugares, pelo menos uma casa onde, eventualmente, moraria uma mulher que tivesse um defeito nas pernas ou coxeasse. Neste caso aquele lugar passaria a identificar-se como o lugar da cambada e que passou a ser “A Cambada”.

Enquanto não germinar um esclarecimento mais perfeito, talvez de maior rigor com o objetivo de melhoria os primórdios originais e a origem do nome deste lugar, a eugenia lexical vai dando lugar a estes devaneios.

A Cambada situa-se um pouco distante quer do Caminho da Tronqueira, quer do da Via d’Água, pelo que o seu acesso se fazia através duma Canada com o mesmo nome e que ligava este lugar à Tronqueira. No pouco que consigo recordar, a canada localizava-se entre as casas do Tobias e de José Inácio Jorge, bem lá no fundo da Tronqueira. No entanto, havia quem fosse para a Cambara pela canada do Calhau Miúdo, que dava para o Porto, ou mesmo atravessando algumas terras dos lugares circundantes, Do alto do maroiço dum serrado que meu pai possuía no Porto, chegava-se facilmente à cambada. Por ali perto existiam outros dois lugares com nomes também muito interessantes: a Caravela e o Estaleiro. Na sequência do vizinho Porto era um excelente lugar agrícola, com bons terrenos onde florescia, sobretudo, milho, batata branca e couves.

O nome Cambada nos Açores, não é monopólio da toponímia fajãgrandense, uma vez que noutras ilhas existem lugares com o mesmo nome. Como é o caso do Pico do Cambado um monte localizada na ilha de São Miguel. Trata-se de um acidente geológico que tem o seu ponto mais elevado a 304 metros de altitude acima do nível do mar e localiza-se nas imediações da freguesia do Cabouco, da Mata das Feiticeiras e do Pico do Castelhano. Há também várias localidades onde existem ruelas designadas por canada do Cambado.

 

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publicado por picodavigia2 às 08:22

O LUGAR DO TANQUE

Sábado, 14.02.15

Muito diversa e variada era a toponímica da Fajã Grande. Muitos eram os lugares com nomes interessantes e curiosos. Um deles era o lugar do Tanque.

O lugar do Tanque encastoava-se nos contrafortes do Outeiro e localizava-se à direita de quem subia a Fontinha, entre a casa de Tio José Teodósio e o Cruzeiro onde existia a fábrica da Manteiga. Era um lugar muito pequeno mas muito airoso e também muito fértil. Um recanto de verdura um tapete de produtividade! A ele tinha-se acesso por uma pequena e mal desenhada canada, conhecida pela Canada do Tanque, cujo percurso se iniciava no início da reta, finda a qual se situava aquela fábrica, uma espécie de zona industrial da freguesia, constituída por três edifícios de tamanho diferente. O maior destinado ao fabrico da manteiga, o médio à carpintaria, onde eram construídas as caixas para o transporte das latas e a mais pequena, do lado do Alagoeiro, para armazém de arrumos. O acesso ao lugar do Tanque, que só se poderia fazer por aquela canada, no entanto, não era muito fácil porquanto a canada fora edificada quase toda ela sobre uma espécie de maroiço, sob a forma de muralha, construída sobre as paredes dos terrenos circundantes e sem nenhuma muro ou bardo circundante, que protegesse os transeuntes ou a que estes se amparassem. Assim, em dias de vento forte era quase impossível transpô-la. Os animais estavam impedidos de ali transitar e as pessoas, sobretudo quando carregadas com molhos ou sacos, deviam percorrê-la com muito cuidado e cautela.

O lugar do Tanque era ladeado a norte pela Fontinha, a Oeste pelo Cruzeiro, a sul pela Bandeja e a oeste pelo Outeiro. Era um local de terras de cultivo muito férteis como eram as da Fontinha e nelas cultivava-se, sobretudo, batata-doce, milho, favas feijão e de couves. Lugar pequeno, as propriedades ali existentes também eram minúsculas, até porque todos os trabalhos de cultivo, uma vez que ali não transitava gado, tinham que ser feitos com o sacho e a enxada e os produtos acarretados aos ombros, pelo menos até ao caminho da Fontinha.

