Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]


A CANADA DA RIBEIRA DAS CASAS/MIMOIO

Quinta-feira, 08.02.18

O Mimoio era um dos mais belos e mais produtivos lugares da Fajã Grande. Lugar de grandes cerrados para milho, trevo e erva-da-casta, onde se amarrava o gado à cordada, sítio de excelentes belgas para o cultivo da batata-doce e de uma outra relva de muito boa qualidade de erva. Paraíso de beleza excêntrica, celeiro privilegiado, recanto de quietude. Situado num amplo planalto, a encosta que o projetava sobre toda a zona da Tronqueira era fértil em canas, espadanas, faiais, sanguinhos e uma ou outra babosa. Mas o diabo eram os acessos. Pese embora houvesse três trilhos de acesso ao Mimoio, qualquer um deles era pior do que o outro. O primeiro e o mais usado era o que se fazia através duma canada, conhecida por Canada do Mimoio e que tinha o seu início na Fontinha, junto ao palheiro da porta sempre aberta, de Tio José Teodósio. O segundo acesso ao Mimoio e, curiosamente, o mais alcantilado e escabroso, era o da Canada do Calhau Miúdo, a qual se chamava assim por se iniciar no lugar como mesmo nome, ou seja no Calhau Miúdo. Finalmente um terceiro acesso ao Mimoio era efetuado por uma outra canada que se iniciava na Ribeira das Casas e se prolongava até ao centro do Mimoio. Como esta canada era menos perigosa e menos íngreme do que a primeira, era por aqui que transitava o gado com destino às relvas e às terras do Mimoio.

A canada iniciava-se precisamente na Ribeira das Casas, num largo onde havia um num largo que se servia de descansadouro para os homens que vinha carregados das Covas, do Vale do Linho, do Rego do Burro e de muitos outros lugares ara além daquela ribeira e que dava para a Ribeira de Cima. Logo acima voltava-se à direita. A canada ladeava algumas relvas e terras de cultivo ladeada por grossas paredes até se cruzar, já no alto da ledeia com a canada que vinha da Fontinha. Por este trajeto que incluía as duas canadas transitavam muitas pessoas sobretudo da Fontinha e da Assomada não apenas quando se deslocavam para aquelas terras mas também quem ia à Ponta e assim encurtava o caminho.

A Canada da Ribeira das Casas era a menos perigosa de quantas davam acesso ao Mimoio e por isso era utilizada como via de acesso sobretudo para os animais.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

A CANADA DA SILVEIRINHA/QUEIMADAS

Quinta-feira, 29.12.16

A Silveirinha e as Queimadas eram dois lugares muito próximos e tinham fronteiras em comum. As Queimadas mais a oeste, do lado do Outeiro e da Pedra de Água, a Silveirinha mais a leste e consequentemente mais próximo da Rocha, no local do Cabeço da Rocha, ou seja entre a Rocha da Figueira e a da Escada-Mar. No entanto quem, na mais ocidental freguesia açoriana, se quisesse deslocar, através do caminho de acesso, da Silveirinha para as Queimadas ou vice-versa, teria que calcorrear uma enorme distância, uma vez que os caminhos de acesso a estas localidades e às que ladeavam uma e outra, tinha o respetivo cruzamento bastante cá em baixo, um pouco antes do Alagoeiro, no lugar designado por Cruzeiro, junto à Fábrica da Manteiga.

Mas os nossos antepassados eram muito práticos e para encurtar estas e muitas outras distâncias construíram as canadas. Assim aconteceu entre a Silveirinha e as Queimadas onde antigamente existia um Canada que recebera o nome dos dois lugares “Canada da Silveirinha/Queimadas.

A Canada da Silveirinha/Queimadas era uma minúscula, curta, estreita e sinuosa vereda, onde apenas podiam circular pessoas, estando interdita a animais. Isto pelo facto de na sua construção terem sido aproveitados maroiços e até algumas paredes que ladeavam os campos por onde se passava. Parte dela, inclusivamente, consistia no aproveitamento de parte de alguns terrenos. Era pois de difícil acesso embora muito prática e útil.

Hoje perdeu-se totalmente no espaço e no tempo permanecendo apenas na memória dos fajãgrandenses que por ali passaram muitas vezes, quando vindos da Escada-Mar e de outros lugares pretendiam descer pela Pedra de Água e chegar à Assomada mais depressa.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

O CAMINHO DOS PAUS BRANCOS AOS LAVADOUROS

Quarta-feira, 08.06.16

O caminho que ligava o Cimo da Fontinha ao Alagoeiro, com destino para o sul, prolongava-se através de montes, escarpas e planaltos, até aos Lavadouros e Curralinho, atravessando e, através de canadas e veredas, permitindo o acesso a muitos outos lugares situados para aquelas bandas, incluindo a Escada Mar, situada num amplo planalto, entre a Rocha e o Pocestinho, com a Silveirinha a seus pés e que se prolongava pela Lagoinha, até aos Paus Brancos e ao Pico Agudo. Por isso, a seguir à Escada Mar, o caminho que se iniciava na Fontinha e Alagoeiro prolongava-se até aos Paus Brancos através de uma reta, talvez a maior deste e de quantos caminhos, existam na Fajã Grande, na década de cinquenta. Assim e após a Escada Mar, o caminho seguia, agora por entre relvas e pastagens cobertas de verde e fresca alfombra, plano, sem ladeiras, paralelo à Rocha, apenas com uma curva e contracurva a seguir à relva do Tomé. A reta terminava no enorme lago dos Paus Brancos onde, virando a oeste se iniciava a canada de acesso ao ligar do Pico Agudo.

Depois, o caminho seguia, mas voltavam as ladeiras, os aclives, as escarpas, as subidas e as descidas e muitas curvas. Primeiro a Ladeira da Alagoinha, muito íngreme e estreita, finda a qual, o caminho formava uma enorme curva, por entre altas paredes, prolongando-se para leste, quase até à Rocha. Era aí que ficava o mítico lugar de Mateus Pires, uma espécie de pequeno enclave junto à Rocha, sobre o qual se contava uma interessante estória. Em tempos idos, contavam os mais velhos, andando por ali um homem de nome Mateus Pires, teve o azar de ser colhido por uma enorme ribanceira que caiu naquele lugar, ficando soterrado debaixo da mesma, nunca mais sendo de lá tirado o seu cadáver, pois a quantidade de entulho caído da rocha era tanta e tal que não havia meios que o permitissem fazer. Dele apenas ficou a memória assinalando com o seu nome aquele lugar, ou seja, o lugar de Mateus Pires. Era por aí também que, através dum atalho muito estreito e tosco, se tinha acesso ao lugar da Horta das Abóboras

Imediatamente a seguir iniciava-se um enorme vale de relvas com boas pastagens. Era o encantador Vale da Alagoinha, no seu esplendor e frescura verdejantes, para o qual se tinha acesso através duma ampla e larga ladeira, que descia do alto de Mateus Pires até ao coração da Alagoinha. Lá ao fundo o caminho ficava paredes meias com a rocha. Quem nele circulasse e levantasse os olhos, detinha-se na temerosa contemplação de um rochedo, abrupto, escarpado e altíssimo, quase a pique. A seguir a mais estreita e mais escarpada ladeira, de difícil escalada, finda a qual o caminho terminava, unificando-se com o que vinha dos lados da Assomada e da Cabaceira e Espigão, formando uma única via que percorria os Lavadouros de norte a sul, servindo assim de passagem a pessoas e animais num dos lugares onde abundavam algumas das melhores relvas da Fajã. Eram relvas verdejantes, encostadas e protegidas pelo sombrio aguado da Rocha, à espera do gado que após a realização de tão longo e extenuantes percursos, quer do lado da Fontinha quer da Assomada, se deliciava com o doce sabor daquela erva, tão fresquinha e retemperadora, tão tenrinha e apetitosa, regada com o orvalho das madrugadas, temperada com o perfume das florestas circundantes, alimentada pelo ciciar gotejante das grotas que escorriam pelos andurriais das encostas e abençoada pelo canto esfuziado dos pássaros a saltar e a vaguear pelos densos arvoredos da Rocha.

Percorrer o caminho desde a Fontinha até aos Lavadouros, para ir “buscar as vacas” nas frescas madrugadas do verão ou “levá-las” nas chuvosas manhãs do inverno era, outrora, um sonho de encanto, um sopro de magia, um devaneio de deslumbramento. Hoje, talvez um mito estigmatizado nas memórias de poucos, uma que este, como tantos outros caminhos, outrora de grande utilidade, perderam-se entre faias, incensos, cana roca e silvados.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

DO CILINDRO AO CANTO DO AREAL

Segunda-feira, 15.02.16

Aquela que hoje é considerada uma das mais interessantes avenidas marginais da ilha das Flores, outrora era uma simples e tortuosa vereda. Iniciava-se junto ao Matadouro, num cruzamento que ali havia, designado, a partir da década de cinquenta, por Cilindro. A razão deste topónimo teve a sua origem por altura da construção do troço de estrada entre o Porto da Fajã e a Ribeira Grande. Quando os empreiteiros, vindos da Terceira, chegaram à Fajã Grande, trouxeram apenas o material de apoio que a ilha não dispunha. O restante foi construído e fabricado por eles próprios, já depois de ali se terem fixado, dando início às obras. Foi o caso dos cilindros com que haviam de calcar o cascalho e a bagacina que formavam o liso tapete da nova estrada. O primeiro cilindro de pedra e cimento foi construído perto do Matadouro, situado entre a Via d’Água e o Porto, junto à Baía de Água e em frente à canada que dava para casa do José de Lima. Porém, este primeiro cilindro construído na Fajã Grande era enorme e pesadíssimo. O seu tamanho exagerado e o seu peso excessivo criaram um gravíssimo problema aos construtores: é que o cilindro de tão pesado que era, nunca permitiu às limitadas forças motoras existentes na freguesia – uma camioneta e meia dúzia de juntas de bois atreladas umas atrás das outras – que conseguissem movê-lo, um centímetro que fosse, do próprio lugar onde tinha sido construído. Perante tal inultrapassável imbróglio, foi arquitetado um novo cilindro, mais pequeno e mais leve, enquanto aquele mamarracho ficou anos e anos ali parado, com a interessantíssima vantagem de apenas ter dado nome àquele local, que passou a chamar-se o lugar do Cilindro ou simplesmente o Cilindro. Aí construiu-se, mais tarde, a quando da abertura da estrada, um pequeno largo com um cruzamento, no qual se iniciava, precisamente, a vereda ou canada que dava para as terras das Furnas, do Areal e do Canto do Areal, assim como para toda a orla marítima, desde da Baía de Água até ao Rolo do Canto do Areal. Era uma vereda muito estreita e sinuosa, com o piso de pedregulhos soltos, interdita a carros e corsões, traçada na direção norte/sul, ladeando na sua totalidade, a oeste pelas pedras negas do baixio e a leste, delineada pelas paredes das courelas, belgas e terrenos de milho e de batata-doce que por ali existiam. No Respingadouro a vereda alargava-se e confrontava-se a oeste com o Campo de Futebol das Furnas a que, em arte, também dava acesso. Seguia-se, em frente à entrada principal do Campo um pequeno largo, transformado por vezes em descansadouro. Depois a vereda formava uma pequena curva, bifurcava-se com o Caminho das Furnas e da Rua Nova, passando, de seguida ao lado de uma lixeira ali existente, no enfiamento do Caneiro das Furnas e da Furna das Mexideiras. A partir daí, a vereda alargava-se com um pisoo mais liso, seguindo quase em linha reta até ao Canto do Areal, dando acesso a outras canadas e caminhos, nomeadamente à Rua das Courelas que se iniciava precisamente no Caminho do Areal.

Esta vereda era muito frequentada não apenas por quantos tinham propriedades a que a mesma dava acesso, mas também aos pescadores e aos apanhadores de lapas que procuravam os pesqueiros desde da Baía de Água ao Canto do Areal, nomeadamente do Rolinho das Ovelhas, Respingadouro, Furnas, Retorta, Redondo, Coalheira, Poça das Salemas e Canto do Areal. Aos domingos e sempre que havia futebol, esta vereda era uma das vias de acesso ao Campo, para onde o povo se deslocava para assistir aos jogos de futebol entre o Atlético e a Rádio Naval, das Lajes, da Académica da Fazenda e do Sporting e da União, ambos de Santa Cruz.   

