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FRANCISCO PUREZA E O DESASTRE DO CORVO

Segunda-feira, 26.02.18

Francisco Pureza Greves nasceu na Fajã Grande, mais concretamente na Assomada, a 31 de Outubro de 1929 e era filho do Ti José Pureza. Passou a sua infância na terra natal, a qual, no entanto, abandonou no dia 31 de Dezembro de 1949, a bordo do Carvalho Araújo, a fim de assentar praça na armada em Lisboa. Serviu a marinha portuguesa durante 37 anos, após os quais se reformou, seguindo a carreira de radarista da armada. Durante estes anos de atividade marítima e naval, navegou no navio Escola Sagres e em muitos outros, incluindo o navio Afonso de Albuquerque, acompanhado o general Craveiro Lopes, então Presidente da República na sua visita a Angola. Também fez comissões de serviço em várias regiões do país, incluindo os nos Açores. Durante a sua carreira, raramente tinha possibilidades de visitar a Fajã. Apenas depois de se reformar, como sargento da armada, a visitou demoradamente.

Francisco Pureza foi um dos trinta e nove tripulantes da lancha Senhora das Vitórias que na fatídica noite de 13 de Agosto de 1942 naufragou nos laredos do Corvo, onde perderam a vida dezassete das trinta e nove pessoas que seguiam a bordo.

Recentemente deu uma entrevista à Costa Ocidental TV. Aqui se reproduz uma parte da mesma, no que aquele acidente diz respeito:

Costa Ocidental – Senhor Francisco, nós vamos falar agora de um assunto do qual, atualmente, 90% dos florentinos não conhecem ou nem têm conhecimento. Os corvinos, como é uma terra pequena têm, até porque todos os anos fazem uma homenagem a essas gentes da ilha das Flores, a maior parte delas aqui da Fajã, da Ponta, mas também da Fajãzinha e que faleceram num desastre marítimo que vai fazer ou faz precisamente anos…

Francisco Pureza – Ontem! Dia treze (2017)! Fez precisamente setenta e cinco anos ontem.

CO – Então pronto. Eu vou deixá-lo falar. Se o senhor me conseguir narrar tudo o que lembra dele e tudo o que aconteceu nessa altura ou que lhe contaram, eu ficava muito agradecido.

FP – Bem, eu... ui…ainda ontem chorei e choro todos os anos quando me lembro… Uma dor muito grande! Bem nós saímos daqui, às seis da tarde, numa lancha chamada Francesa, salvo erro. Era um barco de um navio francês que tinha sido tropeado no início da segunda Guerra Mundial. Saímos daqui às seis horas e, por volta das onze da noite, ao chegar à costa do Corvo, a lancha abalroou nuns penedos, porque, segundo constou havia pessoal a apanhar caranguejos para fazerem petiscos lá para a festa e o mestre do barco, sem grande conhecimento do porto, pensou que aquilo era pessoal que estava no porto à espera dos romeiros ou como se diz dos peregrinos e enfiou o barco por ali dentro. O Barco bateu, abanou para o ar… e depois virou… Eu e mais um vizinho meu que faleceu íamos cá atrás ao pé do motor que era mesmo à popa e o barco era todo coberto e aquilo, com a coisa, talvez virou que eu não tenho a mais pequena ideia de como é que saí dali porque eu não fiz nenhum esforço. Na altura tinha doze anos mas já nadava um bocado, mas há um senhor da Ponta que era o João de Freitas que também estava ali e deitou-me a mão. A lancha ficou de quilha para o ar, com a traseira toda debaixo de água. Ele pegou em mim, agarramo-nos a um pantilhão da proa e para ali estivemos, não quero mentir, mas para aí à volta de uma hora ou mais, até que um barco de um indivíduo de Ponta Delgada que era João Medeiros nos apanhou porque a maré já nos ia levando pela ponta da ilha fora. Isto era de noite e era noite escura. Fomos as últimas pessoas a virem com vida para terra, eu e esse senhor João de Freitas. Depois… há umas coisas tristes que talvez não vale a pena falar… que é o médico…

CO – Se o senhor quiser contar vai ficar o registo da testemunha…

FP – Esse médico foi bem conhecido aqui na ilha, que era o doutor… não me lembro agora do nome dele…

CO – Pois eu também não sei. Depois, se o Senhor se lembrar, diz.

FP – Ao chegarmos, no barco, com os corpos, um senhor das Lajes que era o João Tiana, quis fazer uns exercícios… umas coisas para tentar recuperar alguns daqueles corpos e ele não autorizou que ele mexesse neles. O homem estava embriagado e isso nunca me passa da ideia, por isso não deixou que eles fizessem aquelas coisas… com os corpos. E ainda uma outra coisa. É que eu, uma criança de doze anos, faleceu lá a minha irmã, tinha dezassete anos e eu estive ali dias e ele nunca me procurou para saber se eu estava doente, se eu precisava de alguma coisa. Ele não foi à casa onde eu estive para ir ver se eu estava doente ou não estava. Aquilo foi uma mágoa muito grande! Durante muito tempo e ainda hoje me lembro. Eu estava muito nervoso. Aquilo foi muito triste para mim. Ele não fez, nem deixou fazer coisa nenhuma. Mas algumas daquelas pessoas deviam ter sido recuperadas se fizessem umas respirações, etc. E foi assim…

CO – Esse senhor que estava consigo, sobreviveu?

FP – Sim, sim.

CO – Ele era mais velho do que o senhor?

PF – Sim, sim. Ele tinha um filho da minha idade. Era João de Freitas. Era da Ponta, aqui da Fajã Grande. Até tinha a alcunha do Preguiça.

CO – A maior parte dessas pessoas era mesmo daqui da Fajã e Ponta?

FP – Era. A maior parte

CO – A todo eram?

FP – Dezassete pessoas que morreram.

CO – Então iam dezanove pessoas no barco…

FP – Mais…

CO – Mais!? Então iam mais pessoas?

FP – Trinta e nove, salvo erro.

CO – Quer dizer que faleceram essas dezassete e as outras, na altura conseguiram salvar-se.

FP – Sim.

CO – Muito bem! Depois como é que… agora passados estes anos sabe-se que, infelizmente… nem se quer se sabe bem onde estão sepultados no Corvo. Sabe-se que estão ali…

FP – Ali!... Eu passei lá uma vez num navio… eu nunca tive coragem de lá ir. Mas passei uma vez num navio fui lá e disseram-me que era lá num canto…

CO – É! Continua a ser assim. A Câmara Municipal, ainda hoje, não sabe bem onde eles estão. Mas nós vamos fazer essa homenagem, como já lhe disse… que eles bem merecem.

CO – E passados muitos anos, eu não tenho a data aqui, mas tenho-a em casa, é que houve um juiz que veio cá em serviço, à ilha, e teve conhecimento desse processo, pegou nesse processo e é que oficializou quer o naufrágio quer as certidões… todas as coisas, porque até esse juiz mexer nisso, esteve no esquecimento.

FP – Tudo, tudo…

CO – Dessas pessoas que iam no barco, o senhor tem conhecimento de ainda haver alguém vivo ou o senhor é dos últimos?

FP – Eu penso que não. Mas não sei. Havia um rapaz da Fajãzinha que era filho de José Velho, era o Álvaro de José Velho, como diziam. Ele era da minha idade. Talvez ainda esteja vivo, As outras eram todas pessoas mais velhas. Era esse rapaz da minha idade e pessoas mais velhas. Portanto, não me parece que exista mais alguém.

 

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publicado por picodavigia2 às 00:05

ROBERTO BELCHIOR

Sábado, 08.07.17

O Senhor Roberto Belchior morava na Tronqueira, numa casa logo a seguir ao tanque onde o gado bebia água. Era um homem muito reservado e trabalhador, metido consigo e dos poucos que naqueles tempos, na Fajã Grande, ainda usavam barbas. Era casado e tinhas dois filhos, um do sexo masculino e outro do feminino.

Roberto Belchior nascera a 13 de Março de 1894 e era Filho de José de Freitas Belchior, natural de Boston e de Isabel Leopoldina de Freitas, natural da FG., moradores na rua Direita.

Neto paterno de Manuel de Freitas Belchior e de Mariana de Freitas Trigueiro e materno de José Cardoso de Freitas e de Maria Leopoldina.

O que mais o caracterizava era possuir um apelido muito raro e único na Fajã Grande – Belchior. Cuida-se que Belchior é aquele que … embora viva em busca de prazeres, é muito preocupado com a segurança financeira. Tem hábitos enraizados, uma memória celente e adora dividir suas experiências com alguém, \de preferência com seu amor. Seu aprendizado é lento, mas profundo: depois que aprendeu, nunca mais esquece. Por sua vez o lado negativo é o risco de se tronar teimoso e ciumento..

 

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publicado por picodavigia2 às 00:06

PADRE JOSÉ GOMES

Sábado, 27.05.17

Em setembro de 1960 chegava à Fajã um novo pároco nomeado pelo então bispo de Angra, Dom Manuel Afonso Carvalho. Vinha substituir o antigo pároco, padre Manuel de Freitas Pimentel que durante quase quatro décadas paroquiou a mais ocidental paróquia açoriana e que se aposentava, fixando residência em Angra do Heroísmo. O novo pároco que até então exercera a sua atividade sacerdotal como cura de Santa Cruz foi recebido na freguesia com pompa e circunstância e com agrado de toda a população. José Gonçalves Gomes nasceu a 8 de setembro de 1926, na freguesia e concelho das Lajes, sendo filho de José Francisco Gomes, agricultor e de Luísa Gonçalves Gomes, doméstica, a qual juntamente com uma tia e uma irmã o acompanhou durante a sua estadia, por cinco anos, na Fajã Grande.

Em 2 de outubro de 1940, após terminar o ensino primário na sua terra natal, matriculou-se no Seminário de Angra do Heroísmo, onde completou os cursos de Filosofia e Teologia. Em 1 de Junho de 1952, foi ordenado presbítero na Sé Catedral de Angra e, no dia 22 do mês seguinte, celebrou a Missa Nova, na Matriz das Lajes.

Foi nomeado cura da Matriz de Santa Cruz das Flores, da qual era pároco o padre Maurício António de Freitas, tomando posse em março de 1953. Para além do serviço sacerdotal, o padre José Gomes também integrou o grupo de professores que, em 3 de Outubro de 1959, criou o Colégio ou Externato da Imaculada Conceição, hoje, Escola Padre Maurício António de Freitas.

Foi a 8 de outubro de 1960, foi nomeado pároco da freguesia de Fajã Grande das Flores, assumindo também o serviço sacerdotal do lugar da Ponta da Fajã. Aí se manteve até 10 de Junho de 1965, data em que foi colocado na paróquia da Fazenda das Lajes, na mesma ilha.

Em 27 de outubro de 1974, assumiu as funções de pároco da freguesia dos Biscoitos e das Quatro Ribeiras, da ouvidoria da Praia da Vitória, da ilha Terceira; e, em 11 de setembro de 1978, foi nomeado para a paróquia de São Bartolomeu. Também, durante cerca de seis anos, desempenhou com competência e dignidade as funções de Ouvidor de Angra do Heroísmo. Simultaneamente, em 5 de maio de 1984, passou a ser Pároco Consultor da Diocese. Durante seis anos, exerceu ainda o cargo de Presidente da Direção da irmandade de São Pedro ad vincula, que tem como objetivo ajudar os sacerdotes mais desprotegidos da diocese.

Em 27 de março de 1991, Dom Aurélio Granada Escudeiro, bispo de Angra nomeou-o Cónego do Cabido da Sé de Angra, como corolário da sua competência e da sua dedicação às atividades que profissionalmente exercera em prol da diocese. Finalmente em 30 de abril do mesmo ano, foi nomeado ainda Chanceler da Cúria Diocesana, abandonando o serviço pastoral, passando a trabalhar na Cúria de Angra, cidade onde fixou residência. Atualmente, com noventa e um anos de idade, vive numa casa de Saúde, na cidade de Angra.

Sobre ele alguém escreveu: Dedicado e trabalhador, cumpre com rigor as orientações da hierarquia, ao mesmo tempo que procura manter-se actualizado relativamente às inovações da Igreja Católica. Devido ao seu feitio delicado e simples, mantém sempre um excelente relacionamento de convívio e amizade com as populações das localidades por onde tem passado, o qual poderá, eventualmente, ter sido prejudicado em virtude do seu precário estado de saúde. Possuidor de uma forte personalidade, sustenta ao mesmo tempo, um fino trato social, que lhe permite um relacionamento fácil e amistoso.

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O SENHOR DOUTOR MENDONÇA

Quinta-feira, 06.04.17

Após a decisão da Camara Municipal das Lajes de, em 1935, criar na Fajã Grande o segundo centro médico em 1935, foi colocado como primeiro médico da freguesia o Doutor Caetano Luís de Mendonça. Aquele facultativo que cativou pela sua bondade e dedicação, toda a população da freguesia, ali viveu até1943, altura em que se transferiu para a ilha do Pico, fixando-se na vila da Madalena. Na Fajã Grande foi substituído, até 1948, pelo doutor Alfredo Malheiro Serpa. A partir de então a freguesia mais ocidental da Europa nunca mais teve médico residente.

Filho de António Luís de Mendonça e de Maria José de Freitas, o Senhor Doutor Mendonça, como era conhecido, nasceu em 14 de janeiro de 1901 na Fazenda das Lajes, junto da Grota do Telhal, na altura ainda um lugar pertencente à freguesia e ao concelho de Lajes das Flores. Depois de concluir a Instrução Primária, matriculou-se no Ensino Secundário no Liceu da Horta, em 1919, ensino esse que concluiu em Angra do Heroísmo, uma vez que na Horta não existia nesse tempo ensino complementar. Ingressou a seguir no Ensino Superior, concluiu o curso de medicina em Dezembro de 1930 na Universidade de Coimbra.

Depois de permanecer durante algum tempo na Fazenda das Lajes, onde tinha consultório, acabou por fixar residência na Fajã Grande. Aí permaneceu durante oito anos, onde para além da atividade de médico, colaborou na organização do futebol, em 1939, quer da freguesia, quer de ilha, tendo chegado a servir de dirigente e de árbitro, mostrando-se um entusiasta nos ensinamentos da modalidade. Colaborou também noutras atividades culturais, nomeadamente nos grupos de teatro que ali se realizaram.

Em 1943 transferiu a sua residência para a Madalena do Pico, onde, para além de Delegado de Saúde concelhio, exerceu mais e melhor a atividade médica. Aí trabalhou em consultório privado, no Hospital da Madalena e noutros consultórios públicos do concelho, e até no Hospital da Horta, onde chegava a deslocar-se para ver os seus doentes. Chegou a exercer as funções de diretor do Hospital da Madalena, numa altura de expansão evidente dos serviços de saúde.

Casou com Maria Adélia Ribeiro Victor, na altura colocada também na Fajã Grande como professora da Escola Feminina ali existente.

Boas memórias guardavam os habitantes da Fajã Grande que lidaram com este bondoso casal, sobretudo os doentes e as meninas da escola. O doutor Mendonça e a esposa eram pessoas simples humildes e bondosas. O Doutor Mendonça sempre viveu na sua profissão com dificuldades económicas, sobretudo durante um longo período do início da sua carreira de médico, procurando clientela que lhe garantisse serviço, mas trabalhando quase sempre gratuitamente para pobres e amigos. Além disso era humilde e simpático para todos os que dele careciam, nomeadamente para os que ele conviviam. Conversava com os pescadores e rurais com a mesma dignidade com que conversava com altas individualidades. Faleceu em 25 de agosto de 1976, depois de uma vida de dificuldades e de intenso trabalho profissional.

