PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
DELÍRIO
O mar,
quando emaranhado de bravura
traz-me
uma onda de tumulto,
uma safra de revolta .
É o grito das marés
a despejarem-se,
inconscientes
sobre um cais de lava apodrecida.
O bramir das ondas
é eterno!
Sobre ele construirei
uma cabana coberta de choupos
onde as gaivotas
se esconderão nas noites de invernia.
Depois, irei permanecer
silencioso,
à espera que renasça
a mais sublime e delirante brisa matinal.
- Por favor, deixem-me permanecer neste delírio.
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TERRA MATER
Há gemidos de lava morta
sobre o chão ressequido.
As ondas voltaram,
numa safra alterosa.
A chuva cai, ritmada
num frenesim miudinho,
como se não tivesse medo da escuridão.
Todas as violas se calaram.
Não há retorno das auroras destemidas.
A Terra,
apesar de mãe,
envolve um tremendo sufoco.
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PÉ DE URZE
A bruma desceu pela encosta,
Rebolou-se no mar,
Enchendo-o de nada.
Tudo é opaco!
Apenas me resta
Este pé de urze,
Amachucado pelo vento norte.
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A VOZ DO MAR
A voz do mar traz amargura,
vem carregada de dor
e perde-se entre os labirintos dos baixios..
A voz do mar traz mágoa
vem carregada de tristeza,
e espalha-se sobre o cais deserto.
A voz do mar…
atormenta.
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MÃE SENHORA
Mãe:
sobre o restolho do lodo apodrecido
esmagaste o estrondo das vielas desertas.
Mãe:
sobre o raiar duma aurora atordoada
semeaste o perfume dos trigais abandonados.
Mãe:
sobre o sufoco duma aventura cerceada
resgataste o brilho das ondas revoltadas.
E apenas tinhas,
ao teu lado,
uma titubeante brisa matinal.
Mãe:
Senhora!
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PARTIDA
Deixa ficar comigo o sol de Agosto
E espreme numa taça estilhaçada,
O sumo duma flor, a seiva, o mosto,
O perfume de cada madrugada.
Acende a luz do mar, grava teu rosto,
Na espuma cristalina, esbranquiçada.
Cerceia minha dor, este desgosto,
Esta mágoa infinita e malfadada.
Depois podes partir... Mas eu te aviso:
Cada flor nascerá sem um sorriso,
Neste rio desfeito e de espuma.
A esperança há-de sumir-se, uma a uma,
E a raiva, a dor, a morte, a vida em suma,
Farão sentir o fim do Paraíso.
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A TARDE E O SILÊNCIO
A tarde
é um suave muro de cristal,
o mar
um ténue manto de cambraia.
Há muito silêncio perdido sobre a terra.
Mulheres, vergadas à velhice
vagarosas e trémulas,
dedilham camândulas desfeitas.
Homens, pejados de rugas e cicatrizes,
amparados a bordões de araçá,
lembram Américas perdidas.
Um bando de gaivotas
dança, em cio.
Uma criança de olhos de água,
rola um arco.
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ESFINGE
Esfinge de delícias, ambulante
Em áurea e divinal sublimidade,
Em passos de ternura. Soledade
Duma visão sublime, delirante.
Espargindo doçura, radiante,
Benéfica, sublime divindade,
Revelando amor e santidade,
Eu te contemplo estático e hesitante.
Sinto o perfume ténue e consagrado,
Querido a uns, por outros desprezado,
Que emana de teu ser, a suavizar-te.
E num êxtase sublime, de temor,
De angústia, de doação, d’ânsia, d’amor,
Sinto-me feliz, só, a contemplar-te.
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DANÇA DO MAR
Eu quero voltar ao mar,
P’ra apanhar uma sereia,
Dançar com ela na praia,
Em noites de Lua Cheia.
Eu quero voltar ao mar
P’ra apanhar uma ganhoa,
Colocar-lhe um laço ao peito,
Na cabeça uma coroa.