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

O CAMINHO DO BATEL À ESCADA MAR

Terça-feira, 24.11.15

O caminho que ligava o Cimo da Fontinha ao Alagoeiro, com destino para o sul, prolongava-se através de montes, escarpas e planaltos, até aos Lavadouros e Curralinho, atravessando e permitindo o acesso a muitos outos lugares situados para aquelas bandas. A seguir ao Alagoeiro e até ao Batel, no entanto, havia duas alternativas de seguir para os lugares seguintes, incluindo os Lavadouros. Uma, mais curta mas inacessível a carros de bois e a corsões, era a Canada da Fontecima. A outra era a continuidade do caminho, atravessando o amplo lugar da Ribeira. Esta alternativa, no entanto, tornava-se um pouco mais longa e demorada apesar de mais larga e transitável a uma junta de bois. Assim as pessoas, geralmente, seguiam pela Canada, quando sozinhas. Os animais e os carros e corsões deslizavam pela Ribeira, onde junto ao arame, o caminho se bifurcava, com uma saída para a Rocha e para as relvas e lagoas da Figueira. Todo este caminho, desde o Alagoeiro até à Escada Mar, era empedrado, tipo calçada romana, com uma pedra mestra a indicar-lhe o meio e de tanto passar por ali gado e pessoas não tinha uma erva que fosse, a não ser junto às paredes que o ladeavam.

Após o cruzamento para a Rocha, onde se situava o largo do Arame, seguia-se uma pequena ladeira, ladeada por altas paredes, delimitando alguns serrados de milho e belgas de batata-doce. Era a ladeira da Ribeira que terminava junto ao termo superior da Canada da Fontecima. Aí o caminho formava uma pequena reta, após a qual se iniciava a íngreme e sinuosa ladeira do Batel, ladeada, a leste, por paredes altíssimas, construídas com enormes calhaus, provavelmente, vindos da Rocha, em tempos idos. Os meios de que os nossos antepassados possuiriam para os revolver e ali colocar continuam a ser um mistério. Apenas a força humana? Não se sabe, mas é a hipótese mais provável. A imponência destas paredes poderia muito bem apresentar-se como um ex-libris da Fajã Grande. Por sua vez, os terrenos circundantes, sobretudo do lado este, mais pobre e mais perto da rocha, na sua maioria eram relvas para pasto dos animais. Nas encostas do lado contrário, bafejadas pelo sol e defendidas dos ventos nortes e a configurarem com a Bandeja, situavam belas terras de cultivo de milho e onde nos meses da primavera floresciam as forrageiras e onde o gado era amarrado à estaca, a fim de as trilhar. A seguir à ladeira, conhecida como do Batel de Baixo e no cimo da qual se situava um grande descansadouro de onde se desfrutava uma vista deslumbrante, novamente uma reta que desembocava numa outra ladeira, mais pequena apesar de mais inclinada, a do Batel de Cima.

Estávamos em plena Silveirinha, lugar aprazível e idílico, onde existiam ainda muitas terras e serrados de cultivo mas também muitas e férteis relvas de pasto. Na Silveirinha, o caminho continuava largo e perfeitamente acessível a carro de bois e era como que uma continuidade do arruamento do anterior. O piso continuava a ser de pedra fixa, do tipo calçada romana, com uma pedra maior no centro, a tal pedra designada por pedra-mestra, fixando-se as outras, mais pequenas, ao seu redor. Nalguns sítios bifurcava-se em pequenas canadas e seguia com duas enormes curvas, aproximando-se cada vez mais da Rocha, até à enigmática ladeira da Silveirinha. Enigmática porque larguíssima, cheia de calhaus disformes e em cujo cimo havia uma enorme laje; a Laje da Silveirinha. Tratava-se duma pedra monumental, achatada, de forma circular e com a parte superior muito lisa, uma espécie de mesa redonda, embora sem pés e muito baixa, a fazer lembrar um verdadeiro monumento megalítico. A ladeira que começava numa curva do caminho, no sítio em que ele mais se aproximava da Rocha e de onde se desfrutava de uma bela vista da Figueira e de muitas das suas lagoas e levadas, subia íngreme e pedregosa, latejante e desoladora, ao mesmo tempo que se ia alargando até chegar ao cimo e desembocar num amplo e tosco largo, onde pontificava aquela espécie de tampa aparentemente retirada de um dos menires do Cromeleque dos Almendres. Ali bifurcavam-se duas canadas: uma, precisamente, junto da Laje e que ligava este caminho ao das Queimadas, outra, um pouco mais acima e do lado oposto do caminho, proveniente do Cabeço da Rocha.

O Caminho seguia até à Escada Mar, sob a forma de mais uma pequena ladeira, no meio da qual se bifurcava uma outra canada que servia de acesso às hortas e terras de mato já ali existentes, ainda pertencentes ao lugar da Silveirinha mas já a misturarem-se com as suas congéneres do Pocestinho.

Finalmente a reta mais retilínea de todo este caminho a abrir as portas ao amplo e histórico lugar da Escada Mar e que se cuida que o nome terá tido a sua origem no antigo Escada do Amaro. Esta reta terminava no amplo descansadouro da Escada Mar. O caminho, então, seguia, agora plano, sem ladeiras, paralelo à Rocha até ao Pico Agudo. Mas era ali, no largo da Escada Mar que se iniciava um outro caminho, muito importante e de grande utilidade - o Caminho para o Pocestinho, ampliado e alargado na década de cinquenta.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

A CANADA DO PICO DO AREAL

Sexta-feira, 19.06.15

Um dos mais emblemáticos e belos lugares da Fajã Grande era o Pico, em cima do qual estava bem escarrapachada a casa de Vigia da Baleia. O Pico que nas suas formas e feitio fazia lembrar os restos de um antigo pequeno vulcão, embora formasse um todo, uno e indivisível, em termos de nomenclatura estava divido em dois lugares. A encosta ocidental, voltada para o mar, mais seca, mais arenosa, mais estigmatizada por salmoura e ventos fortes e, consequentemente, menos produtiva e verdejante, formava o chamado Pico do Areal. Por sua vez a encosta leste, voltada para o interior da ilha, estava sujeita a mais chuvas e humidade, bem como protegida das intempéries marítimas. Nela proliferavam boas relvas, excelentes belgas de batata-doce e uma enorme e verdejante mata que se prolongava ao longo do Caminho da Missa, até à Eira da Cuada. Pelo contrário a encosta marítima proliferava em aridez, sequidão e esterilidade e floresciam enormes e desconexos canaviais ou simplesmente cobria-se da abrupta rudez primordial ornando-se de cascalhos e pedregulhos. Um e outro destes lugares tinham canadas de acesso distintas.

A via que dava acesso ao Pico e à Vigia era a Canada do Pico. Para se subir ao Pico do Areal e às paupérrimas propriedades ali existentes tinha-se acesso pela Canada do Pico do Areal. Esta canada iniciava-se precisamente no Canto do Areal, no local onde terminava a, na altura, desconexa via marginal que se iniciava junto ao Campo de Futebol das Furnas. Subiam-se várias voltas, escarpadas e arenosas, traçadas obliquamente. Assim e à medida que se subia ia-se caminhando na direção da Fajãzinha, tendo ao fundo o oceano. A meio da subida, do lado do mar uns enormes calhaus. Por entre eles pedaços do oceano ora prateado ora revolto. Quando revolto o marulhar roufenho das ondas subia por ali acima como se fosse em eco. Os terrenos circundantes a esta canada e aos quais ela dava acesso eram pequenas belgas, uma ou outra trabalhada onde, a muito se custo, se cultivava a batata-doce. Outras eram pequenas relvas para onde apenas se podiam levar ovelhas pois ao gado vacum era impossível subir a canada. Dessas secas relvas apenas retirava-se somente os fetos para cama do gado. De resto canaviais, urze, e faias pequeníssimas e secas fustigadas permanentemente por ventos e salmoura. Por tudo isso era pouco frequentada esta canada. Meu pai tinha lá uma pequena relva constituída por duas ou três belgas de muito fraca qualidade para produzir erva. Muitas vezes ia lá levar a minha ovelha a pastar. Adorava aquele local. Pela sua aridez, secura e por se debruçar, permanentemente, sobre o mar quer ele estivesse manso ou bravio. No horizonte, navios vindos da América rumavam a norte, com destino à Europa. Um outro para o sul, talvez para o Mediterrâneo ou para a África Alem disso de lá, bem do alto desfrutava-se duma bela vista sobre o mar e grande pate da Fajã. Em frente, divisava-se o Atlântico, desde da Rocha da Ponta até à Rocha dos Bredos. No verão azulado e manso, no inverno revolto e esbranquiçado de espuma, ornamentado pelo Monchique e pela Baixa Rasa, como que envolvendo e abraçando sem disfarce e sem vergonha, em semicírculo, a extensa fajã, desde a Ponta à Eira da Cuada. Depois, mais perto, a extensa mancha negra, basáltica e rendilhada do baixio, com os seus caneiros e enseadas, onde se destacavam ali bem perto a Poça das Salemas, o extenso Canto do areal e o lugar onde, na noite de 25 de Maio de 195 naufragou a famigerada Bidarta. Mais além o Redondo, a Retorta, o Caneiro das Furnas, a Baia de Água e o Poceirão com o Calhau da Barra a fiscalizar passagem para o Atlântico. Mais além, espraiava-se a enorme Baía e a parte mais alta das cascatas da Ribeira das Casas e do Cão. A rocha das Ponta, o ilhéu do Cão e uma boa parte do casario. Já mais perto, a igreja rodeada pelas casas ordenadas em arruamentos simétricos, umas brancas outras cinzentas, com os seus telhados avermelhados, aglomerando-se e misturando-se com cerrados, belgas e courelas onde florescia milho, batatas e couves.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

A CANADA DO CALHAU MIÚDO/MIMOIO

Sexta-feira, 12.06.15

O Mimoio era um dos mais belos e mais produtivos lugares da Fajã Grande. Lugar de grandes cerrados para milho, trevo e erva-da-casta, onde se amarrava o gado à cordada, sítio de excelentes belgas para o cultivo da batata-doce e de uma outra relva de muito boa qualidade de erva. Paraíso de beleza excêntrica, celeiro privilegiado, recanto de quietude. Situado num amplo planalto, a encosta que o projetava sobre toda a zona da Tronqueira era fértil em canas, espadanas, faiais, sanguinhos e uma ou outra babosa. Mas o diabo eram os acessos. Pese embora houvesse três trilhos de acesso ao Mimoio, qualquer um deles era pior do que o outro. O primeiro e o mais usado era o que se fazia através duma canada, conhecida por Canada do Mimoio e que tinha o seu início na Fontinha, junto ao palheiro da porta sempre aberta, de Tio José Teodósio. Um segundo acesso era efetuado por uma outra canada que se iniciava na Ribeira das Casas e se prolongava até ao centro do Mimoio. Como esta canada era menos perigosa e menos íngreme do que a primeira, era por aqui que transitava o gado com destino às relvas e às terras do Mimoio. O terceiro acesso e, curiosamente, o mais alcantilado e escabroso, era o da Canada do Calhau Miúdo, a qual se chamava assim por se iniciar no lugar como mesmo nome, ou seja no Calhau Miúdo. Relativamente aos outros acessos ao Mimoio, este tinha a vantagem de ser o mais curto, embora fosse muito difícil de transitar, porquanto o seu trajeto desenhava uma muito inclinada subida quase toda ela constituída por degraus em pedra rústica, alguns deles muito soltos, a desfazerem-se. A canada iniciava-se quase no cruzamento dos caminhos da Tronqueira, Porto e Ponta, num largo que se servia de descansadouro e que numa das altas paredes que o ladeavam, do lado Porto, era encimada por uma pequena e tosca cruz de madeira. Ali mesmo, ao lado, situava-se a Pedreira, ou seja uma rocha esburacada no termo dos enclaves da Ladeira do Mimóio e que abastecia a freguesia de pedras para a construção de casas e palheiros. Depois e até ao planalto do Mimoio a canada apenas subia, persistente e teimosa. Eram degraus atrás de degraus numa íngreme e sinuosa escalada. No entanto, à medida que se subia e, sobretudo ao chegar-se ao alto, desfrutava-se duma bela e abrangente vista. O casario da Fajã, toda a zona da orla marítima e do baixio, desde o Areal ao Cantinho, a prolongar-se no Rolo, até ao ilhéu do Cão e à Rocha da Ponta.