A origem deste nome parece estar ligada ao facto de, outrora, ter existido por ali algum chafariz ou tanque, utilizado como local para reserva de água para as habitações ou para lavagem de roupa, uma vez que a hipótese de alguma vez ali ter passado ou permanecido um tanque de guerra está total e absolutamente posta de lado. Uma outra hipótese, bem menos provável, é de alguém com o nome ou apelido de Tanque ou outra palavra próxima, tenha ali vivido ou possuído propriedades.

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publicado por picodavigia2 às 21:10

A LOMBEGA

Domingo, 11.01.15

Para além de deslumbrante, exótico e muito fértil, o lugar da Lombega era excelente para o cultivo de inhames. Inhames secos, diga-se em abono de verdade, porquanto os de água floresciam sobretudo nas belgas e enclaves das encostas, junto à Rocha, a beneficiarem de terremos enlamaçados ou alagados pelo precioso líquido que corria, abundantemente e durante todo o ano, das ribeiras, grotas, veios e nascentes que proliferavam por todo aquele alcantil, escarpado e abrupto, desde o Curralinho até à Rocha do Vime, já quase na Ponta. A Lombega porém, apesar de não beneficiar de tais privilégios, pois a única água que a regava era a da chuva, produzia inhames, em qualidade e em quantidade, capazes de ombrearem e até, aparentemente, ultrapassarem os inhames dos terrenos alagadiços das fronteiras inferiores da Rocha. Para além dos inhames, a Lombega ainda era fértil em árvores de fruto, especialmente laranjeiras e macieiras. Mais do que isso, apenas uma outra terra de mato.

O acesso à Lombega, um pequeno espaço espalhado pelos contrafortes de um planalto,  fazia-se por um dos principais, melhor e mais importante caminho da freguesia, aquele que ligava o Cimo da Assomada aos Lavadouros, pelo que, muitos dos produtos dos seus terrenos podiam ser acarretados em carros ou corsões, com exceção dos inhames, geralmente, carregados em cestos, transportados à cabeça pelas mulheres ou às costas, no caso dos homens. O objetivo deste transporte da responsabilidade dos humanos prendia-se com a necessidade de os inhames não se machucarem uns contra os outros, com os baloiços de corsões a arrastarem-se sobre calhaus e pedregulhos, e, assim apodrecerem mais facilmente. O transporte à cabeça ou às costas, cuidadoso e cauto, valorizava a qualidade do produto. A fruta, por sua vez, era trazida em cestas ou cabazes de mão, tarefa, geralmente, atribuída às crianças que aproveitavam o longo trajeto até aos seus cardenhos, não apenas para, às escondidas dos progenitores, saciar a fome mas também aliviar o carrego.

Situada para além da Cabaceira e da Cancelinha, a Lombega tinha uma superfície pequena e uma forma arredondada, tendo a norte o Espigão, a leste o Moledo Grosso e o Lameiro, a sul também o Lameiro e a leste a Pedra Vermelha. Para o seu interior, uma vez que o caminho de acesso apenas se limitava a ladear, o acesso aos vários terrenos do interior, aos do sul e aos de leste era feito por duas canadas. Uma mais pequena e estreita, a leste, situada no início da ladeira que recebera o nome do lugar e uma outra, a principal, chamada canada da Lombega, cuja entrada se situava no cimo da mesma ladeira e que também servia de fronteira entre a própria Lombega e o vizinho Moledo Grosso e que também dava acesso a este e ao Lameiro.

A origem deste topónimo prende-se com o significado do nome comum lomba, ou seja, um terreno situado num monte ou num lugar mais alto, mas sem ter a forma de morro. Neste caso tratar-se-ia duma pequena lomba, uma vez que o sufixo ega, na linguagem popular, parece ter um sentido diminutivo. Assim e porque este lugar teria ou pareceria ter a forma ou o aspeto de uma pequena lomba, ter-lhe-á sido atribuído, o nome de Lombega.