Eu quero voltar ao mar
P´ra apanhar uma onda mansa,
E ser levado por ela
Na aragem da bonança.
Eu quero voltar ao mar
P’ra apanhar a maresia,
Saltar baixios e escolhos
Em gesta de fantasia.
Eu quero voltar ao mar
(Foi no mar que eu nasci)
Apenas p’ra lhe dizer:
- Não posso viver sem ti.
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AMANHECER VÁCUO
A noite revoltou-se envolta em bruma!
Mas o limiar da manhã - sonsa invernia -
Ressurge, fantasiado de magia...
Expelindo alvoradas, uma a uma.
O mar, o céu, a terra e o vento em suma
Trazem o doce som da maresia.
Se há rastro de tormenta ou lavadia
Do canto das gaivotas nasce espuma.
Quebra o silêncio o Sol a dealbar,
Anunciando que a safra vai seguir.
Fecunda? Já há barcos a partir,
Velas brancas as ondas a rasgar.
Levam sonhos, esperanças e vontade…
…No regresso? Balouçam vacuidade.
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A TORRE
Indomável,
fatídica
esta torre
deslumbra!
Do alto,
zunem os sinos,
ecos memoráveis
Na base,
unem-se os pilares.
harmonia delirante.
Ao meio
o indelével terraço
(sem janela)
onde florescem girassóis.
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O AMARGO LAMENTO DE UMA ÁRVORE QUE NÃO DÁ FRUTOS
Tu que me plantaste aqui,
na esperança que eu desse frutos;
Tu que decidiste o meu destino,
plantando-me nesta encosta desconexa,
sem outras arvores ao redor
e sem pássaros de azas azuis.
Tu que chegaste ao cúmulo
de me abandonares neste deserto nocturno,
onde as sombras me envolvem
e as manhãs de ventura nunca retornam.
Colhe, agora o amargo sabor das minhas folhas
e ergue uma taça de nicotina
em memória dos meus frutos fenecidos.
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MAR
Mar,
na tua voz de búzio derrelicto,
há um silêncio contuso
um vulto abafado de vulcão .
Há nas tuas ondas um rumor acrisolado,
um sulco de lava, imperfeito.
Sobrevoam-te, em danças contundidas,
bandos de ganhoas amordaçadas.
Há na tua calma
um reboliço contundente de paixão.
No teu seio
navegam barcos sem velas e sem rumo
e as praias são desertos magoados.
No cais, de onde, outrora, partiam caravelas,
Constróis madrugadas de desejos.
Já não há jangadas de madeira carcomida,
E as sombras das gaivotas desfizeram-se
Sobre restos de navios naufragados.
Há baixios e laredos a arder,
Rochedos submersos e desfeitos,
Há vulcões mortos e sem brilho.
A tua água, silente, espelha,
uma canção perdida no horizonte,
um sorriso de donzela perturbada!
Mar de espuma obstruída…
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QUERO VOLTAR AO MAR
Eu quero voltar ao mar,
Disfarçada de sereia,
P’ra encontrar meu amor
Trazido p’la maré cheia.
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SILÊNCIO
Este silêncio,
Despejado sobre o cais deserto,
Não sabe a maresia.
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VÉU DE BRUMA
Entre os soluços duma tarde amordaçada,
Há um manto de fumo branco sobre a terra.
O mar é um cachão de espuma que se verte,
Em dolentes golfadas, sobre o cais deserto.
Há gaivotas perdidas em voos lascivos
E o vento perfumou-se d’hortelã e funcho.
No horizonte, um barco desenha ilusões,
Ali, ao sul, a outra ilha é mais distante!
As marés deserdaram as rochas da lava
E disseram à Lua que nunca acordasse
Sem o alegre retoiço dum brando marulhar.
Atrás, muito longe, há uma sombra, um vulto,
Uma estátua de deusa, de musa ou sereia
Que rasga este véu de bruma, em tarde retesada.