A Canada do Calhau Miúdo era utilizada como via de acesso sobretudo por altura da apanha do milho que era acarretado em cestos às costas desde dos cerrados até al Largo onde ficavam estacionados os carros de bois. Como o percurso era mais curto, o gado estava menos tempo á espera, menos sujeito à mosca e ao calor e, além disso, a subida efetuava-se de cestos vazios, isto é, sem carga. Apenas na descida se carregavam os pesados cestos às costas ou à cabeça, a abarrotar de belas maçarocas de milho. E como para baixo todos os santos ajudam, na altura da apanha do milho o trajeto da Canada do Calhau Miúdo era o eleito.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

A RUA DATRONQUEIRA

Segunda-feira, 15.12.14

A palavra tronqueira utilizada como nome comum tem um significado interessante. Com ela pretende-se designar uma espécie de cancela ou porteira duma cerca, construída com três a quatro peças de madeira mais finas que os mourões, presas com quatro ou cinco fios de arame farpado ou liso. Uma das peças da extremidade deve ficar ajustada em meias-luas de arame, com possibilidade de girar em torno do seu eixo fazendo, assim, que a que fica na outra extremidade possa encaixar-se nas meias-luas de arame (liso ou farpado) fixadas uma rente ao chão e a outra na parte superior do mourão da cerca. Portanto o significado desta palavra parece ser o de cancela ou portão de cerca e a rua da Tronqueira pese embora herde o seu nome de um lugar com o mesmo nome, situado ao seu redor, pode considerar-se uma espécie de portão de saída duma espécie de cercal que é o povoado da Fajã Grande. Trata-se de uma espécie de saída para o norte, mais concretamente de uma fuga para os lados das Covas, da Ribeira das Casas, da Ponta e até para a longínqua freguesia de Ponta Delgada. A Tronqueira parece ter sido em tempos idos e era-o ainda na década de cinquenta uma viela extremamente movimentada, porquanto para além dos seus moradores que nela transitavam diariamente, passavam por ali muitas outras pessoas, não só com destino à Ponta ou a Ponta Delgada, mas nas suas idas e vindas para as terras e relvas que possuíam para aqueles lados, desde o Calhau Miúdo à Ribeira do Cão. Era também a principal via de acesso ao mar, mas para os lados do Rolo e este, em dias de saída de sargaço, era procurado por quase todos os habitantes da freguesia. Assim, o epíteto Tronqueira atribuído à rua que liga o centro da freguesia ao Calhau Miúdo pode advir-lhe, simplesmente, desta sua funcionalidade e até ter sido a rua a dar nome ao local e não ao contrário.

A Rua da Tronqueira iniciava-se no fim da Rua Direita ou na sua parte mais próxima do mar e prolongava-se para nordeste, em forma de um L com o ângulo invertido. Por isso a sua primeira parte e a mais próxima da rua Direita e do centro do povoado, seguia perpendicular à rua Direita e quase paralela à Fontinha, sendo, nessa parte, quase roda ladeada de casas, com exceção da entrada, do lado sul, onde era ladeada pelas altíssimas paredes de uma terra que pertencia ao Francisco Tomé. Do outro lado e após estas paredes eram casas e casas, muito aconchegadas umas às outras, seguindo quase em linha reta até ao palheiro do Lucindo Cardoso, antes do qual, no entanto, havia um outro espaço, neste caso de ambos os lados, sem casas. Aí, junto ao palheiro do Lucindo Cardoso, a rua que até então segui na direção nordeste, muda o seu rumo e seguia na direção do norte, com algumas pequenas curvas e contra curvas. A meio desta reta, junto à casa do Senhor Rodrigues, havia um bebedouro ou poço do gado beber e, logo adiante, uma fonte, a única existente nesta rua. Aqui as casas também ladeavam a rua quase por completo, sendo que nalguns sítios existiam pequenas veredas ou canadas dando acesso a habitações construídas for da berma da estrada, por nesta não caberem todas. A rua, com as casas mais espaçadas lá para o norte, terminava no Alto do Calhau Miúdo, junto à casa do Manuel Branco, onde havia um emblemático descansadouro.

A Tronqueira pode orgulhar-se de nela ter nascido um dos mais ilustres filhos da Fajã Grande, o padre José Luís de Fraga que, para além de sacerdote, distinguiu-se como músico e poeta, neste caso utilizando o pseudónimo de Valério Florense.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 14:27

A CANADA DO PICO AGUDO

Terça-feira, 28.10.14

A meio do caminho entre a Escada-Mar e a Alagoinha havia um enorme largo, conhecido como Largos dos Paus Brancos. Era precisamente desse largo que partia uma estreita e sinuosa canada, quase em ziguezague, que dava acesso às terras e propriedades do lugar do Pico Agudo. A canada, obviamente, herdara-lhe o nome, sendo conhecida pela Canada do Pico Agudo.

A canada era tão estreita, tão apertada e tão atrofiada que por ela passava apenas um homem de cada vez. Como as propriedades ali existentes eram terras de mato, não passava gado pela mesma e os campos que a ladeavam e para onde ela se encaminhava pouco produziam, pelo que a canada era muito pouco movimentada, exceção à época da ceifa dos fetos e da cana roca, que por ali eram transportados às costas, para depois de colocados e empilhados no largo, serem transportados em corsões até aos palheiros ou casas velhas, onde eram guardados, no caso dos fetos, para cama do gado. O mesmo acontecia com a lenha seca ou com os incensos verdes, embora uns e outros fossem trazidos às costas, até às moradias.

A canada iniciava-se no largo e a ela se tinha acesso subindo dois ou três de degraus. Inicialmente como que dava continuidade ao próprio largo, afunilando-se logo de seguida por entre paredes singelas, em pequenas retas, intercalada com algumas curvas. Aqui e além, as paredes eram substituídas por pequenos portões, tapados com pedras e que permitia acesso às propriedades ali existentes, sendo que por vezes, era necessário atravessar umas para ter acesso às outras.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 20:15

ENTRE A FAJÃ E PONTA DELGADA

Terça-feira, 29.07.14

Um dos mais emblemáticos caminhos da ilha das Flores, nos anos cinquenta era o que ligava a Fajã Grande a Ponta Delgada. Trilhei-o na totalidade, apenas uma vez, em criança, mas em sentido contrário, isto é de Ponta Delgada, mas de noite. Consequentemente com muitos sustos e atribulações.

Actualmente este trilho, de cuja uma boa parte da sua extensão se situa em terreno pertencente à freguesia da Fajã Grande, foi, actualmente, transfomado num dos mais interessantes trilhos turísticos não apenas das Flores, mas talvez dos Açores. Este trilho, antigamente começava no Calhau Miúdo e seguia o antigo caminho que dava para a Ponta. Até aquela localidade era um caminho empedrado, com calçada romana e nele transitavam pessoas, animais, caros de bois e corsões. Do lado de Ponta Delgada, iniciava-se no sítio onde hoje se construiu uma estrada agrícola de betão, que tem como objectivo principal ligar o casario da freguesia de Ponta Delgada ao Farol da Ponta de Albarnaz. Ontem como hoje, demora-se cerca de duas e meia a três horas a percorrer este trilho tem a duração total de cerca de 2h30m.

Para quem como eu, o inicia em Ponta Delgada e pretende chegar à Fajã Grande, deve seguir pela estrada do Albarnaz até encontrar um caminho, hoje devidamente sinalizado, virando à direita. Esta parte do trilho, ladeada de hortênsias, desce e atravessa várias ribeiras, relvas, grotões e valados até chegar a uma cancela que corresponde a cerca de metade do percurso percorrido. Nesse local pode desfrutar-se de uma maravilhosa e deslumbrante vista sobre a parte Noroeste da ilha, nomeadamente o mítico Ilhéu de Maria Vaz, a Ponta de Albarnaz com o seu Farol, grande parte de Ponta Delgada e, mais além, a vizinha ilha do Corvo, que dali assume a forma de um gigantesco e fumegante biscoito. O caminho segue na direcção do Cimo da Rocha da Ponta, entre os Fanais e a Caldeirinha. Era por ali que seguiam, outrora, muitos jovens que, pretendendo demandar a ilha na procura das Américas. Desciam a rocha até à Baía dos Fanais, onde as baleeiras, ali escondidas e a abastecer-se de água e viveres, os esperavam e nas quais embarcavam clandestinamente. Consta que geralmente iam munidos de caniços e apetrechos de pesca para enganar os guardas, que os vigiavam dos fortes que abundavam na orla costeira. Finalmente assoma-se ao Cimo da Rocha, ao local chamado Risco, donde se vislumbra uma outra assombrosa vista. Agora sobre a Fajã, a Ponta e oceano com o Monchique plantado ali bem perto. O trilho continua até à Ponta, por uma vereda de terra batida alternada com pedra de calçada escaleiras. Depois de atravessar o casario da Ponta, o caminho, hoje, é em piso alcatroado que terminar na Fajã Grande.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 20:16

A CANADA DA FAJÃ DAS FAIAS

Quinta-feira, 29.05.14

Abrupta, erma, esconsa e ladeada de um denso arvoredo era a Canada da Fajã das Faias, lá para os lados de Cuada e do Vale Fundo, paredes meias com a Ribeira Grande. Esta íngreme canada ligava o Caminho que se iniciava na Cuada, se prolongava pelo Vale Fundo até aos Lavadouros àquele curioso, pitorescos e quase mítico lugar que era a Fajã das Faias, situado mais a Sul da Fajã Grande, a fazer fronteira com a Ribeira Grande e a Fajãzinha. Curioso era o facto de a faia, como árvore, ser sempre tratada pelo vocábulo popular faeira, o que estranhamente não acontecia, nem com o nome lugar nem com o da referida canada. O lugar chamava-se Fajã das Faias e não Fajã das Faeiras. Fenómeno estranho este, cuja explicação é difícil de se encontrar.  

A Cana da Fajã das Faias, no entanto, permitia um acesso aquele lugar, embora difícil de percorrer. Para além de íngreme e estreita era muito pedregosa, sendo impossível nela transitarem animais. Apenas homens e cães. Muito provavelmente, hoje, já terá desaparecido da memória de muitos dos que, outrora, a calcorrearam. Encavalitada nos contrafortes do Tufo da Cuada, mesmo ali debruçado sobre a Ribeira Grande, a canada obrigava quem ali fosse demandar o que quer que fosse, do pouco que as terras davam, a carrega-lo às costas: lenha, feitos, cana roca, incensos e faias, muitas faias, pois foram estas, ali em grande abundância, muito provavelmente, a dar nome ao lugar.

Para se ter acesso àquele lugar ermo e exíguo, percorrendo a canada, depois de se atravessar a Cuada e ultrapassar a última casa, um pouco antes do Vale Fundo e a seguir ao Calhau do Tufo, virava-se à direita e entrava-se na dita cuja, o único acesso às propriedades ali existentes. Do outro lado, a Ribeira Grande era obstáculo intransponível e, naturalmente, só serviria os habitantes da Fajãzinha. Mas esses ali não tinham propriedades. No entanto, para se chegar a algumas propriedades, era necessário atravessar outras, que lhe deviam caminho, através de trilhos, atalhos ou até saltando paredes.

Assim com o lugar a que dava acesso e de que tinha o nome, a canada Fajã das Faias permanece como uma vereda mítica e adormecida, hoje perdida, não apenas no espaço mas também e sobretudo no tempo e talvez mesmo na memória de muitos dos que, nos longínquos anos cinquenta, por ali passavam, na apanha de incensos para o gado, de lenha para o lume ou a ceifar os fetos e a cana roca que proliferavam entre aquele denso e luxuriante arvoredo.

