Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]


O CAÇADOR

Terça-feira, 26.02.19

(UM CONTO DE MIGUEL TORGA)

 

Trôpego, o Tafona já não chegava às perdizes da Cumieira. Por isso, arrastava-se até Pedralva e caçava de espera. Caíam rolas no cedo, uma lebre ou outra pelo ano adiante, e coelhos quase sempre. No defeso, fornecia a casa e a barriga sem fundo do compadre Frederico; no tempo da permissão, vendia-lhe a Joana Benta as caveças na Vila.

- Veja vossemecê... - dizia ele, a contratar o preço. - Eu sei lá!...

Com oitenta e cinco anos, a vida fora-lhe sempre estranha como se a não tivesse conhecido. Casara, tivera filhos, mas nada disso o tocara por dentro. Virgem e selvagem na alma, continuava a caçar, e só embrenhado entre giestas e urgueiras é que ouvia, se ouvia, os clamores da mulher e o ganido das crias.

Saía cedo, sempre supersticioso das menstruações da Camila, a vizinha do lado, que lhe mudavam a direção do chumbo, e regressava altas horas da noite, colado ao granito das paredes, e assim escondido dos olhos curiosos da povoação.

- Por onde andaste?

- A pobre da Catarina, a princípio, ainda tentou encontrar naquele destino pontos de referência em que pudesse firmar-se. Mas as respostas vinham tão vagas, tão distantes, que se atirou às leiras e deixou o homem às carquejas. Não era que ele mesmo enredasse os caminhos e despistasse conscientemente a companheira. As peripécias da caça e a cegueira com que galgava os montes é que o impediam à noite de relatar o trajeto seguido. Se quisesse e soubesse dizer por que trilhos passara, falaria de veredas e carreiros que nunca conhecera, descobertos na ocasião pelo instinto dos pés e rasgados no meio de uma natureza cósmica, verde como uma alucinação, com alguns ramos vistos em pormenor, por neles pousar inquieto um pombo bravo ou se aninhar, disfarçada, uma perdiz. Ás vezes até se admirava, ao regressar a casa, de tanta bruma e tanta luz lhe terem enchido simultaneamente os olhos. Serras a que trepara sem dar conta, abismos onde descera alheado, e um toco, um raio de sol, o rabo de um bicho, que todo o dia lhe ficavam na retina. É claro que nem sempre as horas eram assim. Algumas havia de perfeita consciência, em que nenhum pormenor da paisagem lhe escapava, as próprias pedras referenciadas, aqui de granito, ali de xisto. Mas, mesmo nessas ocasiões, qualquer coisa o fazia sonâmbulo do ambiente. Era tanta a beleza da solidão contemplada, despegava-se das serranias tanta calma e tanta vida, os horizontes pediam-lhe uma concentração tão forte dos sentidos e uma dispersão tão absoluta deles, que os olhos como que lhe abandonavam o corpo e se perdiam na imensidão. Simplesmente, essa diluição contínua que sofria no seio da natureza não excluía uma posse secreta de cada recanto do seu relevo. Uma espécie de percepção interior, de íntima comunhão de amante apaixonado, capaz de identificar o panasco de Alcaria pelo cheiro ou pelo tacto. A caça fora a maneira de se encontrar com as forças elementares do mundo. E nenhuma razão conseguira pelos anos fora desviá-lo desse caminho. A meninice começara-lhe aos grilos e aos pardais, a juventude e a maioridade passara-as atrás de bichos de pêlo e pena, e agora, velho, as contas do seu rosário eram meia dúzia de cartuchos que, sentado, ia esvaziando no que aparecia. E a vida, a de todos os dias e de toda a gente, com lágrimas e alegrias, ambições e desalentos, ficara-lhe sempre ao lado, vestida de uma realidade que que não conseguia ver. A aldeia formigava de questões e de raivas, e ele coava- lhe apenas a agitação de longe, vendo-a fumegar na distância, ao anoitecer, e acariciando-a então num cansaço doce e contemplativo.

- Casou a Dulce...

- Ah, sim?...

Ouvira, de fato, imprecisamente, a voz do sino grande chegar repenicada e festiva ao Falição, mas o seu espírito não pudera nesse momento, nem podia agora, descer da nuvem de abstração que o envolvia.

- Muito bonita ia o demônio da rapariga!

Humana, mulher, a Catarina tentava chamá-lo a uma consciência que reanimasse fogueiras mortas, sonhos desfeitos. Nada. O pensamento dele não estava ali: perdia-se nos projetos do dia seguinte, já cheio do rumor alvoroçado do bando de perdizes que sabia ir levantar da cama ao romper da manhã.

- Morreu a Palhaça...

- Ah, morreu?

E continuava a dar à manivela do rebordador, encontrando no cartucho, túmido como uma semente, não sabia que verdade mais profunda e mais transcendente do que aquela morte.

A velhice e o reumatismo tentaram com toda a brutalidade metê-lo noutros varai. Mas ele lutava, e, embora limitado às cercanias da aldeia, continuava ainda a sonhar.

Contudo, sem a liberdade absoluta dos longes, o seu espírito já não podia voar como dantes. A povoação ficava-lhe demasiado perto para lhe ser possível um alheamento como o de outrora. E os olhos, cansados e traídos, começaram a mostrar-lhe o mundo triste dos outros. Contra vontade, observava, então. Mas em casa, à noite, a mulher punha o acontecido a uma luz tão desconforme com o que ele vira, tão alheia à sua compreensão, que fechava a boca e não respondia.

- Os Canedos berraram...

- Eu vi...

- A cunhada chamou curta à Ana... O que ouvira eram gritos, evidentemente, insultos, com toda a certeza, mas nomes assim... E uma tristeza muda apertava-lhe o coração.

- Um roubo em casa do Antunes...

- Bem me pareceu...

- Batatas, trigo, muita roupa, um presunto...

Quase que surpreendera o Rodrigo e a mulher com a boca na botija, e sabia que não, que o que esconderam na mina velha, e pudera examinar à vontade, era uma sombra daquilo. De maneira que cada vez se metia mais consigo, com medo do vidro de aumento que deformava tudo e envenenava os sentimentos. Porque uma coisa sabia ele: é que quase um século de caça não lhe endurecera nem lhe empeçonhara a alma. Matara, sim, e matava ainda, se podia, mas não era com ódio, a gritar maldição, que o tiro partia. Mais amorosamente do que mortalmente, o dedo premia o gatilho. E quando, a seguir, a lebre esperneava ou a codorniz gemia, a sua mão aligeirava docemente aquela agonia, numa carícia aveludada. Entre o sangue de pertiz morta - que através do cotim da calça, morno, lhe acordava a consciência da pele - e o seu próprio sangue, não havia o muro de nenhuma desarmonia. A morte que a arma fazia tinha no mesmo instante uma ressurreição dentro dele.

Mas a aleluia do formigueiro humano que o rodeava era outra.

- A Rosária a flara em moralidade! Se reparasse na filha...

- A Matilde? Que fez ela?

- Nem tu sabes!

Palavra, que não sabia. Atravessara os anos como um duende, puro, alheio à raiva e à ganância, inocente, pronto a comover-se diante da primeira flor. Uma virtude, sobre todas, conservara sempre: a da lisa naturalidade. E por isso, no meio da incapacidade que sentia para entender o tecido de razões com que era feito o mundo que o cercava, a malha que menos o prendera era aquela onde se debatiam forças e gestos de amor. O cio, a brisa de sêmen que agitava todos os seres vivos durante alguns dias em cada ano, sabia-lhe à frescura de uma onda sagrada. Então, oleava e arrumava a arma, e os seus olhos, de caçador ainda, seguiam a revoada do casal de melros, o trajeto de um coelho, as pegadas da raposa, mas para os acompanharem comovidos naquela dádiva sensual e procriadora.

Infelizmente, só ele é que entendia de uma maneira assim inocente as coisas que tinham intimidade de ninho e calor de seiva. Porque a aldeia, que olhava compreensivamente as reses alevantadas, diante de uma rapariga cega de amores erguia-se como se visse um crime.

- Ela e o Avelino parecem cães à cainça.

- E que mal há nisso? Maiores e vacinados, que tinha que ver o mundo com o que o corpo lhes pedia? Mas os pais, aqui-del-rei que os enforcavam se olhassem sequer um para o outro, e a terra inteira aplaudia. Acontecia ainda que o Travassos, todo lá da mãe da rapariga, punha em semelhante martírio a sombra de uma perseguição.

De fora, mas infelizmente não de tão longe como desejava, o Tafona assistia à cena. Sentado à sombra da nogueira molar, e perto da poça onde vinham beber, esperava as rolas. E lá em baixo, na veiga, o seu olhar cansado ia acompanhando a comédia. A cachopa, de molho à cabeça, a passar na Silveirinha; o rapaz a deixar a rabiça na lavrada e a sair-lhe ao caminho; e o esqueleto do Travassos, abelhudo e ciumento, a correr a avisar as famílias.

Via e ficava a malucar naquilo, no contra-senso de tudo e de todos. Pois não seria melhor, mais justo, mais humano, deixá-los juntarem-se livremente, à lei da natureza? Contudo, daí a nada, a rapariga ia a toque de caixa pelo Teixo abaixo, e o rapaz retomava o arado a ouvir berros do pai.

- Uma pouca vergonha... - recomeçava a Catarina à noite, depois do caldo.

- O quê?

- O que há-de ser? A Matilde e o Avelino... Se não o Travassos...

Calou-se como de costume. Decididamente, cada vez entendia menos tal mundo.

Mas as pernas atraiçoavam-no miseravelmente, e embora quisesse fugir para muito longe, tinha de se resignar às leis da idade e caçar de emboscada coelhos pacatos na vinha velho do prior.

Era um Setembro puro. Videiras que pareciam cedros e cachos com bagos como bugalhos. Manco, o Tafona, foi-se arrastando e ainda a tarde vinha a cair além-Doiro já ele estava no seu posto, sentado, imóvel e silencioso, com a arma engatilhada sobre a coxa.

Como habitualmente, quase nem respirava. Por muito inocentes que fossem os láparos, farejavam ruído a cem léguas. E o Tafona, conhecedor daqueles ouvidos, apertava os pulmões.

A espera nunca lhe dava inteira paz de espírito. Forçava-o a uma espécie de compromisso com a parte traiçoeira da vida, estremando os campos do agredido e do agressor. Entre ele e o bicho não havia, daquela maneira, um verdadeiro encontro, um embate de forças. Tudo se passava sem alegria e sem eco, choque abafado, como o de uma pinha aberta a cair no musgo.

Subitamente começou a sentir sons indistintos. Prestou atenção. Passos. Passos de gente, e grande.

- Bolas! - disse, sem abrir a boca. De fato, perdera o tempo. Para que tudo retomasse a quietude inicial e os coelhos se resolvessem a vir gozar a fresca, seriam precisas horas, e então já não teria luz.

Os passos eram da Matilde, sorrateira, a saltar um bardo e a sumir-se na vinha.

- É boa!... - Murmurou outra vez intimamente, agora noutro tom.

Mas ainda o seu espanto não acabara, já o Avelino, do lado do monte, lépido, deslizava para o meio da ramagem.

Riu-se. Desta vez riu-se com a sua mansidão habitual, sem barulho, enternecidamente, como se estivesse nos velhos tempos e visse no azul do céu dois pintassilgos a voar para o mesmo ninho.