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O SENHOR PADRE DA FAJÃZINHA

Quinta-feira, 16.02.17

Uma das mais emblemáticas personagens que nas décadas de quarenta e cinquenta do século passado, visitava a Fajã Grande era o padre António Joaquim de Freitas, na altura pároco na vizinha freguesia da Fajãzinha.

Por ocasião das festas, por mais pequenas que fossem, na época das confissões quaresmais, na ausência do pároco da Fajã Grande e em muitas outras ocasiões, o Senhor Padre da Fajãzinha, como era carinhosamente tratado, visitava a Fajã Grande. Por outro lado muitas pessoas da freguesia, em caso de maleitas, molestas ou até doenças, deslocavam-se à Fajãzinha, a casa do prebendado, a fim de que este lhes valesse, prestando-lhes assistência, recomendando medicamentosa ou aconselhando um ou outro tratamento, sempre adequados e eficientes. Nas suas vindas à Fajã também era muito procurado para assistir, doenças, achaques, pernas ou braços desmanchados e outras maleitas. A todos atendia com cuidado, dedicação e bondade. Acompanhava-o permanentemente um doce e simpático sorriso. De alta estatura, envergando sempre a sua sotaina negra, muitas vezes acompanhada por um solidéu da mesma cor, deslocava-se sempre amparado por um guarda-chuva, a protegê-lo do sol no verão e a abrigá-lo da chuva no inverno. Deslocava-se à Fajã a pé, não utilizando o cavalo ou mulo, como era hábito de muitos padres na altura, uma vez que as estradas que ligavam as freguesias das Flores eram inexistentes. Era um exímio pregador e um observador rigoroso das normas da Igreja Católica, do Direito Canónico e da Liturgia.

António Joaquim Inácio de Freitas na Fajãzinha a 7 de abril de 1911, sendo filho de José Joaquim Inácio e de Maria de Freitas Corvelo. Depois de completar o ensino primário na sua freguesia natal, ingressou no Seminário de Angra, terminando o curso de Teologia em 1936. A 21 de Junho desse ano foi ordenado sacerdote pelo bispo diocesano Dom Guilherme Augusto da Cunha Guimarães e celebrou missa nova na igreja Matriz da Fajãzinha no dia 26 de Julho do mesmo ano. Em 31 de Outubro de 1936 foi nomeado vigário ecónomo dos Cedros das Flores, onde permaneceu até 1940, sendo, nesse ano nomeado cura de Santa Cruz e pároco da Caveira. Em Setembro de 1942 foi colocado na Fajãzinha, onde exerceu o sacerdócio até 9 de Maio de 1991, data em que faleceu. De março de 1956 a Junho de 1974 paroquiou, acumulativamente, na freguesia do Mosteiro, exercendo durante alguns anos o cargo de Ouvidor Eclesiástico da, atualmente extinta, ouvidoria das Lajes das Flores.

O padre António, como também era conhecido por toda a ilha, notabilizou-se ainda por uma notável recolha e guarda de documentos históricos, deixando um notável espólio documental, que muito tem contribuído para o estudo da história da ilha das Flores, nomeadamente, na sua vertente religiosa.

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RAULINO FRAGUEIRO

Terça-feira, 25.10.16

O Raulino Fragueiro era um dos lavradores mais abastados da Fajã Grande. Morava na Tronqueira, numa casa que ficava em frente ao poço de água para o gado e tinha muitos filhos, a maioria rapazes, muitos deles de grande valentia. Era esta força de braços aliada às propriedades que possuía e ao gado que criava que fazia com que a sua casa fosse uma das mais abastadas da freguesia. Para além de terras de milho e relvas, possuía pastagens no Mato, onde criava não só gado alfeiro mas também vacas de leite. Além disso possuía uma valente junta de bois que para além de lavrarem as suas terras e acarretar os produtos das mesmas, ainda permitia que desse dias para fora, sobretudo lavrando os terrenos de quem não possuía gado que o fizesse.

Raulino Fragueiro nasceu na Fajã Grande, a 22 de janeiro de 1897 e era Filho de João Fragueiro Cardoso e de Maria Fagundes Fragueiro, moradores na Fontinha. Seus avós paternos foram José de Freitas Fragueiro e de Mariana Cardoso e os maternos, João de Freitas Lourenço e de Luciana de Jesus. Possivelmente terá recebido o nome Raulino, pouco vulgar na Fajã Grande do padrinho de batismo, Raulino Lourenço, solteiro e de profissão pastor.

Para além dos filhos que tivera com a esposa, constava pela freguesia que teria um filho natural, nascido ainda antes do casamento, mas que nunca reconheceu como tal.

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TIANA TENENTA OU VERDADEIRA ESTÓRIA SOBRE VELHA QUE SE AFOGOU NA CALDEIRA DA ÁGUA BRANCA

Sábado, 27.08.16

Do Daniel Mendonça de Sousa, meu primo, filho de Ti Antonho Britsa, residente em Edmonton, no Canadá recebi uma versão que me parece mais verossímil sobre a verdadeira e real estória da velha Tenenta. Chamava-se Ana Tenenta da Silveira e residia na rua das Courelas, tendo falecido por volta de mil novecentos e vinte. Consta que já de avançada idade, certo dia, deslocou-se a Santa Cruz, na companhia de Maria Júlia Amorim, a fim de ir registar, no escrivão, o testamento que decidira fazer-lhe. Prometera deixar em herança, à Maria Júlia Amorim, os parcos bens que tinha, ou seja, uma casa existente no local onde mais tarde foi construída a casa de José de Freitas Filipe e uma pequena parcela de terreno que possuía algures. Feito e registado o documento, as duas mulheres pretendiam regressar à Fajã nesse dia, mas, estranhamente, a velha Tenenta disse à Maria Júlia que apenas regressaria no dia seguinte. Esta, porém, regressou e, no dia seguinte, aguardou, em vão, a chegada da velha. Preocupada, Maria Júlia alertou as autoridades da Fajã Grande que, em conjunto com as da Fajãzinha, foram procurar Anta Tenenta nos matos da ilha no trajeto habitualmente percorrido por quem se deslocava entre a Fajã Grande e Santa Cruz. Como nesses tempos aquele trajeto era feito pela Rocha da Fajã, pelo Rochão do Junco e Burrinha, até à Mantosa, o percurso incluía a travessia da caldeira da Água Branca. Foi esse o primeiro local que as autoridades procuraram Tiana Tenenta, E realmente o corpo da velha lá estava, entrelaçado entre as ervas dos pântanos que ladeavam a caldeira e onde era impossível nadar ou caminhar. Os homens amarraram uns paus de cedro e de lá conseguiram retirar o corpo, trazendo-o para terra firme. De lá foi conduzida para a Fajã mas sem caixão uma vez que quando iniciaram as buscas cuidavam que ela ainda estaria com vida. No dia seguinte foi feito o funeral, sendo a pobre Ana Tenenta sepultada no cemitério da Fajã Grande. Daniel Sousa refere que o seu pai acompanhou as buscas e esteve à beira da Caldeira como tantos outros homens da Fajã, nomeadamente, António Luís de Fraga, José Caetano Teodósio, João da Costa Amorim, José Furtado Luís, João de Freitas Lourenço, João Joaquim Fagundes, António Lourenço, Francisco Inácio Cardoso, António Fagundes e muitos outros. Acompanharam as buscas muitos homens da Fajãzinha, entre os quais Manuel Rodrigues Henriques, dono da maioria dos terrenos baldios em quase toda a ilha, o seu irmão João, Manuel Jacinto Frade e o irmão José, José Jacinto Avelar, José Rodrigues Corvelo e muitos outros. Apesar de ser verão e, provavelmente, não haver nevoeiros nunca se soube se a velha Tenenta se quis suicidar, se foi mero acidente ou se devido à escuridão da madrugada se tenha perdido, confundindo o caminho.  Consta que Ana Tenenta não tinha parentes na Fajã, os únicos que teria, já afastados, haviam emigrado para a América.

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A VELHA FERREIRA

Terça-feira, 19.07.16

Os pobres são e serão sempre pobres e menos nobilizados do que os ricos ou até mesmo do que os remediados. Mas se sobre um pobre ainda cai o infortúnio da ingenuidade e do pouco entendimento, ou se à pobreza física se junta a pobreza de espírito, o impropério do desdém, do menosprezo, por vezes até do gozo e do apoucamento é inevitável. Mais imperioso numa comunidade pequena, onde todos se conhecem e se encontram a cada hora e a cada momento do dia.

Assim era na Fajã Grande em tempos idos relativamente ao tratamento dado aos mais idosos. Os ricos, que diga-se em abono de verdade não abundavam, eram tratados por senhores, as ricas por donas, os remediados e as respetivas esposas ou as suas viúvas recebiam o interessante título de tios ou tias, enquanto os pobres eram simplesmente alcunhados de o velho ou a velha.

Assim acontecia com uma pobre e idosa mulher que morava numa casa logo no início da Tronqueira, de apelido Ferreira. Como era muito pobre e um pouco desatinada de costumes e hábitos era tratada, apesar do respeito que a sua provecta idade devia impor, pela velha Ferreira ou simplesmente a Ferreira.

Viúva e mãe de dois filhos, a Ferreira vivia dos parcos recursos de uma ou outra pequena courela que possuía e que ela própria a muito custo trabalhava. Dos filhos, um era um rapaz que depois de ser apurado nas sortes, pois era muito saudável, forte e um pouco mais atinado, partiu para a tropa e abandonou definitivamente a freguesia. O outro filho era uma rapariga, a Jerónima, como a mãe, muito simples, ingénua e desatinada. Na escola não aprendia, traçando-se-lhe o destino de ter que ajudar a mãe na árdua e difícil vida do campo, adquirindo assim o seu mísero sustento. Mais tarde casou com um pobretanas de má catadura que, segundo constava não a tratava nada bem. No meio de alguma violência doméstica a pobre Jerónima talvez nunca atingiu a felicidade a que todo o ser humano tem direito.

Certo dia, depois de ela própria lhe ter tirado o leite, conduzia uma vaca esquelética e lazarenta para o pasto, acompanhada de um filho, ainda criança. Ao passar junto à Casa do Espírito Santo de Baixo, em cuja banqueta estavam sentados a conversar e a falquejar alguns homens, o garoto, sem que ninguém lhe perguntasse o que quer que fosse, voltando-se para os eles exclamou em alto e bom som:

- Meu pai meteu a cabeça de minha mãe na poça do palheiro das vacas.

A pobre e ingénua Jerónima prontamente respondeu, em tom ameaçador:

- Cala-te! Quando chegares a casa a tua é que vai para poça!

 

NB – Esta estória é real, apenas se alteraram, para não ferir suscetibilidades, os nomes das personagens intervenientes.

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publicado por picodavigia2 às 02:27

MEMÓRIAS VIVAS

Quinta-feira, 09.06.16

Daniel Sousa um Detentor de Memórias Vivas da Fajã Grande, residente no Canadá, enviou algumas delas ao Pico da Vigia. Com algum saudosismo e uma certa nostalgia recorda que lembra ele que agora temos a primavera que volta todos os anos, ao contrário da mocidade que vem e não volta mais. Somo detentores, apenas, duma passagem rápida pela vida que mal dá tempo de a podermos apreciar, mas só mais tarde é que a compreendemos. Assim são os mistérios da nossa vida que mais parece um sonho. Recordo-me, diz ele, ainda de, em criança, lá na Mãe Terra, ter um sonho. O sonho de sair para terras grandes, continentes, ver rios, montanhas, planícies, cruzar os oceanos etc.

E assim aconteceu… Mas nunca me esqueci da Mãe Terra, a minha freguesia, talvez porque lá havia uns certos heróis dominantes. Para quem conhecia bem a ilha das Flores, a Fajã Grande era a freguesia mais pobre em terrenos, pastagens e onde mais gente adoecia. Pedras nunca vi tantas em outra parte do mundo. Muito trabalharam aqueles que la viveram ate 1925 ou 1930. Os que vieram depois eram pouco diligentes, não produziam para comer, e consideravam-se os mais inteligentes la. Os meus familiares sempre tiveram muita abundância de trabalho e de miséria mas escaparam, chegaram a uma idade avançada, Só não chegaram a ser santos e fazer milagres como os outros. O meu pai ficou órfão de mãe aos seis anos de idade. Saiu da Cuada onde nasceu e foi posto na Fajã, sendo dado a uma família que tinha perdido os seus familiares muito novos. Eram todos, pessoas idosas na época e não o mandaram para a escola, Só sabia fazer o seu nome, quando os irmãos e o pai, nascido em 1850 sabiam ler e escrever, apesar de pobres. Na Fajã o meu pai herdou o que eles tinham mas que era pouco. Uma mulher chamada Maria José de Freitas, cujo filho foi para o Brasil e morreu no Rio de Janeiro em 1875, com a febre do tifo, pouco depois de la estar. Ela viveu até os 84 anos, a irmã Ana aos 90 anos e a mãe até aos 93. Isso no século XIX, quando a média de vida era muito baixa. Os irmãos destas mulheres foram tuberculosos para América em 1865 e 1875 e mais, os primos que lá na Fontinha viviam, na mesma casa. Eram três da casa pequena do outro lado do caminho, que pertencia a Maria Lourenço Fagundes que morreu em 1922 com 76 anos e o irmão António Lourenço Fagundes, em 1917, com 76. Este mais o irmão Francisco Lourenço Fagundes andaram durante anos na caça da baleia por todos os mares. Mais tarde na Califórnia trabalharam nas minas. Este último em 1905 ficou viúvo na Califórnia dividindo os bens com o filho e em 1907 voltou para as Flores, mas em 1908 regressou à América, pois já não lhe agradava o modo de vida antigo da ilha. Estes três eram filhos de Maria Brígida de Jesus falecida em 1880. Então Francisco voltou para Califórnia com as suas dólares, ou águias ou moedas como lhe chamavam, tudo voltou de onde tinha vindo. O meu pai foi levar a bolsa com o ouro a Santa Cruz onde dormiram na casa do padre Ribeiro, parente da mulher do José Ramos, onde mais tarde foi a casa de negócio e Boa Ventura Ramos. O meu pai, 50 anos depois, contava estas passagens. Outros nem o nome sabiam dizer. Ele herdou o que esta gente tinha e comprou algum terreno que minou e arrastou tanta pedra para fazer uma cozinha, uma meia água, um palheiro, curais para os porcos etc. O dinheiro era pouco, mal chegava para pagar aos mestres. O meu avo da Cuada morreu em 1917, a minha avó tinha falecido em 1893. Lá pela Cuada pouco tinham, não sei de o meu pai ter herdade algo de lá, a não ser um pouco na casa. Pouco antes de meu avo ter morrido tinham chegado dois genros da América com uma fome por terras e por dinheiro. E partiram tudo, o meu pai como vivia na Fajã só reclamou quando eles queriam descobrir a casa para vender meia dúzia de telhas. Então o meu pai disse:

- A casa não se descobre, fiquem com mais uns palmos de terra e pronto.