Lugar misterioso, pois sobre ele se contavam algumas lendas, como a da origem do nome Cricri.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 10:14

A CANADA DA CABACEIRA DE BAIXO

Sábado, 10.05.14

Poucos se lembrarão dela. Decerto que se perdeu no tempo e nas memórias. Para além de exígua, esconsa e pedregulhenta, dava acesso apenas a terrenos de dois ou três proprietários, um dos quais era a velhinha Tia Maria Inácia, que a percorria quase todos os dias, na demanda de uns garranchos de lenha para acender o lume. Ali, na Cabaceira de Baixo, pelo menos nas terras mais afastadas do caminho e a que se tinha acesso, exclusivamente, pela canada com o mesmo nome, pouco mais existia do que incensos, faeiras, loureiros e um ou outro pau branco.

A Canada da Cabaceira de Baixo iniciava-se no caminho que ligava Santo António aos Lavadouros, logo a seguir à recta do Delgada e após uma pequena curva, precisamente na fronteira entre o Delgado e a Cabaceira. Era constituída por duas pequenas rectas. Uma primeira, como que a ligar o Caminho a uma terra que meu pai ali possuía e uma segunda, mais pequena e obliqua à primeira e que dava acesso a mais duas ou três pequenas propriedades.

Ladeada por árvores frondosas, centenárias, que a cobriam com uma sombra permanente e excelsa, delineada por baixas paredes recobertas de musgos e eras, atapetada com coicéis, fetos e erva-santa, a ocultarem a rudez do piso e as agruras dos pedregulhos aguçados e toscos, a Canada da Cabaceira de Baixo possuía uma sublimidade inexaurível, uma frescura inebriante, proporcionando, a quem por ali transitava, um caminhar envolvente, misterioso e sonhador.

Hoje, perdida, esquecida, inacessível, talvez mesmo inexistente, nem aspira a ser um mito.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 10:24

A CANADA BATEL/BANDEJA

Sexta-feira, 04.04.14

Na década de cinquenta, ainda existiam vestígios de uma antiga canada que ligava o lugar do Batel à Bandeja, sendo nessa altura muito pouco utilizadas, apenas ou exclusivamente, por quem tinha terras naqueles andurriais.

A canada iniciava-se precisamente em pleno lugar do Batel, mais precisamente no descansadouro que existia naquele interessante e histórico local, a meio e à direita de quem subia a ladeira com o mesmo nome. A canada iniciava-se como que aproveitando o amplo espaço do descansadouro e, depois, prolongava-se na direcção leste/oeste, com destino ao caminho que começava no Cruzeiro e seguia pela Bandeja até às Queimadas. Ingreme e sinuosa, cheia de pedregulhos, muitas vezes servindo-se das próprias propriedades, esta canada desembocava, precisamente, na ladeira da Bandeja, quase formando um cruzamento com uma sua congénere que comunicava com o Outeiro e que mais se assemelhava ao seu prolongamento.

Quase inacessível, esta velha canada que hoje, muito provavelmente, terá desaparecido por completo, decerto que serviu, talvez nos primórdios do povoamento da freguesia, de caminho aos nossos avoengos, muito provavelmente quando o caminho Alagoeiro/Lavadouros ainda não existia e, por isso mesmo, naquela altura já apenas remanescia mais como um marco histórico, um mito, uma lenda, talvez, do que uma via rodoviária de interesse e utilidade.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 12:43

A RUA NOVA (FAJÃ GRANDE)

Sexta-feira, 24.01.14

Na década de cinquenta, a Rua Nova, relativamente, quer ao número de casas, quer ao de pessoas que nelas moravam, era a rua mais pequena da Fajã Grande, uma vez que possuía, apenas, quatro casas habitadas, nas quais moravam dezasseis pessoas. Lá bem no fundo da Rua Nova e já quase nas Furnas, morava o Urbano, com a mulher e quatro filhos: a Maria Teresa, o José, o Edmundo e o Antonino. O Urbano, para além de trabalhar nos campos, foi sempre muito dedicado ao mar e à pesca e durante muitos anos foi um notável baleeiro e primoroso executor de uma das mais arriscadas e arrojadas tarefas da caça à baleia, a de “trancador” ou arpoador. Também se distinguiu como jogador de futebol e foi um dos fundadores do Atlético Clube da Fajã Grande, em 1939. Numa casa em frente, mas alugada, morava o José Pereira, com a mulher e dois filhos. O José Pereira foi um dos melhores pescadores de sempre da freguesia. Era verdadeiramente um homem do mar e, durante muitos anos, foi ele quem abasteceu de peixe a maior parte da população da Fajã Grande. Tinha uma lancha, era um excelente marítimo e um óptimo pescador, tendo também “arreado” durante várias épocas à baleia, exercendo a função de mestre de lancha, no gasolina “Sta Teresinha” que durante anos e anos ficou ancorada no Poceirão, do Porto Velho, a fim de, após o foguete lançado pelo vigia, puxar os botes para o mar alto, dar-lhes apoio durante o tiroteio da caça à baleia e arrastar, posteriormente, os cetáceos, já mortos, para a fábrica de óleo do Boqueirão, em Santa Cruz. Mais adiante e numa casa um pouco isolada vivia sozinha a senhora Josefina Greves, pessoa muito discreta, sensata e muita amiga de todos com quem por ali passava. Um pouco ao lado, na única travessa que a Rua Nova tinha, vivia o António Lourenço, irmão do Urbano e casado com a Marquinhas do Carmo, na companhia dos quatro filhos: o José, a Ema, o Lucindo e o Antonino. O António Lourenço era pessoa extremamente solícita, de tacto muito agradável e atencioso, foi director da Sociedade, cabeça de festas e do Fio. A esposa exerceu durante muitos anos a honrosa função de parteira da freguesia, sempre com uma dedicação e um êxito notáveis. Além disso exercia também a função de enfermeira e até de “médica”, tratando todos gratuitamente e sem distinção, quer os que a procuravam na sua própria casa, quer deslocando-se às casas dos que a não podiam procurar, mas necessitavam dos seus cuidados. E ficava por aqui a população residente na Rua Nova.

No que ao seu traçado dizia respeito a Rua Nova era a mais larga e uma das que possuía melhor piso na Fajã. Como o seu nome indica, muito provavelmente teria sido uma das últimas ruas da freguesia a ser construída, por isso mesmo mais cuidada e talvez mesmo mais moderna. A rua iniciava-se no cruzamento com a Rua Direita, frente à casa de Josézinho Fragueiro e era ladeada, logo no início pelas moradias do José Nascimento e do Afonso das Tomásias, porém quer uma quer outra, tinham a porta principal voltada para a Rua Direita. Depois prolongava-se numa recta até um dos mais belos e emblemáticos edifícios da Fajã Grande – a casa do Guarda Furtado. Tratava-se e um enorme casarão, com uma torre na parte superior que estava desabitado, no entanto, por vezes era arrendada. Ainda em plena época de cinquenta foi alugada pelos empreiteiros que vieram construir a estrada entre o Porto da Fajã e a Ribeira Grande e, no início da época de sessenta, pelo novo pároco, o padre José Gomes, uma vez que a paróquia não lhe disponibilizava passal. Frente a esta casa havia uma outra casa, cujo terreno onde se situava, mais tarde, deu origem à nova escola, A rua continuava, formando uma ampla curva em frente à casa da senhora Josefina Greves, prolongando-se, de seguida, novamente em recta, indo terminar no caminho que dava para as Furnas.

Como as casas eram relativamente poucas, quase toda a rua era ladeado por campos de cultivo, todos de grande produtividade. Talvez por isso é que esta era uma das ruas por onde também transitava a procissão das Rogações, realizada por altura das têmporas de Setembro para abençoar e aumentar a produtividade dos campos, ou para, em tempos de seca, implorar a bondade divina, a fim de que concedesse a chuva necessária.

Recentemente foi atribuída a esta rua o nome de “Rua Mariquinhas do Carmo”.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 11:08

O CAMINHO DO CIMO DA FONTINHA AO ALAGOEIRO

Segunda-feira, 20.01.14

Em plena década de cinquenta, podia dizer-se, em boa verdade, que a rua da Fontinha, inserida no lugar com o mesmo nome, terminava junto à casa de Tio José de Teodósio. A partir daí iniciavam-se outros lugares. Em primeiro o Tanque, embora encafuado um pouco mais para os lados do Outeiro e da Bandeja, depois o Cruzeiro e, finalmente o Alagoeiro. Todos estes lugares eram despovoados, excepto o Alagoeiro, mas neste, os habitantes eram poucos, uma vez que ali morava apenas uma família. No entanto, no que a edifícios dizia respeito, já não era bem assim. É verdade que o Tanque não possuía nenhum tipo de construção, mas no Cruzeiro existiam três e o Alagoeiro, para além da casa de habitação referida, dispunha de mais três edifícios, um dos quais era a Casa da Água, esta já na fronteira com a Fontecima.

Este caminho que ligava o Cimo da Fontinha ao Alagoeiro, era curto mas largo, perfeitamente acessível a carro de bois e era como que uma continuidade do arruamento da Fontinha. O piso era de pedra fixa, do tipo calçada romana, com uma pedra maior no centro, designada por “pedra-mestra”, fixando-se as outras, mais pequenas, ao seu redor. As paredes que o ladeavam, sobretudo as do lado sul, eram bastante altas, circundando e separando os terrenos agrícolas que por ali proliferavam. Logo a seguir à casa de Tio José Teodósio, o caminho fazia uma enorme e suave curva, que só terminava no fim do do Tanque, precisamente no local, onde o caminho se bifurcava, porque aí e na direcção sul, havia uma vereda que dava acesso, precisamente às terras do Tanque e que depois seguia para a Bandeja. Quase no mesmo local, mas na direcção oposta, iniciava-se uma outra pequena vereda que ligava este caminho à canada do Mimoio Tratava-se, neste caso, de um atalho muito curto e de difícil circulação, construído quase todo ele sobre maroiços e inacessível a animais, servindo apenas de cesso a uma ou outra propriedade e, no caso do Mimoio, sendo utilizado apenas como forma de “encurtar” o caminho para aquele sítio.

Voltando ao caminho entre a Fontinha e o Alagoeiro, após este cruzamento, o dito caminho formava uma pequena recta, finda a qual estávamos no lugar do Cruzeiro. Era aí, bem no centro, num pequeno largo, onde se iniciava, a sul, a subida para a Bandeja e Queimadas que existia uma espécie de “zona industrial” da Fajã Grande. Na verdade ali haviam sido construídos três edifícios de tamanhos e com funções diferentes. Era no primeiro e o maior que se fabricava a manteiga da Cooperativa, enquanto o segundo, um pouco mais pequeno e de feito de pedra solta, era destinado ao fabrico das caixas de madeira, onde as latas eram encaixotadas para exportação e o terceiro, um minúsculo cubículo, servia de arrecadação.

De seguida e após mais uma pequena recta estávamos no Alagoeiro, onde existia um grande largo e, onde para além de uma casa de habitação onde morava o Luís Fraga, havia um palheiro, uma casa velha e a Casa da Água. O Alagoeiro constituía o maior, o mais importante e o mais emblemático Descansadouro de quantos existiam na Fajã Grande.

Este caminho era um dos mais movimentados da Fajã Grande, uma vez que por ele transitavam, não só as pessoas que pretendiam deslocar-se àqueles três lugares e aos circundantes mas também as que demandavam a Ribeira, as Águas, a Figueira, os Matos e todos os lugares que iam do Batel ao Curralinho, situados nas abas da Rocha e que não eram poucos. Da mesma forma, muito gado por ali transitava, uma vez que para todas aquelas zonas havia muitas pastagens.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 11:14

O CAMINHO DA BANDEJA-QUEIMADAS

Sexta-feira, 17.01.14

Um dos mais irregulares e sinuosos mas também um dos mais belos e espectaculares caminhos da Fajã Grande, na década de cinquenta, era o que ligava o Caminho da Fontinha/Alagoeiro à Bandeja e às Queimadas e que era geralmente conhecido apenas pelo “Caminho da Bandeja”.

Tratava-se de um dos últimos caminhos da freguesia a ser construído e que, muito provavelmente, teria sido precedido por uma sinuosa canada ou vereda que, com muitas limitações e insuficiências, havia servido as terras de cultivo e as relvas localizadas num e noutro daqueles lugares. Embora construído com a largura suficiente para nele transitar um carro de bois, estes, praticamente não passavam da Bandeja e mesmo os que ali chegavam, faziam-no com alguma dificuldade, devido à anfractuosidade do piso. É que, ficando aqueles dois lugares situados por uma das encostas do Outeiro – a Bandeja a meio e as Queimadas lá no alto – era tal a inclinação do piso, a partir da Bandeja, que se tornava quase impossível transitar por ali um carro puxado por bois. O próprio gado, desencangado e solto, tinha alguma dificuldade em circular por ali. Essa a razão por que os donos dos campos das Queimadas e que neles produziam milho, optavam por acarretá-lo em cestos, às costas, para a Silveirinha, trazendo-o depois em carros que desciam o Batel até à Fontinha.