Infelizmente, os namorados a desaparecerem, e sobre eles, de nariz no rasto, numa perseguição de rafeiro, o Travassos que, por acaso, caminhava direito à arma do caçador.

O Tafona nem teve tempo de pensar. Parou a respiração e encolheu-se quanto pôde atrás do esconderijo.

O abelhudo vinha apressado e chegou a tiro.

- Alto lá! - ordenou-lhe então, sereno, mostrando o corpo.

O Travassos estacou, apalermado. Por fim viu quem era e falou-lhe:

- Sou eu, ó ti Zé!

- Bem sei. Mas não te mexas.

- O Travassos, ti Tafona. Deixe-me ir salvar a infeliz!

A tremer e de olhos esgazeados, o zeloso coscuvilheiro não conseguia perceber. Mas o Tafona tinha-lhe friamente a espingarda endireitada ao peito, e ninguém da aldeia confiava na alma solitária do caçador.

- Alto, e nem tugir nem mugir! Aquelas coisas querem-se na paz do Senhor...

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

SÚPLICA

Domingo, 10.02.19

 

(POEMA DE MIGUEL TORGA)

 

Agora que o silêncio é um mar sem ondas, 
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto. 
Só soubemos sofrer, enquanto 
O nosso amor 
Durou. 
Mas o tempo passou, 
Há calmaria... 
Não perturbes a paz que me foi dada. 
Ouvir de novo a tua voz seria 
Matar a sede com água salgada.

Miguel Torga, in  "Câmara Ardente"

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

A MORTE SAIU À RUA

Sábado, 09.02.19

ZECA AFONSO

(APÓS A MORTE DE JOSÉ DIAS COELHO ASSASSINADO PELA PIDE

EM 1 DE DEZEMBRO DE 1961)

A morte saiu à rua num dia assim
Naquele lugar sem nome p’ra qualquer fim
Uma gota rubra sobre a calçada cai
E um rio de sangue dum peito aberto sai

O vento que dá nas canas do canavial
E a foice duma ceifeira de Portugal
E o som da bigorna como um clarim do céu
Vão dizendo em toda a parte ‘o pintor morreu’

Teu sangue, Pintor, reclama outra morte igual
Só olho por olho e dente por dente vale
À lei assassina à morte que te matou
Teu corpo pertence à terra que te abraçou

Aqui te afirmamos dente por dente assim
Que um dia rirá melhor quem rirá por fim
Na curva da estrada há covas feitas no chão
E em todas florirão rosas duma nação 

Autor e Compositor: Zeca Afonso

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:07

ONOMATOPEIA

Quinta-feira, 31.01.19

(POEMA DE JOSÉ RÉGIO)

 

Menino franzino,
Quase pequenino,
Pequenino, triste,
Neste mundo só...,

Menino, desiste
De que tenham dó!

Desiste, menino,
Que o mundo é cretino...
Deixa o teu violino,
Toca o sol-e-dó.

Cada teu suspiro
Cai ao chão no pó...
Canta o tiro-liro
Tiro-liro-ló.

Deixa o teu violino,
Que não te é destino.
Desiste, menino,
De que tenham dó!

Menino franzino,
Triste e pequenino,
Pequenino, triste,

Neste mundo só...,


Menino, desiste!
Toca o sol-e-dó.
Canta o tiro-liro, repipiro-piro,
Canta o repipiro, tiro-liro-ló.

José Régio

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:30

A PEQUENA VENDEDORA DE FÓSFOROS

Quinta-feira, 15.11.18

(UM CONTO DE HANS CHRISTIAN ANDERSEN)

 

Fazia um frio terrível; caía a neve e estava quase escuro; a noite descia: a última noite do ano. Em meio ao frio e à escuridão uma pobre menininha, de pés no chão e cabeça descoberta, caminhava pelas ruas.

Quando saiu de casa trazia chinelos; mas de nada adiantavam, eram chinelos tão grandes para seus pequenos pzinhos, eram os antigos chinelos de sua mãe.

A menininha os perdera quando escorregara na estrada, onde duas carruagens passaram terrivelmente depressa, sacolejando.

Um dos chinelos não mais foi encontrado, e um menino se apoderara do outro e fugira correndo.

Depois disso a menininha caminhou de pés nus – já vermelhos e roxos de frio.

Dentro de um velho avental carregava alguns fósforos, e um feixinho deles na mão.

Ninguém lhe comprara nenhum naquele dia, e ela não ganhara sequer um níquel.

Tremendo de frio e fome, lá ia quase de rastos a pobre menina, verdadeira imagem da miséria!

Os flocos de neve lhe cobriam os longos cabelos, que lhe caíam sobre o pescoço em lindos cachos; mas agora ela não pensava nisso.

Luzes brilhavam em todas as janelas, e enchia o ar um delicioso cheiro de ganso assado, pois era véspera de Ano-Novo.

Sim: nisso ela pensava!

Numa esquina formada por duas casas, uma das quais avançava mais que a outra, a menininha ficou sentada; levantara os pés, mas sentia um frio ainda maior.

Não ousava voltar para casa sem vender sequer um fósforo e, portanto sem levar um único tostão.

O pai naturalmente a espancaria e, além disso, em casa fazia frio, pois nada tinham como abrigo, exceto um telhado onde o vento assobiava através das frinchas maiores, tapadas com palha e trapos.

Suas mãozinhas estavam duras de frio.

Ah! bem que um fósforo lhe faria bem, se ela pudesse tirar só um do embrulho, riscá-lo na parede e aquecer as mãos à sua luz!

Tirou um: trec! O fósforo lançou faíscas, acendeu-se.

Era uma cálida chama luminosa; parecia uma vela pequenina quando ela o abrigou na mão em concha…

Que luz maravilhosa!

Com aquela chama acesa a menininha imaginava que estava sentada diante de um grande fogão polido, com lustrosa base de cobre, assim como a coifa.

Como o fogo ardia! Como era confortável!

Mas a pequenina chama se apagou, o fogão desapareceu, e ficaram-lhe na mão apenas os restos do fósforo queimado.

Riscou um segundo fósforo.

Ele ardeu, e quando a sua luz caiu em cheio na parede ela se tornou transparente como um véu de gaze, e a menininha pôde enxergar a sala do outro lado. Na mesa se estendia uma toalha branca como a neve e sobre ela havia um brilhante serviço de jantar. O ganso assado fumegava maravilhosamente, recheado de maçãs e ameixas pretas. Ainda mais maravilhoso era ver o ganso saltar da travessa e sair bamboleando em sua direção, com a faca e o garfo espetados no peito!

Então o fósforo se apagou, deixando à sua frente apenas a parede áspera, úmida e fria.

Acendeu outro fósforo, e se viu sentada debaixo de uma linda árvore de Natal. Era maior e mais enfeitada do que a árvore que tinha visto pela porta de vidro do rico negociante.

Milhares de velas ardiam nos verdes ramos, e cartões coloridos, iguais aos que se vêem nas papelarias, estavam voltados para ela. A menininha espichou a mão para os cartões, mas nisso o fósforo apagou-se. As luzes do Natal subiam mais altas. Ela as via como se fossem estrelas no céu: uma delas caiu, formando um longo rastilho de fogo.

“Alguém está morrendo”, pensou a menininha, pois sua vovozinha, a única pessoa que amara e que agora estava morta, lhe dissera que quando uma estrela cala, uma alma subia para Deus.

Ela riscou outro fósforo na parede; ele se acendeu e, à sua luz, a avozinha da menina apareceu clara e luminosa, muito linda e terna.

 - Vovó! – exclamou a criança.

 - Oh! leva-me contigo!

Sei que desaparecerás quando o fósforo se apagar!

Dissipar-te-ás, como as cálidas chamas do fogo, a comida fumegante e a grande e maravilhosa árvore de Natal!

E rapidamente acendeu todo o feixe de fósforos, pois queria reter diante da vista sua querida vovó. E os fósforos brilhavam com tanto fulgor que iluminavam mais que a luz do dia. Sua avó nunca lhe parecera grande e tão bela. Tornou a menininha nos braços, e ambas voaram em luminosidade e alegria acima da terra, subindo cada vez mais alto para onde não havia frio nem fome nem preocupações – subindo para Deus.

Mas na esquina das duas casas, encostada na parede, ficou sentada a pobre menininha de rosadas faces e boca sorridente, que a morte enregelara na derradeira noite do ano velho.

O sol do novo ano se levantou sobre um pequeno cadáver.

A criança lá ficou, paralisada, um feixe inteiro de fósforos queimados. – Queria aquecer-se – diziam os passantes.

Porém, ninguém imaginava como era belo o que estavam vendo, nem a glória para onde ela se fora com a avó e a felicidade que sentia no dia do Ano­ Novo.”

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

MARIA

Quinta-feira, 03.05.18

(POEMA DE ANTERO DE QUENTAL)

 

Nova luz, que me rasga dentro d´alma,

Dum desejo melhor me veste a vida…

Outra fada celeste agora leva

Minha débil ventura adormecida.

 

Não sei que novos horizontes vejo…

Que pura e grande luz inunda a esfera…

Quem, nuvens deste inverno, nesse espaço,

Em flores vos mudou de primavera?!

 

Se as noites nos enviam mais segredos,

Ao sacudir seus vaporosos mantos,

Se desprendem do seio mais suspiros…

É que dizem teu nome nos seus cantos.

 

Nem eu sei se houve amor até este dia…

Nem eu sei se dormi até esta hora…

Mas, quando me roçou o teu vestido,

Abri o meu olhar – acordo agora!

 

Antero de Quental, Maria, (versão adaptada)

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

ACORDAR NA RUA DO MUNDO

Quarta-feira, 02.05.18

 

(POEMA DE LUISA NETO JORGE)

 

madrugada, passos soltos de gente que saiu
com destino certo e sem destino aos tombos
no meu quarto cai o som depois
a luz. ninguém sabe o que vai
por esse mundo. que dia é hoje?
soa o sino sólido as horas. os pombos
alisam as penas, no meu quarto cai o pó.

um cano rebentou junto ao passeio.
um pombo morto foi na enxurrada
junto com as folhas dum jornal já lido.
impera o declive
um carro foi-se abaixo
portas duplas fecham
no ovo do sono a nossa gema.

sirenes e buzinas, ainda ninguém via satélite
sabe ao certo o que aconteceu, estragou-se o alarme
da joalharia, os lençóis na corda
abanam os prédios, pombos debicam

o azul dos azulejos, assoma à janela
quem acordou. o alarme não pára o sangue
desavém-se. não veio via satélite a querida imagem o vídeo
não gravou

e duma varanda um pingo cai

de um vaso salpicando o fato do bancário

Luiza Neto Jorge, in ‘A Lume’

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

MEMÓRIA DE PEDRO DA SILVEIRA

Quinta-feira, 04.05.17

(TEXTO DE LUIZ FAGUNDES DUARTE)

 

Hoje apetece-me recordar Pedro da Silveira. Mas é-me difícil escrever sobre este poeta, crítico literário, tradutor, propagandista, bibliotecário, colaborador de jornais, consultor literário, investigador de pequenas e grandes coisas da história e da literatura, e sobretudo observador atento e apaixonado de tudo e todos, ele mesmo incluído – de todos produzindo comentários da mais pura, e muitas vezes regeneradora, má-língua...

