PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
TEMPESTADE
A noite está fria,
muito fria,
- um deserto de gelo.
Há tempestade,
sopra um vento ciclónico,
chove torrencialmente.
Há destruição e caos.
… e foi o mar
- esse monstro terrível e terrificante –
com uma dádiva aparentemente generosa
mas terrível e malfazeja,
abalroando a beleza da falésia,
que destruiu tudo.
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A FILHA DA BELA AURORA
A filha da Bela Aurora,
A filha da Bela Aurora,
Ai eu bem sei,
Procurava a mãe no mato,
Ai eu bem sei,
Mas nunca, nunca a encontrou.
Levantou-se sem dormir
Levantou-se sem dormir
Ai sem dormir,
Sem dormir toda a noite.
Ai sem dormir,
Sem dormir toda a noite.
A filha da Bela Aurora
Chorava, gemia e sofria.
Desesperada ela no pranto dizia,
Desesperada ela no pranto dizia:
- Desviado de Deus seja,
Desviado de Deus seja,
Quem minha mãe me tirou,
Quem minha mãe me tirou.
A filha da Bela Aurora
Trazia o retrato da mãe.
Na roda do, na roda do seu vestido,
Na roda do, na roda do seu vestido:
- Para que eu nunca te esqueça,
Para que eu nunca te esqueça,
Fica o retrato comigo,
Fica o retrato comigo.
- Dá-me os teus braços minha mãe,
Dá-me os teus braços minha mãe,
Ó querida mãe,
Como eu vou viver sem ti?
Ó querida mãe,
Como eu vou viver sem ti?
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POEMA DA AMARGURA
Procura,
com ternura,
a cura
da amargura.
Descura,
com bravura,
a agrura
da doçura.
Costura,
com finura
a lisura
da ternura.
Perjura,
com candura,
a cissura
da fartura.
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ÉS FINGE
O que te perturba é o que és?
Então finge seres o cavaleiro das nuvens adormecidas.
Sobe o deserto das inseguranças permanentes
E sozinho, medita no silêncio pálido da madrugada.
As portas estão cerradas e as lareiras ainda não se acenderam.
A água das ribeiras secou, o mar povoou-se de bruma.
Ainda nenhum pássaro cantou.
O que te perturba é o que és?
Então finge seres o cavaleiro das florestas acinzentadas.
Vagueia na planície das revoluções atrofiadas
E sozinho peneira o suco dos rumores indiscretos.
As caves estão cheias de silêncio e de bafio e as lezírias amareladas e apodrecidas.
Os ninhos das gaivotas foram incinerados, os lírios perderam a cor branca.
As miragens das montanhas encharcaram-se de penumbra.
O que te perturba é o que és?
Então finge seres o cavaleiro das flores sem pétalas e sem perfume.
Desce, sozinho, as escadas que conduzem aos recônditos da solidão
Beja o vento e agarra-o como se fosse uma rosa vermelha.
As angústias foram institucionalizadas como dogmas e o vinho é amarelo,
O orvalho iluminou a face dos mortos, o rosto dos descrentes encheu-se de brilho.
As orgias dos matagais foram proibidas por decreto
O que te perturba é o que és?
Então finge seres o libertador das estrelas perdidas entre o restolho das procelas.
Grava, com o estilo da soturnidade, retalhos de lume sobre a lava negra
E desenha grinaldas de anémonas cor-de-rosa nos raios do sol matinal.
As nuvens nunca se esquecerão de proteger a tua audácia
E as noites azuladas da primavera acorrentar-te-ão ao cais da inocência
Porque és quem finge.
És? Finge.
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MÃE
Mãe:
sobre o restolho da lava estonteada
construíste o caminho da verdade.
Mãe:
sobre o titubear duma aurora amordaçada
alteaste o perfume da dignidade.
Mãe:
sobre o sufoco duma vida cerceada
açulaste o brilho da bondade.
(E apenas tiveste,
ao teu lado,
uma titubeante brisa matinal.)
Mãe:
Foste senhora, rainha, deusa!
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MAR MÃE
Mãe: Este mar é de prata,
Este rio é de cristal,
Teu amor é infinito,
Teu carinho divinal.
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CAIR
Cair
é agarrar o chão,
beijar a terra,
e abraçar o mundo.
Cair
é saltar sem subir,
afastar-se, mais um pouco, das nuvens,
e voar ao contrário.