O caminho da Bandeja/Queimadas iniciava-se no Cruzeiro, junto à fábrica da Manteiga. O troço inicial era constituído por uma enorme recta, sendo que aí atravessava ainda terras pertencentes ao Alagoeiro, à esquerda e ao Tanque, à direita. Após esta recta inicial, entrava-se no lugar da Bandeja, atravessado de norte para sul por este caminho. Aí o caminho, embora ainda de forma relativamente suave, iniciava-se uma ladeira, em forma de curva alongada, para de seguida se prolongar através de uma recta, cada vez mais íngreme, mais inclinada e de mais difícil subida. A meio da Bandeja o caminho bifurcava-se, uma vez que aí existia uma canada que o ligava às terras do Outeiro. Como no lugar da Bandeja havia muitas terras de milho, alguns carros e corsões transitavam por este caminho, precisamente até meio da subida, na própria Bandeja. A partir daí, em termos de escalada, tudo era mais difícil, pois o caminho continuava com o piso cada vez mais inclinado e com inúmeras curvas e contracurvas, que dificultavam e causavam graves problemas a quem o subia. Além disso e no cimo da encosta, junto ao cerrado do Luís Fraga, embora o piso já fosse plano, o caminho prolongava-se mas transformando-se numa estreita canada que, em ziguezague ia percorrendo toda a zona das Queimadas e arredores, impedindo de passar qualquer meio de transporte.

Dado que as terras de um e outro destes lugares eram de cultivo ou relvas e uma vez que nestas últimas o gado pastava solto, as propriedades tinham que ser separadas umas das outras por grossas e altas paredes, feitas de enormes pedregulhos, o mesmo acontecendo com as paredes que ladeavam o caminho, o que lhe dava um ar tosco, agreste e selvagem mas também belo, soberbo e imponente. Da parte mais alta, sobretudo a partir da Bandeja disfrutava-se também de belas vistas e miradouros sobre o mar, uma parte da Fajã e toda a zona desde a Ribeira das Casas até à Rocha da Ponta, com a Caldeirinha, lá bem no alto a coroá-la.

No sítio da Bandeja, no local em que o caminho se bifurcava havia um largo formando um pequeno descansadouro, onde os homens se sentavam sobretudo durante a época em que o gado estava amarrado à estaca, alimentando-se de forrageiras e trilhando os campos para as sementeiras. À tardinha, muitos homens se sentavam ali, aguardando a hora da ordenha.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 11:50

A CANADA DA FONTECIMA

Terça-feira, 07.01.14

De todas as canadas da Fajã Grande, e não eram poucas, a única que tinha o piso igual ao dos caminhos, isto é, do tipo calçada romana, era a Canada da Fontecima. Situada no lugar com o mesmo nome, que atravessava de Norte a Sul, a Canada da Fontecima ligava o Alagoeiro ao Batel, num trajecto curto, apertado, de bom piso, de fácil e agradável trajecto e, sobretudo, bem mais rápido do que o do caminho que ligava a Fontinha aos Lavadouros. É que este caminho que também ligava o Alagoeiro ao Batel e através do qual se tinha acesso a todos os outros lugares do Sul e Leste da Fajã, incluindo a Rocha, no seu normal trajecto, ia dar uma grande volta pela Ribeira, passando junto ao Arame, o que significava um percurso bastante mais longo, obrigando, consequentemente, os transeuntes a uma demora excessiva relativamente ao trajecto da Canada da Fontecima. Em suma, para quem queria seguir para o Batel e para as outras localidades do Sul, até aos Lavadouros, se fosse pela Canada da Fontecima realizava um trajecto bem mais curto e mais rápido. Era pois, objectivo prioritário desta canada, não apenas dar acesso às propriedades que a ladeavam e a outras circundantes, mas também e sobretudo ligar de uma forma mais rápida e eficaz, sobretudo para quem carregava molhos ou cestos às costas, o Batel com o Alagoeiro e vice-versa. Encurtavam-se distâncias, reduzia-se o trajecto, poupavam-se energias e aliviavam-se as costas de quem vinha carregado com molhos ou cestos.

No entanto, o facto de ser uma canada e, consequentemente, uma via de circulação muito estreita, a Canada da Fontecima não permitia a circulação de gado, nem muito menos dos carros ou corsões. É que de tão estreita e apertada que era, não tinha a largura necessária para que circulassem duas rezes, ao lado uma da outra. Como, por vezes, havia gado a caminhar para baixo e para cima, o que ali não poderia acontecer, estava praticamente vedada a circulação de bovinos naquela canada.

O trajecto da Canada da Fontecima era simples e de razoável qualidade. Partindo-se do Alagoeiro, junto a um poço que ali havia para o gado beber água, voltava-se à direita, evitando o caminho da Ribeira. Subia-se uma pequena ladeira, esta sim bastante larga, paralela à casa do Luís Fraga, ao cimo da qual ficava a Casa da Água, precisamente no sítio onde se situava uma nascente ou fonte que dava nome ao local e cuja água abastecia toda a rede da Fajã, cujas obras se iniciaram em Outubro de 1948, concluindo-se quatro anos mais tarde. A partir da Casa da Água, entrava-se na canada propriamente dita, iniciando-se o seu trajecto com uma pequena curva ao lado daquela casa. Depois uma recta, ladeando pequenos serrados, dela separados por altas e grossas paredes de pedra dupla. No fim da recta uma curva acentuada à esquerda e logo a seguir uma mais suave à direita. Aí havia uma pequena ladeira e as paredes circundantes eram bem mais altas e imponentes. Após o cimo da pequena ladeira, precisamente no sítio onde meu avô materno tinha uma pequena terra de milho e batata-doce, entravámos em nova recta, paralela ao caminho da Bandeja, que ficava mesmo ali ao lado. Daí, por ser lugar mais alto, já era permitido aos transeuntes descortinar ao longe uma parte do casario da Fajã, do mar e a Ponta. Esta vista, no entanto era, vezes sem conta, obstruída, porque aqui as paredes já eram bem mais altas e grossas, impedindo quem por ali passasse de avistar o que quer que fosse, a não ser uma pequena nesga do céu. De seguida uma nova curva à esquerda, seguida duma recta ladeada a Sul, por uma parede altíssima e estávamos no fim da canada, a desembocar no caminho dos Lavadouros, precisamente no cimo da ladeira da Ribeira e quase no início da do Batel.

A Canada da Fontecima, como outros imponentes caminhos da Fajã Grande, uma interessante construção a marcar um espaço e um tempo, mediante o esforço, a bravura e o empenhamento dos nossos antepassados.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:33

O CAMINHO DO CIMO DA ASSOMADA/LAVADOUROS (DO ESPIGÃO AOS LAVADOUROS)

Segunda-feira, 16.12.13

Logo a seguir ao Descansadouro da Cancelinha, o caminho que ligava a Assomada aos Lavadouras, na Fajã Grande, bifurcava-se. Se voltássemos à direita era possível demandar as terras e os matagais do Vale Fundo e do Tufo ou os férteis campos e hortas da Cuada. Se continuássemos em frente, seguíamos na direcção dos Lavadouros, atravessando as produtivas terras de inhames de Moledo Grosso e da Lombega e as verdejantes pastagens da Alagoinha.

Mas antes, porém, tínhamos a árdua, penosa e angustiante tarefa de subir uma íngreme e sinuosa ladeira – a Ladeira do Espigão. Desenhada em forma de L, talvez para aliviar a a difícil e quase angustiante subida dos que por ali transitavam frequentemente, esta ladeira obstaculizava o caminhar a pessoas e animais e sobretudo aos carros de bois ou corsões que, por isso mesmo, raramente passavam por ali. Ladeada por paredes cobertas de musgos e recobertas de heras, a Ladeira do Espigão tinha de largo, amplo e espaçoso quanto possuía de abrupto, fragoso e escarpado. Os animais subiam-na lenta e ansiosamente, escorregando vezes sem conta, de boca aberta a escorrer baba e a arfar cansaço e desciam-na numa aflição permanente, numa luta contínua e num esforço, por vezes improfícuo, para não escorregar ou cair por ali a baixo. Por sua vez, homens e mulheres, também ao descê-la, carregando molhos de incensos ou cestos de inhames, tremiam como varas verdes, vacilavam arquejantes e hesitavam como crianças a dar os primeiros passos, na ânsia de procurar o melhor sítio para apoiar os pés.

Era um tormento, um suplício, uma angústia descer a Ladeira do Espigão com uma carga às costas ou à cabeça! Sorte, tínhamos porque, na subida, vagueávamos sem ter que carregar o que quer que fosse!

Uma vez atingido o cimo da ladeira, o caminho seguia plano e rectilíneo, apesar de irregular, cheio de pedregulhos misturados com pedras soltas e com uma rudimentar calçada, por entre altas paredes, ladeado por denso arvoredo a proporcionar, a quantos transitavam por ali diariamente, uma agradável sombra, dulcificante e reparadora duma exausta e desgastante caminhada. No Moledo Grosso, novamente, uma pequena ladeira, mas, para gáudio de todos, muito menos íngreme e de mais fácil acesso do que a do Espigão. Mais umas voltas curvilíneas, através de um piso cada vez mais irregular, por entre bardos de incensos, faias, de loureiros e sanguinhos e era o princípio do fim das zonas das terras de mato, o dealbar definitivo da segunda zona de pastagens. Primeiro, eram as relvas da Alagoinha, misturadas, naqueles recuados tempos, com um ou outro campo de milho e algumas terras de mato, sobretudo a Oeste, lá para os lados da Lombega e do Vale Fundo.

A separar a Alagoinha dos Lavadouros, os dois últimos lugares a que este caminho dava acesso, novamente uma ladeira, quase tão escabrosa e terrificante como a do Espigão, mas bem mais estreita e rectilínea – a Ladeira da Alagoinha, no início da qual se havia formado também um pequeno descansadouro.

Ao atingir-se o alto desta ladeira, estávamos, finalmente, nos Lavadouros, onde, logo adiante, este caminho se unia ao que vinha da Fontinha, formando uma única via que percorria os Lavadouros de Norte a Sul, servindo assim de passagem a pessoas e animais num dos lugares onde abundavam algumas das melhores relvas da Fajã. Eram relvas verdejantes, encostadas e protegidas pelo sombrio aguado da Rocha, à espera do gado que após a realização de tão longo e extenuante percurso se deliciava com o doce sabor daquela erva, tão fresquinha e retemperadora, tão tenrinha e apetitosa, regada com o orvalho das madrugadas, temperada com o perfume das florestas circundantes, alimentada pelo ciciar gotejante das grotas que escorriam pelos andurriais das encostas e abençoada pelo canto esfuziado dos pássaros a saltar e a vaguear pelos densos arvoredos da Rocha.

Percorrer o caminho desde a Assomada até aos Lavadouros, para ir “buscar as vacas” nas frescas madrugadas do verão ou “levá-las” nas chuvosas manhãs do inverno era, outrora, um sonho de encanto, um sopro de magia, um devaneio de deslumbramento. Hoje, talvez um mito estigmatizado nas memórias de poucos.  

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 15:19

A CANADA DO OUTEIRO GRANDE E DA PEDRA DE ÁGUA

Quarta-feira, 11.12.13

O caminho de acesso aos lugares do Outeiro Grande e da Pedra d’Água, a partir do cimo da Ladeira do Covão, era uma íngreme, sinuosa e estreita canada, pese embora todos os dias transitassem por ali um bom punhado de pessoas e muitos animais. Na realidade, após a Ladeira do Covão, também ela de tão inclinada que era, quase inacessível a carro de bois ou a corsão, tudo o que se acarretasse do Outeiro Grande e da Pedra d´Água para “a porta”, teria que ser, necessária e obrigatoriamente, transportado às costas dos humanos, pois nem sequer burro carregado com um molho, cesto ou saco de cada lado, ali conseguiria passar. E não era pouco o que aqueles lugares produziam. Para além de fetos e erva que abundavam por aqueles parramos, é verdade que da Pedra d’Água nada mais vinha mas o Outeiro Grande era fértil em lenha, incensos, batatas-doces e milho, embora muitas vezes, estes produtos, sobretudos se produzidos em maior quantidade, fossem transportados até à Cabaceira, através duma outra canada mais curta, sendo então, a partir daí transportados em carro ou corsão, até ao seu destino. Vida difícil, pois, a daqueles que tinham terras para aqueles lados.