Mas um foi la buscar um grande tanque que recebia água das telhas da casa para uso. Nada de novo. Ele vendeu uma vaca tuberculosa ao Joaquim Falcão da Fajazinha, este foi obrigado a enterrá-la. Tirou o couro do boi do Manuel Mariano e foi dizer-lhe que estava tudo podre. Manuel Mariano era mais inteligente foi la ver aos cabeços e descobriu que era mentira. Ele havia-o tirado para seu uso. Tinham cuidado com os beatos, fujam deles, crentes em distintos que não são nosso e, deuses inexistentes, o cérebro humano é que os criou, inimigos da ciência. Os herdeiros da Cuada viviam naquela miséria, era só a ambição dos dois miseráveis que tinham chegado da América. Os outros herdeiros da Cuada viviam sem aquela miséria, um empregado no único hotel que havia na Horta, outro em Angra e os outros pela América, viviam em Turlock onde tinham nascido. No fim a casa pertencia a mim e a minhas primas e os meus primos nascidos na Califórnia onde viviam e algum ainda vive. Na década de trinta uma concubina da Ponta casada com um parente da casa, mas que la não tinha herdado nada viveu lá ate a década de cinquenta. Distribuiu os filhos pela Fajã por casas alheias, o marido aleijado por conta da Câmara, porque a ditadura apoiava as meretrizes, e vai para a América, se era americana. Vinte anos depois volta à Fajã a dar um jantar ao Espirito Santo, volta a América e manda vender a casa que não era dela. Mas nada de novo, pois já roubava antes de vir da América, mas como os espíritos só existem na cabeça das pessoas. A casa onde meu avô nasceu em 1850 e o irmão em 1852, este foi para Turlock e lá morreu em 1932 meu pai e meus tios também lá nasceram tem um letreiro na porta.

Sobre nome Sousa na Fajã só havia uma família, mas eram de Santa Maria. A minha bisavó da Cuada, Maria de Jesus seria de longe, quem sabe se vinda das margens do rio Sousa, e lá pela Cuada passou algum originário da Escandinávia ou central Europa, havia e ainda haverá alguém de cabelo vermelho. Na Fajazinha e na Ponta não conheci Sousa nenhum. Mendonças em toda ilha, mas eles nunca souberam que éramos parentes, na América, na Austrália, em Belém no Brasil também os havia, mas já tudo vai longe, eu um dos poucos ainda vivo mas já por pouco tempo e talvez o único mais o meu parente falecido em Lisboa é que nos lembramos de tudo isto.

Nos dias de hoje não sei como são pagas as contribuições prediais nas Finanças. O meu pai tudo o que herdou e comprou pagava tudo num só aviso, mas para isso era necessário ir às Finanças registar tudo, perder muito tempo e dinheiro. Meu pai seria o único na freguesia que tinha todos seus bens num só bilhete no nome dele.

Era a Fajã a freguesia pior do conselho naquela época, havia e há famílias que não tem nada no nome deles e eram os mais inteligentes ou pensavam ser. Afinal isto são assuntos  simples e sem valor algum, mas para mim e um passa tempo recordar o passado já¡ tao distante, e sem ter quem o conheça como eu a beira. Daniel na terra alheia tao distante da que me vi nascer,

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O GUARDA FURTADO

Quinta-feira, 24.03.16

De todas as pessoas que já haviam falecido ou abandonado a freguesia, um dos nomes mais badalados na Fajã Grande, na década de cinquenta, era sem dúvida, o do Guarda Furtado, sobretudo quando se falava de terras. É que quase não havia um lugar da freguesia, quer das zonas de propriedades agrícolas como o Porto, as Furnas ou o Areal, quer dos lugares de terras de mato como a Cabaceira, o Pocestinho, a Cancelinha ou o Espigão, que não tivesse uma ou duas terras pertencentes ao Guarda Furtado. E que terras! Boas de cultivar, férteis e produtivas, grandes, abundantes em arvoredo e protegidas por altas paredes e fortes portões. A maioria delas, no entanto, naquela altura estavam arrendadas, sendo as rendas recebidas pelo seu procurador, uma vez que na década de cinquenta o Guarda Furtado já não vivia na Fajã Grande. Meu pai, durante muitos anos, teve de renda um belo cerrado que ele possuía nas Furnas e que, para além de milho e couves produzia excelentes batatas-doces.

Embora conhecido simplesmente por Guarda Furtado, chamava-se João Francisco Furtado e era natural do lugar da Ponta, onde nasceu, no dia oito de Março de 1879, às duas horas da madrugada. Seus pais foram Manuel Francisco Gervásio e Isabel de Jesus naturais e residentes na Ponta. Como era costume, até porque nesta altura a Ponta ainda não tinha a ermida dedicada à Senhora do Carmo, João foi batizado na igreja paroquial da Fajã Grande, pelo pároco de então, o padre António José de Freitas, no dia onze de março do mesmo ano. Os seus avós paternos foram Francisco António Gervásio e de Isabel de São José e os maternos Laureana de Jesus, sendo o avô incógnito. Foi seu padrinho João Maria Carvalho, casado, Escrivão do Juiz de Direito, representado por António Bernardo Greves, casado, proprietário e madrinha Maria José da Silva, sua consorte, representada por Luísa da Silveira sua mulher, que governa a sua casa. A julgar pela escolha do padrinho, os pais do Guarda Furtado deveriam ser pessoas de influência e de posses, pois não seria qualquer pobre e humilde lavrador da Fajã Grande a ter capacidade ou possibilidade de convidar o Escrivão do Juiz de Direito para padrinho dum filho.

O Guarda Furtado casou na Fajã Grande em 26 de Abril de 1906 com Maria do Céu Furtado, natural das Lajes, irmã do Maurício Escobar e filha natural de Emília de Jesus Vieira. O casal fixou a residência na Fajã Grande, numa casa situada imediatamente abaixo da Casa de Espírito Santo de Baixo, onde os cônjuges viveram durante muitos anos, exercendo ele a profissão de guarda-fiscal, que lhe permitiu amealhar algum dinheiro e comprar terras.

Contavam pessoas antigas que a sua mãe morreu muito nova e num acidente. Vinha de ir levar a moenda a um moinho que existia na Ribeira das Casas e que pertencia ao avô do Chileno. Chovera muito nesse dia e a ribeira estava muito cheia e com forte correnteza. Ao tentar fazer a travessia através das passadeiras que ainda não havia ponte naquela altura, a senhora foi levada pelas águas e desapareceu, sendo mais tarde encontrada mas já sem vida. Do pai quase nada se sabia. O guarda Furtado tinha uma irmã residente na Fajã, a Passarouca velha que morava na Tronqueira. Constava ainda que tinha outros dois irmãos, mas estes viviam no Continente.

O Guarda Furtado deixou de exercer a sua atividade na Fajã Grande quando foi promulgada uma lei salazarista segundo a qual os guardas não podiam trabalhar na localidade onde tinham nascido ou onde residiam. Transferiu-se, então, para Santa Cruz, onde passou a trabalhar em Santa Cruz, onde fixou residência e onde veio a falecer.

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A MARIA DA LUZ

Sexta-feira, 18.03.16

Vinda das Lajes, na década de cinquenta, chegava à Fajã Grande, com alguma frequência, normalmente para vender peixe, uma mulher estranha e muito diferente, nos hábitos, nos costumes e no vestir, das mulheres que viviam não apenas na freguesia da Fajã Grande mas também em todas as outras freguesias da ilha das Flores. Chamava-se Maria da Luz, vestia habitualmente calças, fumava, entrava no botequim da Chica ou na Loja da Senhora Dias e, no meio dos homens e acompanhada por eles, bebia um copo de vinho, de traçado ou de aguardente como qualquer homem, o que, obviamente, provocava grande escândalo entre o mulherio de então, proibido consuetudinariamente de entrar num botequim, de usar calças e de fumar. Uma verdadeira guerreira, uma mulher de armas esta mulher, de cabelo encarolada, cara enrugada, rosto moreno, estranha nos seus hábitos mas muito simpática, a dar-se e relacionar-se com todos, pese embora as mulheres tivessem, relativamente a ela, alguma reserva.

A Maria da Luz nascera na da Fazenda das Lajes das Flores, onde tinha residência mas desenvolvendo a sua atividade profissional de pescadora e vendedora de peixe na vila das Lajes, onde mais tarde também passou a residir. Apesar de analfabeta, sabendo apenas assinar o seu nome, a Maria da Luz revelava grande dinamismo, inteligência e capacidade de trabalho o que lhe permitiu atingir, com sucesso, os objetivos que a si própria impusera, impondo-se como trabalhadora incansável, dedicando-se desde muito jovem, não tanto aos trabalhos domésticos das mulheres, mas sobretudo aos trabalhos rurais dos homens e, muito concretamente, à pesca.

Segundo o historiador florense José Arlindo Armas Trigueiro, a Maria da Luz Para além de fumar desde jovem, vestia geralmente roupas de homens – numa altura em que eram poucas as mulheres açorianas que ousavam fazê-lo publicamente. Frequentava qualquer tipo de taberna, bebendo lado-a-lado com os homens, sobretudo depois de se separar do marido. No seu tempo as mulheres, para além de não fumarem, não tomavam bebidas alcoólicas, nem frequentavam cafés e muito menos tabernas.

Dela o escritor faialense, Manuel Graeves – que viveu temporariamente nas Flores – para evidenciar a sua força e teimosia, escreveu o seguinte no seu livro Aventuras de Baleeiros:

E certo é, também, que [o mar] não venceu arrancar de cima dum bico de rocha, numa tarde, as mãos fortes, pegadas a uns músculos rijos, de Maria da Luz, quando andava às lapas, na costa da Fazenda das Lajes das Flores. A corajosa mulher, agarrada ao rochedo, praguejava às vagas violentas que a cercavam:”

“ - Ó alma do diabo! Tu serás mais forte do que eu... mas, não és mais teimoso!...”

“E a Maria salvou-se.

 Sobre ela escreveu ainda José Arlindo Armas Trigueiro, seu conterrâneo:

Foi casada com o fazendense Francisco Rodrigues Azevedo. Do casal nasceram as filhas Jesuína (já falecida), Alzira e Judite, pelo que era ela que, com esmerado zelo e amor, cuidava da sua educação, ao mesmo tempo que se esforçava pela manutenção da vida económica do seu lar. As filhas, depois de casadas, viriam a emigrar para o Canadá, na companhia do pai, onde actualmente residem e onde também existem netos que ela adorava.

Durante a sua vida passou por diversas actividades. Com a ajuda do marido, lavrava os seus terrenos, semeava e tratava do milho e das demais culturas agrícolas, ordenhava vacas, transportava às costas lenha e alimentação para os animais, alternando essas trabalhos com a actividade da pesca. Recordo-me que foi ela quem me ensinou a lavrar, no Cerrado Grande, com arado de “aiveca”, numa altura em que, devido à minha juventude, meu pai não tinha paciência para me deixar “dar um reguinho” – orgulho de qualquer jovem rural do meu tempo.

Certamente para facilidade do trabalho que fazia começou a usar calças de homem desde jovem. Por esse motivo dava nas vistas, constando que, por essa razão, chegou a ser detida pela polícia na ilha Terceira, no tempo em que eram proibidos os “travestis” na via pública, valendo-lhe então o Chefe da PSP, António Gonçalves, também ele um florentino natural de Lajes das Flores que muito bem a conhecia.

Nunca a vimos usar saia, salvo no dia da festa religiosa por ela custeada, na freguesia da Fazenda, no cumprimento anual de uma promessa. Vestia-se assim para nesse dia ir à igreja assistir às cerimónias religiosas que nela se realizavam – fazendo-o com o respeito e a devoção que sempre tivera pela religião Católica.

Mais tarde viria a fixar residência na Vila de Baixo, em Lajes das Flores, mesmo junto do Porto, onda se dedicava quase exclusivamente à pesca e à venda de pescado. A lida da casa aborrecia-a, embora por vezes fosse forçada a fazê-la. Para poder ir legalmente para o mar, as autoridades marítimas chegaram a passar-lhe uma cédula pessoal, já que sua actividade piscatória era essencialmente feita por mar, com uma lancha que chegou a possuir.

Discutia com os companheiros de pesca e com quaisquer homens sobre os problemas e as notícias do dia-a-dia, já que era possuidora de um espírito curioso e contraditório, dedicado a todo o género de actualidades.

Geralmente não tinha interesse pelas conversas das mulheres, situação que fazia com que estas lhe respondessem de igual forma. Animava-se com as discussões que mantinha, parecendo provocá-las para aprender e saber mais.

Odiada por uns e tolerada por outros, tinha especial vocação para se envolver em questões judiciais e polémicas. Era também uma grande frequentadora, como assistente, dos julgamentos realizados no Tribunal das Flores. Certamente por esse motivo livrava-se bem das questões judiciais, que gostosamente provocava, defendendo-se nelas com astúcia. 

Apesar de ser temida por alguns, pela sua falta de rigor e pelo seu feitio polémico, em certas ocasiões, era, contudo, muito caridosa e prestável para servir os amigos e todos os que dela necessitassem.

Por ser uma figura atípica, com uma vida cheia de peripécias, foi das poucas açorianas e açorianos que teve o privilégio de ter estado em Lisboa no célebre programa da televisão “Carlos Cruz-Quarta feira” onde foi falar sobre a sua forma de estar na vida.

Faleceu em 31 de Março de 1998, no Hospital das Flores, estando os seus restos mortais sepultados no cemitério de Lajes das Flores.

Uma verdadeira heroína esta Maria da Luz e uma percursora da mulher moderna.

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ELIZINHA ABRÃO

Sábado, 23.01.16

Elizinha Abrão era uma senhora de grande generosidade e entrega ao serviço e ajuda dos outros, nomeadamente dos sobrinhos que criou e educou, sozinha, após a morte dos cunhados no fatídico desastre do Corvo. Talvez essa a razão por que nunca se casou, assumindo-se com verdadeira mãe dos sobrinhos, qua aina novos haviam ficado órfãos. Foram seus pais Abrão de Freitas Henriques e Luísa Gonçalves de Freitas que casaram na igreja da Fajã Grande, em 19 de Junho de 1899, sendo o pai já viúvo de Clara Emília de Freitas. O pai ficou recordado na freguesia através da célebre frase Abrão vai perdido. É que até à década de cinquenta todas as deslocações da Fajã Grade para as vilas e freguesias da ilha, com exceção da vizinha Fajãzinha, eram feitas atravessando os matos da ilha. Outras vezes era necessário ir ao mato tratar do gado. Frequentemente surgiam nevoeiros, brumas, tempestades e temporais que, para além de perigosos, eram, por vezes, aterradores e já alguns homens se haviam perdido, embora, na maioria dos casos, apenas temporariamente. Temendo que o mesmo lhe pudesse acontecer, o velho Abraão, sem o confessar a quem quer que fosse, dia após dia, lá foi escrevendo, a letras garrafais, numa quantidade de tirinhas de papel julgada necessária, a frase: Abraão vai perdido. E, sempre que ia para o mato levava os papelinhos escritos, bem escondidos num bolso. Certo dia foi vítima de um forte nevoeiro que lhe tapou os olhos e o entonteceu-o de tal modo que perdeu o rumo. Recorrendo de imediato ao seu segredo, aos papéis que continha num bolso, lá os foi deixando cair um após outro, enquanto deambulava sem saber o rumo. Passou a noite numa furna, onde facilmente o encontraram aqueles que, seguindo os papelinhos, na manhã seguinte, o foram procurar.

A filha Elizinha morava numa casa da Rua Direita, em frente à igreja paroquial a qual se disponibilizava em se colocar, tantas vezes, no apoio a festas, serviços e obras da igreja da freguesia. Ela própria dispensava grande parte do seu tempo em atividades religiosas e de apoio à paróquia, uma vez que, para além de participar ativamente em todas as celebrações que tinham lugar na igreja, era catequista e ajudava na limpeza, no arranjo e ornamentação do templo, zelando para que a lâmpada do santíssimo se mantivesse sempre acesa, ora acrescentando-lhe azeite ora substituindo-lhe o pavio, um pequena flor a boiar num triângulo de lata e cortiça sobre o azeite. Era uma senhora permanentemente motivada no apoio às várias iniciativas da paróquia, assim como ajuda nas Casas do Espírito Santo, nomeadamente na de baixo, por altura da festa. Teve pois um percurso de vida extraordinário como mulher, como cristã e como mãe adotiva graças aos talentos que possuía e que colocava, sem qualquer interesse ou restrição., na ajuda dos outros e ao serviço da igreja.