É-me difícil escrever sobre este intelectual português, natural da Fajã Grande da ilha das FLORES (onde nasceu a 5 de Setembro de 1922), que depois de ter cirandado pelas ilhas das Flores, de São Miguel e Terceira foi ancorar a Lisboa em 1951, um cidadão sem pátria fixa, porque filho de todas as pátrias, um homem de quem provavelmente nunca teremos uma biografia viável: descontadas as recriações poéticas da sua história pessoal, que nos deixou no “Soneto de Identidade” (Poemas Ausentes, 1999), todos aqueles que conheceram Pedro Laureano de Mendonça da Silveira e com ele privaram recordá-lo-ão como “um tanto duro, como | Pedro é pedra; picante agudo assomo | de silva dos silvedos – não me dou!”, um homem de “Raiz flamenga, já se sabe” [pelo nome Silveira, herdeiro do flamengo quinhentista ‘Van der Hagen’]; “e um gomo, | no fruto, castelhano” [pelo Mendonça], e se calhar com antepassados alemães ou polacos, mas sobretudo, como genialmente se definiu, um “Ilhéu | da casca até ao cerne”, “sem ambição maior que o livre Espaço”...

É-me difícil escrever sobre este homem que militou no anarco-sindicalismo, foi apoiante activo das candidaturas de Norton de Matos e Arlindo Vicente, colaborador da “Seara Nova”, espiolhado pela PIDE, mas no fundo desenganado da política activa ainda que nem por isso dela desligado... É-me difícil escrever sobre este homem que conheci em permanente estado de vigília, e que em Portugal foi, já nos anos quarenta, o primeiro tradutor de Pablo Neruda...

É-me, enfim, difícil escrever sobre este poeta que, da última vez que o vi se auto-retratou como um “camarão cozido”, numa cruel alusão às suas costas curvadas pela doença, e que no dia 13 de Abril de 2003 partiu de Lisboa – para a sua derradeira viagem em demanda do “livre Espaço”...

Também será difícil escrever sobre a poesia, sua e traduzida de outros, que nos deixou publicada – de que se destacarão A Ilha e o Mundo (1952), Sinais do Oeste (1962), Corografias (1985), Mesa de Amigos, versões de poesia (1986 e 2002), Poemas Ausentes (1999), e Fui ao Mar Buscar Laranjas, volume inaugural da sua obra poética completa (1999); ou sobre os contos, os ensaios histórico-literários, as crónicas, as antologias literárias, as memórias ou as recolhas de literatura popular e tradicional, em que andava a trabalhar ultimamente e cujos originais esperamos que se não venham a perder...

E será difícil, dizia eu, porque, sendo um poeta profundamente açoriano, Pedro da Silveira é no mais um poeta português de excelência, que nunca fez concessões à facilidade e ao regionalismo folclórico – e que era senhor de uma arte poética e de um saber erudito que é muito raro encontrar-se, puros e produtivos, numa única pessoa. E porque, apesar da má-língua por que muitos o recordarão – não me ocorre, para definir o poeta e investigador Pedro da Silveira, melhor palavra do que esta que me queima os dedos: rigor.

 

Luiz Fagundes Duarte / 09 de Dez de 2013, Açoriano Oriental

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

DOMINGOS DEPOIS DA PÁSCOA (NAS LAJES DO PICO)

Domingo, 30.04.17

(TEXTO DE ERMELINDO ÁVILA)

Terminadas as Festas Pascais entramos nas chamadas Domingas ou seja os sete domingos que antecedem o Domingo de Pentecostes.

Antigamente eram todos esses domingos preenchidos por Coroações, ou seja festas em honra da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade.

A Freguesia da Santíssima Trindade (actualmente denominada incompreensivelmente por Lajes do Pico), tinha grupos de irmãos que, de cinco em cinco anos, “levavam a Coroa à Igreja”, ou seja promoviam uma festa em honra e louvor do Espírito Santo. Em cada domingo um irmão, previamente sorteado, levava em cortejo a Coroa do Divino Paráclito à Igreja Paroquial, onde era celebrada Missa cantada e coroação e, em casa, oferecia jantar a doze pobres e a familiares e amigos.

Antes da criação da paróquia da Silveira, a freguesia estava dividida em cinco zonas: Silveira, Almagreira, Ribeira do Meio, Vila e Terras. Com o falecimento dos irmãos e/ou ausência para o estrangeiro, foi desaparecendo essa tradição que hoje, felizmente, ainda é mantida nas Terras e na Almagreira.

Tudo afora as promessas, que ainda as há, de “levar a Coroa”.

Lacerda Machado diz, que “Antigamente, em cada uma das sete Domingas, havia coroação, estando a cargo, por anos, das povoações: Terras, Vila e Ribeira do Meio. Também havia coroações na Silveira e Almagreira.

“Os festejos das Domingas consistiam em missa cantada e coroação, em seguida às quais o mordomo oferecia jantar aos colegas das outras Domingas e pessoas que convidava “

Ainda hoje a tradição se mantém na Almagreira e nas Terras. De cinco em cinco anos as mesmas famílias cumprem a tradição, convidando para a “sua festa” algumas centenas de pessoas, a quem oferece lauto jantar de “sopas do Espírito Santo”.

Para isso aquele lugar construiu um amplo salão de dois pisos, que pode receber mais de mil convivas, onde é servido o jantar.

O mesmo acontece na Almagreira, onde foi igualmente construído vasto salão.

E falando em salões, recordem-se os da Ribeira do Meio, da Silveira, das Terras, de São João, e de Santa Cruz recentemente construídos e que, embora destinados a sedes das sociedades locais, são dispensados para as funções do Espírito Santo. O mesmo acontece nesta vila com a sede da Liberdade Lajense em quase todas as freguesias e localidades da Ilha. Uma maneira significativa de perpetuar “enquanto o mundo durar”, como se dizia antigamente, tão expressivas manifestações de fé dos picoenses, como aliás dos açorianos.

Ainda a propósito das coroações, é de lembrar o que diz Silveira de Macedo na “História das Quatro Ilhas”, citado por Lacerda Machado:

“Em 1871 o autor da História das quatro ilhas avaliava em 60 moios de trigo, 60 reses bovinas, além de da carne de carneiro e porco, e 30 pipas de vinho, o consumo das festas do Espírito Santo na ilha do Pico, a cargo dos mordomos e irmãos.

Hoje, em toda a Ilha não será menor o consumo, durante as festas do Espírito Santo que, em razão dos votos emitidos, têm lugar desde o primeiro domingo após a Páscoa até aos meses de Julho e Agosto. É que, normalmente, durante os meses de inverno não se realizam tais festividades.

E, na época em que estamos, já se fazem os convites para as coroações. É que tudo é preparado com a antecedência devida. Até o gado que se abate vem destinado quase após o nascimento. E a farinha que se consumia provinha do trigo semeado, em maiores extensões, no anterior à solenidade. Hoje já não se cultivam cereais. Os campos são utilizados para pastagens de gado bovino, produtor de leite. Julgo que não se levará muito tempo que se volte atrás...

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

A CIDADE DO VINHO

Sexta-feira, 28.04.17

(TEXTO DE MANUEL AZEVEDO)

 

Sou picoense. Vibro com os sucessos da minha ilha (poucos), entristeço-me, quando as coisas não correm bem. Alem disso, sou natural do concelho da Madalena. Os mesmos sentimentos. Por isso, fiquei triste quando vi aquela maresia entrar por terra dentro, sem avisar, destruindo, total ou parcialmente, estruturas públicas e privadas, um pouco por toda a parte. Talvez os não residentes, como eu, o sintam mais… Poucos dias depois, a Madalena fez festa e da rija, (o que me fez vibrar) para comemorar a recente eleição como “Cidade do vinho de 2017”, feita pelas suas pares da Associação de Municípios Produtores de Vinho (AMPV) e comemorou-o com a inauguração do novo auditório, que veio trazer à Madalena e ao Pico uma sala, dotada de múltiplas valências tecnológicas que permitirão diversíssimos espectáculos. Dizem-me que é uma sala que vem trazer ao Pico possibilidades que, antes, não tinha. Dizem-me, também, que a festa foi bonita e digna. Por mim, vou-me contentando com o que vejo nas redes sociais. Mas, nada como estar presente, fisicamente. Talvez o que me orgulhou mais foi a Madalena fazer a sua vida normal, uns dias depois do desastre. Ah! Valentes!

Durante todo o ano, se vai comemorar “a cidade do vinho”: Li duma enoteca itinerante e outros acontecimentos. Seria bom e conveniente que os privados se associassem, para não ser só a autarquia. A produção é quase só deles. Em quantidade e qualidade. A internacionalização do vinho do Pico começou há muitos séculos (fala-se muito dos czares) e continua, hoje. A presença da Adega Cooperativa na recente feira de vinhos de Dusseldorf, uma das maiores do mundo, é disso testemunho.

Felizmente, hoje, com a ajuda da União Europeia e do Governo Regional estão a reconverter-se vinhas e a redescobrir-se currais, canadas, geirões, os tais muros que, segundo estudioso, davam duas vezes a volta à terra. Quando os nossos antepassados abandonaram as vinhas, por não terem apoios e porque não estavam para trabalhar para aquecer, não imaginavam que, uns tempos depois, se descobrissem os terrenos que, por causa do abandono, se cobriram de faias, incensos, silvas e outras mondas. Só quem observa de avião ou, mais modernamente, através de drones, é que pode ver o “antes e depois”. Há, ainda, áreas cobertas de mondas, mas também já há muitas campinas com os antigos muros descobertos, construídos com um labor insano pelos nossos antepassados, para proteger as vinhas, que despontavam por entre lava solidificada e biscoitos, do rocio do mar e das ventanias. Quem assim vê, é que pode avaliar.

O meu aplauso para a Comissão Vitivinícola Regional que quer reconverter a vinha em toda a ilha do Pico, apesar de ser na Madalena a maior extensão, e em todos os Açores, onde há núcleos que a cultivam.

Não pretendo fazer a história da introdução da vinha no Pico. Dizem que foram os franciscanos… De facto, há vestígios deles por todos os cantos. Os frades carmelitas, também, andaram por aí. Testemunha-o o Museu do Vinho, instalado num antigo convento carmelita.

Não se fez festa quando, em 2004, a Paisagem Protegida da Vinha foi considerada pela Unesco, Património da Humanidade. Talvez, com medo das responsabilidades que isso traria. Mas o que segue é que ela aí está para gozo dos residentes e dos muitos turistas que a visitam. Alguns, só por causa disso. Orgulho dos picoenses, porque, por todo o mundo, se fala dela. A consciência ambiental que isso criou, no sentido de perseverar o que é nosso, é digna de registo.

Tudo isto dá um caldo comercial invejável. Que o digam os comerciantes.

Um toque pessoal: fui criado no meio de vinhas e de vinho: vinho tinto e da madeira (uma espécie de rosé, bem graduado). Esta era a terminologia da altura. Meu pai, um produtor da freguesia, também, abandonou vinhas, pelas razões acima, mas continuou a cultivar muitas outras.

Um brinde à Cidade do Vinho 2017. Um licoroso fica bem, aqui!