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PRAIA
Tu,
maré-cheia
perdeste-te nesta praia
e eu sem te puder acudir…
O que buscas
afinal?
o amparo
de um cais,
o canto
duma ganhoa,
o retorno
ao mar alto,
ou o aconchego
desta praia,
onde eu me perco,
também…
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VAI E VEM
Vai onda boa,
Vem onda bela.
Mágoa encantada,
Doce piela.
Vai onda bela,
Vem onda boa
Se a maré enche,
Logo se escoa.
Vai onda boa
Vem onda bela
Quero partir,
Num barco à vela.
Vai onda bela,
Vem onda boa
Mar encapelado
Ninho de ganhoa.
Vai onda boa,
Vem onda bela.
Sombra encarnada
Flor amarela.
Vai onda bela,
Vem onda boa.
Vem onda bela,
Vai onda boa.
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A SAFRA DA RETORTA
Quantas vezes te demandava,
Retorta,
E ficava,
Sentado nas tuas margens,
À espera que chegasse
A maré cheia
E as tuas águas
Se enchessem
De peixes
De espuma
E de sabor a maresia.
Depois,
Empolgado,
Lançava
O meu velho caniço
De bambu,
Com fio de nylon
E anzol recheado de isco.
Rateiros,
Sargos,
Peixes-reis,
Castanhetas
E uma ou outra garoupa.
Era a safra da Retorta,
A pequena safra
Da minha pesca,
Na Retorta.
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MARÉS PERDIDAS
Somem-se, na praia deserta
Marés doridas e buliçosas.
O cais está cheio,
coberto de espuma.
Ao redor,
há um cheiro a algas agonizantes.
O vento sul
parece um louco
Atira ao ar, golfadas de espuma,
(como se vomitasse barris de água
num oceano seco
reflectido em papoilas adormecidas)
Ali irão fenecer todas as marés
Só um fiador de silêncios perdidos,
poderá reconfortá-las
- trazer-lhes alento -
mesmo que água já não tenha volúpia
e o pôr-do-sol já tenha perdido todas as cores.
E até o feitiço do mar
se escondeu numa gruta
envolto no reboliço das marés perdidas
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PEDRA DE LAVA
pedra de lava
gerada no princípio do oceano
entre os silvos estridentes das sereias
ao longe
a voz do vento, esguia e sem pudor
ilumina as velas dos barcos perdidos
e harmoniza
a safra ressequida dos que partiram sem destino
ao perto
ergue-se uma onda de silêncio
a perturbar os dolentes murmúrios das marés
nem a quietude dos rochedos desertos
se resigna
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MARESIA
em vão se revoltam as ondas,
transformando este mar numa afronta, num suplício
onde os barcos se recusam a partir e até as gaivotas
arribam, desoladas, ao silêncio molhado das rochas escuras…
e num ápice, o turbilhão emaranhado das ondas ,
transforma-se em tempestade calamitosa,
cresce em fúria, acalenta-se em revolta
e tudo bloqueia, como se fosse o rei do universo.
faz tanto vento e a chuva associa-se à tempestade
a noite ainda está distante mas as luzes já tremem de medo…
sobre as rochas tingidas de lava,
foram despejadas rajadas de escuridão húmida.
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LITANIA DO MAR
Mar,
brejo incomensurável
de ondas e cachões d’espuma,
- rochedos de lava, areais de prata.
Mar,
refluxo azulado
de naufrágios e horas amargas ,
- barcos perdidos, horizontes vermelhos.
Mar,
reboliço voluptuoso
de marés incontidas e de ondas abruptas
- varadouros de rilheiras carcomidas
Mar,
estância sufocada
de algas murchas, arrancadas aos rochedos
- gaivotas escorraçadas em cio
Mar,
poema estraçalhado
escrito por quilhas, rimado por remos
- quadras e sonetos sem versos.