A canada de acesso a dois dos mais emblemáticos lugares da Fajã Grande era constituída por uma série de pequenas voltas, rectilíneas e em ziguezague. A primeira, logo a seguir à ladeira do Covão, era a maior, a mais íngreme e a que tinha mais dificuldades em percorrer-se, sobretudo por parte das rezes que a subiam e desciam quase diariamente. Para além de ser muito inclinada, era, quase na totalidade, construída em degraus intercalados com pequenos troços rectilíneos mas onde abundava toda a espécie de pedregulhos e calhaus caídos das paredes circundantes e dos degraus mais altos. Construída através de um apertado rasgo nas fraldas do Outeiro, tinha a Sul altas paredes que a separavam dos terrenos de cultivo circundantes enquanto a Norte se encafuava “resminés” com os impenetráveis meandros do Outeiro, cheios de canas e silvados, por onde os bezerros vezes sem conta fugiam e se perdiam, sendo difícil, de seguida, dali retirá-los. O único senão deste trecho da canada do Outeiro Grande era o poder observar-se dali uma bela vista sobre a Fajã e sobre o mar, mas alheia aos que por aquele degredo passavam vergados ao peso dos carregamentos, evitando escorregar nos pedregulhos e a evadirem-se de “topadas” nos dedos dos pés descalços. Na segunda volta, a canada mudava de rumo e seguia na direcção sul. Era rectilínea, de piso areoso mas bastante acessível. Atravessava uma colina, rasgando-a de norte a sul. Era a parte de maior excelência e de melhor acessibilidade de todo aquele sórdido e inóspito percurso. De seguida, voltava a este, numa torso muito curto mas muito sinuoso, com degraus e pedregulhos soltos por tudo o que era sítio e ladeado por altas paredes de ambos os lados. E estávamos chegados à volta onde se situava o famigerado Calhau das Feiticeiras, um enorme tufo espetado ali no meio da canada, do lado este, bem cravado na rocha e cravejado de pequenos buracos, marcas deixadas pelos pés das ditas cujas que por ali desciam e subiam diariamente, ao anoitecer. Dizia-se que as malditas atiravam as almas penadas por ali abaixo e logo desciam, arrastando-as para cima para as atirarem novamente pelo calhau abaixo. Mais uma volta sinuosa e íngreme e estávamos na bifurcação final da canada: à esquerda virava-se para a Pedra d’Água, à direita seguia-se para o Outeiro Grande, num e noutro caso por veredas inconstantes, irregulares e de difícil acesso, embora, no caso do Outeiro Grande e porque o percurso era maior, se pudesse, por vezes e nalguns locais, atravessar relvas para encurtar caminho. Mas isto apenas quando se seguia sem animais ou sem cargas às costas e somente em duas relvas, uma do António Cardoso e outra de José Padre.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 09:42

O CAMINHO DO CIMO DA ASSOMADA/LAVADOUROS (DE SANTO ANTÓNIO AO ESPIGÃO)

Quinta-feira, 05.12.13

No Largo de Santo António, o Caminho da Assomada/Lavadouros, uma das vias mais percorridos diariamente pelos habitantes da Fajã na década de cinquenta, bifurcava-se. Se virássemos à direita seguíamos para a Cuada, mas se quiséssemos seguir na direcção das terras de mato da Cabaceira, da Cancelinha, do Espigão, do Moledo Grosso e da Lombega e das relvas da Alagoinha e dos Lavadouros, teríamos que voltar à esquerda. Se eventualmente seguíssemos nesta última direcção, continuaríamos a calcorrear calçada romana e circularíamos por um largo caminho, ladeado pelas grossas e altas paredes de algumas hortas e de várias terras de mato, muitas delas com belos portais ornados de ombreiras alisadas e portão de madeira a girar sobre cachimbos de ferro. Logo de imediato e, depois de subir uma pequena ladeira contígua ao Largo de Santo António, demandávamos o Delgado, o melhor lugar de hortas e quintas da Fajã. O caminho, porém, não atravessava o Delgado pelo meio, passava-lhe a nascente e tinha um minúsculo largo, precisamente no local, onde, à esquerda, havia uma canada que conduzia ao Outeiro Grande. Esse largo, embora não sendo descansadouro, era de grande importância, pois era precisamente aí que se estacionavam carros e corções, a fim de os carregar com tudo o que aquelas férteis e produtivas terras produziam: batata-doce, inhames, lenha, incensos, fruta e ainda o milho das terras do Outeiro Grande que era acarretado às costas, até ali.

Depois deste largo, seguindo-se na direcção do Sul, entrávamos na Cabaceira, um dos maiores locais de terras de mato da Fajã, embora muitas dessas terras, sobretudo as da parte mais a norte e a fazer fronteira com o Delgada, também tivessem algumas belgas transformadas em hortas, onde se cultivavam muitos inhames e algumas árvores de fruto, nomeadamente, nespereiras, araçazeiros, ameixeiras bravas e castanheiros. Aqui o caminho tinha as paredes laterais um pouco mais baixas mas era ladeado por árvores frondosas, sobretudo faias, incensos e paus brancos, muito altos e esguias a projectar uma sombra contínua e permanente no caminho que assim adquiria um aspecto fresco, sombrio, sorumbático e até um pouco assombroso e quase assustador. O caminho, ao longo da Cabaceira, continuava com piso do tipo calçada romana, embora com muitos pedregulhos soltos, caídos das paredes, por onde se iam alternando pequenos aclives, um deles até a descer muito suavemente, algumas rectas, mas sem largos e com uma ou outra canada, quer a poente quer a nascente, a ligar as terras e hortas mais interiores. De todas estas canadas sobressaía uma, do lado nascente, já no cimo da Cabaceira, que se distinguia pelas enormes, altas e bem arquitectadas paredes que a circundavam, formando, na entrada, uma espécie de portão de quinta, muito provavelmente resíduos de uma antiga entrada porque em tempos antigos, todas aquelas propriedades, agora de vários proprietários, teriam pertencido um único dono, sendo ali o portão de entrada.

Imediatamente a seguir e já no termo da Cabaceira, o enorme, fatídico e lendário Largo da Cancelinha. Era um dos maiores largos de quantos havia nos caminhos e ruas da Fajã e o mais mítico de todos, pois a ele estava ligada uma lenda segundo a qual aparecia ali, bem no meio, uma mesa posta e bem cheia de comida. Se os transeuntes dela se aproximassem, a mesa ia-se afastando, sem que alguém, alguma vez, pudesse apanhar ou agarrar qualquer migalha que fosse daquela deliciosa e mágica comida  

A seguir ao largo o caminho tomava a forma de uma curva, bifurcando-se, novamente, numa outra canada, esta bastante larga e acessível a carros de bois e que dava para as terras do Desarraçado. Foi esta canada, situada a sul da Cabaceira, que mais tarde serviu de ligação entre a nova estrada e o acesso aos Lavadouros. E o caminho continuava na sua trajectória curvilínea, até ao Descansadouro da ladeira do Espigão, ladeando as magníficas hortas da Cancelinha, onde se produziam as melhores laranjas da Fajã.

Mais adiante, um outro largo, mas este sim transformado em importante e muito utilizado descansadouro, um descansadouro com uma bifurcação do caminho, neste caso à direita com destino traçado ao Vale Fundo e Cuada e à esquerda, com destino aos Lavadouros, mas com passagem pelo Espigão Moledo Grosso, Lombega, Lameiro e Alagoinha. Era ali também que se iniciava a subida da Ladeira do Espigão, uma das maiores e mais íngremes de todas as que existiam na Fajã e não eram poucas.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 21:29

A CANADA DA LADEIRA DO CALHAU MIÚDO

Sábado, 30.11.13

A meio da ladeira do Calhau Miúdo, do lado direito de quem vinha da Ponta e subia na direcção da Tronqueira, existia uma canada que ligava aquela ladeira e o caminho que a integrava a alguns serrados do Porto e a outros da Cambada. Esta canada, que propriamente mais se poderia designar por vereda, apesar de este nome ser pouco usado na linguagem fajãgrandense nos anos cinquenta, no entanto, não era a única nem sequer a principal via de acesso quer às terras do Porto, quer às da Cambada. Um e outro destes lugares. onde se localizavam algumas das maiores e das melhores terras de cultivo da Fajã, tinham outras canadas e ambos possuíam o seu caminho ou acesso principal e acessível a carro de bois ou “corsão”, dado que muito era o que produziam e bastante estrume para lá era necessário acarretar. O caminho de acesso à Cambada iniciava-se frente à antiga casa do João do Porto, na altura barracão de arrumos e armazém da “Firma” das Lajes, precisamente ao lado da Eira, enquanto o principal acesso às terras do Porto se fazia por um outro caminho, um pouco mais a norte e que se situava no local onde actualmente se inicia o ramal da Ponta. Assim, pode concluir-se que a canada da ladeira do Calhau Miúdo era apenas uma via cujo objectivo era facilitar um acesso mais rápido àquelas terras, interdito a animais e destinado apenas a pessoas, nomeadamente, aos habitantes da Tronqueira que viam a distância entre aqueles locais encurtada, uma vez que para irem à Cambada ou ao Porto, não tinham necessariamente que fazer um longínquo, distante e cansativo giro pela Via d’Água.

Esta canada, no entanto, era muito especial porque na realidade, contrariando a maioria das canadas da Fajã, o seu piso não era ladeado por duas paredes, mas apenas por uma. Na realidade, ela havia sido construída como se de uma espécie de bancada, sendo como que encastoada nas paredes a sul, das terras por onde passava. No entanto, como as paredes a norte dos terrenos do outro lado, ou seja de algumas terras da Tronqueira e da Cambada, eram muito altas, a respectiva vereda parecia ter sido pregada ou colada nessas próprias paredes, como se fosse uma prancha. No entanto, a sua altura e o excessivo tamanho das pedras que formavam a borda exterior do seu piso e que seguravam os pedregulhos soltos no interior do mesmo, transformavam-na numa interessante e curiosa obra de engenharia arquitectónica. Daí poder-se-ia concluir da sua importância, em tempos idos, como via de acesso, talvez única, aos férteis campos do Porto e da Cambada.

A entrada da ladeira para a canada era feita através de uns degraus de pedra muito bem lapidados e encastoados. Depois seguia rectilínea sobre o primeiro serrado ainda pertencente ao lugar do Calhau Miúdo. A seguir atravessava uma outra terra já situada no Porto e finalmente ombreava com um outro serrado do Tomé, bifurcando-se aí, junto a um “maroiço” que pertencia ao meu pai e que encimava o serrado que ele possuía no Porto. Na direcção norte seguia, curta e desabrida, com destino a outras terras do Porto e para o sul, embora mais estreita e sinuosa, a dar acesso a alguns serrados da Cambada.