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

SALADA NOSSA DE CADA DIA

Sábado, 08.04.17

(TEXTO DE “DA NOVA NO MUNDO)

O que é que nos deu, enquanto seres humanos que gostam de ir a restaurantes, para desprezar ou ignorar a parte da carta que diz “saladas”? Bem sei que as nossas mães e avós sempre nos ensinaram que não é boa ideia comer saladas fora de casa, porque nunca sabemos se os vegetais e legumes são lavados com o brio que só elas teriam. Há também quem diga que é um desperdício de tempo, dinheiro e apetite ir a um restaurante para comer saladas.

Ora, eu estou no extremo oposto de tudo isto. Quem me conhece sabe que viveria bem se apenas pudesse comer saladas e – aqui me confesso – são a primeira coisa que procuro numa ementa (depois vêm as sobremesas, claro). Para vos mostrar que as saladas podem e devem ser uma opção viável, sobretudo no tempo mais quente, decidi fazer-vos o roteiro de uma semana a comer uma salada (fora de casa) por dia.

As segundas-feiras conseguem ser penosas, por isso nada melhor do que as saladas e a vista do Cais da Pedra para nos animar. O menu não tem muita variedade (umas quatro, no máximo), mas cada uma delas tem o seu encanto. Fresca, adocicada e leve, assim é a Salada de Morangos e Queijo de Cabra que, neste momento, é a minha favorita deste restaurante.

Já que estamos pela zona, por que não fazer check-in no DeliDelux? Antes de chegarmos ao balcão ou à esplanada, o mais certo é que nos percamos no meio dos corredores da mercearia gourmet. Bem sei que o espaço é mais conhecido pelo brunch, mas o que me dizem a uma Salada de Legumes Assados, com Ras el Hanout e Queijo Chèvre? Prometo que não vão ficar com fome.

Quem conhece o Noobai, ali no miradouro do Adamastor, sabe perfeitamente que é o sítio ideal para fugir da realidade – pelo menos durante a hora de almoço. O espaço convida a refeições leves e é ali que podem encontrar uma das melhores versões de um clássico – a Salada Grega. Esta tem dois pequenos twists: leva edamame e acompanha com um molho de framboesas que faz toda a diferença. É tudo uma questão de esperar que as obras de remodelação do café estejam terminadas, o que deve acontecer no início de Abril.

Chegamos a outro dos meus sítios favoritos, onde as saladas conseguem sempre surpreender. Isto porque, a cada estação temos uma carta diferente. Já ali tive a oportunidade de provar as combinações mais inesperadas, mas a mais recente é a Salada de Figos e Queijo da Ilha. Garanto que se torna ainda mais deliciosa se estiverem sentados no jardim interior.

Achavam que eu só tinha sugestões no centro da cidade? Para quem estiver pelos lados da LX Factory, vale muito a pena parar para almoçar ou jantar n’A Praça. O restaurante marca pontos só pela decoração, mas deixa-nos K.O. com a ementa. Há uns tempos introduziram uma lista bastante completa de saladas no menu, mas a minha sugestão continua a ser a Salada Caprese, cuja apresentação não deixa ninguém indiferente.

Sim, eu sei que já vos recomendei uma Salada Grega antes, mas uma viagem pela gastronomia da Grécia nunca fez mal a ninguém. Este restaurante fica bem escondido na Madragoa, mas faz-nos viajar a cada garfada. E nada melhor do que azeitonas gregas à séria na salada para o comprovar.

Chegou finalmente o último dia da semana e o nosso destino é a Pizzaria Luzzo. Prometemos que comíamos uma salada por dia durante uma semana e não é agora que vamos desistir. Não há muitas opções no menu, mas a Salada Luzza é – pelo menos para mim – a escolha nº1.

O que acharam deste pequeno roteiro? Há alguma salada que me recomendem?

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

A VERDADE

Domingo, 05.02.17

(TEXTO DE ALMADA NEGREIROS)

 

Eu tinha chegado tarde à escola. O mestre quis, por força, saber porquê. E eu tive que dizer: Mestre! quando saí de casa tomei um carro para vir mais depressa, mas, por infelicidade, diante do carro caiu um cavalo com um ataque que durou muito tempo. O mestre zangou-se comigo: Não minta! diga a verdade!

E eu tive de dizer: Mestre! quando saí de casa... minha mãe tinha um irmão no estrangeiro e, por infelicidade, morreu ontem de repente e nós ficámos de luto carregado. O mestre ainda se zangou mais comigo:

Não minta! diga a ver­dade!!

E eu tive de dizer: Mestre! quando saí de casa... estava a pensar no irmão de minha mãe que está no estrangeiro há tantos anos, sem escrever. Ora isto ainda é pior do que se ele tivesse morrido de repente porque nós não sabemos se estamos de luto carregado ou não.

Então o mestre perdeu a cabeça comigo:

Não minta, ouviu? diga a verdade, já lho disse!

Fiquei muito tempo calado. De repente, não sei o que me pas­sou pela cabeça que acreditei que o mestre queria efectivamente que lhe dissesse a verdade. E, criança como eu era, pus todo o peso do corpo em cima das pontas dos pés, e com o coração à solta confessei a verdade:

Mestre! antes de chegar à Escola há uma casa que vende bonecas. Na montra estava uma boneca vestida de cor-de-rosa! Mestre! a boneca estava vestida de cor-de-rosa! A boneca tinha a pele de cera. Como as meninas! A boneca tinha tranças caídas. Como as meninas! A boneca tinha os dedos finos. Como as meninas!

Mestre! A boneca tinha os dedos finos...

 

José de Almada Negreiros , Obras Completas

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

DIA DE NATAL

Sábado, 24.12.16

(POEMA DE ANTÓNIO GEDEÃO)

 

Hoje é dia de ser bom.

É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,

de falar e de ouvir com mavioso tom,

de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

 

É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,

de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,

de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,

de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

 

Comove tanta fraternidade universal.

É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,

como se de anjos fosse,

numa toada doce,

de violas e banjos,

Entoa gravemente um hino ao Criador.

E mal se extinguem os clamores plangentes,

a voz do locutor

anuncia o melhor dos detergentes.

 

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu

e as vozes crescem num fervor patético.

(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?

Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

 

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.

Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.

Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas

e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

 

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,

com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,

cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,

as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

 

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,

ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.

É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,

como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

 

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.

Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.

E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento

e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprar.

 

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.

Naquela véspera santa

a sua comoção é tanta, tanta, tanta,

que nem dorme serena.

 

Cada menino

abre um olhinho

na noite incerta

para ver se a aurora

já está desperta.

De manhãzinha,

salta da cama,

corre à cozinha

mesmo em pijama.

 

Ah!!!!!!!!!!

 

Na branda macieza

da matutina luz

aguarda-o a surpresa

do Menino Jesus.

 

Jesus

o doce Jesus,

o mesmo que nasceu na manjedoura,

veio pôr no sapatinho

do Pedrinho

uma metralhadora.

 

Que alegria

reinou naquela casa em todo o santo dia!

O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,

fuzilava tudo com devastadoras rajadas

e obrigava as criadas

a caírem no chão como se fossem mortas:

Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

 

Já está!

E fazia-as erguer para de novo matá-las.

E até mesmo a mamã e o sisudo papá

fingiam

que caíam

crivados de balas.

 

Dia de Confraternização Universal,

Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,

de Sonhos e Venturas.

É dia de Natal.

Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.

Glória a Deus nas Alturas.

 

António Gedeão.

 

 BOAS FESTAS

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

COM OS MORTOS

Quarta-feira, 02.11.16

(ANTERO DE QUENTAL)

 

Os que amei, onde estão? Idos, dispersos, 
arrastados no giro dos tufões, 
Levados, como em sonho, entre visões, 
Na fuga, no ruir dos universos... 


E eu mesmo, com os pés também imersos 
Na corrente e à mercê dos turbilhões, 
Só vejo espuma lívida, em cachões, 
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos... 

Mas se paro um momento, se consigo 
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado 
De novo, esses que amei vivem comigo, 

Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também, 
Juntos no antigo amor, no amor sagrado, 
Na comunhão ideal do eterno Bem. 

Antero de Quental, in "Sonetos" 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

NO DIA EM QUE O CÉU LHE CAIU EM CIMA

Quinta-feira, 29.09.16

 

(POEMA DE ANÍBAL RAPOSO)

 

No dia em que o céu se escaqueirou e lhe caiu em cima

Estava estranhamente calmo.

 

Conta quem viu que até gracejou

Enquanto assinava, como um sonâmbulo,

A sentença que ordenava o seu desterro.

 

Meia hora mais tarde,

A um canto da ilha,

Desceu às profundezas da cratera.

 

Contam os pássaros, suas almas gémeas

E guardiães das memórias da Lagoa Verde,

Que nem nos tempos em que a montanha explodiu em terríveis cataclismos

Se ouviram, como nessa hora, na Baía do Silêncio

Gritos mais roucos, soluços mais telúricos.

E que não consta que tenham caído vez alguma

Na superfície daquelas quietas águas

Lágrimas com tal teor de sal.

 

 

Contam, também,

Que, ali mesmo, jurou

Que, enquanto vivo fosse,

Nenhuma ave, a quem tivesse ferido por descuido,

Deixaria, alguma vez, por culpa sua,

De ter o ensejo de experimentar o golpe de asa

E de voar, em azul e plena liberdade.

 

Aníbal Raposo, 2003-05-30

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

A BELEZA NATURAL DA ILHA DAS FLORES

Domingo, 07.08.16

A beleza natural da ilha das Flores é espelhada na hospitalidade da sua gente.

A ilha das Flores ainda se debate com o problema da sazonalidade no turismo. Porém, e a condizer com a oferta da natureza, há toda uma hospitalidade que se estende por hotéis, hospedarias e particulares.

A ilha das Flores, atendendo à sua dimensão e localização geográfica, regista uma sazonalidade turística mais acentuada do que outras ilhas açorianas. Ainda assim, por altura das festas Cais das Poças, Santa Cruz vê crescer a chegada de turistas e o regresso de jovens estudantes e emigrantes.

Em Agosto, o bom tempo, a disponibilidade, o gozar de férias, a natureza e as instalações hoteleiras são aspetos que se conjugam para que a ilha rosa possa ser ainda melhor anfitriã para os que a (re)visitam.

Numa altura em que é esperado um aumento do fluxo turístico no município de Santa Cruz, os agentes dizem-se preparados para fazer face à procura.

Santa Cruz das Flores tem três unidades hoteleiras: Hotel Servi-Flor, Hotel Ocidental e o Hotel das Flores. Para uma estadia mais despretensiosa existe ainda a possibilidade de se recorrer às acolhedoras hospedarias florentinas, que sempre deixaram a melhor impressão a quem por lá passou.

E se a procura exceder a que para já se adivinha, “não há motivos para preocupações” refere a organização das festas, uma vez que também as residenciais e alguns particulares se preparam e se disponibilizam para o aluguer de quartos. Poder-se-á estranhar o facto de particulares abrirem espaços das suas casas para abrigar os forasteiros, mas é preciso recordar que mesmo durante o ano a ilha das Flores recebe muita população flutuante, como sejam os professores.

Para os mais aventureiros e amantes do contacto com a natureza, o acampamento pode ser também uma possibilidade. Apesar do concelho de Santa Cruz não dispor de um parque de campismo, locais propícios para esse fim não faltam na ilha.