Cair é ver o mundo de perto
e senti-lo, como se fosse nosso.
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MAR TONTO
O mar é um tonto!
Tolda-se por nada,
Embravece por coisa nenhuma.
Se o procuro ele envolve-se em bruma,
Se o espero ele opta por um vai e vem monótono.
Se o encontro ele soletra silêncio.
Se o vislumbro ele esgueira-se de soslaio.
Se me confronto com a sua ausência
Ele traz-me ogivas inóspitas.
Se imagino a sua presença
Ele soletra melodias de silêncio.
Este mar, ora bravo ora manso,
Confunde, destrói, mistifica e ensombrecia.
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LITÂNIA DOLOSA
O tumulto é um vento que sopra à noitinha.
- Não se apaga com o esvoaçar do silêncio.
A incerteza é uma penumbra que vacila com a brisa matinal.
- Não se desfaz com o amordaçar da soledade.
A inquietação é uma mordaça que embriaga os choupos ressequidos.
- Não se extingue com o volatizar da aparência.
O medo é um rugido que atormenta o verde das florestas.
- Não se ouve com a miragem do deserto.
A esperança é um mar revolto e sem navios.
- Todas as ondas teimam em não regressar.
O fim é o princípio voltado ao contrário.
- Todas as luzes prometeram não voltar a acender-se.
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HISTÓRIA DA GUERRA HISTÓRIA DA PAZ
A guerra nasceu
quando a paz sucumbiu
e, de repente,
gravou sulcos dolorosos,
pespegou estigmas,
com fumos de pólvora cinzenta.
Na guerra:
os ruídos,
(aparentemente adocicados)
das madrugadas
eram ecos de canhões,
de ribombar de morteiros,
de roncar dos obuses
que sobraram
das noites
e dos dias anteriores,
A guerra
é um tormento terrível,
arrepiante,
destruidor.
Na guerra,
(como pássaros em cio)
esvoaçam balas,
malditas,
traiçoeiras,
mortíferas.
Na guerra
(como repuxos florescentes)
explodem minas.
rebentam granadas.
Tiros de metralhadora
estouram em cachão
(como se fossem pétalas
em manhãs de festa).
Na guerra:
corpos destroçados!
- Velas desfeitas de barcos naufragados.
corpos ensanguentados!
- Cachos de uva, espremidos em prensa.
E…
um medo, enorme, do dia seguinte.
A Paz
exige-se
que renasça
que se firme
que se torne presença quotidiana.
A Paz
é necessária
imperiosa,
urgente,
indispensável
e obrigatória
porque a paz e só a paz
(fruto da boa vontade dos homens)
pode
quer
deve
e tem a força necessária
para transformar
esta lamentável e hedionda história da humanidade
- história de guerra -
numa simples e maravilhosa história de amor
- história de paz!
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ESTIGMAS
As ribeiras estão desertas de água,
Encheram-se de ervaçais,
Atulharam-se de pedregulhos toscos,
Transformaram-se em caminhos sinuosos.
Nas margens, álamos e salgueiros
Perderam as folhas
E amortalharam-se de fantasmas.
As pontes atafulharam-se de segredos,
Emergiram num silêncio profundo,
Transformando a paisagem circundante
Num deserto.
Os peixes definharam
Estrangulados pelo rumor dos ervaçais,
Os pássaros fugiram
Com medo das tempestades ressequidas
E uma enorme esponja de bruma
Cobriu o céu de lés-a-lés
Apagaram-se todos os murmúrios do vento.
Ali ao lado,
No charco deixado pela chuva de ontem,
Uma criança, só uma,
Brinca com barcos de papel!
Estigmas anexados ao destino…
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ANOITECER DE BRUMA
A noite tenta cair,
Cobrindo a baía deserta,
Os currais das vinhas abandonados,
O casario entontecido.
Mas este amordaçado nevoeiro,
Impede-a.
Transforma-a num enorme montão de bruma,
Num rio de indiferença.
Não há barcos no mar
E aniquilaram-se estrelas e faróis.
Até a Lua se escondeu…
E todas as luzes aguardam
O restauro do lusco-fusco.
Amanhã será outro dia de bruma!
São Caetano, 27 de Agosto de 2015
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TARDE DE AGOSTO EM SÃO CAETANO
Há um muro de tranquilidade
A envolver a ilha,
Transformando-a num gigantesco curral
Onde germina e floresce
Um enorme montão de silêncio.