Mas, para além de tudo isto, Elizinha Abrão também era uma excelente e prestigiada costureira. Durante anos e anos trabalhou em sua casa, agarrada a uma máquina de costura, fazendo vestidos de noiva e da comunhão solene, enxovais para casamentos e roupas de senhora, enquanto ia orientando os sobrinhos no amanho dos terrenos e na produção agrícola que, embora reduzida, lhes garantia o sustento.

Aos sobrinhos transmitiu-lhes uma esmerada educação apoiando-os nos seus anseios. Um deles notabilizou-se como oficial do exército e outro como cabo do mar. Uma educação com base na disciplina e rigor não faltando todavia muito amor, carinho e dedicação.

 

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PADRE MANUEL JOAQUM DE FREITAS

Segunda-feira, 04.01.16

O padre Manuel Joaquim de Freitas nasceu na Fajã Grande em 1803, segundo um dos livros de registos de batismos da paróquia das Fajãs, com sede na Fajãzinha, uma vez que a Fajã Grande, nessa altura, ainda não era paróquia. O livro inclui registos referentes aos batismos realizados durante os anos de 1794 a 1811, um dos quais, referente ao ano de 1803, com o registo número 11, diz respeito a uma criança do sexo masculino com o nome de Manuel, filho de José Caetano de Freitas Borreco (devendo Borreco ser apelido) natural da Fajã Grande e de Ana Joaquina de Freitas, natural da Cuada, casados na igreja da Fajãzinha, em 25 de Abril de 1799. A criança era neto paterno de Caetano de Freitas Teodósio e de Ana de Freitas e materno de José Pereira e Catarina de Freitas. O registo indica que nasceu a 28 de Março e que foi batizado na igreja da Fajazinha. Foram padrinhos Manuel de Freitas e sua mulher Maria de Freitas moradores no lugar da Ponta. O batizado foi oficiado pelo vigário das Fajãs, o padre José Caetano Martins.

Naturalmente que o jovem Manuel abandonou a ilha para realizar estudos e receber ordens, tendo, muito provavelmente exercido os primeiros anos do seu múnus sacerdotal noutra ilha do arquipélago, uma vez que só a partir de 1848 começou a trabalhar na ilha das Flores, onde a maior parte da sua atividade sacerdotal teve lugar. Foi cura nas Lajes de 1848 a 1851, reitor da paróquia dos Cedros de 1851 a 1862 e reitor da então recentemente criada paróquia do Mosteiro de 1863 a 1869, ano em que se aposentou, fixando residência na Fajã Grande, mais concretamente na rua Direita, como manente, onde veio a falecer, em 5 de Março de 1874. Foi sepultado no cemitério da Fajã Grande, tendo oficiado as cerimónias fúnebres o primeiro vigário da nova paróquia de São José da Fajã Grande, o padre António José de Freitas.

Reza assim o registo do óbito do Padre Manuel Joaquim de Freitas, como consta de um dos livros de registo de óbito daParóquia de São José da Fajã Grande, referente ao longínquo ano de 1874:

Aos cinco dias do mez de Março do anno de mil e oitocentos e setenta e quatro, pelas dez horas do dia na casa número oitenta e nove da rua Direita desta freguesia da Fajam Grande Concelho da Villa das Lagens ilha das Flores Diocese de Angra falleceu rendo recebido os Sacramentos da Egreja hum indivíduo do sexo masculino por nome Manuel Joaquim de Freitas de idade de setenta anos, Presbitero, natural e morador nesta mesma Freguesia, filho legítimo de António José de Freitas lavrador e de Ana Joaquina governo doméstico naturaes e moradores nesta mesma Freguesia; fez testamento, foi sepultado no Cemitério Público. E para constar lavrei em duplicado este assento que assigno. Era ut supra. O Vigário António José de Freitas.

Averbado na margem: Nº 4 Reverendo Manuel Joaquim de Freitas.

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A PRIMA ALICE

Sábado, 12.12.15

Alice Mendonça de Sousa, a “Prima Alice” como era conhecida em minha casa, era uma das mais simpáticas primas da minha mãe. Filha de um irmão da minha avó Joaquina, António Maria de Sousa, conhecido por “Ti Britsa” e de sua esposa Maria da Glória Mendonça, irmã das Senhoras Mendonças, que viviam na Assomada, nasceu a 23 de Novembro de 1923, no cimo da Fontinha.

Bastante mais velha do que eu, não a conheci em jovem, mas diz quem com ela conviveu que era uma das jovens mais bonitas da Fajã Grande. Mas o que mais caracterizava a prima Alice, para além da sua beleza, era a sua bondade, a sua simpatia, a sua simplicidade e, sobretudo o carinho que dispensava a quantos com ela conviviam, nomeadamente com a minha mãe. Essa a razão pela qual na minha casa, todos nos habituamos a trata-la sempre familiarmente pela “Prima Alice”.

Ainda jovem casou com o Teodósio, filho de Ti José Teodósio, que morava também no alto da Fontinha, em casas muito próximas, dando continuidade a uma vida árdua, de muito trabalho, grandes sacrifícios a que já se iniciara em casa de seus pais durante a sua juventude. 

Como a minha mãe, a Prima Alice teve muitos filhos, nove a todo. Como a minha mãe, a Prima Alice tratava das lides da casa, criava os filhos, cozinhava, lavava, arrumava e até rachava lenha. Como a minha mãe, para além das lides domésticas, a “Prima Alice” ainda tinha tempo e força para ajudar o marido nas lides agrárias, nomeadamente, a semear, a plantar, a sachar, a mondar, a acarretar cestos de inhames e batatas. Esta intensa atividade advinha sobretudo de o marido, o Teodósio, ser um dos mais dinâmicos, ativos e esforçados lavradores da freguesia. Herdara os dons do trabalho e da música do velho pai. Cantava no Outeiro, nas noites da Quaresma, era folião do Espírito Santo e fora jogador de futebol do Atlético Clube Fajãgrandense. Para além de trabalhar as terras, criava muito gado, ia ao leite ao mato duas vezes por dia, subindo e descendo a rocha com uma velocidade e uma destreza notáveis e consta que foi o único homem da Fajã Grande que lavrou terras e semeou milho no mato, mais concretamente no lugar do Queiroal. Era a esposa e companheira fiel, trabalhadora, mãe extremosa que o apoiava em toda estas dinâmicas atividades, enquanto ia criando os filhos, dois deles, infelizmente já desaparecidos. Muito feliz ficava quando, nas férias de verão, eu regressava à Fajã, a bordo do velho Carvalho Araújo, trazendo, também de volta, uma das filhas, a Leónia, a estudar em Angra, em casa de uma das suas irmãs, a Maria da Paz.

Permanece e acompanha-me, ainda hoje, a imagem da Prima Alice, dois anos antes da sua morte, ocorrida em 20 de Maio de 1995, quando, após trinta e três anos de ausência, regressei à Fajã Grande. Recebeu-me com um misto de alegria e de felicidade, manifestando um enorme contentamento. Irradiando aquele sorriso simpático e carinhoso de que era seu timbre, deu-me um abraço tão grande e tão terno como se fosse o da minha mãe.

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O DANIEL DE TI BRITSA

Domingo, 22.11.15

O Daniel era considerado um dos mais simpáticos e inteligentes jovens da Fajã Grande na década de cinquenta. Para além de simples, humilde, educado e respeitador era muito trabalhador granjeando o respeito e a consideração de todos.

Filho de Tio Britsa, irmão da minha avó, morava numa das últimas casas da Fontinha, juntamente com os pais e os irmãos. Cedo, porém, como muitos outros jovens do seu tempo e da sua idade, abandonou a freguesia, primeiro por ser chamado para o serviço militar e depois emigrando para o Canadá. Mais tarde regressou de visita, à terra que o vira nascer. Apaixonou-se e casou com a Vitória do Francisco Inácio, uma das meninas mais bonitas da freguesia, também ela muito bondosa, educada, meiga, simpática e trabalhadora, fixando-se definitivamente no Canadá, mais concretamente na cidade de Edmonton, a capital da província de Alberta, onde vive atualmente.

Dele recebi, há dias, um texto intitulado “Recordando o passado da Mãe Terra, Fajã Grande” que aqui reproduzo:

“ Dezanove vezes fui à Terra Natal. Este verão de 2015 realizei mais uma. Tenho a certeza que foi a última. A minha mulher foi menos. Ela lá já não tem familiares. Apenas uma cunhada. O irmão e o sobrinho há muito que partiram. Eu lá ainda tenho vários familiares. Aqui tenho as minhas filhas que já visitaram a Fajã Grande várias vezes. Os netos um dia lá irão. A terra que me viu nascer e crescer é a mesma embora esteja, hoje, com vestes um pouco diferentes.

Oito décadas são passadas desde o dia em que entrei na escola pela primeira vez, juntamente com uma dezena de rapazes. Também eles entravam pela primeira vez. Hoje já lá não vive nenhum. Apenas encontrei um lá a passar férias como eu. Na escola, na altura, éramos mais de quarenta dos quais estarão vivos apenas uns três ou quatro, vivendo noutras partes do mundo. Os outros já partiram. Voltaram à Terra Mãe! A escola feminina, naquele ano teria mais de cinquenta meninas. A maioria destas também já partiram. Talvez estejam vivas meia dúzia. A Mãe Natureza tudo governa. Quando parti da Fajã Grande, em agosto passado, era o homem mais velho que lá estava. Logo a seguir o meu amigo José Fraga da Ponta, com 85 anos, mas que lá não estava. Também sou descendente e tenho origens na Cuada, lugar hoje conhecido em todo o mundo. O primeiro militar nascido na Cuada foi meu tio José Maria de Sousa, filho de José Maria de Sousa e de Maria José Teodósio. Terá assentado praça em Angra, em 1898 e lá esteve até 1922, altura em que emigrou para Nova Inglaterra, juntamente com a família, de onde nunca mais voltou. Foi primeiro-cabo, sempre trabalhando na cooperativa militar nunca manifestou aspirações em subir de posto, como fizeram outros colegas promovidos a capitães. Na mesma unidade esteve meu irmão entre 1951 e 1952. O segundo militar da Cuada foi o sargento Fragueiro Vasconcelos, nascido em 1907. Era filho de António Bettencourt Vasconcelos, natural da Graciosa, e de Maria do Céu Fragueiro, natural da Cuada. O terceiro militar da Cuada foi meu primo, Luís Maria Xavier, em 1946. Não sei se houve outros, posteriormente. Na Fajã não encontrei nenhum daqueles antigos atletas, homens que pensavam que sabiam quase tudo. Crentes em ideias primitivas! Partiram para sempre. Não eram como eu, mal conhecidos, na terra onde nasceram. Terminei a escola primária em 1941 e fui fazer o 2º exame às Lajes, juntamente com meu irmão. Até essa data, apenas meu primo, Pedro da Silveira, o fizera, com 10 anos. Apesar de na casa de meus pais existirem cinco filhos com diplomas da quarta classe, consideravam que era fácil obtê-los e quando saíamos portas fora consideravam-nos como tolos, talvez por não sabermos cantar ou contar histórias, etc. Hoje vivo aqui, nas Pradarias, na terra madrasta, longe daquela que não consigo esquecer. Neste grande país que percorri e todas as direções, nada me pertenço, exceto uma simples casa onde moro. Encontrei portugueses de todas as terras e de todas as ilhas açorianas e pessoas de todos os países da Europa e de todo o mundo. Todos emigrantes como eu! Todos éramos sempre marginalizados, como eu já o era na terra onde nasci. Mas tudo já vai longe e de tudo escapei. Afinal não encontro respostas para três perguntas. De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? Alberto Einstein no século XX não explicou tudo. Agora, no século XXI, Stefhen Hawking já tentou completar e explicar tudo. Dizem que foi lucrativo para ele. O horizonte aproxima-se a largos passos, para mim, mas são as leis da Mãe Natureza. Assim é o nosso universo, para além do qual, dizem, existir algo mais. Afinal o mais importante é ter liberdade de pensar, de labutar, de seguir em frente, etc. etc. Vou terminar estas histórias simples pois a única coisa que sei é que nada sei.”

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O JOÃO DA CATRINA

Quarta-feira, 14.10.15

Vivia no início da Assomada, numa pequena casa muito próxima da Praça, no enfiamento da Canada que dava para o Pico. Era um homem simples, pobre, bondoso, humilde e muito comunicador. Vivia com a mulher de nome Laura e que por ser casada com ele era conhecida por Laura do João da Catrina. Tinha ainda na sua companhia uma irmã da esposa, deficiente e solteira, conhecida como a Anina da Laura e que se vestia habitualmente de preto, era quase muda e, aparentemente, comunicava com as paredes, como que falando com elas, uma vez que praticamente não falava com as pessoas. O casal tinha apenas um filho, também ele solteiro e um excelente carpinteiro.

Embora mais velho do que meu pai, para além de vizinho, era um dos maiores amigos do meu progenitor. Conversavam bastante, ajudavam-se e aconselhavam-se mutuamente, uma vez que ambos se dedicavam a uma simples agricultura de subsistência, criando apenas uma ou duas vacas, cultivando pequenas belgas, trabalhando uma ou outra terra de mato, possuindo duas ou três relvas.

O que mais caracterizava este homem simples e generoso era ser um pensador nato e um excelente comunicador. Embora não lesse, nem talvez soubesse ler, ouvia muito rádio, coisa rara nesses tempos na Fajã Grande, sendo a Emissora Nacional a estação que ele mais ouvia. Estávamos em plena década de cinquenta e, por esta altura, iniciara-se a guerra em Angola. Algum tempo depois desta estalar por vontade e casmurrice do governo de Salazar, a Emissora Nacional começou a emitir um programa intitulado A verdade é só uma. Rádio Moscovo não fala verdade. Como estávamos em tempo em que a censura era rainha, tratava-se, naturalmente, de uma tentativa simulada de contrariar as notícias e comentários que a rádio moscovita difundia em língua portuguesa acerca do que se passava em Angola e que era ouvida em Portugal, apesar dos esforços do governo em silenciá-la ou de intimidação sobre quem a procurava escutar. Essas crónicas radiofónicas da Emissora Nacional eram invariavelmente encerradas com o slogan acima enunciado e assinadas pelo autor, com a seguinte frase que se tornou célebre e que o João da Catrina repetia com insistência: Crónica de Angola. Daqui fala Ferreira da Costa!

Quando se sentava a Praça o João da Catrina, também se apresentava como defensor e propagandista, à sua maneira, das ideias de Nikita Khrushchov, na altura presidente da União Soviética e líder político do mundo comunista. Dele também falava o Catrina com grande entusiasmo e convicção, embora nem sempre com algum rigor. Mas como o que mais dominava as suas frequentes parangonas eram as crónicas de Angola, as quais terminava sempre com a frase Fala Ferreira da Costa, de imediato granjeou este epíteto.

Acresce dizer-se que o seu nome de verdade era João Rodrigues, mas talvez porque a sua mãe ou alguma ancestral sua se chamasse Catarina, o povo na sua simplicidade e original capacidade de adaptações linguísticas batizou-o simplesmente por João da Catrina e ninguém o conhecia por outro nome, transformando-o, na verdade, numa das mais emblemáticas figuras da freguesia da Fajã Grande.

 

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OS MEUS ANTEPASSADOS PATERNOS

Segunda-feira, 07.09.15

Eu tive cinco irmãos, dos quais três são mais velhos do que eu: José Ângelo Fagundes, nascido em 19 de Março de 1939, Maria de Jesus Fagundes, nascida em 14 de Agosto de 1940, António Lourenço Fagundes, nascido em 25 de Fevereiro de 1943. Por sua vez, os dois mais novos são: Maria Vitória Fagundes, nascida a 24 de Outubro de 1949 e Francisco Joaquim Fagundes, nascido em Junho de 1952, mais tarde adotado por uma tia, passando a chamar-se Frank Almeida.