Aliada ao campismo, a natureza inspiradora e envolvente é convidativa aos passeios pedestres, ao canyoning, à observação de aves, assim como ao mergulho e à pesca desportiva.

 

NB - Notícia: suplemento especial do jornal «Açoriano Oriental» e publicado por Fórum ilha das Flores

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

PARA SEMPRE (MÃE)

Sábado, 06.08.16

 

Por que Deus permite

que as mães vão-se embora?

Mãe não tem limite,

é tempo sem hora,

luz que não apaga

quando sopra o vento

e chuva desaba,

veludo escondido

na pele enrugada,

água pura, ar puro,

puro pensamento.

Morrer acontece

com o que é breve e passa

sem deixar vestígio.

Mãe, na sua graça,

é eternidade.

Por que Deus se lembra

— mistério profundo —

de tirá-la um dia?

Fosse eu Rei do Mundo,

baixava uma lei:

Mãe não morre nunca,

mãe ficará sempre

junto de seu filho

e ele, velho embora,

será pequenino

feito grão de milho.

 

Carlos Drummond de Andrade, in 'Lição de Coisas'

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

ILHA DAS FLORES, UMA MARCA DE DEUS

Segunda-feira, 01.08.16

(TEXTO DO PADRE RICARDO HENRIQUES)

A ilha das Flores, no arquipélago dos Açores, é um dos mais belos locais a visitar actualmente em Portugal! A razão desta afirmação, aparentemente exagerada, prende-se com o facto de a natureza naquela ilha açoriana se encontrar ainda, parafraseando a antropologia teológica, num estado de justiça original. A comprova-lo está também o facto de ter sido declarada reserva da biosfera pela Unesco! As variedades na tonalidade do verde, bem como a riqueza orográfica  verificada nas encostas escarpadas, nos declives por entre montanhas e vales fazem da ilha das Flores um cenário paradisíaco onde se pode contemplar inúmeras cascatas que durante todo o ano caem pelas rochas fazendo correr para o mar diariamente  milhões e milhões de litros de água! É este o cenário real que encontrará se tiver a ousadia de visitar a ilha das Flores! Ademais, há nela cenários inesquecíveis como por exemplo a Rocha dos Bordõe a fazer lembrar a majestade dos tubos de um grande órgão de uma catedral! Uma maravilha da natureza para quem entra na ilha pelo lado sul, a vila das Lajes, após percorrer o vale com o mesmo nome. Percorrendo a ilha para a zona oeste, encontra o deslumbrante vale da Fajãzinha que pode ser apreciado desde os miradouros Craveiro Lopes e da Cruz. Aqui as cascatas e ribeiras que de verão e de inverno correm para o mar são autêntica força da mãe natureza a reportar-nos  ao Criador. Ainda desde o miradouro Craveiro Lopes poderá apreciar o Poço da Ribeira do Ferreiro, erradamente apontado nas placas toponímicas como poço da Alagoinha. Continuando para o lado oeste da ilha das Flores deparará coma Aldeia turística da Cuada, um microclima no contexto da ilha, lugar propício à realização de um autêntico retiro espiritual. Silêncio, durante o dia, aliado á sinfonia dos pássaros com raiar  da madrugada, é um cenário natural ideal para o encontro com Deus. Continuando o percurso pelo lado oeste da ilha encontrará a Fajã Grande situada á beira-mar, com um belo promontório, uma pequena praia, e o peso da proximidade das rochas quase fazer lembrar a narração da glória(kebod) de Deus que encontramos na literatura profética do Antigo testamento. Destaque para a ribeira das Casas com a famosa poça do bacalhau onde é possível tomar banho. Da Ponta da Fajã Grande até à freguesia de Ponta Delgada poderá apenas percorrer um trilho que durará umas duas horas até chegar ao farol do Albernaz no extremo norte da ilha. Cerca de vinte quilómetros separam esta freguesia do Norte da vila de Santa Cruz. Neste percurso não deixe de apreciar a vizinha ilha do Corvo, em curvas que oferecem panoramas de grandiosidade inigualável. Santa Cruz é a porta de entrada numa ilha de 12×10 de superfície, (142 km quadrados), com o seu aeroporto de 1400 metros. Das onze igrejas da ilha destaque para a Matriz de Santa Cruz das Flores que apresenta uma frente verdadeiramente imponente. O vale da Fazenda, o Pico da Sé e os panoramas dos miradouros do Pico da Casinha e da Ribeira da Cruz completam um ambiente natural que envolve a mais populosa povoação da ilha, a vila de Santa Cruz! Termino aguçando a curiosidade para ver as sete lagoas a que o povo chama caldeiras, talvez a roçar a perfeição que o número sete indica na Sagrada Escritura!

 

*Este texto está publicado no site Igreja Açores e no Semanário Ecclesia disponível em www.agenciaecclesia.pt

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 11:05

LENDA DO MONTE BRASIL – ILHA TERCEIRA

Sexta-feira, 15.07.16

(Texto de Ângela Furtado Brum)

Segundo a tradição, o príncipe dos mares vivia apaixonado por uma linda princesa de cabelos louros que vivia próximo aos seus domínios. A princesa, entretanto, não correspondia aos seus amores por já se encontrar apaixonada por outro príncipe. O senhor dos mares vivia consumido por ciúmes que muitas vezes o levavam à violência, e decidiu chamar uma fada ao seu reino marinho, com o objetivo de mudar o rumo aos acontecimentos.

A fada veio e tentou durante bastante tempo que a princesa desistisse do seu amor e se apaixonasse pelo Senhor do Mar. Fez magias e feitiços e exerceu todas as suas influências, mas sem nada conseguir devido ao profundo amor da princesa pelo seu príncipe. Furioso, o senhor dos mares acabou por expulsar a fada dos seus domínios.

Um dia, os dois apaixonados, que até ali tinham vivido só da troca de olhares e de suaves devaneios, trocaram o primeiro beijo. Foi um beijo rápido, mas o sussurro dos apaixonados foi escutado pelo senhor e príncipe dos mares, que acordou do leito de rocha de basalto negro e areia vulcânica onde dormia.

A fada também ouviu e atravessou apressadamente os céus em direção ao reino do príncipe dos mares, pois via a oportunidade de se vingar do príncipe, por quem entretanto se tinha apaixonado, e da princesa que lhe roubava a felicidade.

Quando chegou perto do Senhor do Mar, viu-o furioso a bater-se contra a terra com furiosas e encapeladas ondas cobertas de espuma branca e disse-lhe baixinho:

- Príncipe do mar, chegou a hora da vossa vingança. Aqui estou para fazer o que mandardes.

Cego pelo ciúme e pela raiva, este ordenou-lhe em tom de ódio:

- Correi, fada, fulminai o príncipe que roubou minha amada. Mas... lembrai-vos, só a ele!

Aceitando o desafio com a cabeça e convidando o Senhor do Mar a assistir à vingança que ia preparar, a fada levou-o pela mão em direção à praia onde estavam os dois apaixonados. Lá foram encontrar a princesa de cabelos soltos, dourados ao sol poente, levemente reclinada sobre o seu apaixonado.

Rapidamente, a fada soltou a mão do Senhor do Mar e se precipitou sobre o par enamorado, fazendo um encanto: o príncipe ficou transformado num grande monte (o Monte Brasil) coberto de denso arvoredo, levantando-se altivo de frente para o mar. A princesa recusou-se a abandonar o seu apaixonado e ficou para sempre reclinada na posição em que se encontrava. Com o passar dos milénios, transformou-se na baía e na cidade de Angra do Heroísmo. Encontram-se os dois unidos e embalados para sempre pelas noites e pelos dias, pelo eterno soluçar angustiado do Atlântico, príncipe e senhor dos mares.

 

Furtado-Brum, Ângela, Açores, Lendas e Outras Histórias.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

A LENDA DO MENINO DO CORO E A SINEIRA DA SÉ

Domingo, 24.01.16

(TEXTO DE ÂNGELA FURTAD BRUM)

 

No tesouro da igreja da Sé em Angra do Heroísmo existe uma exótica imagem de Santo António de Lisboa, em que este se encontra vestido como um menino do coro, representação pouco habitual.

Conta a lenda que, antigamente, um mestre da capela estava muito preocupado pois não conseguia a harmonia entre os seus pupilos e a festa seria para dali a poucos dias. Furioso, ameaçou bater a um aluno se este não começasse a entoar as músicas na forma correta. Apavorada, a criança fugiu pela catedral até que, à procura de um lugar para se esconder, se encaminhou para as torres da igreja.

Mesmo ali não se sentiu seguro, e à procura de um melhor lugar para se esconder, começou a subir a íngreme escada em caracol que levava aos sinos e aos pináculos das torres. Quando lá chegou pôs-se à escuta e, provavelmente confundindo o barulho do vento com o barulho de passos, julgou ter ouvido o mestre da capela no seu encalço. Não pensando nas consequências, atirou-se do alto de uma das torres.

A criança foi salva por um vento divino que a sustentou no ar, usando a opa da função do coro como para quedas. Levado pelo vento, o menino voou por três ruas até ser depositado no telhado do Convento de Nossa Senhora da Esperança, onde foi recebido pelas freiras com grande espanto.

Para comemorar esta ação divina e o salvamento do filho, o pai da criança mandou fazer a mencionada imagem de Santo António vestido de menino de coro, que durante muitos anos esteve exposta antes de dar entrada no tesouro da Sé Catedral dos Açores. O menino de cantor de coro passou a ser sacerdote na sua vida de adulto.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

SONETO DE NATAL

Quarta-feira, 23.12.15

 

(Machado de Assis)

 

Um homem, - era aquela noite amiga,

Noite cristã, berço no Nazareno, -

Ao relembrar os dias de pequeno,

E a viva dança, e a lépida cantiga,

 

Quis transportar ao verso doce e ameno

As sensações da sua idade antiga,

Naquela mesma velha noite amiga,

Noite cristã, berço do Nazareno.

 

Escolheu o soneto... A folha branca

Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,

A pena não acode ao gesto seu.

 

E, em vão lutando contra o metro adverso,

Só lhe saiu este pequeno verso:

"Mudaria o Natal ou mudei eu?"

 

Machado de Assis, in Poesias Completas - Ocidentais

 

PS – Dedico este belo soneto de Machado de Assis a todos os leitores e visitantes do Pico da Vigia 2, formulando os meus mais sinceros votos de um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:04

IMACULADA

Terça-feira, 08.12.15

(SONETO DE VALÉRIO FLORENSE – PADRE JOSÉ LUÍS DE FRAGA)

 

Se o anjo Te saudou de gratia plena

E te chamou bendita entre as mulheres;

Se digna foste para receberes

Em teu seio de cândida açucena;

 

Quem faz tremer o Inferno quando acena,

Quem reparte a existência pelos seres;

Se nesses braços te foi dado teres

Deus, em criança e pequena.

 

Se te dirão bendita as gerações;

Se o Pai Te deu um trono de Rainha

E o Amor te aceita por esposa amada;

 

Se a ti se elevam mãos e corações,

E esmagaste a infernal Serpe daninha

- Foi por seres de sempre a Imaculada.

 

Valério Florense, in Caminhos.