A canada da ladeira do Calhau Miúdo, como tantas outras e muitos caminhos antigos da Fajã, hoje atrofiados, desfeitos e bloqueados por pedregulhos, arvoredos e silvados, permanece como um mito emblemático de um saudosismo, aparentemente supérfluo, mas coerente e perene para os que por ali passaram tantas e tantas vezes, durante muitos anos, carregando cestos de milho ou de batatas, molhos de couves ou de milheiros ou simplesmente transportando uma cestinha de figos e uva apanhados num insignificante “maroiço” do Porto.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 17:19

A RUA DA VIA D'ÁGUA

Quarta-feira, 27.11.13

A Rua da Via d’Água, também designada simplesmente por Via d’Água como se de um lugar se tratasse, tinha o seu início à boca da Tronqueira e, aparentemente, constituía uma espécie de prolongamento ou continuação da Rua Direita, situando-se entre esta e o Porto. O seu trajecto, logo a seguir à casa de J oão Lourenço, iniciava.se com uma íngreme e bem inclinada ladeira, a única existente nas ruas da freguesia, com excepção dos dois aclives que constituíam a parte mais alta da Fontinha e de um pequeno e raso enladeirado que era o Cimo da Assomada. Esta ladeira, em frente à casa do António Maria, era bastante utilizada pela criançada da freguesia para o lançamento dos toscos triciclos, das desengonçadas e bicicletas e outros desajeitados veículos, construídos de madeira geralmente pelo próprio utilizador, muitos dos quais se desfaziam parcialmente durante as corridas deslizantes ou por defeito e deficiência de fabrico ou por aselhice dos condutores embatendo forte e desalmadamente nos muros dos pátios circundantes, provocando muitos “mamulos” na testa e inúmeros arranhões pelo corpo, chegando mesmo a abrir uma ou outra cabeça. Depois da ladeira a rua seguia até uma enorme curva frente à casa do José Furtado, provocada pela casa do Senhor Arnaldo, que emergia exageradamente de todas as outras e que foi demolida, mais tarde, aquando da construção da estrada entre o Porto da Fajã e a Ribeira Grande. A seguir a esta curva iniciava-se uma nova recta, a maior e a mais plana da Via d’Água. Era nela que, entre outras, se situava, à esquerda de quem descia, a casa do Chileno, o maior, o mais alto e a mais emblemático edifício da Fajã, depois da igreja, uma espécie de ex-libris da freguesia. Nova curva se seguia em frente à casa da Mariana Felizarda, cujo pátio, assim como muitos outros, foi destruído, aquando da construção da estrada, a fim de que a rua se tornasse mais larga e acessível a automóveis e camionetas. Depois a Via d’Água terminava com uma nova recta que se estendia até ao Matadouro onde se situavam apenas duas casas: do lado direito a de Ti Malvina e, do esquerdo, uma outra que pertencera a Ti Narciso, mas à altura, desabitada.

Como as restantes ruas da freguesia, a Via d’Água também possuía alguns becos ou vielas transversais. Do lado direito de quem descia, logo a seguir à casa de José Padre, ficava uma estreita mas longa canada que dava para casa da senhora Xavier e que mais tarde, por doação daquela senhora, pertenceu ao senhor Arnaldo, o faroleiro da freguesia. Lá no fundo, a seguir à casa da Mariana Felizarda uma outra canada, mais larga e curta do que a anterior e que dava para as casas do Cardosinho, do Cristóvão e para alguns palheiros e casas velhas. Do lado esquerdo, apenas uma transversal também pequena, onde se situavam a casa da Genoveva e um ou outro palheiro de gado. Para além de vinte casas de habitação a Via d’Água ainda possuía algumas casas velhas, um ou outro palheiro e dois chafarizes: um muito antigo e com estrutura semelhante ao da Fonte Velha, na Fontinha e um outro bem mais moderno. O primeiro situava-se na curva, em frente à casa do Arnaldo e o segundo, bastante mais abaixo, junto à casa do Serpa da Ponta, junto ao qual também havia um enorme poço para o gado beber,

A rua da Via d’Água, uma das maiores da freguesia, era muito movimentada, pois dava acesso às terras do Porto e do Estaleiro e constituía como que circuito obrigatório e mais curto para quem se quisesse deslocar para junto do mar, ou seja para o Cais e para o Porto Velho, para pescar, para nadar, para embarcar para as Lajes, para a Vila ou para Ponta Delgada ou simplesmente para dar um belo passeio até ao farol.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 15:35

A RUA DIREITA

Terça-feira, 19.11.13

A Rua Direita era a mais importante e a mais central rua ou caminho da Fajã. O nome havia-lhe sido dado porque na realidade o seu traçado era perfeitamente rectilíneo, sem uma única curva que fosse e o seu piso quase plano e sem declives, a não ser uma ligeira descida na parte final, a partir da casa do José Nascimento, quando já se aproximava da Via d’Água. No entanto, mais tarde e em homenagem ao Senador João Joaquim André de Freitas, esta rua recebeu o nome deste ilustre fajãgrandense, embora popularmente continuasse a ser sempre designada simplesmente por Rua Direita.

A rua Direita começava à Praça e terminava no cruzamento da Tronqueira e Via d’Água, junto à casa do João Lourenço. Nela desembocavam as Courelas, o Caminho de Baixo, a Rua Nova e ainda as canadas do Gil e uma outra que ficava ao lado da Casa do Espírito Santo de Baixo e que dava para a casa do António Lourenço. Nela se situavam as casas maiores, mais ricas e mais luxuosas da freguesia, se é que por essa altura se pudesse falar em riqueza ou luxos, pertencentes às pessoas com mais posses ou com mais propriedades, incluindo a do senhor padre Pimentel, as de alguns americanos regressados da Califórnia e as de uma boa parte dos comerciantes da freguesia. Era também a meio desta rua que ficava a igreja paroquial, ladeada pelo cemitério e com o seu amplo adro. Nela também se situavam as duas casas de Espírito Santo e dois chafarizes. As casas de habitação sitas na rua Direita eram vinte e quatro, das quais apenas duas estavam desocupadas: a do Guarda Furtado. Geminada com a do José Nascimento e a do Senador, junto à Praça, mas esta com a loja ocupada por um café. Era também nesta rua que se situavam três dos quatro estabelecimentos comerciais então existentes na freguesia: a Loja do Senhor Rodrigues, na esquina com o Caminho de Baixo, a da Senhora Dias, na loja da sua casa, junto ao adro, e a do José Natal, que mais tarde trespassou para a Senhora Bernadete, na loja da casa junto à entrada do Gil. Por sua vez o Café existente na loja da Casa do Senador, junto à Praça, pertencia ao José Maria e à Chica, que ali também vendiam alguns produtos, para além das bebidas. Era ainda na Rua Direita que se situava uma das máquinas de desnatar, aquela que pertencia à cooperativa e, duas casas velhas, uma que servia de palheiro para as vacas do Josezinho Fragueiro e outra para as do Gil, esta, junto à sua própria casa.

Na rua Direita, moravam as pessoas consideradas mais importantes da freguesia, enquanto nos arrabaldes, ou seja, na Assomada, Fontinha, Alagoeiro e noutras ruas e lugares, moravam, salvo raras excepções, as pessoas com menos posses. Eram ainda os moradores daquela artéria que regra geral e em primeiro lugar eram escolhidos ou se impunham por eles próprios, para cargos de responsabilidade na freguesia, como presidente de Junta, cabeças das festas de Espírito Santo e do Fio, ou eram designados para as comissões das festas, para dirigir a Corporativa, ou os que vestiam opas vermelhas para levar o pálio nas procissões do Santíssimo ou o andor nas da Senhora da Saúde.

Era ainda e apenas na rua Direita que passavam as procissões, para baixo e para cima, desde o cimo da Via d’Água até à Praça. A única excepção era a das “Rogações”, nas têmporas de Setembro.

O piso da rua Direita, inicialmente, era como o das restantes ruas e do tipo calçada romana, tendo sido aberto duma ponta à outra, em 1948, para se colocarem os canos da água, quando se procedeu ao seu abastecimento a toda a freguesia. Em 1952 este pavimento primitivo foi substituído por calçada lisa, com paralelos, colocados em espinha, uma vez que a rua se transformou em estrada, sendo nessa altura destruídos total ou parcialmente alguns dos interessantes pátios que possuíam algumas das suas belas moradias.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 09:43

A RUA DA ASSOMADA

Domingo, 17.11.13

Encastoada entre duas colinas, a do Pico e a do Outeiro, a rua da Assomada beneficiava duma aconchegada e agradável protecção dos ventos quando sopravam do norte e do sudoeste. As noites e os dias de forte temporal que fustigavam a Fajã, nos meses do Inverno, com os terríveis ventos nórdicos que sopravam acutilantes e frigidíssimos do cimo da rocha da Ponta, na realidade pouco se faziam sentir na maioria das casas da Assomada. Era pois uma rua de casas abrigadas dos temporais, rodeada de campos, belgas e courelas férteis e verdejantes. Nela moravam, no início da década de cinquenta,  cento e vinte e seis pessoas cujas moradias se estendiam ao longo duma faixa quase rectilínea, sem ladeiras ou declives notórios, apenas entrecortada por uma ou outra canada, ou dotada de um pequeno largo. Possuía a Assomada trinta e três casas habitadas, não havendo, na altura, nenhuma casa de habitação desabitada, excepto a casa de José Pureza, a seguir ao palheiro do Maurício, que se destinava apenas à dormida de alguns dos seus familiares. Havia também na Assomada, logo no início e a fazer esquina com a Praça, uma loja de Comércio, pertencente à firma Martins e Rebelo, gerida pelo Senhor Roberto e, ao lado, a Máquina de Cima, destinada também a receber e desnatar o leite de quem o vendia ao Martins e Rebelo. Além destas construções, a rua ainda tinha oito casas velhas, sem condições de habitabilidade e doze palheiros, num total de cinquenta e cinco edifícios, o que realmente fazia da Assomada a maior rua da Fajã, quer em extensão, quer em número de edifícios, querem população. Haviaainda ao longo da rua dois chafarizes, um deles, o mais antigo, em frente à casa das Senhoras Mendonças, mãe e tias do poeta e escritor Pedro da Silveira e um outro quase no Cimo, logo a seguir à casa do Chico de José Luís. Havia ainda e logo abaixo da primeira fonte, um poço do gado beber água, o qual também possuía uma torneira de água corrente.

A Assomada começava à Praça e seguia para Sul, paralela ao Outeiro, desenhando logo no início das primeiras casas uma pequena curva, formada pela antiga casa de mestre Jorge, o qual tinha, numa das lojas, uma pequena oficina de sapateiro. Esta casa foi demolida a quando da construção da nova estrada, dado que forçava a uma curva muito apertada e estreita, sendo construída uma nova moradia, um pouco mais atrás, num terreno que ali tinha. Assim como esta casa muitos pátios foram destruídos e substituídos por novos, outros foram truncados e reconstruídos com outros muros enquanto outros, como o da casa de meus pais, pura e simplesmente desapareceram, tudo isto em função do alargamento da rua e do desenvolvimento da freguesia. O piso, na altura também era totalmente diferente, sendo do tipo calçada romana, onde existia no meio a chamada “pedra mestra” à volta da qual eram colocadas e apertadas outras mais pequenos. Este piso, com a construção da estrada, também foi totalmente destruído e substituído pelos chamados “paralelos”, ou sejam pedras rectangulares em forma de paralelepípedos, partidas e aparadas no Calhau Miúdo e que eram dispostas em cima duma camada de areia, colocadas em espinha, alinhadas com fios, muito bem apertadas e ligadas e posteriormente batidas com uma maça de madeira, enchendo-se, finalmente, com areia os espaços excedentes entre elas. As casas da Assomada eram quase todas de dois pisos com o inferior para loja de gado, arrumos e retrete. Dispunham-se ao longo da rua, excepto as das três canadas existentes e havia poucos espaços sem casas, a não ser lá mais para o cimo da rua, onde esta se bifurcava, no Caminho da Missa e no dos Lavadouros. Recebendo o seu nome precisamente por ser a primeira rua que se via ou a que se “assomava”
ao vir da Fajãzinha, das Lajes e de Santa Cruz, a Assomada, devido à sua situação geográfica e ao seu aconchego entre as colinas do Pico e do Outeiro, provavelmente terá sido a primeira rua da Fajã a ser povoada e era incontestavelmente a mais importante de todas as ruas periféricas que desembocavam na central e aristocrática Rua Direita.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 09:55