Foram meus pais João Joaquim Fagundes (1902-1966) e Angelina da Natividade Fagundes (1912/1954) que casaram na Fajã Grande em 1938

Meus avós paternos foram António Lourenço Fagundes nascido em 1849, anda batizado na igreja paroquial da Fajãzinha, uma vez que a Fajã Grande ainda não era paróquia e Maria de Jesus Fagundes nascida em 1862, sendo já batizada na nova paróquia de São José da Fajã Grande e que, consequentemente, foram os pais de João Joaquim Fagundes e que casaram na igreja da Fajã Grande em 30 de Novembro de 1882

Os meus bisavôs paternos foram: José Lourenço Fagundes e Mariana Joaquina de Jesus ou da Silveira, pais de António Lourenço Fagundes e que, pela razão acima invocada, casaram na igreja da Fajãzinha, em 25 de Outubro de 1838. Por sua vez, os meus outros bisavôs e pais da minha avó materna Maria de Jesus Fagundes, foram: António Joaquim Fagundes e Mariana Júlia de Jesus que casaram na igreja da Fajãzinha em 8 de Novembro de 1855. É curioso o facto de ambas as minhas bisavós paternas se chamarem “Mariana”. Esta minha bisavó morreu muito nova e meu bisavô casou 2ª vez na Fajãzinha, em 10 de Agosto de 1858, com Policena Joaquina da Silveira. Os registos de casamentos e batismos da Fajãzinha são bastante confusos pelo que há alguma dúvida se não seria esta a minha bisavó, isto é se a minha avó Maria de Jesus Fagundes nascera do primeiro ou do segundo casamento do meu bisavô, sendo mais provável que seja do segundo.

Foram meus trisavós e pais de José Lourenço Fagundes, meu bisavô, Manuel Joaquim Fagundes, que no seu registo de casamento aparece somente com o nome de Manuel Joaquim e Maria Isabel ou Isabel Maria, natural da Ponta e que casaram na Fajãzinha em 4 de Setembro 1809. Por sua vez, os pais de Mariana Joaquina de Jesus foram Joaquim António Rodrigues de Freitas e Ana de Freitas que casaram na Fajãzinha 22 de Outubro de 1804. Os pais de António Joaquim Fagundes foram Manuel Joaquim Fagundes e Clara de Jesus nascida na freguesia de Ponta Delgada, ilha das Fores, na última década do século XVIII e faleceu na Fajã Grande, a 2 de Dezembro de 1864, com setenta e três anos. Foram seus pais Francisco António Rodrigues e Francisca Valadão. Os pais de Manuel Joaquim Fagundes Bartolomeu Lourenço Fagundes, filho de António Silveira Azevedo e Ana de Freitas.

Os pais de Policena Joaquina da Silveira foram António José de Freitas e Ana de Jesus que casaram na Fajãzinha em 3 de Junho de 1805.

Os meus tetravós conhecidos e de que há memória foram os pais de Manuel Joaquim (Fagundes), João Cardoso e Maria de Jesus, não havendo registo deste casamento. Os pais de Maria Isabel ou Isabel Maria e que foram Manuel Caetano e Maria de Jesus, também sem registo deste casamento, os pais de Joaquim António Rodrigues de Freitas, António Rodrigues de Freitas e Ana Maria de São José, de cujo casamento também se desconhece a data. Por sua vez, também foram meus tetravós os pais de Ana Freitas, António de Freitas Fragueiro, natural das Lajes das Flores e Ana de Freitas, natural da Fajã Grande e que casaram na Fajazinha em 6 de Novembro de 1763 e ainda os já referidos pais de Manuel Joaquim Fagundes, o tenente Bartolomeu Lourenço Fagundes e Ana de Freitas que casaram na Fajãzinha em 17 de Janeiro de 1774, assim como os de Clara de Jesus. Ainda foram meus tetravós, os pais de António José de Freitas, Manuel Furtado e Catarina Freitas que casaram na Fajãzinha em 22 de Fevereiro de 1773, assim como os pais de Ana de Jesus, Francisco George e Maria de Freitas que celebraram as suas núpcias na igreja da Fajãzinha em 22 de Fevereiro de /1773

Os meus pentavós foram os pais de António de Freitas Fragueiro, ela de nome Francisca Freitas e ele incógnito. Os pais de Ana Freitas: Francisco Carneiro e Catarina de Freitas de cujo casamento não há registo deste casamento. Não há registo do cas António Coelho Henriques e Maria de Freitas. Os pais de Catarina de Freitas, Francisco de Freitas Lourenço, Maria de Freitas também foram meus tetravós mas do seu casamento não há registo. Os pais de Francisco George foram Manuel Freitas e Margarida Barcelos, mas não há registo deste casamento.

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ANTÓNIO JOAQUIM FAGUNDES

Segunda-feira, 27.07.15

Rezam as crónicas que António Joaquim Fagundes foi um dos meus bisavós paternos, pois foi o pai da minha avó Maria de Jesus Fagundes. Orgulho-me deste antepassado, que, pelos vistos foi homem bondoso, honrado e trabalhador. António Joaquim Fagundes era filho de Manuel Joaquim Fagundes e de Clara de Jesus e nasceu na Fajã Grande, onde casou, pela segunda vez, com Policena de Jesus ou Policena Joaquina da Silveira filha de António José de Freitas e de Maria de Jesus, pais de minha avó Maria de Jesus. O casamento realizou-se na igreja paroquial da Fajãzinha, no dia 10 de agosto de 1858. António Joaquim Fagundes, no entanto, era viúvo de Mariana Júlia de Jesus, filha de João Jacinto Rodrigues e Catarina Maria, com quem casara em 8- de novembro de 1855. Ainda jovem e antes de casar, emigrou para a Califórnia, embarcando numa escuma, de noite e às escondidas, na Ribeira das Casas, onde se havia escondido na véspera, misturando-se com os marinheiros que haviam ido a terra abastecer-se de água e de víveres. Depois de chegar duma longa e desgastante viagem, que pagou com serviços prestados a bordo, trabalhando como um escravo, dormindo em péssimas condições e alimentando-se com as sobras e restos da tripulação., chegou à costa leste dos Estados Unidos. Como o seu sonho era demandar a Califórnia, percorreu o continente americano de lés-a-lés e, fixando-se na costa oeste, foi parar à cidade de Ione, no condado de Amador. Aí dedicou-se a todo o tipo de serviços que lhe permitiam ganhar algum dinheiro. Desgostoso com a vida de escravo que levava decidiu mudar-se para outros condados do interior e norte, pastoreando ovelhas nos montes e serras, ordenhando vacas em ranchos, trabalhando na agricultura, o que de melhor sabia fazer. Eram terras de abundância e os donos eram generosos, possibilitando que também criasse gado e comprasse terras. O trabalho era mais agradável e os ganhos maiores o que lhe permitiu armazenar algum dinheiro. Alguns anos depois arrependeu-se e, cheio de saudades da sua terra natal, suspendeu a sua aventura americana, regressando à Fajã Grande, com o dinheiro que ganhara e religiosamente poupara. No entanto e porque sabia que o sonho americano nunca havia de se apagar, tirou e trouxe os célebres “papeles” para que os filhos, anos mais tarde, se assim o entendessem, pudessem fixar-se na terra do Tio Sam. Chegou à Fajã com algum dinheiro e, depressa surgiram algumas pretendentes Casou uma primeira vez mas o infortúnio bateu-lhe à porta e, anos depois a esposa faleceu. Casou então em segundas núpcias com aquela que foi a minha bisavó. Construi uma casa, logo ali no início da Assomada, a seguir à Praça e teve vários filhos entre eles Maria de Jesus Fagundes, que casou com António Lourenço Fagundes, no dia trinta dias de novembro de mil oitocentos e oitenta e dois, na igreja paroquial de São José da Fajã Grande, numa cerimónia muito simples mas digna onde foram apresentados os documentos necessários e do estilo corrente, e sem impedimento algum canónico ou civil. No entanto, para poderem casar, os mesmos nubentes tiveram que ser dispensados do impedimento de segundo grau de consanguinidade em linha colateral e igual pelo Excelentíssimo e Reverendíssimo Bispo da Diocese. Ele tinha trinta e três anos, sendo solteiro, lavrador de profissão, natural e morador nesta freguesia e batizado na Paróquia de Nossa Senhora dos Remédios da Fajãzinha e ela tinha apenas vinte anos de idade achando-se autorizada pelo consentimento paterno para contrair matrimónio, como consta do mandato que apresentaram. Consta que os nubentes se receberam alegremente por marido e mulher e assim em matrimónio procedendo em todo este ato conforme o Rito da Santa Madre Igreja Católica e Apostólica Romana.

António Joaquim Fagundes viu a filha casas com muita alegria. O genro, para além de sobrinho, era um bom homem, respeitado e trabalhador. Também havia tentado a sua aventura na América, mas regressara como tinha partido. Sem dinheiro. António Joaquim ainda comprou terras e teve filhos muito filhos. Uns nasciam mortos, outros morriam depois de nascer e outros vingaram. Quando cresceram alguns zarparam na procura do “Eldorado”, deixando os pais, aos cuidados do irmão mais novo. Impusera-se no entanto, na freguesia António Joaquim Fagundes pela sua bondade e sabedoria. Junto com os filhos trabalhava as terras, lavrava-as, semeava-as, sachava-as e cavava-as. Guardava na loja, ali por baixo da cozinha a Mimosa e a Formosa juntamente com um gueixo que depois de engordar, matava e distribuía a carne pelos pobres em louvor do Divino Espírito, que tanto o havia ajudado enquanto permanecera na Califórnia. As vacas iam-lhe dando leite e ajudavam-no a lavrar os campos e puxar o corção. À noite rezava pelos antepassados que se haviam finado e pelos filhos que haviam emigrado. Foi folião do Espírito Santo e nas noites da Quaresma ia cantar para o Outeiro. Foi sempre um homem pacato e humilde não se entregando a grandes aventuras e devaneios. Transmitiu aos filhos a riqueza da lealdade, a excelência da honra e o prazer do dever cumprido. Não era vingativo nem provocador de brigas e guerrilhas. Dava-se com todos e todos os respeitavam. Cumpria com dignidade os seus deveres morais e religiosos.

Sua mãe, Clara de Jesus era natural de Ponta Delgada e faleceu na Fajã Grande, a 2 de dezembro de 1864, com setenta e três anos. Após o casamento, juntamente com o marido, decidiu fixar residência na Fajã Grande, na rua Assomado onde viveu até ao ano do deu falecimento. António Joaquim Fagundes foi o seu filho mais velho.

António Joaquim Fagundes, já viúvo de Policena que faleceu em 4 de agosto de 1896, faleceu em 9 de Agosto de 1899 e teria cerca de 88 ou 89 anos, dado que os pais casaram em 1809 e ele era o filho mais velho.

 

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A CAPONA

Sexta-feira, 01.05.15

Ana Joaquina Capona faleceu no dia 7 de abril de 1896, às 8 da manhã, na então casa nº 23 da Rua da Via d’Água, na Fajã Grande das Flores. Tinha a bonita idade de 87 anos. Era solteira e, segundo o seu registo de óbito, não tinha profissão. A “Capona” como muito provavelmente seria conhecida, uma vez que “Anas Joaquinas” havia, ao tempo, muitas na Fajã, era filha de José Valadão jornaleiro e de Maria Joaquina, fiandeira.

Nada de anormal na vida desta mulher se não fosse o seu nome. É muito estranho este apelido de “Capona”, porquanto é único. Consequentemente não o herdou dos progenitores e, muito provavelmente, nunca terá sido usado na Fajã Grande por quem quer que seja. Estranho! Assim é muito provável que, em vez dum nome de um apelido, ou seja uma alcunha.

A palavra capona existe na língua portuguesa e, no sentido real, significa grande capa de mulher, usada para momentos mais solenes, nomeadamente para ir à missa. Recorde-se que no Faial as senhoras utilizavam, para o mesmo fim, o típico capote. No sentido figurado, a palavra passou a usar-se como sinónimo de beata. No entanto, nalgumas regiões do país, como por exemplo Trás-os-Montes, capona significa, vaca ou égua estéril, que foi castrada, aplicando-se o mesmo termo, inclusivamente, aos cavalos que passaram pela castração. Embora a palavra capão não tenha feminino, a palavra capona poderia, popularmente, entender como uma forma jocosa, talvez de escárnio ou gozo, de formar uma maneira deturpada o feminino daquela, ou então, num sentido mais lato, querendo significar que seria sim o feminino de capador, isto é, uma mulher que exerceria o ofício de capar porcos ou outros animais.

No caso desta nossa ilustre antepassada da Via d’Água nunca se saberá ao certo a razão de ser deste epíteto. Poderia, em primeiro lugar, ser-lhe atribuído esta alcunha, a que na Fajã Grande vulgarmente se chamava “apelido”, por ser considerada uma beata, embora este não pareça ser o mais provável. A mulher era solteira, provavelmente atirada a outros valores que não missas e comunhões diárias. Além disso a palavra não parece ter sido utilizada com este significado na Fajã. Restam as outras duas hipóteses. No entanto, a segunda parece ser ainda muito menos plausível, porquanto os provincianismos transmontanos ou de outras regiões do continente não seriam muito utilizados nas ilhas. Resta a terceira e a mais plausível, a de Ana Joaquina se ter dedicado à arte de capar porcos ou outros machos quaisquer. No entanto é possível que não o fizesse frequentemente, nem muito menos por profissão mas somente que o tenha feito ou tentado fazer uma única vez. Na verdade, na Fajã Grande granjeava-se uma alcunha por praticar um delito uma só vez. O José Felizardo ficou conhecido por “ter sido ” por uma única vez, ter sido visto, num cerrado das Furnas a atirar às abóboras, semelhando que eram baleias e meu pai ficou por “Chinelo” porque uma vez, depois de lavar os pés, apresentou-se à praça com os chinelos da minha avó. Eu e meus irmãos, sem culpa formada, ficámos por “chinelinhos”. Além disso, naqueles recuados tempos, havia um homem, na Cuada a quem apelidavam de “Capão” e mesmo na Fajã não faltavam apelidos semelhantes, tais como Balaio, Batoco, Borrego, Calssado, Camarão, Cevada, Cavala, Enrilhado, Farelo, Foinha, Foguista, Gadelha, Laré, Padre, Panão, Panoa, Passarouca, Peneireiro, Pinguelho, Saco, Siloque, Tambor, Turca, Xingado, Xocha, e tantos outros. Até um rapazito que, subindo a uma árvore, encontrou três ovos de galinhola e que, no regresso a casa, feliz e orgulhoso do seu feito, os mostrava a toda a gente foi alcunhado de o “Três ovinhos de galinhola.”