 

NB - Valério Florense é o pseudónimo literário de um dos mais ilustres filhos da Fajã Grande, o padre José Luís de Fraga e que ocupa lugar de destaque, entre os mais importantes vultos da cultura açoriana, naturais da ilha das Flores. Filho de “Ti’Antonho do Alagoeiro”, nasceu em 1901, numa casa da rua da Tronqueira, mas passou a sua meninice e foi criado na casa do Alagoeiro, no cimo da rua que atualmente herdou o seu nome.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

POR NADA

Quinta-feira, 05.11.15

(POEMA DE RESENDE VENTURA)

 

No momento em que nada

O silêncio tenha a dizer-te,

Chora.

Chora em silêncio e por nada,

No só de dar vida ao silêncio que esconda

Uma lágrima inútil.

 

 

Resendes Ventura

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 18:13

DECISÃO

Domingo, 25.10.15

(POEMA DE ARTUR GOULART)

Aproveitemos as palavras

e o silêncio.

Sigamos este rasto

Marcado na esperança do caminho.

Ponhamos os pés

à frente da alegria

juntemos as mãos

na construção do dia.

 

Artur Goulart No Fio das Palavras

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 08:39

FUGAS PARA AS FLORES

Segunda-feira, 19.10.15

Foi, antes de mais, um jogo do gato e do rato com as nuvens. Tínhamos muita vontade de ver as lagoas que são dos principais ex-líbris das duas ilhas do grupo ocidental mas precisámos de paciência e persistência. Pelo meio, percebemos que há mais vida para além das lagoas e encontrámos lugares belíssimos, onde a vida corre devagar - e que pedem, por isso, estadias a condizer. Sem pressas, com tempo para aprender a ver.

E mais um cliché, que o povo nunca se engana: quem espera sempre alcança. Nós esperámos, por vezes desesperámos, mas ao quarto dia as Flores colaboraram e mostraram-se aos nossos olhos de principiantes. Já tínhamos a vista cheia de pastos verdes, de hortênsias azuis e rosadas, de fajãs dramáticas a cair para o mar, de montes a recortar o céu carregado - mas faltava-nos a (quase) fantasmagoria das lagoas para compor o cenário perfeito. Como num passe de magia, a escassas horas de levantarmos voo, a névoa levantou-se também e deixou-nos entrar no reino encantado da Funda e da Rasa, da Negra e da Comprida, da Lomba e da Branca.

Agora temos todo o tempo do mundo para vos contar como foi.

Aqui acaba a Europa

Aterramos nas Flores debaixo de chuva, mas é de calor quase tropical esta manhã de Agosto em Santa Cruz. Quem se estreia num lugar tem o péssimo hábito de querer abarcar tudo ao primeiro olhar, mas percebemos logo que aqui as regras são outras. É preciso saber esperar e é isso que vamos aprender nos próximos dias.

Por enquanto vamo-nos familiarizando com Santa Cruz das Flores, a vila primeiro, o concelho depois (3789 habitantes, contaram os Censos 2011). Na Avenida dos Baleeiros, o Buena Vista Caffé, com vista de mar privilegiada, está com pouca freguesia. Contamos apenas duas mesas ocupadas - numa delas, duas mulheres francesas, mãe e filha, talvez, estão a ler e dir-se-iam indiferentes ao contexto. Daqui a nada, porém, é vê-las descer as escadinhas que levam às piscinas naturais de Santa Cruz e entrar na água tépida que se abriga entre as rochas. Devidamente equipadas com óculos de mergulho, vão passar vários minutos a nadar com os peixes - e a fazer inveja a quem as vê de cima. As piscinas, não temos dúvidas, serão um dos principais cartões- de-visita da vila onde vivem 1724 florentinos.

Que, no entanto, parecem estar todos sabe-se lá onde. Percorrendo as ruas de Santa Cruz em redor da Igreja de Nossa Senhora da Conceição (fechada aquando da nossa visita, para obras de recuperação do interior), não nos cruzamos com muitos locais. Há mais turistas - ainda assim poucos e a esta hora, perto das 13h00, concentrados na esplanada da Praça Marquês de Pombal. São sobretudo espanhóis - sabemo-lo porque falam alto e riem-se com vontade, praticamente indiferentes à chuva que recomeçou a cair. Com a igreja em obras e o Convento de São Boaventura, que alberga actualmente o Museu das Flores, fechado (pelo menos a esta hora), não temos muito mais para fazer além de ver a vila acontecer. De tão pacata, Santa Cruz é um daqueles lugares onde se pode andar no meio da rua ou até deixar o carro aberto enquanto se vai ao café. Já não será tanto assim, mas de repente lembramo-nos de Raul Brandão - e mais tarde consultamos As ilhas desconhecidas, que trouxemos na bagagem: "Vejo às janelas, por dentro das vidraças, fisionomias tristes de velhos que estão desde que se conhecem à espera de quem passa - e não passa ninguém."

Uma voltinha à vila há-de ficar completa com paragem no Centro de Interpretação Ambiental do Boqueirão, construído nos tanques onde se armazenava o óleo que era derretido na Fábrica da Baleia. Foi inaugurado em Novembro de 2009 e, convidando a um mergulho pelos mares dos Açores, pode ser uma boa ideia para ocupar os miúdos em dias que desaconselhem grandes jornadas ao ar livre. O espaço não é muito grande, mas tem informação detalhada sobre a fauna e flora do arquipélago, mais concretamente da ilha das Flores.

E é a ela que nos vamos fazer agora - mesmo que as nuvens que vemos lá em cima não augurem nada de bom. Arriscamos, ainda assim, e já subimos em direcção ao Pico da Casinha. Estamos a mais ou menos 400 metros de altitude, informa Marco Melo, da empresa de turismo de aventura West Canyon, que nos acompanha nesta viagem pela ilha, e começamos a sentir na pele (literalmente) o cliché que dá conta que nos Açores é possível ter as quatro estações num dia. Saímos do Verão de Santa Cruz e agora estamos praticamente no Inverno - e isto ainda é Santa Cruz.

Queremos acreditar que deste Pico da Casinha há realmente vistas fantásticas sobre o vale da Fazenda de Santa Cruz, mas esta névoa que nos persegue à medida que subimos deixa ver pouco para além do que temos imediatamente à frente dos olhos: muros forrados a hortênsias a delimitar os terrenos verdinhos, mais vacas do que pessoas e um silêncio quase fantasmagórico. Há outro miradouro ao virar da esquina - Arcos da Ribeira da Cruz, nas proximidades da qual se terão fixado os primeiros povoadores da ilha, no século XV - mas parar aqui serviria de pouco. "As nuvens nos Açores têm uma vida extraordinária", diz Raul Brandão no livro que nos acompanhará ao longo de toda esta jornada açoriana - e não podíamos estar mais de acordo.

Já percebemos que daqui não levamos nada, nem por sombras conseguiremos avistar as sete lagoas que são uma das imagens de marca das Flores. Descemos, portanto, e vamos fixar-nos mais perto do mar, onde as nuvens não parecem ter tanta vida. Antes, porém, paragem no miradouro do Portal: a Fajãzinha é uma manta de retalhos de campos verdes molhados de orvalho e tem a Aldeia da Cuada por cima; a cascata da Alagoinha, talvez o maior spot da ilha, hoje não dá mais a ver do que uns risquinhos esbranquiçados na rocha de vegetação compacta; lá ao fundo, a Fajã Grande e o ilhéu de Monchique, perdido no Atlântico.

É para lá que vamos agora, para a Fajã Grande, já nas Lajes das Flores, que exibe com orgulho o título de concelho mais ocidental da Europa. Foram-se as nuvens e voltamos a entrar no Verão. Junto ao mar, a Fajã Grande mais não é do que uma evocação da geografia. É nas Flores que acaba a Europa e começa a América e isto, só por si, vale muito. Quem não gosta de dizer aos amigos que já esteve no ponto mais ocidental da Europa? Que tecnicamente é, no entanto, o ilhéu de Monchique, um rochedo isolado no mar.

É também na Fajã Grande que tem morada o Poço do Bacalhau, uma cascata que desagua na lagoa com o mesmo nome e que no Verão funciona como complemento ao mar. Nós, porém, não trocamos as águas azul-turquesa por nada deste mundo e deixamo-nos ficar por aqui. Mesmo que apenas deitados em cima do muro a ouvir o barulho das ondas. Não se está nada mal, neste ponto mais ocidental.

 

Sandra Silva, Fugas Viagens, Jornal Público de 3/9/1

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

UMA TECEDEIRA DE CANTIGAS CHAMADA MARIA ANTÓNIA ESTEVES

Domingo, 04.10.15

(Texto de Victor Rui Dores)

 

Numa altura em que praticamente ninguém se interessa pelo Cancioneiro dos Açores (e os poucos que o fazem, através do Cancioneiro Geral de Armando Côrtes-Rodrigues, andam a lavrar regos já lavrados…), é de saudar a insistência e a persistência de Maria Antónia Esteves, que, numa linha de contínua e continuada investigação, vai recolhendo, registando, gravando e cantando a música tradicional dos Açores e suas incidências com a música vinda do continente português, da Europa, das Américas, do Brasil e de África.

Muito haveria a dizer sobre esta cantora e etno-musicóloga, que tem talento, sensibilidade e bom gosto. Porque não é impunemente que se é herdeira de uma tradição musical e poética com raízes fundas e profundas nos cantares de gesta medievais e na melhor poesia trovadoresca. Porque não é impunemente que se é trisneta de baleeiros que balearam até ao Oceano Ártico. E porque não é impunemente que se é sobrinha do grande folclorista açoriano padre José Luís de Fraga, e se cresceu no seio de outros familiares para quem a música constituiu sempre um compromisso de paixão.

Depois de Açores (45 r.p.m., 1981), Manjericão da Serra (LP, 1984), Canto do Prisioneiro (LP, 1988) e Com o Rosto a Este Vento (CD, 2005), temos agora Entre França e Aragão(2014) como título do mais recente CD de Maria Antónia Esteves e que, a meu ver, constitui uma das mais porfiadas experiências musicais dos últimos anos em solo pátrio, sendo que, nos Açores, não há precedentes de um disco com esta temática. Um disco com boa apresentação gráfica e com um booklet que nos dá informação muito precisa sobre a origem, a história e outras incidências dos temas recolhidos.

Com a sua voz telúrica, bem timbrada, límpida e expressiva, superiormente acompanhada à viola de arame (ou viola da terra) por Miguel Pimentel, que é também autor dos eficazes e eficientes arranjos para viola(s), Maria Antónia Esteves canta sentimentos, emoções e estados de alma. Com expressão lírica e grande serenidade.

Ela canta errâncias marinheiras e vivências baleeiras (“Um Marinheiro”, recolhida na ilha das Flores pelo padre José Luís de Fraga), evoca o amor e a dolência nostálgica da alma açoriana (“O Meu Bem”, por ela recolhido na ilha de São Jorge, ”Cabeçal onde me deito”, recolhida na ilha de São Miguel por Miguel Pimentel, e “Lindos Amores”, recolha de Manuel José Tavares Canário em São Miguel), havendo a destacar a relação que a cantora/recoletora estabelece entre melodias/danças do folclore açoriano e as suas congéneres do Sul do Brasil (Rio Grande do Sul e Santa Catarina), nomeadamente “Ratoeira” e “Terno de Reis”, temas que, sendo de origem açoriana porque levados para o Brasil por colonos açorianos no século XVIII, foram naquelas regiões recolhidos. E aqui muito haveria a dizer sobre as marcas da música criada nos Açores que a diferencia da matriz portuguesa, flamenga, americana, africana ou brasileira, ou seja, o fenómeno da adoção, adaptação, alteração e criação local de toadas populares açorianas – matéria sobre a qual me venho debruçando nas últimas três décadas.