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publicado por picodavigia2 às 00:32

A BAÍA D'ÁGUA

Sábado, 15.11.14

A Baía d’Água era uma das maiores e mais interessantes enseadas da costa Fajãgrandense. Situada entre a Barra e o Rolinho das Ovelhas, a Baía d’Água estendia-se por um bom pedaço de baixio, no qual se incluía uma espécie de caneiro que se prolongava por terra dentro até ao Cilindro, ao Porto e às Furnas, formando assim um pequeno lugar, relativamente próximo da rua com ujo nome, por vezes se confundia mas que era diferente – A Via d’Água. Mas, na verdade, o que mais caracterizava este lugar era a baía que lhe dava o nome. A Baía d’Água era uma enorme enseada em forma de U, ladeada quer a norte, quer a sul, por escarpas de lava negra, bastante altas que obstruíam qualquer normal descida para o mar e onde se anichavam excelentes pesqueiros. Apenas, na parte mais interior, havia uma espécie de pequeno rolo, o qual se podia demandar, na tentativa de alcançar ou o mar ou uma embarcação que, eventualmente, ancorasse ali, o que era muito raro, pois as condições eram péssimas. Alem disso, na Baía d’Água, o mar, dado que a baía, na sua entrada, não tinha nenhum tipo de barro ou restinga, estava sempre muito bravo, sempre com ondas altivas, o que afastava dali o ancorar e o varar das embarcações. O Poceirão, logo adiante, com a Barra a proteger a baía e, o Cais, eram o destino de quantas embarcações chegavam ou partiam para a faina da pesca, para a caça à baleia, para uma viagem para outra freguesia da ilha. O que mais caracterizava a Baía d´Água era o facto de o pequeno rolo que a ladeava a oeste e a separava do caminho de acesso ao Porto, ter sido desde sempre destinada ao Matadouro do gado, quer nas festas do Espírito Santo, quer quando algum americano dava um jantar. Era para ali que o gado era conduzido, entre cânticos e folias e era ali que era imolado, servindo a própria baía local para despejo das partes do animal que não serviam para nada e das próprias imundícies. Ao lado havia um nicho onde eram colocados os símbolos do Paráclito - as coroas e as bandeiras.

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publicado por picodavigia2 às 16:28

A BAIXA RASA II

Sexta-feira, 29.08.14

O Monchique não se pode ufanar de ser o único ilhéu a povoar sozinho os mares da Fajã Grande. Cá dentro, perto de terra, os ilhéus do Cão, do Constantino, o Calhau da Barra e muitos outros laredos e baixas. Mas no mar alto, apenas ele e a Baixa Rasa. Esta, ao seu lado e um pouco mais a norte e mais perto de terra um outro rochedo marítimo, embora não se impondo, firme e hirto, no meio das águas atlânticas. Pelo contrário, a sua altitude é praticamente nula, uma vez que não ultrapasse a da superfície das águas, sendo que, em dias de bonança e com a maré seca, quase se não vê. Por isso mesmo a Baixa Rasa mais parece um turbilhão de águas revoltas do que propriamente um ilhéu. Apesar de tudo é muito procurada pois é considerada uma excelente zona de mergulho da baixa rasa, situando-se a 500 metros da costa e a 2 milhas náuticas do porto da Fajã Grande, sendo apenas aconselhável a mergulhadores com alguma experiência já que se trata de um local propenso a correntes fortes e um mergulho de alguma profundidade.

A Baixa Rasa é considerada, talvez, o melhor local de mergulho da ilha  das Flores e um dos melhores dos Açores, para ver grandes cardumes de pelágicos “no azul”, como anchovas, serras, lírios e bicudas, entre outras espécies que abundam neste local remoto.

O Monchique e a Baixa Rasa um espécie de par de namorados, ali especados e quietos, durante séculos. O fundo desta formação rochosa submarina desce abruptamente para a quota dos 25 metros, com uma profundidade máxima de 30 metros, caracterizada por grandes blocos rochosos onde abunda a vida marinha mais comum como curiosos peixes-porco, garoupas, vejas, badejos, chernes, peixes-rei, os coloridos peixes-cão, assim com cardumes de salemas, sargos e carapaus.