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MEMÓRIAS DE PAI CRISTIANO

Segunda-feira, 06.04.15

Tio José Cristiano e a mulher tia Margarida tinham um filho único e ele morreu na Rocha. Joaquina tinha dois anos quando a mãe Maria José ou de Jesus Teodósio morreu e eles adotaram-na, criando-a e educando-a como se duma filha se tratasse, por isso ela os tratava por pais. Depois de casar Joaquina ficou vivendo com eles. Uma filha de Joaquina, falecida há poucos anos ainda se lembrava dele. Consta que a mulher Margarida terá enlouquecido pouco tempo depois de Joaquina casar. Assim rerá vivido durante 7 anos antes de morrer, transformando a vida de Joaquina e tornando-a bastante difícil. Tratar dela exigia muito trabalho. Para além de tratar e olhar por ela dia e noite tinha muitos filhos para criar. Eram tempos difíceis, com muitas carências e sem terem nada. Pai Cristiano, como todos lhe chamavam, quando morreu já tinha mais de 80 anos. Joaquina estava à espera de um filho a quem pôs p nome de Cristiano em memória daquele que a criou e foi seu pai de peito. José Cristiano faleceu em 1922. Já há algum tempo que estava doente e de cama. Num dia levantou-se e foi à missa. Depois disse a Joaquina que estava um Álamo no Cabeço da Rocha, que precisava ser cortado, que o queria ir cortar. Joaquina opôs-se radicalmente. Não o queria deixar ir. Mas ele não lhe deu ouvidos e lá caminhou com o seu machado às costas, Fontinha acima, até à Laje da Silveirinha. Era aí que havia uma canada que dava para o Cabeço da Rocha. Passaram-se horas, o dia chegou ao fim e Pai Cristiano não chegava. Foi Ti’Antonho do Alagoeiro que estava numa terra das Queimadas que se apercebeu do que acontecera. Foi lá a. correr, apesar de ter uma hérnia e encontrando-o já morto, trouxe-o às costas até a casa. Mas Joaquina, sabendo onde ele estava, já mandara lá alguém. Diziam os que o encontraram que ele estava sentado numa pedra, mas morto e tinha dado apenas uma ou duas machadadas no álamo. Tinha tirado o chapéu da cabeça e começara a rezar, pois tinha um terço na mão. E assim se acabou a sua vida na Terra. Na década de cinquenta ainda lá estava e era bem visível a pedra onde ele tinha morrido.

 

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AS SENHORAS MENDONÇAS

Sábado, 31.01.15

Na rua da Assomada, a uns escassos metros da minha casa, um pouco mais acima, na década de cinquenta, viviam três mulheres, conhecidas pelas “Senhoras Mendonças”. A mais velha, chamava-se Luísa, a segunda, em idade, Anina e a mais nova Rosária. Viviam sozinhas, porquanto as duas mais novas eram solteiras e a mais velha, familiarmente, tratada pela “Senhora Luisinha Mendonça”, era viúva. Esta senhora, de nome completo, Luísa Matilde Mendonça da Silveira, casara com, José Lourenço da Silveira, no entanto ficara viúva, havia alguns anos. É verdade que desse casamento nasceu um filho, Pedro Laureano e Mendonça da Silveira, escritor, jornalista, poeta, crítico literário e ensaísta, considerado hoje como um dos maiores vultos da cultura literária açoriana no século XX. No entanto, Pedro da Silveira, possuidor de uma inteligência privilegiada e rara, cedo abandonou a terra natal, fixando-se em Angra, onde fez os estudos liceais, vivendo, posteriormente, em Ponta Delgada e, a maior parte da sua vida, em Lisboa. Raramente e apenas no verão visitava a Fajã, pelo que as três senhoras viviam sozinhas.

A Senhora Rosária, pese embora fosse a mais nova, queixava-se de algumas maleitas e padecimentos, pelo que mais se reservava para as tarefas domésticas. Era a senhora Luísa e, sobretudo, a senhora Anina que se dedicavam aos trabalhos dos campos, pois era deles que viviam, cavando, sachando, mondando, ceifando fetos e cana roca, cortando lenha, acarretando-a para casa, criando galinhas e porcos.

Eram senhoras de uma educação esmerada, respeitadoras de todos, carinhosas, muito atenciosas e favoráveis. Lembro-me de ir, em criança, a casa delas e era recebido com muito carinho e amizade. Ofereciam-me sempre uma fatia de pão com doce. Em frente à sua casa, havia um pequeno largo e neste um fontenário público, onde eu ia buscar baldes de madeira cheios de água, pois nesses tempos, na minha casa não havia água canalizada. Por vezes, os baldes eram pesadíssimos e eu aflito para os carregar. Sempre que me via em tais dificuldades a senhora Anina ajudava-me a trazer os baldes. Lembro-me, também, de que ela era muito amiga da minha mãe e, sobretudo, durante a sua doença, visitava-a com muita frequência, sempre muito prestável e disposta a ajudar no que ela precisasse.

A senhora Luísa, apesar de muito velhinha, ainda se deslocava aos campos não apenas para os trabalhar mas também para, no regresso, trazer sempre à cabeça um molhinho de lenha ou de couves, um saco de batatas ou um cesto de inhames. Mas, na verdade, o braço forte da casa era a senhora Anina, sempre forte, sempre rija, a desempenhar com grande esforço e competência invulgar todas as atividades agrícolas comuns a qualquer casa de lavrador da freguesia. E era uma casa farta, a das Senhoras Mendonças e as suas donas muito generosas, pois contribuíam sempre em peditórios e derramas e quando, nós crianças, lá íamos cantar os Anos Bons ou os Reis, tínhamos sempre uma moedinha branca, o que era raro acontecer noutras casas.

 

 

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OS EMPREITEIROS

Sexta-feira, 26.09.14

Em meados da década de cinquenta chegaram à Fajã Grande, juntamento com um gigantesco e deslumbrante acervo de maquinaria e material de construção, os empreiteiros que haviam de abrir e construir o troço da estrada que ligaria a Fajã Grande ao resto da ilha. Tratava-se do troço entre o Porto da Fajã e a Ribeira Grande que, depois de construído, acabaria por deixar ficar tudo na mesma, uma vez que o troço seguinte, entre a Ribeira Grande e o Cimo da Rocha da Fajãzinha, só alguns anos depois seria construído, permitindo assim que se pudesse viajar de carro, da Fajã a Santa Cruz.

Os empreiteiros foram recebidos com grande alegria e satisfação pelo povo, por quanto se sabia que trariam um grande benefício para a freguesia. Eram três. O chefe e dono da empresa era o Senhor Santos, natural do continente mas residente na Terceira onde a empresa tinha sede. Era o único casado e tinha um filho. Os outros dois, o Senhor Pedro e o Senhor Valério, eram cunhados do Senhor Santos, seus sócios e colaboradores, sendo, também, os responsáveis pelas obras, cujos trabalhos supervisionavam, diariamente.

Chegados à freguesia, hospedaram-se na Rua Nova, numa casa com torrinha, a meio da rua, que estava vaga. Uma das melhores casas da freguesia e a única, para além da do chileno e da igreja, com torre. Depressa se adaptaram e criaram grande estima e amizade com a população local. Célebre sobretudo as expressões e ditos do Senhor Santos, possuidor de uma monumental barriga e fumador de charutos, ornados com um belo sotaque continental, impondo um respeito considerável. O senhor Pedro mais alegre e folgazão, o senhor Valério mais reservado e sóbrio, mas todos senhores de uma dignidade e de uma educação bem patentes aos olhos de todos.

Desembarcada a maquinaria e o material, vindo de Santa Cruz em batelões puxados por gasolinas, contrataram homens entre a população local e começaram as obras, iniciando-as, em duas frentes: no Porto e no Cimo da Assomada. Rasgaram colinas, esburacaram rochas, atravessaram campos, destruíram casas e construíram outras pagando indemnizações por campos e espaços ocupados.

A maquinaria era constituída por uma camioneta e um conjunto de vagões, com linhas férreas, a instalar, algumas betoneiras, a máquina de alcatroar e várias máquinas de fazer cimento. Tudo novidade na freguesia. O material, para além de malhos e martelos de todo o tipo e tamanho, era constituído pelas célebres “picaretas”, muitas pás, ancinhos, cavilhas, brocas e outro material de perfurar e partir pedra, Chegaram muitos carrinhos de mão, diversas caixas com velas de dinamite e os respetivos fiosques, fatos de oleado e chapéus para proteger da chuva, muitos arcos, pneus e rodas para construir os cilindros, etc. etc., enfim uma panóplia de material que nunca mais acabava.

Dezenas e dezenas de homens da freguesia foram contratados para trabalhar nas obras o que, se por um lado trouxe alguma riqueza, por outro fez com que muitos campos de cultivo começassem a ser abandonados, alterando assim, parcialmente, a vida e os costumes da freguesia.

 

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O PADRE JAIME

Sábado, 16.08.14

O Padre Jaime Luís da Silveira nasceu na Fajã Grande, na rua da Assomada, em 1926, sendo os seus pais José Luís da Silveira, mais conhecido pelo Senhor Faroleiro e Maria Lucinda da Silveira. Fez a instrução primária na Escola Primária da Fajã Grande e deu entrado e matriculou-se no Seminário de Angra, em 16 de Setembro de 1937, tendo terminado o Curso de Teologia, no ano lectivo de 1047/48. Foi ordenado sacerdote, a 13 de Junho de 1948, por Dom Manuel Augusto da Cunha Guimarães, tendo celebrado missa nova, alguns dias depois, na Capela do Seminário.

Exerceu toda a sua actividade sacerdotal nos Seminários de Angra e, mais tarde, no de Ponta Delgada. No Seminário de Angra iniciou a sua carreira com prefeito dos Miúdos, ou seja da Prefeitura de São Luís Gonzaga, que albergava os alunos mais novos. Alguns anos mais tarde foi nomeado secretário e ecónomo daquela insigne instituição de ensino religioso dos Açores, cargos que exerceu até aos finais da década de sessenta, altura em que foi transferido para o Seminário Menor de Ponta Delgada, onde lhe foram confiadas as mesmas funções. Durante os longos anos em que trabalhou no Seminário foi professor de Música, dos alunos dos primeiros anos, de Geografia e, mais tarde de Inglês, dado que, com a ideia de aperfeiçoar a sua formação, frequentou vários cursos de verão em universidades inglesas.

O Padre Jaime exercia todos os seus cargos com competência, dignidade e esmero, pese embora, o último, o de ecónomo, lhe trouxesse um ou outro dissabor. Eram os alunos a reclamar que a “miragaia” era rija que nem sola, eram desenhos anónimos, no “Carpinteiro”, a representarem mergulhadores, equipados com escafandros, na procurar duma nica de linguiça no meio da feijoada, eram os mais novos a protestar contra a “bacalhoada” das sextas, os teólogos contra as travessas vazias e, até um outro professor a gracejar com frases evangélicas, adaptadas à carestia, “carne, autem, infirma est”. Por isso, como ecónomo, embora condicionado pelo permanente e contínuo aperto dos cordões da bolsa diocesana, por parte do Prelado, via-se e desejava-se para tentar, geralmente sem sucesso, “melhorar o rancho”.

Cuidava ele, no entanto, que, se a variedade e a qualidade do cardápio eram metas obstaculizadas pela estranha e condenável sovinice do Senhor Bispo, pelo menos podia diligenciar-se a qualidade na cozedura e apresentação das travessas. Essa a razão, porque passava grande parte do dia, na cozinha, não fossem os cozinheiros descuidarem-se e agravar, com a falta de qualidade, o défice e a pobreza dos produtos cozinhados.

Saudosista e amante da freguesia onde nasceu, o padre Jaime todos os anos ia passar alguns meses de Verão à Fajã Grande, fixando-se na Assomada, na casa que era dos seus pais. Após a morte do progenitor, adquiriu uma casa em Angra, na freguesia de Santa Luzia, perto do Seminário, onde passou a residir com a mãe e a irmã Avelina, não deixando, no entanto de continuar a visitar a Fajã Grande, no Verão, por vezes acompanhado de colegas e amigos de outras ilhas, entre os quais o Dr Simão Leite de Bettencourt, professor de Teologia e Filosofia e Director Espiritual do Seminário de Angra. Era um homem educadíssimo, muito correcto, sempre alegre, convivendo com todos os conterrâneos que o respeitavam de sobremaneira. Depois de alguns anos en Ponta Delgada reformou-se, passando a exercer o cargo de capelão do Convento das Mónicas, em Angra, onde celebrava missa diariamente.

No final da sua vida foi acometido de doença que o obrigou a isolar-se em casa, impedindo-o de continuar a exercer o seu múnus sacerdotal.

Respeitado por todos no Seminário, onde gozava de grande simpatia e estima, o padre Jaime impôs-se sobretudo como professor de música que o ilustre maestro Emílio Porto, seu aluno, assim descreveu. O professor de Música, para os primeiros cinco anos do curso do Seminário, foi o Padre Jaime Luís da Silveira. Possuidor de uma excelente formação musical, trazia para as aulas discos de música clássica, profana, religiosa e sacra. A sua apresentação era motivadora para o gosto musical. Sabia como incentivar e sabia como comunicar. A audição era sempre acompanhada de explicações fundamentadas. Recordo essas aulas como das mais importantes para o que hoje sinto e penso sobre o mundo da música. Não era um pianista, no verdadeiro sentido da palavra, mas dedilhava o piano com alguma facilidade. Tocava também para os alunos algumas canções populares. Toda a turma acabava por cantar ao som do piano. A primeira canção foi Santa Luccia, melodia napolitana mundialmente conhecida. Foi sempre recordada durante o curso, e mais tarde pela vida fora. Santos Narciso, que foi aluno do Seminário, uma vez escreveu: “foi uma canção que marcou uma geração”. Recordo que foi a canção escolhida pelo professor, para o estudo experimental dos primeiros acordes.

A sua estadia no Seminário, como professor, no entanto, ficou assinalado por um dos mais trágicos acidentes acontecidos naquela casa. Como era o ecónomo e muito zeloso para que tudo o que dizia respeito à alimentação dos alunos corresse da melhor forma, o Padre Jaime, todos os dias e, sobretudo antes das refeições, de manhã, ao meio dia e à noite, deslocava-se do seu escritório, no Largo de Santa Teresinha, junto à Capela de Baixo, para a cozinha. Para o fazer, dado que nessas horas os alunos estavam a estudar ou em aulas, saía do seu gabinete, entrava nas camaratas dos médios e, antes da última, voltava à esquerda, pois esta ligava-se directamente à cozinha, através duma espécie de balcão. Era o caminho, mais curto, mais rápido e mais acessível.

Ora o padre Jaime tinha o hábito de ler, quer fosse a rezar o breviário quer a fazer a leitura matinal dos jornais, passeando de um lado para o outro ou até caminhando. Habitualmente, era de manhã, quando se deslocava à cozinha que lia “A União”. Todas as janelas das camaratas comunicavam com o pátio interior do Seminário, através de amplas janelas, sob a forma de portadas, mas não tinham varanda, grade ou sequer um simples varão.

Certa manhã em que padre Jaime mais concentradamente e totalmente absorto lia o jornal, ao atravessar as camaratas, cuidando instintivamente que já estava na última, na que dava acesso à cozinha, virou na anterior, seguindo sempre pela janela fora, como se o chão continuasse. Foi uma queda abruta, um tombo medonho, um estrondo assustador que pôs em polvorosa todo o Seminário, sobretudo os médios que, àquela hora, estavam sentados nas suas cadeiras, no piso inferior, em profundo e absoluto silêncio, pois estavam em hora de estudo. Prontamente socorrido por professores e alunos, padre Jaime ficou em estado de grande debilidade. Levado ao hospital, verificou-se que tinha várias fracturas, para além de muitas escoriações. Das segundas livrou-se facilmente, mas as primeiras causaram-lhe grandes males de que só com o passar do tempo e com o a ajuda do “endireita” de Santa Bárbara se foi lentamente aliviando. Nada mais de grave lhe aconteceu, o que na altura foi considerado um verdadeiro milagre.