Mas a cereja em cima do bolo deste disco é mesmo a faixa “A Donzela Guerreira”, versão recolhida na ilha de São Jorge, tratando-se de um dos romances tradicionais mais populares nos países do sul da Europa, e que dá conta da história de uma jovem que vai combater a guerra “entre França e Aragão” fazendo-se passar por homem.

E depois há essas duas preciosidades melódicas e harmónicas que são o “Fado Maria da Luz” (recolhido por Maria Antónia Esteves na ilha de São Jorge) e “Fado da Meia Noite” (recolhido por Miguel Pimentel em São Miguel). Por isso mesmo, o que escutamos neste disco não é folclore, mas música autêntica e profunda, toada intemporal e universal.

Em todas as cantigas do disco, a voz de Maria Antónia Esteves funde-se, em comunhão espiritual e em supremo diálogo, com o toque rasgado e puro da viola de Miguel Pimentel (filho de Manuel Moniz que foi igualmente notável tocador de viola), cuja excelente técnica e extraordinária capacidade solística estão bem patentes em outros três temas: “Pezinho”, “Chamarrita do Meio” e “Sapateia”. Aliás, este disco é também uma declaração de amor e de dignificação à nossa viola da terra, às suas sonoridades, capacidades e potencialidades. (De resto não é difícil tocar viola da terra, o que é difícil é tocá-la bem…).

De grande qualidade, este disco Entre França e Aragão (viagem musical e poética feita a partir dos Açores mas com rotas traçadas a pensar noutros espaços universais, ou seja, com música que parte da ilha para o mundo e que, do mundo, regressa à ilha) cumpre um verdadeiro serviço público. Por isso, mas não só por isso, deve merecer a nossa melhor audição.

Uma coisa é certa: na solidão comprazida de São Pedro do Nordestinho, na ilha de São Miguel, a trovadora Maria Antónia Esteves, sorriso radioso e sereno (calma por fora mas criativamente muito agitada por dentro), continuará a dar voz e expressão à alma de um povo. Porque é esse o seu destino. Porque é essa a sua missão. E porque é essa a sua forma de perseguir caminhos de sonho e felicidade.

 

Victor Rui Dores in Açoriano Oriental. 2 Out. 2015

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

A VIDA TÃO BELA E TÃO FRÁGIL

Sexta-feira, 02.10.15

(TEXTO DE KATHY RITA)

Sei que estão a par do acidente no Corvo no passado dia 24 de agosto, foi um acidente trágico na nossa pacata ilha onde por norma, nada de grave se costuma passar, muito menos algo tão fatídico. Criada numa cidade onde os acidentes, homicídios, raptos e as demais cenas infelizes são o pão nosso de cada dia, onde estive num centro comercial em plena cidade de Londres em que um louco começou a disparar tiros como se não houvesse amanha, onde já vi na baixa de Lisboa, logo pela manhã, gente a sangrar na berma da estrada com cortes feitos por uma navalha, mas muitos anos de Açores e desabituei-me a essas tragédias à porta de casa. Os corvinos e não só, (pelos comentários e mensagens que tenho recebido nas redes sociais de todos os cantos do mundo), estão todos de alma pesada. Uma vida, a coisa mais preciosa e mais frágil, perdeu-se e os outros que continuam a lutar para manter a sua.

No entanto também recebi mensagens em que me diziam para abandonar este “fim do mundo”, que não era sítio digno de se viver, sendo americana não merecia viver num sítio tão desolado. Como se isso não bastasse, as coisas que tenho lido no mundo virtual tem sido deverás infeliz e de muito mau gosto. O Corvo não tem muita coisa, claro que não, é pequeno, não se justifica nem faria sentido ter o que uma metrópole tem. Para os turistas, a ilha é o paraíso, ficam fascinados que em pleno 2015, ainda existem sítios onde podem andar à vontade nas ruas e em que a própria comunidade os acolhe como se sempre vivessem cá. O único ponto negativo que vejo em viver nestas ilhas, do grupo Ocidental é que estamos longe de um hospital bem equipado, o que temos por cá é limitado, é básico, serve para situações menos graves e existe o suficiente para nos manter vivos até chegarmos a um hospital. Mas mesmo assim com recursos mínimos, ainda temos as equipas médicas, bombeiros, autoridades e até a população (um bem haja a todos vós que de tudo fazem a pensar na vida dos outros!), que se desdobram em esforços para que o pior não aconteça até cá chegar um avião ou um helicóptero de salvamento. (Outro louvor a estas tripulações que dedicam as suas vidas para salvarem tantas outras!) No meu simples entender, o fim do mundo não é aqui nem no resto dos Açores, vejo sim, o fim do mundo cada vez que ligo a televisão! Gente fugindo e morrendo no Mediterrâneo, e eu a ver golfinhos e falsas orcas no Atlântico entre Corvo e Flores, gente acordando ao som dos mísseis por cima da cabeça, eu a ouvir os pardais pela manhã e os cagarros à noite, gente que não pode andar no caminho sem serem assaltados, e eu aqui às 11 da noite, sozinha, no descampado a tirar fotos às chuvas das estrelas, não diria que vivo no fim do mundo mas sim num lugar (e já são escassos) em que possa viver, no verdadeiro sentido da palavra.

De lamentar sim, foi a vida ainda tão jovem, que se perdeu, com tanto ainda pela sua frente, uma vida que por muito que se tentasse não a poderíamos trazer de volta. Era filha, amiga, irmã, neta, vizinha, namorada de alguém, logo, muitas outras vidas tragicamente abaladas. Os feridos estão nas nossas orações e todos os dias ao saber um pouco sobre o estado clínico de cada um, pedimos à nossa padroeira que olhe por eles. O Corvo está de luto, não era habitante mas era alguém que nos queria visitar, fazer parte da nossa ilha nem que fosse só por um dia, mas ficou para sempre, nos nossos corações. Dizem que o tempo apaga tudo, é mentira, não apaga, só nos ensina a viver com a ferida mas longe de apagar o que quer que seja. A família e os amigos jamais irão esquecer esta jovem, nem nós Corvinos nem Açorianos.

 

Kathy Rita, in Açoriano Oriental, 28 Set. 2015

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

PERDER NAS URNAS, GANHAR NA SECRETARIA

Terça-feira, 29.09.15

(Texto de Alexandre Homem Cristo)

 

Vota-se para eleger deputados, mas é indesmentível que no fundamental está em causa a escolha de um primeiro-ministro. É contrariando esse princípio que, perdendo, Costa pretende ganhar na secretaria

Dois milhões e meio de estúpidos. É este o número estimado de portugueses que votarão na coligação Portugal à Frente (PàF) no próximo dia 4, e é assim que no PS os qualificam. Correia de Campos verbalizou-o – o PS vai ganhar as eleições pois “o povo não é estúpido”. E a incredulidade reinante nos bastidores socialistas perante as sondagens, conforme noticia o semanário Sol, confirma o enraizamento da tese no Largo do Rato.

São conhecidos os erros políticos do PS, assim como a sua perturbadora incapacidade para os corrigir. Mas o que está latente nestas declarações de Correia de Campos não é um erro estratégico, é algo que permanece cravado no código genético do PS: a convicção de uma superioridade moral no centro-esquerda ocupado pelos socialistas, que certifica o direito natural do PS à governação do país. É, aliás, um clássico da política portuguesa desde 1976: nas urnas, os votos valem todos o mesmo enquanto, nos jornais e nas ruas do Príncipe Real, há uns que são “melhores” e mais “inteligentes” do que outros.

É por isso que o PS pode perder as eleições, embora tal cenário, aos olhos da arrogância socialista, apenas seja plausível se o povo estupidificar. Ora, como as contingências de uma democracia são uma chatice e a estupidificação é possível, a ambição de António Costa surgiu descontraidamente noticiada no Expresso: mesmo que o PS perca, será ele a formar governo.

Só a arrogância de quem julga deter um direito natural ao poder justifica a insólita ambição de António Costa de governar mesmo que a coligação PSD/CDS vença as eleições – bloqueando a aprovação do Programa de Governo de uma maioria relativa PSD/CDS e construindo entendimentos à esquerda (de resto, absolutamente improváveis). A legalidade não constitui obstáculo, é certo. Mas a ausência de legitimidade política deve estabelecer-se como impedimento: os portugueses votam nas legislativas para eleger deputados, mas é igualmente indesmentível que o que está em causa é fundamentalmente a escolha de um primeiro-ministro. E é contrariando esse princípio que, se perder nas urnas, Costa pretende ganhar na secretaria, contornando uma eventual escolha popular que eleja Passos Coelho primeiro-ministro. O aviso fica feito: sem maioria absoluta, nenhuma coligação que exclua o PS terá condições institucionais para formar governo.

Sejamos realistas: o cenário é, para além de inédito na democracia portuguesa, extremamente improvável. Qual a probabilidade de o PCP viabilizar um governo do PS por via de uma coligação ou de um acordo parlamentar? Zero. E qual a probabilidade de o BE obter um número de deputados suficiente e, para além disso, estar disponível para um compromisso com o PS? Quase zero. Portanto, mais do que discutir o cenário com que António Costa sonhou, importa salientar que este foi recebido no PS e na imprensa com naturalidade. Ou seja, ninguém aí encontrou uma violação da vontade eleitoral dos portugueses. E ninguém aí identificou um grave problema de legitimidade política. É isso que é revelador: independentemente da vontade dos portugueses, há mesmo quem considere que vale tudo para levar o PS ao poder – e, no fundo, substituir os portugueses na sua escolha eleitoral, numa espécie de uma apropriação da “vontade popular”.

Ora, quem tiver um pouco de memória verificará que, no interior do PS, nada há de surpreendente nesta prepotência, que nasceu com Soares e se afirmou com Sócrates, sustentada no desprezo por um certo provincianismo português – marca histórica do desdém face a Cavaco Silva, Passos Coelho e até António José Seguro, todos vistos no Largo do Rato como meros saloios – e que estabeleceu a confusão entre o PS, o Estado e o poder (um putativo «l’État c’est moi») que Sócrates tão bem personificou. Aí, reconheça-se, o PS de António Costa não é diferente do de Sócrates nem do de Soares: foram os círculos de poder das elites lisboetas no PS que o lançaram para a liderança do partido, perpetuando os tiques do passado. Mas o país, sim, está muito diferente hoje do que era em 2011, em 2005 ou nos anos dourados das décadas de 80 e 90. E, portanto, não é um acaso que tanta coisa tenha falhado na actual campanha do PS.

No dia 5 de Outubro, talvez o PS perceba, finalmente, que o seu maior problema não se encontra nos cartazes, nos discursos ou em alguma estratégia de marketing político mal arquitectada. Pelo contrário, habita na sua própria raiz identitária: é a sua arrogância (moral, social e política) que impede o PS de reconhecer e corrigir os seus erros, em vez de os apontar aos portugueses ou à comunicação social. E é essa prepotência que afasta o partido dos moderados do centro e de quem procura uma solução de estabilidade política. Ora, se o PS quiser ter futuro nestes tempos turbulentos que se avizinham, terá de mudar isso, o que não será fácil. É que Seguro tentou fazê-lo e perdeu o partido. E Costa, que não o considerou necessário, arrisca-se agora a perder as eleições – nas urnas e na secretaria.