O Monchique e a Baixa Rasa um espécie de par de namorados, ali especados e quietos, durante séculos, como vigias silenciosos de uma das mais belas freguesias dos Açores – A Fajã Grande das Flores.

 

 

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publicado por picodavigia2 às 10:41

OS LAVADOUROS

Terça-feira, 26.08.14

Aureolado por um verde estonteante, encastoado nos contrafortes da rocha e vizinho da Fajãzinha, o lugar dos Lavadouros, na Fajã Grande, situava-se na parte sul da freguesia, quase paredes meias com a Ribeira Grande, ladeado pela Ribeira do Ferreiro, tendo como fronteiras, a norte, a extensa a Alagoinha, a leste a Rocha, na sua enorme imponência, a sul, o Curralinho, o Portalinho, o Poço da Alagoinha e a Ribeira do Ferreiro, a oeste o Vale Fundo.

Era um extenso lugar, povoado de belas relvas, intercaladas com algumas terras de mato, muito abrigado dos ventos de leste, nordeste e sueste. Mas era a qualidade e a frescura da erva das suas pastagens o que mais caracterizava e valorizava aquele lugar, pese embora ficasse muito distante do povoado. Nos dias em que o gado era levado para ali para pastar, quer nas noites frescas de Verão ou nos dias chuvosos de Inverno, uma hora e meia para ir e voltar quase não era suficiente, o que significava uma enorme perda de tempo. Para atenuar estes malefícios e inconvenientes, normalmente, atribuía-se a tarefa de levar o gado para aqueles descampados às crianças ou, então, os homens aproveitavam para nas idas e vindas, a restante parte do dia para sachar inhames, ceifar feitos, cortar lenha ou esgalhar incensos em terras de mato ou quintas que tinham para aqueles lados ou que lhes ficassem a caminho.

A enorme extensão do lugar dos Lavadouros era atravessada por um caminho que resultava, no Cimo da Ladeira da Alagoinha, da junção de dois outros principais caminhos da freguesia; o que vinha da Fontinha, passando pelo Batel, Escada Mar, Paus Brancos e Alagoinha e o que partia da Assomada, passando pelo Delgado, Cabaceira, Espigão, Moledo Grosso, Lameiro e Alagoinha, este bem mais utilizado, no acesso aos Lavadouros, do que o anterior. O caminho que atravessava os Lavadouros, a meio destes, também se bifurcava, encaminhando-se um, mais estreito e de pior qualidade, para os lados do Curralinho e do Portalinho e um outro, calcetado e mais amplo, que seguia para a Ladeira do Vale Fundo, para o calhau do Tufo e para a Cuada, Dele também partiam várias canadas, umas, mais pequenas e mais estreitas, a ligar as propriedades circundantes, uma outra maior e mais larga, no termo do lugar, a ligar os Lavadouros à Ribeira do Ferreiro.

Meu pai tinha ali uma relva, boa, grande, com um amplo cerrado, logo à entrada, onde a erva era melhor, seguido de várias belgas, mais no interior, ladeadas por altas paredes e um curral, no centro. Muitos eram outros habitantes da Fajã e até da Cuada que ali tinham pastagens. Essa a razão por que quase todos os dias havia por ali um grande burburinho de homens e de animais, que se acentuava e aumentava, sobretudo, na época de ceifar os feitos e limpar as relvas, pese embora, nesses dias, estivessem vedadas a os animais.

É estranho o nome deste lugar e, sobretudo, difícil de descortinar a sua origem. Sabe-se, no entanto, que ali era lugar de muita água e de muitas grotas vindas da Rocha. É pois, provável, que em tempos idos, ali tenha sido lugar onde as mulheres fossem lavar a roupa. A obstaculizar esta tese apenas a grande distância que o lugar fica do povoado actual e este ser banhado por algumas ribeiras, bem mais próximas, onde na década de cinquenta do século passado ainda se lavava roupa. No entanto, como a Cuada se localiza bem mais perto dos Lavadouros e como neste lugar a água escasseia, poderiam muito bem ser os habitantes desta localidade, quiçá de outra ainda mais próxima e povoada antigamente, a irem aquele lugar lavar a sua roupa, dando assim nome ao lugar dos Lavadouros.