Mar,
castelo solitário,
tabernáculo de sereias, cubículo piratas
- sonhos desenhados em brisas dispersas.
Mar
aconchego agreste
de brumas, tempestades e caligens,
- epicentro de viagens perdidas.
Mar
de palavras debruadas a prata
lembranças, de sonhos e desejos de sol
- canto dolente, cio de liberdade.
Mar
hino inacabado
de estigmas e de lágrimas derramadas,
- percursos perdidos, destinos incertos
Mar
das madrugadas infinitas
onde a voz do vento embala e entontece
- as velas que partem sem destino.
Mar
cais abandonado
onde o voo das gaivotas rompe a solidão:
- a hora do embarque foi adiada
Mar
gesta inacabada
do pão, da morte, da vida e da saudade
- esperança paramentada de amargura.
Mar
roteiro da grande viagem
onde, no acordar de cada madrugada,
- me vejo, revejo e me encontro comigo
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TRIBUTO AO ALVOROÇO
sobre uma rocha negra,
junto ao mar,
solitária,
uma gaivota,
olhando o infinito,
remoí
silêncio.
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MOMENTO MÁGICO
Amanheceu! Um bando de gaivotas
Em bailados de cio. Doces lamentos…
Esvaídos em magma, eivados de tisna,
Que as marés branqueiam. Há suco verde,
Limos encharcados, no cais deserto.
Que importa se da terra, se do mar?
Porque as ondas não param de sorrir,
De os embalar em seu manto d’espuma.
Há um rio de silêncio. Alguns barcos
Ainda dormem. A faina é incerta!
De onde sopra o vento? Não se sabe…
Mas quando o Sol, no seu trono, rasga o véu,
O mar é um espelho renascido
E o cais um reboliço de esperança.
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CANÇÃO DE EMBALAR
Eu nasci junto do mar!
O meu berço era uma poça
Meu primeiro colar,
Era feito de conchinhas….
Embalaram-me as marés
E brinquei com os peixinhos,
Ouvi cantar as sereias
Vi o furor das procelas.
Minha casa era uma furna,
Entre os baixios esconsos.
De dia corava ao Sol
À noite entrava-lhe a Lua.
Agora, longe do mar,
Sem peixes nem conchinhas,
Sinto que ainda me embala
O vai e vem das marés.
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SÓ MAR
Quando eu era criança,
vivia numa fajã,
pejada de arvores frondosas,
prados verdejantes
rochas robustas
ribeiras ousadas
mas encafuada entre veredas e maroiços.
À minha frente,
o mar…
... só o mar,
que eu adorava
mas que me obstruía todos os caminhos
e me cerceava todos os desejos.
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MAR BRAVO
O vento trouxe a tempestade
e todas as ondas perderam a quietude
e arremessaram-se, contra as fragas,
num frenético vaivém
como se estivessem loucas,
ou fossem rouxinóis
à procura das fêmeas
em dia de cio.
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DEPOIS DO CAIR DAS FOLHAS
Das árvores sem folhas
Cai um silêncio acabrunhado:
Apenas o chão se cobre
De um amarelo rude.
Nos ramos ressequidos,
Entre limos e musgos,
Há uma gotinha de água.
Trouxe-a o vento norte.
A terra tímida, escurece,
E salpica-se de brumas
Como se fosse o fim do dia.
Ao longe, o mar soluça, baixinho,
Como se teimasse em adormecer.
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PRIMEIRA VIAGEM
Havia uma nuvem a desfazer-se
No azulado lívido do céu.
Havia uma ganhoa pousada
No manto negro de um penedo.
Havia respingos de marés,
A dançarem, como se fossem noivos entontecidos.
E a tarde esmoronava-se, apressadamente,
Sob o derradeiro raiar de um dia de sol.
No porto, em solavancos apressados,
Um barco acabava de varar.
Ali, no silêncio do anoitecer,
Terminava a minha primeira viagem.