 

Alexandre Homem de Cristo, in Jornal Observador 28-09-15

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

INIMIGAS

Quarta-feira, 23.09.15

(CONTO DE MIGUEL TORGA)

 

Desde o arraial da Senhora da Fraga que a Cacilda e a Sofia se não podiam ver. Até ali, muito amigas, sempre agarradas uma à outra, como irmãs. Mas meteu-se a ciumeira entre elas, e aquela amizade foi um ar que lhe deu. Fiadas no paleio do Augusto, a prometer um tostão a uma e cinco vinténs à outra, pareciam cadelas ao mesmo osso. Não saberem que quem é homem diverte-se, e que em coisas assim o melhor é fazer das tripas coração e deixar correr! Qual o quê! Puseram-se a dar ouvidos aos vinte anos, e, não e nada, faziam lume mal se encaravam.

Na tal noite da zanga, andavam juntas no adro, felizes da vida, a comer pêras e a beber limonada, quando o rapaz se aproximou, se eram servidas de qualquer coisa. Que muito obrigadas, mas que não tinham fome nem sede.

- E uma prenda?

Que aceitavam, já que estava tão daimoso. Ora, o Augusto, na escolha dos ramos de rebuçados, teve tais artes, que só com a quadra que neles vinha encheu as duas da miragem dum amor sem misturas. Umas patetas! O certo é que, mal o rapaz tirou a Sofia para dançar, a Cacilda ficou como se lhe tivessem dito que o fim do mundo era naquele instante.

Os arraiais da Senhora da Fraga são um bota-fora a noite inteira, com duas músicas a estrondar, uma de cada lado da capela. Fogo, nem se fala. Até de Sanfins se pode ver o céu de Faiões, sem um minuto de intervalo, aberto de claridade. Coisa rica! Pipas e pipas de vinho debaixo da carvalhada, e do melhor, que parece que todos capricham nisso, tascas de fritos, mesas de cavacas e de refrescos, medas de regueifas, carros de melancias, um louvar a Deus. Fartura de tudo para quem tiver conques. De maneira que quem diz: vou ao arraial da Senhora da Fraga e vai, já se sabe que não arranca de lá antes do alvorecer. Por isso, até a Santa estremeceu no altar quando a Cacilda, a todo o pano, que se ia embora. Perguntava-lhe a ti Constança, abismada:

- Que mosca te mordeu, rapariga?! Tu estás maluca ou quê?!

Felizmente que o Augusto valeu àquilo, arredondando a fala e convidando-a também.

Toda babada por dentro, que não, que não dançava. Rogasse outra vez a Sofia. O rapaz insistiu, e o que foste fazer! Agarrou-se a ele e atirou-se à cana verde que parecia um pé de vento! De madrugada, comiam-se uma à outra.

E valia a pena! As palermas a adorá-lo, a quebrar lanças pelo grande adereço, e o ladrão de caçoada! Ainda o cheiro dos foguetes andava pela serra a cabo, já os banhos dele a correr em Favaios com uma de lá!

Cuidaram todos que, morto o bicho, morta a peçonha. Oh, oh! Nem assim deram o braço a torcer! Engoliram a desfeita e ficaram como dantes, se não pior. E mutuamente a atribuírem-se as culpas de o Augusto bater as asas!

O grande prejuízo! Que valia ele mais do que os outros? Nada. E a prova disso é que não tardou muito estavam casadas, com dois rapazes bem jeitosos, de resto, o Alberto e o Raimundo. Que queriam mais? Mas meteu-se-lhes aquela sizama no corpo, que mesmo depois de o verem arrumado e de se arrumarem também, continuavam a ferro e fogo.

Na boda de ambas ainda houve quem tentasse fazer as pazes. Bondou de bem! Danadas!

Como a Sofia se recebeu primeiro, disse-lhe a Rosa:

- Eu se fosse a ti, convidava a Cacilda... Fostes tão amigas na mocidade!...

Que a não queria ver nem pintada numa parede. E logo naquele dia, de mais a mais! Uma falsa, que se lhe atravessara no caminho como urna ladra! Não. Havia ofensas que nem à hora da morte...

E a Cacilda, quando lhe chegou também a vez, por sinal na mesma semana - o povo dizia até que elas andavam ao desafio -, mal a Pirraças lhe falou na Sofia, credo, mudou de cor e perguntou muito a sério se lhe queriam estragar a festa. A escândula que tinha da outra ia com ela para a sepultura. Com tal gente, bom dia 1 É não fazer caso e deixar correr. Dar tempo ao tempo, que cura meadas e embranquece os cabelos.

Tal e qual. Não tardou muito, nove meses contados, mais coisa menos coisa, tudo se compôs a contento de Faiões.

Certas como relógios, o Abril a cair, e cada uma com o seu menino. Mas a Sofia esteve tão mal, tão doente, custou-lhe tanto o dela, que ninguém a julgava. Febres, acidentes, albuminas, que foi preciso vir o médico, e mesmo assim esteve desenganada. Leite para o filho, viste-o. Sequinha como as palhas! O infeliz chupava um pano molhado em água açucarada, que a Rosa lhe chegava à boca, engolia uma pinga de leite de cabra, cortado, e viva o velho! Mirradinho, de todo.

A Cacilda soube do caso ainda antes de se erguer. Nas terras pequenas, as boas e as más notícias entram pelas frinchas da parede. E já com outra humanidade na alma, mãe de todos os pimpolhos do mundo e solidária com todas as mães amigas ou inimigas, mandou chamar a Rosa e pôs-lhe as fontes do peito à disposição. Com uma condição apenas: que a Sofia não soubesse. À laia de passear o menino, lho levasse lá. E ela havia de ver como o pequeno arribava, que tinha leite naqueles seios que chegava para um regimento. Até lhe doíam!

Assim foi. A Sofia, a poder de remédios e mais remédios, ia tendo mão na vida. E enquanto ela dormia, desmaiava, ou estava para ali amodorrada, a Rosa era como o vento: agarrava no garoto e corria a casa da Cacilda a fartá-lo.

Até que a Sofia arribou. Levantou-se muito fraca, muito amarela, e quis dar de mamar ao filho. Já podia. Mas, quando foi abrir a blusa e pôs à mostra as duas bexigas secas, nem o catraio as quis, nem a Rosa consentiu que lhas metesse na boca.

- Guarda lá isso, mulher, que até o podes envenenar! Eu lhe darei de comer. Olha que à fome não morre!

Humilhada, a Sofia começou a chorar. E ainda mais desespero sentiu, pouco depois, ao ver a criança espernear nos braços da Rosa, recusar a chupeta e começar num berreiro de atroar os céus. O seu rico filho estava doente. Nem comer queria!

A Rosa é que não atribuiu grande importância à birra, como lhe chamou. A criança precisava de sair um migalho, de apanhar sol... Ia passeá-la. A Sofia ficou só, cheia da sua mágoa. Nunca fora fortalhaça, como a Cacilda, mas sempre esperara poder criar um filho, se Deus lho desse. Afinal... E por via disso o menino tinha de beber à sobreposse leite de cabra, que se calhar lhe fazia mal. Valha a verdade que não estava magro... Contudo, sempre era criado como os enjeitados. Que alegria para a Cacilda! Malucava nisto, quando a Rosa entrou com o rapaz, calado e sonolento.

- Vamos experimentar outra vez?

A Rosa respondeu que sim, que ia encher a mamadeira... E nunca mais voltou. Como o menino não ch orava e se lhe ferrou a dormir no colo, a babar-se, a Sofia desconfiou. Ali andava segredo. No meio da tarde cansada, a doente foi-se deitar e pegou no sono. A criança lá estava no berço, rosada como um anjo. Apesar de adormecida, a Sofia continuava na sua grande labuta. A maternidade incompleta doía-lhe na raiz do instinto. E via no sonho o pequeno mirrar-se de fome, vítima inocente de uma mãe que o não era. Ofegante, tentava libertar-se do pesadelo. Não conseguia. Cada vez mais sumido, esquelético, o infeliz acusava-a com os seus grandes olhos negros, que cintilavam da escuridão de umas órbitas fundas como poços.

Num grito de terror, acordou. E deu pela falta do filho.

- Tia Rosa, o menino? - Perguntou, aflita. Respondeu-lhe o homem, da cozinha:

- Tenho-o aqui ao colo... Vê se dormes.

Cresceu-lhe a desconfiança. E no dia seguinte, pé ante pé, ainda a cair de fraqueza, quando a Rosa foi dar um dos tais passeios ao garoto, seguiu-a. Da esquina da rua viu-a chegar à eira e entregar o miúdo à Cacilda, que estava sentada ao sol. Aproximou-se. O pequeno parecia um bacorinho no peito da inimiga. E, quando as outras deram conta, estava ela de pé, maravilhada, a dizer:

- Olha lá se me engasgas o rapaz, ó Cacilda!

 

Miguel Torga Contos da Montanha

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

A PRINCESA E A ERVILHA

Sexta-feira, 21.08.15

(UM CONTO DE H. C, ANDERSON)

Havia uma vez um príncipe que queria se casar com uma princesa, mas não se contentava com uma princesa que não fosse de verdade. De modo que se dedicou a procurá-la no mundo inteiro, ainda que inutilmente, pois todas que via apresentavam algum defeito. Princesas havia muitas, porém não podia ter certeza, já que sempre havia nelas algo que não estava bem. Assim, regressou ao seu reino cheio de sentimento, pois desejava muito uma princesa verdadeira!

Certa noite, caiu uma tempestade horrível. Trovejava e chovia a cântaros. De repente, bateram à porta do castelo, e o rei foi pessoalmente abrir.

No umbral havia uma princesa. Mas, Santo Céu, como havia ficado com o tempo e a chuva! A água escorria por seu cabelo e roupas, seu sapato estava desmanchando.

Apesar disso, ela insistia que era uma princesa real e verdadeira.

"Bom, isso vamos saber logo", pensou a rainha velha.

E, sem dizer uma palavra, foi ao quarto, tirou toda a roupa de cama e colocou uma ervilha no estrado, em seguida colocou vinte colchões sobre a ervilha, e sobre eles vinte almofadas feitas com as plumas mais suaves que se pode imaginar.

Ali teria que dormir toda a noite a princesa.

Na manhã seguinte, perguntaram-lhe como tinha dormido.

- Oh, terrivelmente mal! - Disse a princesa. - Não consegui fechar os olhos toda a noite. Vá se saber o que havia nessa cama! Encostei-me em algo tão duro que amanheci cheia de dores. Foi horrível!

Ouvindo isso, todos compreenderam que se tratava de uma verdadeira princesa, já que havia sentido a ervilha através dos vinte colchões e vinte almofadões. Só uma princesa podia ter uma pele tão delicada.

E assim o príncipe casou com ela, seguro que sua era uma princesa completa. A ervilha foi enviada a um museu onde pode ser vista, a não ser que alguém a tenha roubado.

 

Hans Christian Andersen                             

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05





mais sobre mim

foto do autor


pesquisar

Pesquisar no Blog  

calendário

Fevereiro 2019

D S T Q Q S S
12
3456789
10111213141516
17181920212223
2425262728