O Sol cai a pino,
Em bátegas douradas e maviosas.
O céu vestiu-se de um azul puro e cristalino
Deixando vislumbrar
As rilheiras dos aviões.
O mar é um rio de sossego
Zonzo e colaço.
A montanha, adormecida,
Debruça-se sobre os casebres
A protege-los deste calor tórrido.
Tudo é quietude.
Apenas, por entre o remanso das adegas,
Corre uma aragem leve e adocicada
E nas vinhas,
Os bagos suculentos,
Anafam, à espera da safra.
(São Caetano do Pico, tarde de domingo, 23 de Agosto de 2015)
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QUADRAS SOLTAS IV
Sou “Técnico de Lazer”!
Vou com gosto ao Livramento,
Se a SATA me oferecer
“Gratuito Encaminhamento”.
Tens ciúmes a granel
E estás roído d’inveja
Porque aí, em S. Miguel,
Não há Fajã que se veja.
Ananás é coisa bela?
Hum!,,, Parece-me que não.
Se o comes com morcela….l
É pior do que mangão.
Os póneis comem cerejas
E os cavalos beringelas.
Menina espero que vejas
Quem passa nestas vielas.
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MAE
Mãe eras mais do que uma mulher.
Eras duas, três mulheres...
Eras todas as mulheres do mundo.
Mãe lavravas, sachavas, plantavas...
E ainda te sobrava tempo para nos amares.
Mãe, nos beliscavas, ralhavas e acariciavas.
Mas era tudo amor. Amor puro de mãe pura.
Na madrugada, acendias o lume com lenha verde,
Choravas com o azedume dos incensos mas clareavas toda a casa.
Mãe sopravas, sopravas, respiravas fumo e a água fervia.
O silêncio informava que pai há muito se levantara.
O ar puro confidenciava que o café de favas e chicória já estava pronto.
Café de mistura. Feito por mãos puras e ternas.
E exalava um perfume tão doce.
Enchia a casa e chegava às nossas camas.
Depois chamavas por nós: um para ir buscar as vacas,
Outro acarretar água da fonte. Outro tirar o esterco do palheiro…
Depois, sentávamo-nos à mesa e partilhavas pão, queijo e café.
Mãe, já não trabalhas, não plantas, não fazes café de mistura.
Faz hoje sessenta e três anos que partiste
Mas continuas amando-nos.
Os que estão e que já partiram para junto de ti
Tenho saudades de seus beliscões.
Das tuas recriminações... De suas carícias...
Daquelas manhãs de silêncio...
Onde o ar era puro e o café de mistura.
NB – Adaptação do poema “Mamãe” de Marco António do Nascimento.
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DIA DE SÃO JOÃO
Bateram à minha porta
Mas eu não a vou abrir.
Poderá ser outro João
Que me queira iludir!
Hum! Sardinha nos Açores,
Coisa rara e amargada.
Só na urbe de Paredes,
Comes boa sardinhada!
A sardinha congelada,
Nem gelado nem sardinha.
Deve estar sempre bem fresca,
Mesmo se for miudinha.
Ui! Quem trepa é o vinho,
Se bebido em demasia…
Pra evitar tal desalinho
Antes bebesse sangria!
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NOITE DE SÃO JOÃO
Se eu tivesse um manjerico
Fosse dono dum balão,
Acendia uma fogueira,
Na noite de São João.
Vou colocar uma clara,
Durante a noite, ao sereno,
Vai transformar-se num barco.
Meu sonho doce e supremo!
Vou colocar uma fava,
Debaixo da travesseira.
São João me vai brindar
Com saúde a vida inteira.
Quando a meia noite soar,
Vou à fonte encher a bilha.
Beberai o melhor vinho
Que existe em toda a ilha.
Quando acordar, de manhã,
São João vou visitar
Eu hei de lhe agradecer
Tudo o quanto me vai dar.
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ALVORADAS DE BRUMA
O negrume da noite incendeia
E transforma
O destino dos rochedos plantados à beira-mar.
Ao redor
Soam palavras envenenadas pelo rugir do vento norte
E o perfume das marés sabe a madrugada virgem.
Há insucessos a germinarem, abençoados pela brisa.
Um dia transformarão o universo num rio de silêncio.