 

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publicado por picodavigia2 às 17:14

ANTEPASSADOS PATERNOS

Quinta-feira, 14.08.14

Eu tive cinco irmãos, dos quais três eram mais velhos do que eu: José Ângelo Fagundes, nascido em 19 de Março de 1939, Maria de Jesus Fagundes, nascida em 14 de Agosto de 1940, António Lourenço Fagundes, nascido em 25 de Fevereiro de 1943. Por sua vez, os dois são mais novos: Maria Vitória Fagundes, nascida a 24 de Outubro de 1949 e Francisco Joaquim Fagundes, nascido em Junho de 1952, mais tarde adoptado por uma tia, passando a chamar-se Frank Almeida.

Foram meus pais João Joaquim Fagundes, nascido na Fajã Grande das Flores, a 18 de Outubro de 1902, tendo falecido em Angra do Heroísmo, ilha Terceira, depois de quase oito anos de internamento na Casa de Saúde de São Rafael, a 16 de Janeiro de 1966 e Angelina da Natividade Fagundes, nascida a 8 de Setembro de1912, festa da Natividade de Nossa Senhora, razão porque lhe foi dado este nome, tendo falecido no antigo Hospital de Santa Cruz das Flores, em 5 de Agosto de1954e que casaram na Fajã Grande, no dia 28 de Maio de 1938.

Meus avós paternos foram António Lourenço Fagundes(1849/?)    e Maria de Jesus Fagundes (1862/194?), que foram os pais de João Joaquim Fagundes e que casaram na igreja da  Fajã Grande em 30 de Novembro de 1882.

Os meus bisavós paternos foram: José Lourenço Fagundes e Mariana Joaquina de Jesus ou da Silveira, pais de António Lourenço Fagundes e que casaram na igreja da Fajãzinha, uma vez que nesta data a Fajã Grande ainda não era paróquia, em 25 de Outubro de 1838. Por sua vez, os meus bisavós e pais da minha avó materna, Maria de Jesus Fagundes, foram: António Joaquim Fagundes e Mariana Júlia de Jesus que casaram na igreja da Fajãzinha em 8 de Novembro de 1855.É curioso o facto de ambas as minhas bisavós paternas se chamarem “Mariana”. Esta minha bisavó morreu muito nova e meu bisavô casou 2ª vez, também na Fajãzinha, em 01 de Agosto de1858 com Policena Joaquina da Silveira.

Por sua vez os meus trisavós paternos e pais de José Lourenço Fagundes e avós do meu avô António Lourenço Fagundes, foram Manuel Joaquim Fagundes, que no seu registo de casamento aparece somente com o nome de Manuel Joaquim, e Maria Isabel ou Isabel Maria que era natural da Ponta da Fajã Grande. Estes meus trisavós casaram na Fajãzinha em 04 de Setembro de 1809. Os meus trisavós, pais da minha bisavó Mariana Joaquina de Jesus, foram Joaquim António Rodrigues de Freitas e Ana de Freitas Júnior que terão casado na igreja da Fajãzinha, na altura paróquia das Fajãs, em 22 de Outubro de 1804. Apenas sei que os meus tetravós e pais do meu trisavô, António Joaquim Fagundes, o tal que no registo só tem como nome Manuel Joaquim se chamavam Manuel Joaquim Fagundes e Clara de Jesus, desconhecendo a data do seu casamento por não se encontrar o registo deste casamento na Fajãzinha, pelo que terão casado noutra paróquia ou fora da ilha, possivelmente na Califórnia. Os pais de Policena Joaquina da Silveira foram António José de Freitas e Ana de Jesus, que casaram na Fajãzinha em 3 de Junho de1805.

Os meus tetravós e pais de Manuel Joaquim (Fagundes) foram João Cardoso e Maria de Jesus, não havendo registo deste casamento e os pais de Maria Isabel ou Isabel Maria foram Manuel Caetano e Maria de Jesus, também não havendo registo do seu casamento. Um e outro terão acontecido fora da paróquia das Fajãs, criada em 1676 e portanto já existente nestas datas. Os pais de Joaquim António Rodrigues de Freitas foram António Rodrigues de Freitas e Ana Maria de São José, também sem registo deste casamento e os pais de Ana Freitas Júnior, foram António de Freitas Fragueiro, nascido nas Lajes das Flores e Ana de Freitas, casados na Fajazinha em 6 de Novembro de 1763

Por sua vez os pais de Manuel Joaquim Fagundes foram Bartolomeu Lourenço Fagundes e Ana de Freitas. Manuel Joaquim Fagundes casou na igreja da Fajãzinha em 17 de Janeiro de 1774, com Clara de Jesus. Os pais de António José de Freitas,  Manuel Furtado e Catarina Freitas também casaram na Fajãzinha em 22 de Junho de 1773, enquanto os progenitores de Ana de Jesus, Francisco George e Maria de Freitas, casaram no mesmo ano e na mesma igreja no dia 22 de Fevereiro

Os meus pentavós paternos de que existem registos, foram António de Freitas Fragueiro, filho de pai incógnito e de Francisca Freitas. Por sua vez, os pais de Ana Freitas foram Francisco Carneiro e Catarina de Freitas, não havendo registo deste casamento. Os pais de Catarina de Freitas foram Francisco de Freitas Lourenço e Maria de Freitas, mas de cujo casamento, também, não se conhece registo. Também não há registo deste casamento dos pais de Francisco George, André George e Francisca Rodrigues. Acrescente-se que se sabe que os pais de Francisco George eram Manuel de Freitas e Margarida Barcelos que, a julgar pelo apelido, não deveria ser natural das Flores.

Notas:

1.         Manuel Joaquim Fagundes, no seu registo de casamento aparece somente com o nome de Manuel Joaquim.

2.         Não se encontra nenhum registo do casamento deste casal que são pais de António Joaquim Fagundes e avós de Maria de Jesus Fagundes.

3.         Não são conhecidos os pais de Clara de Jesus porque não há registo do seu casamento com Manuel Joaquim Fagundes.

4.         Catarina de Freitas quando casou com Manuel Furtado era viúva de António Rodrigues, natural da Ponta e filha de Belchior Rodrigues e de Joana de Freitas, os quais obviamente não nossos antepassados

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publicado por picodavigia2 às 21:23

DATAS

Domingo, 27.07.14

O meu avô materno, de nome José Fagundes da Silveira, nasceu, na Fajã Grande, a 18 de Setembro de 1884 e faleceu, na mesma freguesia a 8 de Maio de 1952, com 68 anos, tendo passado alguns anos da sua vida, antes de casar, na Califórnia. Por sua vez, a minha avó, Joaquina Fagundes de Sousa, nasceu a 1 de Novembro de 1890, no lugar da Cuada e faleceu a 26 de Dezembro de 1965, na Fajã Grande, com 75 anos. Nunca saiu da vila e poucas vezes da\Fajã Grande. Casaram na igreja da sua freguesia natal, em 11 de Janeiro de 1909. Tiveram doze filhos, todos nascidos na Fajã Grande, tendo um falecido pouco depois de nascer. A filha mais velha, Maria da Conceição, nasceu a 29 de Outubro de 1909 e casou com Augusto da Costa Benavide. Tiveram uma filha. O segundo filho, sempre designado por “José do Céu” nasceu a 26 de Maio de 1911, falecendo 6 meses depois. O terceiro rebento foi Angelina, a minha mãe, que nasceu a 7 de Setembro de 1912. Seguiu-se a Gloria, nascida a 2 de Novembro de 1914, a Ana, nascida a 26 de Julho de 1916 e José a 27 de Julho de 1918. A seguir, em 18 de Maio de 1920 nasceu a Luísa, a 17 de Marco de 1922 o Cristiano, recebendo o nome do pai adoptivo da minha avó, acontecendo o mesmo com a filha que nasceu a seguir, em 3 de Junho de 1924, que recebeu o nome de Margarida, ou seja o nome da mãe adoptiva da minha avó, também falecida muito nova. Seguiu-se Maria de São José, que nasceu a 18 de Marco de 1926 e o Luís, nascido a 4 de Marco de 1928. Por fim mais um casas, os únicos ainda vivos, Georgina, que nasceu a 26 de Outubro de 1931 e Francisco, nascido a 8 de Janeiro de 1933.

Os restantes filhos já faleceram. Angelina Fagundes, faleceu no hospital de Santa Cruz, em 5 de Agosto de 1954. Era casada com João Joaquim Fagundes, que nasceu a 18 de Outubro de 1902, faleceu a 16 de Janeiro de 1966, em Angra do Heroísmo, ilha Terceira. Casaram em 28 de Maio de 1938. Cristiano Sousa faleceu, na Califórnia, a 17 de Fevereiro de 1978, Luís Silveira a 24 de Junho de 1979, também na Califórnia e Maria de São José a 8 de Marco de 1980, em Lisboa. Maria Benavide faleceu na Califórnia, a 8 de Marco de 1994, assim como a Gloria Dias, esta a 21 de Marco de 1998.

Já faleceu um bisneto dos meus avós maternos e netos dos meus pais, Paul Garcia, que nasceu a 23 de Fevereiro de 1976, em Arcata, norte da Califórnia, onde faleceu a 24 de Marco de 1999, num acidente de automóvel. Era filho da Maria Victoria e Octávio Garcia.

Um dos netos e meu irmão, já falecido, também na Califórnia, foi António Fagundes, que nasceu na Fajã Grande, em 25 de Fevereiro de 1943, faleceu a 8 de Maio de 2000. Alzira Sousa, nora dos meus avós, nasceu a 27 de Setembro de 1923 e faleceu a 13 de Novembro de 2000. Margarida Almeida, faleceu a 22 de Março de 2007, era casada com Manuel Almeida, nasceu em 1917, faleceu a 17 de Junho de 1991. Por sua vez José de Sousa faleceu a 8 de Julho de 2007 e Frank Fagundes Almeida, também meu irmão, a 30 de Julho de 2009. Todos faleceram na Califórnia

Ana e Luísa faleceram em Anadia e Maria de Jesus, minha irmã, faleceu em 9 de Abril de 2014, na Califórnia.

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publicado por picodavigia2 às 08:40

O SENHOR JOÃO FAGUNDES

Quarta-feira, 16.07.14

O Senhor João Fagundes morava no Cimo da Assomada, precisamente na última casa, no Caminho que dava para as hortas, terras de mato e Lavadouros. Na verdade, a rua da Assomada, a primeira que demandava quem vinha dos lados da Fajãzinha, ou seja do Sul da ilha, tinha a forma de um ípsilon, isto é, no seu cimo, ramificava-se em duas vielas ou caminhos. À direita de quem a subia, a Assomada como que continuava através do Caminho da Missa, com destino à Eira da Quada, à Fajãzinha e às outras freguesias e vilas da ilha. Mas se, pelo contrário, voltássemos à esquerda, a dita rua prolongava-se pelo início do caminho que dava para as terras de cultivo, de mato, para as relvas, para o Covão e Outeiro Grande, para O Delgado e Quada, para os Lavadouros e terminava no Curralinho.

Ora era precisamente deste lado que se situava a casa do Senhor João Fagundes, a última de quem subia e a primeira de quem descia este caminho, um dos mais importantes e mais frequentados da freguesia. Para aqueles lados se situavam as melhores relvas, as mais férteis terras de cultivo do Vale da Vaca, as excelentes hortas do Delgado e Cabaceira, para não referir o lugar da Cuada, na altura habitado por cerca de trinta pessoas. Essa a razão pela qual passavam ali, diariamente dezenas e dezenas de pessoas e animais, embora a casa ficasse com a frente voltada para o lado contrário ao caminho. A casa situava-se muito próximo da Ladeira do Covão e como que abrigada pela encosta da Pedra d’Água.

O senhor João Fagundes, um homem já de provecta idade, com o nome rigorosamente igual ao de meu progenitor, razão pela qual meu pai, por ser mais novo, assinava o seu nome sempre seguido de Júnior. Assim não havia confusão, não tanto pelas cartas que estas traziam remetente, mas sobretudo pelos avisos amarelos, anunciadores das encomendas da América ou daqueles que eram para pagar dízimas e impostos e que não continham remetente. O senhor João Fagundes era um homem muito trabalhador e respeitado na freguesia, tendo exercido alguns cargos de responsabilidade e era irmão da mãe do José Nascimento e de minha tia Adelina, casada com um irmão de meu pai. Muito sério nos seus contratos, honesto nas suas atitudes, não se metendo na vida de uns e de outros. Raramente se vinha sentar à Praça, porque a sua casa ficava muito distante do centro da freguesia. Imagine-se o que seria percorrer toda aquela distância de noite, sem iluminação nas ruas. Por isso e pelo seu feitio e temperamento, o Senhor João Fagundes era um homem muito caseiro. A sua postura, digna, nobre e séria, impunha respeito. A sua bondade e simplicidade auferiam-lhe o apreço, a consideração e a estima de todos, Vivia com a esposa e os dois filhos mais novos, dado que os restantes já haviam casado. O João ingressou na Guarda-Fiscal, deslocando-se, mais tarde, para Santa Cruz, juntamente com a mulher, enquanto a filha casou e partiu para o Canadá.

Dada a situação da casa, muitos homens que vinham das terras, cansados, carregados com molhos e cheios de sede, paravam ali para pedir água. Assim, o largo que existia junto ao palheiro que ficava ao lado da casa como que se transformara numa espécie de descansadouro.

Com a abertura da estrada, no final da década de cinquenta, a frente da casa ficou voltada para esta e, por isso o acesso passou a fazer-se pela nova estrada.

É esta casa, a primeira da freguesia a ser visitada pela coroa do Senhor Espírito Santo, por altura da distribuição da carne, a primeira em que íamos cantar os Anos Bons e os Reis, que actualmente está à venda

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publicado por picodavigia2 às 10:11

TI MANUEL LUÍS

Segunda-feira, 26.05.14

Ti Manuel Luís, de seu nome Manuel Luís de Fraga, nasceu, na Fajã Grande em 1885 e era irmão de Ti Antonho do Alagoeiro, ambos nados e criados na Tronqueira. Ti Manuel Luís casou com Maria Dias Avelar, em 24 de Junho de 1907. Era filho de Manuel Luís de Fraga e de Mariana Luísa da Assunção e ela filha de Francisco Dias de Avelar e de Maria de Jesus Dias, natural do Lajedo.

A senhora Dias, como era conhecida, era hábil em tratar doenças e maleitas, tendo curado muita gente na freguesia. Lembro-me de em criança, ser levado poe minhas tias â sua casa, na Tronqueira, a fim de que me tratasse duma terrível tosse convulsa de que fora vítima. Ela, sentada na sua sala, num enorme cadeiral, tratou-me com um carinho e uma atenção extraordinária. Contava-se que quando o seu primeiro filho nasceu, teria um pequeno defeito na mão esquerda, uma vez que a meio da falange do dedo mínimo, tinha implantado uma espécie de sexto dedo mas que não articulava. A Senhora Dias, mulher forte, corajosa e destemida, com uma simples tesoura desinfectada, procurou o ponto ósseo de inserção do dedo desnecessário e cortou o que li estava a mais. Fez-lhe um penso com os unguentos com que tratava as feridas dos que a demandavam e confiou em Deus para que amparasse o menino e o salvasse de gangrena. Consta que, rapidamente, a ferida sarou e o menino ficou bem, embora assinalado naquele local da mão com uma pequena saliência ou verruga.