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publicado por picodavigia2 às 14:37

A FAJÃ DOS FANAIS

Domingo, 17.08.14

Os Fanais era o lugar da Fajã Grande situado mais a norte da freguesia, paredes meias com Ponta Delgada. Era ali, entre o mar e a falésia, que se situava uma pequena fajã com o mesmo nome e que, apesar de ser muito pequena e bastante isolada, era uma das mais bonitas e mais interessantes fajãs da ilha das Flores, sendo, também, uma das de mais difícil acesso. Situava-se na costa oeste da ilha, entre o ilhéu de Maria Vaz e uma encosta rochosa e abrupta que conduzia aos matos da Ponta e de Ponta Delgada. A Fajã dos Fanais era também um local histórico, lendário e mítico porquanto era ali que a maioria das baleeiras americanas que nos finais do século XIX, demandavam a ilha na procura de água, de víveres e de homens, se escondiam. Muitos aventureiros oriundos da Fajã, da Ponta e de Ponta Delgada, desciam por aquelas encostas, com caniços e aparelhos de pesca às costas, enganando a guarda costeira que, assim, cuidava que iam para ali pescar. Eles, porém, misturando-se e confundindo-se com os marinheiros das baleeiras que vinham a terra encher água nas ribeiras e grotas que ali corriam, depressa saltavam para as embarcações, escondidas por fora do ilhéu, conseguindo assim partir, iniciando a maior aventura das suas vidas – a fuga para a América.

Para chegar a esta fajã devia partir-se da Ponta, subir a rocha e, após uma caminhada através das pastagens dos matos, paralelas          às relvas da Caldeirinha, descer por entre grotões e valados até chegar à beira da rocha, de onde se avistava não apenas o ilhéu, mas também a enorme baía que o ladeava, assim como, a norte, o promontório do Albarnaz. Lá ao longe o Monchique e ainda mais longe e mais a norte, o Corvo.

Ao chegar à beira da rocha os que demandavam aquelas paragens, iniciavam uma descida, difícil, íngreme e perigosa que os conduzia até à pequena fajã, ora ladeando uma queda de água denominada Ribeira da Francela, com a sua nascente bem lá no alto e no interior da ilha ora entricheirando.se entre fetos, cana rocas e pequenos arbustos, ao mesmo tempo que desfrutavam de autênticos e variados miradouros, debruçados sobre uma falésia.

Não consta que está fajã tenha sido, em tempos idos, uma localidade com vida própria como a Fajã de Lopo Vaz ou a dos Valadões, onde durante muitos séculos, viveram muitas famílias, muitas permanentemente outras, apenas, durante alguns meses no ano.

A fajã dos Fanais, um lugar idílico e de rara beleza, era atravessada pela ribeira da Francela que, atravessando-a de leste para oeste, desaguava no oceano. A seu lado, muitos deles seus afluentes, corriam na direcção do mar, uma infinidade de pequenas ribeiras e grotas, tornando-a muito abundante em água, criando assim para florescerem ali belos inhames de água e excelentes agriões. Era também considerado um excelente lugar para a pesca, sobretudo de vejas e para a apanha de lapas, que se diziam serem muito abundantes e grandes como a palma da mão.

Muitos homens desciam à fajã dos Fanais para ir pescar, sendo que alguns para ali se deslocavam em pequenos barcos a remos, quer oriundos da Fajã Grande quer de Ponta Delgada. É que a fajã da Francela tinha excelentes pesqueiros, onde, para além das vejas se pescavam sargos, a moreias, moreões preto, etc. Mas o que mais se apanhava naqueles descampados e sobretudo no ilhéu eram lapas e caranguejos.

Muitas aves também viviam por ali, sendo as mais frequentes cagarras, gaivotas, ganhoas, pombas e um ou outro milhafre.

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publicado por picodavigia2 às 09:35





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