E o mar que agora desperta, pacífico
Transformar-se-á num enorme vulcão,
Amarrotado pelo suplício do cais deserto
É o princípio de o dia!
Incendiadas pelo sufoco dos vinhedos
Que chorosos, gritam sobre as encostas de lava negra
e se desfazem, esquecidos, numa ilha sem nome,
As alvoradas da madrugada,
Envoltas em bruma,
Enforcam-se num arco-íris de lava e de vidro...
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DEA IGNOTA
Menina de tranças, de bonecas e de sonhos!
Sonhava, como sonham todas as crianças,
Com aquilo que havia de ser um dia.
Cedo os seus sonhos se realizaram,
Transformando-se, num equilíbrio de apetências,
Em realizações de desejos e vontades.
Senhora, de sonhos domados,
Peregrina de estigmas, acompanhante de angústias e sofrimentos.
De noite, de dia, em turnos, ou no silêncio das madrugadas,
Na abnegação duma entrega persistente,
Transformavas o trabalho em amor, reconstruías destinos desfeitos.
Em pose de donzela serena,
Irradiavas alegria, bem-estar, felicidade.
E na cumplicidade de um envolvimento compassivo,
Cativavas, com o doce perfume das tuas palavras,
Atraías, com a suave doçura das tuas atitudes
Aureolada de um eterno bem-querer,
Não esbanjavas a ternura dos teus abraços,
Nem aprisionavas a suavidade dos teus sorrisos.
Porque eram as dádivas sublimes e perenes
Com que envolvias e acariciavas quantos te rodeavam.
Nem o desconforto dos dias mais enevoados,
Nem o negrume das noites mais turbulentas
Ou sequer as horas de serviço mais urgente,
Te traziam mágoa, dor, sofrimento,
Ou destruíam uma nesga da tua indomável persistência.
Circulavas, caminhavas, rodopiavas
Por corredores, salas e enfermarias.
Ortopedia, Otorrino, Anestesia - um desfilar de melodias!
Ornavas-te de delicadeza, revestias-te de bondade,
Impunhas-te por uma nobre e singela competência.
Baluarte de bondade e paciência.
Anestesia – Circulante – Instrumentista.
Cativavas os adultos e gravavas no coração de cada criança,
Com o encantamento do teu cativante olhar,
A sublime leveza das madrugadas sem dor.
Nunca esqueceremos os afetos com que nos fortalecias!
E se, algum dia, vacilarmos frente à adversidade,
Se desesperarmos perante os amargos da vida
Ou se cambalearmos perante o desencanto, o insucesso, o infortúnio,
O testemunho da tua amizade e a força da tua dedicação,
Serão o baluarte das nossas vitórias, o remanso da nossa persistência.
Nova caminhada te espera!
Continua a desenhar o teu sorriso no coração dos que te rodeiam
A oferecer o teu carinho aos mais carenciados.
A partilhar a tua coragem com os que não sabem lutar.
Estaremos contigo, no abraço que riscamos sobre as nossas existências
E que o espaço e o tempo nunca apagarão.
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PAISAGEM
Aqui perto, as vinhas,
Plantadas entre leivas de lava negra
À espera da poda,
A expelirem um estranho sabor a enxofre…
Mais além, os casebres,
Muitos deles, desertos, quiçá abandonados
Mas todos intrépidos,
Encastoados na encosta acolhedora da montanha
Por fim, o oceano
Mar imenso, infinito, eterno e buliçoso,
Onde descubro
O vai e vem das marés
- O único e estranho ruído desta ilha do silêncio.
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SALMO DORIDO
Rasgavas, com a enxada, o escuro das madrugadas
E adormecias com a foice ao lado do travesseiro.
Fazias do machado a tua bandeira de vitória
E gravavas no teu brasão os sulcos do arado em terra ressequida.
Lutavas, destemido, contra os rugidos do vento norte
E caminhavas, seguro, por entre nevoeiros e tempestades.
Levantavas-te, sonolento e destroçado, a meio da noite
E à tardinha, aguardavas, com um sorriso, o pôr-do-sol.
As tuas mãos, calejadas, encerravam uma sabedoria infinita
E as tuas pegadas eram marcos de honestidade e de justiça.
Trazias estampado no rosto o travo amargo da angústia
E carregavas sobre os ombros doridos as vicissitudes da penúria.
Transformavas a pobreza em dignidade e virtude
E os esteios da verdade atraiam-te, numa procura permanente.