De Ti Manuel Luís também se contava que era um homem corajoso e destemido. Insatisfeito com a vida monótona, pobre e muito trabalhosa que tinha na ilha, igual à dos seus conterrâneos, a viver duma mísera agricultura de subsistência, a alimentar a família com as míseras colheitas que davam as poucas terras que possuía, umas vezes destruídas por tempestades outras desfeitas por secas ou pela salmoura, como muitos outros fajãgrandense do seu tempo, decidiu emigrar, partindo para os EUA, em busca da tão almejada fortuna que lhe permitisse mudar a sua ida. Nos Estados Unidos permaneceu cinco anos, o tempo suficiente para, ao regressar, trazer algum dinheiro, comprar mais algumas terras e construir dois moinhos na Ribeira das Casas, tornando o principal moleiro da freguesia. O filho mais velho, de nome Manuel Luís, formou-se no Seminário de Angra, onde consta que foi um aluno brilhante. Mais tarde fixou-se em Lisboa onde foi professor, jornalista, poeta e escritor. Os seus outros filhos foram: a senhora Dias, proprietária de uma das mais importantes lojas de comércio da freguesia, a Senhora Águeda e a Senhora Bernardete, também ela comerciante. Teve ainda dos filhos, o Tobias que lhe seguiu as pegadas de moleiro e o José Dias, que logo após a tropa, partiu para os estados Unidos, onde se fixou definitivamente, assim como mais tarde, o Tobias.

Ti Manuel Luís foi, na primeira metade do século passado, uma das mais importantes figuras fajãgrandense, graças ao seu espírito empreendedor, construindo os dois moinhos, de que, para além de proprietário, era também trabalhador. Na memória dos que o conheceram e se lembram dele, ainda hoje trespassa a imagem daquele homem, pequenino e magro mas muito activo e dinâmico, todo pintado de branco, a receber as moendas cheias de milho para um dia depois, as devolver, cheiinhas de farinha muita branquinha.

E que cheirinho tinha aqueles moinhos quando se lá entrava!.

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publicado por picodavigia2 às 15:28

ANINA INÁCIA

Sexta-feira, 25.04.14

Morava na Fontinha, era casada com o Candonga e tinha dois filhos: O José e a Maria Silvina. A Anina Inácia era vizinha dos meus avós. O portão do pátio da sua casa ficava mesmo em frente à porta do piso superior do palheiro do meu avô. Como eu acompanhava os meus tios, sobretudo nos dias de chuva, em que passavam as tardes, por ali, a concertar corsões e arados, a preparar a comida para o gado, a arrumar os fetos e a rama seca e a tirar o esterco do gado ou ordenhar as vacas, encontrava-a todos os dias.

Era uma mulher muito humilde, sensata e trabalhadora, como se dizia na altura “não parava”. Como o marido, para além de esporadicamente ser acometido de doença mental, era baleeiro, pescador e, em tempos que não havia faina marítima, “dava dias para fora”, era ela, a Anina Inácia que era o homem da casa, executando, com perfeição, todas os trabalhos de cultivo dos campos e tratamento do gado.

Uma das principais tarefas, que logo de manhã executava, era o ir ceifar erva a uma lagoa que tinha, creio que para os lados da Figueira. Levantava-se de madrugada, foice ao ombro, corda na mão, saiote de lã, calçando umas grossas botas de borracha que lhe davam quase pelo joelho. Pouco depois regressava, com um grande molhos de erva à cabeça, para o sustento da única vaca que tinha no palheiro.

De seguida tirava o leite à vaca e regressava aos campos para ceifar, mondar, sachar, plantar ou então acarretava à cabeça pesados cestos de batatas, inhames, milho ou de estrume e até baldes de urina do gado. Fazia tudo esta mulher, apesar da idade e da doença, de fraca alimentação e da ausência de cuidados médicos.

Encontrava-a tantas vezes, ora carregando pesados cestos ou molhos, ora de foice ou machado ao ombro e cordas na mão. Condenada ao trabalho, no entanto, aquela mulher olhava para mim com um sorriso, é verdade que dolente e sofredor, mas contagiante e solidário. Quando me cruzava com ela nos caminhos e veredas, por aqui e por além, a blandícia do seu rosto, o trémulo brilho dos seus olhos, a sorumbática expressão do seu sorriso e, sobretudo o trabalho excessivo a que estava condenada mas a que se dedicava com resignação, faziam-me lembrar a minha mãe, lembrança fermentada com o facto de o Candonga, o seu marido, sofrer de doença semelhante à do meu pai…

E esta mulher, apesar de digna, nobre, trabalhadora, talvez nunca granjeou a merecida simpatia, a devida recompensa, nem sequer a devida estima social, que o seu árduo trabalho merecia, na terra onde nascera, só porque era pobre, muito pobre e o marido, doente mental!

A justiça do mundo onde devia imperar o reconhecimento pelo valor do outrem é um mar profundamente abalado pela incompreensão, pela indiferença, pela insensatez, pelo desprezo e, sobretudo pelo ódio e pela inveja!

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publicado por picodavigia2 às 17:59

MARIA

Quinta-feira, 10.04.14

Maria nasceu a 13 de Agosto de 1940. Precisamente dois anos antes do famigerado naufrágio do Corvo que ceifaria a visa a dezasseis pessoas naturais e residentes na Fajã Grande. Nasceu na Assomada. Cresceu depressa, sendo habituada, desde tenra idade. a ajudar a mãe nas pesadas e árduas tarefas domésticas e a cuidar dos irmãos mais novos. Maria, apesar de criança já trabalhava arduamente e só descansava quando ia à escola onde, com uma inteligência prodigiosa, aprendia tanto ou mais do que as outras meninas. Sabia com mestria as lições de cor, lia com fluência e elegância e em Matemática realizava com rigor as contas das quatro operações, sabia a tabuada de cor e resolvia problemas com perspicácia e dinamismo. Fora da escola trabalhava, ajudava, arrumava, lavava, esfregava. Maria de mãozinhas roxas de frio, acarretava baldes de água da fonte e esfregava com escova e sabão o chão de madeira carcomida e remendada da sua casa. Maria de pés descalços levava à cabeça cestos cheios de roupa suja, lavava-a na ribeira e estendia-a ao Sol do estio. Maria, de olhos adormecidos, porque a noite era curta, levantava-se de madrugada, acendia o lume e varria, limpava e clareava a casa abrindo-lhes portas e janelas à luz clarificante das madrugadas primaveris. Maria partia nas madrugadas frias, na companhia dos irmãos, com destino às longínquas pastagens dos Lavadouros para ir buscar o gado. Maria, menina dos pés descalços, corria os campos ao sabor dos ventos e das tempestades. Maria menina, sentia cansaço, fadiga dor, sofrimento, angústia e achava o mundo injusto.

Maria tornou-se mulher quando era menina e nem sequer teve tempo para ser criança e para brincar.

Maria ficou órfã cedo, muito cedo, cedo demais. E Maria ainda mais mulher se tornou, quando afinal continuava menina porque mais conta tomou dos irmãos, mais lavou, esfregou, cozinhou, varreu, limpou, sacudiu, espanejou, areou, arrumou e até rachou lenha, decidindo, por si própria, que a partir de agora, mesmo continuando a ser menina, seria a senhora e a dona da casa. Maria não se limitava a desempenhar todas as tarefas apenas a dentro de portas mas também ajudava nos campos, no semear e acarretar do milho e das batatas, no plantar das couves e das cebolas, no apanhar do trevo e no acarretar da lenha. Maria carregava cestos de batatas e de milho, sãos de inhames e molhos de lenha. Maria caía, rebolava pelo chão, sangrava, fazia topadas nos dedos, teve sarampo, tosse, bexigas, defluxo e “godelhões”. Maria meteu estrepes nos pés, fez golpes nos dedos e até caiu e partiu três dentes.

Maria fez tudo o que uma mãe fazia. Maria até fez mais porque fez de senhora, de dona de casa, de filha, de irmã, de amiga e até de pedagoga, porque se esqueceu de que ainda era criança. E ao seu redor já mais alguém lhe lembrou que afinal ela também era criança.

Maria cresceu e tornou-se uma bela mulher. Rodearam-na pretensos namorados, falsos idólatras, brutos bajuladores. Maria amava, mas amava só um. Taparam-lhe o caminho, barraram-lhe os desejos, queimaram-lhe os sonhos. Mas Maria lutou por ideais, por desejos e por sonhos. Lutou e venceu. Um dia partiu, numa madrugada de brumas. Levou consigo o carinho e o amor por quantos a sempre se dedicara. Emigrou para um país, longínquo, distante e estranho. Teve filhos e foi avó extremosa e dedicada.

Agora, finalmente e depois de um longo sofrimento, partiu, para sempre. Mas deixou uma réstia enorme de luz em quantos com ela privaram, como atestam os testemunhos da neta Kyleigh e da cunhada Sharon:

“Today I lost one of the most important people in my life and the strongest woman I know. I thought I had more time with you and I felt like you'd be here with me forever. I know that you're in a peaceful place now, and I will always remember you as my beautiful, strong grandma. I love you.” Kyleigh

“She was a very special woman that we will all miss. I'll always remember how excited she was to become a grandmother! The smile on her face in this photo says it all. Love to all of you.” Sharon

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publicado por picodavigia2 às 14:12

PADRE FRANCISCO JOSÉ GOMES

Quarta-feira, 02.04.14

Um dos vários sacerdotes que paroquiou na paróquia de São José da Fajã Grande, na primeira metade do século XX, foi o padre Francisco José Gomes, onde, na década de cinquenta, ainda muito lembrado naquela, pois havia pouco mais de vinte e cinco anos que ali vivera, pelo que existia ainda uma memória muito viva do mesmo.

Francisco José Gomes, natural das Lajes das Flores, entrou para o Seminário de Angra no ano lectivo de 1898-1899, onde se matriculou em 11 de Junho de 1898, com 16 anos de idade, pelo que, terá nascido em 1882. Era filho de José Francisco Gomes e Maria Vitória do Rosário, sendo o pai viúvo de um primeiro casamento com Maria Emília da Trindade, com quem contraira primeiras núpcias, em 26 de Novembro de 1868. Por sua vez, o segundo casamento com a mãe do Padre Francisco José Gomes, Maria Vitória do Rosário foi celebrado, assim como o primeiro, na paroquial da Senhora do Rosário, das Lajes em 18 de Novembro de 1880.

Com ele mais 33 candidatos ao sacerdócio, deram entrada no Seminário de Angra, entre os quais um brasileiro, de nome Ramiro de Sousa Ramos, natural do Rio de Janeiro, outro americano mas filho de pais portugueses, chamado Joaquim Frederico Henriques, natural de Suisun City, Solano, Califórnia e ainda um outro de Lisboa da freguesia de Santa Maria Maior, de nome Augusto Joaquim Taveira. Curiosamente dos açorianos era o único natural do concelho das Lajes das Flores, havendo no entanto um outro aluno natural de Santa Cruz, de nome José Pedro Lopes e um outro do Corvo, de nome António Cândido de Avelar

Alguns destes alunos já eram homens na casa dos vinte anos e, um deles, Francisco Gonçalves Cardoso natural da freguesia da Serreta, ilha Terceira, já tinha feito os estudos preparatórios fora do Seminário, entrando, assim, com o objectivo de frequentar o Curso de Teologia. Acontecia ainda que alguns dos outros alunos, embora matriculados naquela instituição diocesana, eram alunos externos. Por sua vez Manuel Crisóstemo de Oliveira, natural das Bandeiras, ilha do Pico, um dos mais novos, apenas se matriculou, não frequentando o Seminário nem outra instituição de ensino ou professor particular. O destaque maior, no entanto, entre os alunos que se matricularam no Seminário Episcopal de Angra, naquele ano lectivo, vai para o aluno José Augusto Pereira, da freguesia de São Vicente Ferreira, ilha de São Miguel, que mais tarde foi uma das maiores e mais cultas figuras da igreja açoriana: o cónego José Augusto Peeira, professor do Seminário e autor de várias obras de carácter histórico, sobre a diocese açoriana, com destaque para o livro A Diocese de Angra na História dos seus Prelados. Outro sacerdote micaelense que frequentou o mesmo curso foi o padre Evaristo Máximo do Couto, pároco dos Ginetes, ilha de São Miguel, durante muitos anos.

Muito provavelmente Francisco José Soares ordenou-se sacerdote, no mesmo dia que o cónego Pereira e o padre Evaristo, ou seja em 1907, na Sé de Angra. Pouco depois da ordenação foi nomeado cura da Ponta, na Fajã Grande. Sabe-se, também que foi o último cura e o último padre com residente fixa naquele curato fajãgrandense, mais concretamente num passal ali existente, mesmo ao lado da igreja da Senhora do Carmo. O padre Francisco José Gomes exerceu o sacerdócio como cura da Ponta, entre 1907 e 1909, sucedendo ao padre José Furtado Mota. Colocado noutras localidades da ilha regressou à Fajã Grande, mas como pároco, após a morte do padre Francisco Vieira Bizarra. Paroquiou a Fajã Grande entre os anos de 1922 e 1925, portanto, antes do padre Manuel de Freitas Pimentel, que ali começo a paroquiar em 1925, após ter sido cura no Corvo e em Santa Cruz das Flores.

Mais tarde foi colocado no Corvo como vigário e ouvidor.

É a seguinte a relação dos colegas de Seminário do padre Francisco José Gomes: Manuel José Lopes,    Ilha do Pico, Lajes, freguesia das Ribeiras, Abílio Maria da Silva, Ilha do Faial, Horta, Adriano Moniz, Ilha de São Miguel, Ribeira Grande, freguesia da Ribeirinha, Alípio Félix Machado, Ilha de São Miguel, Nordeste, Ângelo do Rego Quintanilha, Ilha de São Miguel, Lagoa, freguesia do Rosário, António Cândido Avelar, Ilha do Corvo, Vila do Corvo, António Silveira Bettencourt, Ilha Terceira, Angra do Heroísmo, freguesia da Conceição, Augusto Joaquim Taveira, Lisboa, freguesia de Santa Maria Maior, Ernesto Porfírio da Silveira, Ilha do Pico, São Roque, Evaristo Máximo do Couto, Ilha de São Miguel, Lagoa, freguesia de Santa Cruz, Francisco José Gomes, Ilha das Flores, Lajes, Francisco Pereira Rodrigues, Ilha do Faial, freguesia dos Flamengos, Francisco Silveira Garcia, Ilha do Faial, Horta, freguesia de Castelo Branco, Gaspar de Castro Neves, Ilha do Pico, Lajes, Henrique Ricardo de Sousa Pamplona, Ilha Terceira, Praia da Vitória, Jacinto Soares de Medeiros, Ilha de São Miguel, Ribeira Grande, Jaime Inácio da Fonte, Ilha do Pico, Madalena, freguesia de São Mateus, Jaime Pedro Lopes, Ilha das Flores, Santa Cruz das Flores, João Furtado Pacheco, Ilha de São Miguel, Vila Franca do Campo, João Garcia Duarte, Ilha do Faial, Horta, freguesia da Feteira, Joaquim Frederico Henriques, Estados Unidos da América, Estado da Califórnia, Solano, Cidade de Suisun City, José Duarte de Medeiros, Ilha de São Miguel, Povoação, freguesia do Faial da Terra, José Augusto Pereira, Ilha de São Miguel, Ponta Delgada, freguesia de São Vicente Ferreira, José de Menezes do Rego, Ilha Terceira, Angra do Heroísmo, freguesia da Conceição, José de Menezes Paiva, Ilha de São Miguel, Ribeira Grande, José Pereira Cardoso, Ilha de São Jorge, Velas, Manuel de Ávila Carolo, Ilha do Pico, São Roque, Manuel Crisóstomo de Oliveira, Ilha do Pico, Madalena, freguesia das Bandeiras, Manuel Gonçalves Cardoso,            Ilha Terceira, Angra do Heroísmo, freguesia da Serreta, Manuel Leal do Couto, Ilha Terceira, Angra do Heroísmo, freguesia do Porto Judeu, Manuel Paulino de Azevedo Castro Ilha do Pico, Lajes, freguesia da Calheta de Nesquim, Raul Camacho, Ilha do Pico, Madalena, freguesia das Bandeiras e Ramiro de Sousa Ramo, Brasil, Estado do Rio de Janeiro.

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