Foste pai e companheiro, retalhado de dor e de amargura
Mas ocultavas os lamentos sob o manto áureo da resignação.
Partiste, no silêncio escuro, depois de um longo sofrimento
Mas a tua memória brilha como estrela que nunca se apagará.
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QUE EM 2015...
paco reĝadoj
prevalece justeco
fanfaroni egaleco
fino malsato
fini la militon
malaperas korupteco
estos ekzilita ĉiuj diktaturoj
ke ĉiu homo estas sinjoro kaj mastro de lia destino
NB – A mensagem deste texto está escrita em esperanto, com tradução obtida a partir do Google tradutor: https://www.google.pt/?gws_rd=ssl#q=google+tradutor
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OS NOSSOS AVÓS
As mãos sangravam,
Em terra ressequida.
Nos olhares,
Havia restolho de penúria.
O chão que pisavam
Era perfumado a enxofre,
O vento norte
Até faias arrancava
E o mar trazia
Uma salmoura aniquilante.
Mas, mesmo assim,
Teimaram em ser nossos avós.
Mas nunca os poderemos ressarcir.
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MERENDA
Mote - “Vem comer nossa merenda”
Não tragas tristeza ou dor,
Nem sequer nenhuma prenda,
Traz apenas teu amor,
Vem comer mossa merenda.
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O PREÇO DO SILÊNCIO
o silencio ocupava todos os espaços,
dominava cada dia, cada hora, cada momento
era o senhor supremo,
o preço da liberdade perdida
o ídolo duma estória riscada em tiras de farrapos vermelhos
quando a noite não queria caminhar sozinha
agarrava-se ao silêncio
domava-o
nascia um snipe perfumado a glicinas verdes
e acabava a memória do dia anterior
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O TRIUNFO DA PAZ
Se eu pudesse
dar alguma coisa
ao mundo
apenas
lhe daria
o triunfo da paz.
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NO ENSAIO
Há sempre
Alguém que desafina
Há sempre
Alguém que se perde (na pauta),
Há sempre
Alguém que destoa,
Há sempre
Alguém que se apaga…
Mas o maestro,
sábio,
pachorrento
e dócil,
corrige,
repete,
ensina
e afina.
E, em êxtase de glória
surge
diatónica
telúrica
e pétrea,
a harmonia.
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DIES IRAE
A montanha escondida
entre os estertores duma bruma intrigante
preanuncia sombras desertas.
As nuvens
despejam sobre o povoado
um suco desolador
que transforma as ruas desertas
em rios de espuma
Há cagarras perdidas, no negro dos baixios.
Nas casas,
as janelas abertas,
deixam escapar silêncios amargos.
No Alto
- logradouro de murmúrios –
todas as vozes se apagaram,
como se fossem velas rasgadas
de barcos a arder
no horizonte.
Nos currais a uva apodrece!
(E diziam que ia ser um ano farto.)
E da oficina refusada
emana a voz metálica
de um rádio
carregada de notícias:
- fome, miséria, guerra e morte.
Mas
há pássaros que ainda cantam
entrelaçados nos ramos das árvores.
(São Caetano do Pico, 7/9/14)
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QUADRO VIVO
A água cai em catadupa,
pelas encostas verdejantes.
E o seu dolente murmúrio
desfaz o silêncio da manhã.
Para os lados do Rolo
Voam passaroucos entontecidos…
O Sol, a pino, espelha-se no mar,
mas os homens não desistem da enxada.
Há velhos recostados à Praça
E as mulheres correm, apressadas, pelas ruas
- a lenha é verde e o conduto pouco.
Na mesa, pobre, entornam-se desejos…
Mas um côdea de pão
e uma tigela de café…
nunca faltam.
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O SILÊNCIO DAS CINZAS
Não se espalhe mais fogo sobre a terra,
Qu’o mar, lá longe, não o apaga. Verde!
Destemido sorriso que se perde.
Em eco de tarde incauta. Dilacera,
Dói, queima, petrifica e aterra…
Terror canonizado que se verte.
Parem! Deixem que a terra se liberte,
E que a dor se transforme em quimera.
Se o perfume das cinzas dulcifica
É tarde p’ra travar. Abram os rios,
Não destruam mais florestas inocentes.
Minhas súplicas, flexíveis repúdios,
Bramidos que se perdem, displicentes.
Só o silêncio das cinzas purifica.