A CANADA DO PICO E DO PICO DA VIGIA

Quarta-feira, 06.11.13

Subindo a Assomada, bem lá no seu termo, onde a rua se bifurcava, se seguíssemos para sul, entrávamos no Caminho da Missa. Logo no início do mesmo e depois de ultrapassar as duas únicas casas existentes, do lado direito de quem subia, a última das quais pertencia à senhora Estulana, andávamos mais um pouco e, do mesmo lado, encontrávamos uma canada, que dava para as terras e relvas do Pico e também para o Pico da Vigia. A canada iniciava-se com uma comprida mas estreita recta, ladeando algumas terras de cultivo, ainda em pleno Vale da Vaca e seguia, depois, na direcção do mar, ou seja para Oeste. Terminada a recta e, deixando para trás o Vale da Vaca para se entrar já nos contrafortes do Pico, iniciava-se uma enorme subida, com degraus feitos de pedras rústicas, encaixilhadas umas nas outras, continuando na direcção leste mas deixando para trás a planície, a encosta e as terras de cultivo. Agora era um arvoredo baixo, seco e raquítico, misturado com fetos e um ou outro incenso anão que ia ladeando as bordas da canada, até chegar lá ao alto, no sítio onde ela se bifurcava. Aí, uma vereda estreita e sinuosa afastava-se da canada-mãe e seguia, por entre um denso mas pouco alto arvoredo, na demanda do cume do Pico, onde se situava a casota da Vigia da Baleia. A canada, porém, como que esquecida da sua bifurcação, continuava na senda da sua matriz primitiva, agora lá bem no alto, na crista do Pico, ladeada de algumas relvas e uma ou outra terra de batata-doce. Atingido o cume desta parte mais baixa do monte podia ver-se a oeste o mar e toda a orla da Fajã, desde o Canto do Areal à Ponta, onde se cravavam as terras das Furnas, do Areal e do Porto, o baixio, o cais, o rolo, o Porto Velho e o Novo, enfim quase toda a Fajã e a Ponta, com as suas igrejas e o seu emaranhado de casas, de ruas e vielas. Uma paisagem admirável que logo mais adiante desaparecia porque a canada, aos poucos, se ia afunilando até desaparecer por completo, terminando precisamente no portal duma relva que pertencia a meu pai,

Apesar de íngreme e sinuosa as vacas desciam e subiam esta canada, caminhando em fila ao longo da crista do Pico e até se davam ao luxo de petiscar um ou outro galho de incenso das terras de mato que ladeavam a enigmática Canada do Pico. Quanto a mim que as ia lá levar ou buscar, na viagem oposta, ou seja quando subia ou descia sem o gado, nunca o fazia por aquela canada. Antes, para encurtar caminho saltava para uma terra que pertencia à Senhora Ester e vinha desembocar à porta da cozinha da sua casa ou descia por uma estreita e meandrosa vereda que existia mais a norte e vinha dar junto à Casa do Francisco Inácio, trocando assim inadvertidamente e graças à minha imatura sensibilidade estética, aquela beleza paisagística por um trajecto alternativo em que apenas a rapidez tinha primazia sobre o belo, o maravilhoso e o transcendente a que, aparentemente, nem sequer os animais ficavam alheios ou indiferentes

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:49

O CAMINHO DA MISSA

Segunda-feira, 28.10.13

O caminho que ligava a Fajã Grande à Fajãzinha, na direcção norte-sul, era conhecido por “Caminho da Missa”. O nome advinha-lhe, indubitavelmente, do facto de outrora, por ali transitar a população da Fajã quando se deslocava à Fajãzinha, para aí assistir à missa. Nessa altura a Fajã ainda era um simples lugar pertencente à freguesia das Fajãs, com a sua sede na Fajãzinha, onde havia a igreja paroquial, sendo esta, também, o maior e mais importante lugar das Fajãs à qual pertenciam ainda a Cuada e a Fajã dos Valadões, lugares actualmente desabitados. A Cuada transformou-se numa aldeia turística enquanto a Fajã dos Valadões, como povoado, pura e simplesmente desapareceu, mantendo-se, apenas, como nome de lugar. A Ponta, por sua vez, pertencia à freguesia de Ponta Delgada. Sendo assim, o referido caminho recebeu nome, pelo facto de não havendo igreja na Fajã, ser através dele que o povo se deslocava à Fajãzinha sempre que pretendia assistir à missa e participar noutras celebrações litúrgicas ou até para se casar, baptizar os filhos ou sepultar os seus mortos. Dai o ter recebido este nome que perdurou ao longo dos tempos.

Acrescente-se, no entanto, que o “Caminho da Missa” é apenas o nome do caminho que liga o Cimo da Assomada à Eira da Cuada. A partir daí inicia-se a Ladeira do Biscoito que termina na Ribeira Grande, fronteira natural entre as duas localidades. A seguir à Ribeira Grande, logo a assomava a Fajãzinha, com as suas tortuosa ruas e vielas a desembocar no mítico Rossio e, por fim, na igreja paroquial.

No Cimo da Assomada, o Caminho da Missa tinha, do lado direito de quem o subia, duas casas, ambas ainda habitadas na década de cinquenta. Uma pertencia ao Garcia e a outra, a última da Assomada, à Senhora Estulana. Hoje é um restaurante denominado “Casa da Vigia”, gerido por um casal italiano, que também se dedica ao cultivo de produtos biológicos. O Caminho da Missa seguia, depois, rectilíneo, enquanto se prolongava quase paralelo ao Pico e ao Pico da Vigia. O acesso a um e outro fazia-se por uma canada que existia logo a seguir à casa da Estulana, percurso percorrido quotidiana, na época estival, pelo vigia da baleia, mestre Manuel Manquinho. Era da casa da vigia, existente no alto do monte, que observava os bufos das baleias. De resto, este caminho ligava-se apenas a mais uma pequena canada aqui ou a um outro atalho além, seguindo até uma horta que opor ali havia com um enorme portão, formando, aí, uma curva e estendendo-se, logo a seguir, na direcção do mar para, mais adiante, caminhar de novo paralelo ao Oceano até à Eira da Cuada, formando, antes desta, uma pequena ladeira. No alto de Eira da Cuada, havia um largo muito grande, formando um descansadouro. Era aí que as pessoas se sentavam a esperar os passageiros em dia de chegada do Carvalho. A partir daí, iniciava-se, então, a descida da ladeira do Biscoito. No entanto se voltássemos à esquerda entrávamos na sinuosa Canada da Cuada, que ligava esta localidade ao Caminho da Missa e à Fajãzinha.

No Caminho da Missa passava pouco gado, uma vez que as relvas por aqueles lados eram raras. Apenas havia terras de cultivo e, por conseguinte, por ele circulavam somente as pessoas que tinham terras de agricultura para aqueles lados, quem queria uma alternativa para se deslocar à Cuada, quem necessitava de ir para as Lajes, para a Vila ou para outra freguesia da ilha excepto Cedros e Ponta Delgada e para quem ia esperar os passageiros vindos mensalmente no Carvalho Araújo. Era por lá também que entravam os visitantes da Fajã, oriundos de quase toda a ilha, com excepção dos residentes nos Cedros, os quais atravessavam os matos e desciam a rocha e os vindos de Ponta Delgada que desciam a rocha da Ponta.

Assim o Caminho da Missa era uma espécie de caminho mítico, na altura, pois, para além de tudo, era o único caminho por onde circulavam cavalos que traziam o clero para celebrar as festas e fazer confissões na desobriga pascal, as autoridades para fiscalizar, governar e explorar a população e, uma vez ou outra, o médico para curar os doente

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 09:20

O CAMINHO DE BAIXO

Sábado, 26.10.13

O Caminho de Baixo era uma das ruas da Fajã, a que ligava a Fontinha à Rua Direita. Era a rua mais curta, mais estreita e a que tinha menos população, dado que moravam nela apenas doze pessoas, constituindo quatro agregados familiares: o Caixeiro, o José Munes, o Manuel Dawling e a Glória Fagundes. O Caminho de Baixo era também a única via existente na freguesia que recebia o nome de “Caminho” e, no entanto, não possuía todos os parâmetros pelos quais se definia um caminho. O Caminho de Baixo era tão apertado que não tinha a largura suficiente para que nele passasse uma junta de bois e, por isso, era indevidamente designado por “caminho”, quando o devia ser por “canada”. A ausência deste critério, na teoria, impedi-lo-ia, também, de ser designado por rua, passando, no entanto, sempre a designar-se, simplesmente, por “Caminho de Baixo”, privilégio que lhe advinha talvez por ser calcetado. Na realidade uma boa parte desta via de comunicação, apesar de ser calcetada, com piso igual ao das outras ruas e ao dos caminhos, era realmente muito estreita. Desde a casa do Caixeiro, logo no seu início, até à casa do Manuel Dawling era uma autêntica canada. A parte final era já bem mais larga, embora poucos carros ou “corsões” por ali passassem.

O Caminho de Baixo começava na Fontinha, à qual se ligava por três ou quatro toscos degraus, situados atrás da cozinha do Caixeiro, precisamente onde ficava o “célebre rego” da Rosária Sapateira. Depois seguia, rectilíneo, mas muito estreito, até ao termo do pátio do José Nunes. Aí havia uma curva e depois seguia paralelo a umas relvas que serviam de “estendal de corar roupa”. Junto à casa do Dawling alargava-se e tomava a forma de caminho, passava paralelo à Casa do Espírito Santo de Cima e vinha terminar no largo do Chafariz, já na rua Direita. Era pois uma alternativa ao circular pela Fontinha e pela Praça, com a vantagem de encurtar caminho e tornar o percurso mais rápido. Além disso muitas mulheres preferiam circular por ali, uma vez que evitavam ter que desfilar pela Praça, onde havia sempre homens predispostos a mirá-las de cima abaixo, a fazer comentários pouco agradáveis ou até a mandar piropos.

O Caminho de Baixo houve jus ao seu nome por se situar abaixo de uma parte da Fontinha e a sua importância advinha-lhe não só de o projectar na rua Direita, mas também de, no seu termo, confinar com o pátio e entrada da Casa de Espírito Santo de Cima.

 Para além de curto e estreito o Caminho de Baixo disponibilizava aos seus utentes apenas uma saída, através de um atalho, junto à casa do José Nunes, o qual encurtava caminho para a casa do João Bizarro, para a do Ângelo do Tesoureiro e para a da minha avó.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 20:50

A CANADA DAS ÁGUAS

Quinta-feira, 24.10.13

O acesso ao sinistro e perigoso lugar das Águas, na Fajã Grande, era feito por uma estreita e sinuosa canada que se iniciava na Ribeira e terminava bem pertinho da Rocha, precisamente numa relva que meu pai ali possuía, que era a última daquele lugar e, consequentemente, o fim da vereda. A seguir um enorme e inacessível alcantil que fazia de margem esquerda da Ribeira das Casas e que, junto à Rocha, desembocava no mítico Poço do Bacalhau. Mais a baixo, o Moinho do Engenho.

Subindo a Fontinha e chegando ao Alagoeiro, voltava-se na direcção do lugar da Ribeira, precisamente ao sítio onde este era atravessado por uma ribeira que lhe deu nome e que, vinda dos Paus Brancos desaguava na Ribeira das Casas, como seu principal afluente, ia aumentando o seu caudal com todas as “grotas”, regos e regatos que se iam despegando da Rocha, desde da Alagoinha até à Figueira. E não eram poucos. Por isso, mesmo nos meses de maior seca, era quase impossível, atravessar a Ribeira e entrar logo abaixo, na Canada das Águas sem molhar os pés e uma parte das calças ou as botas, caso se andasse calçado, o que era raro. Os animais, esses sim, aproveitavam sempre aquela corrente de água, ora para saciar a sua sede, ora para se refrescarem e até se lavarem dos hediondos excrementos que tanto se lhes apegavam ao traseiro e se prolongavam pelos quartos, pela barriga e que, por vezes, se prolongavam quase até ao lombo. As vacas vindas das Águas chegavam aos palheiros, geralmente, um pouco mais limpinhas do que as oriundas doutras paragens.

Depois de se atravessar a Ribeira da margem esquerda para a direita e de a percorrer, uns escassos metros, na direcção da foz, virava-se na margem direita. Aí se iniciava a canada que conduzia ao lugar das Águas, lugar fajãgrandense situado praticamente, junto à Rocha com o mesmo nome. O primeiro troço daquela via, circundando terras de cultivo de milho e trevo, apesar de apertado e com piso em pedregulho, era rectilíneo e de acesso mais ou menos acessível. Mas a partir da relva de Ti Manuel Rosa a coisa fiava mais fino. Era o cabo dos trabalhos! É que devido à sinuosidade e inclinação do terreno e aos inúmeros e irremovíveis calhaus vindos da Rocha, o caminho era péssimo. O piso era curvilíneo, repleto de enormes pedras e grossos pedregulhos que rolavam de baixo dos pés e onde pessoas e animais tropeçavam com frequência e, pior do que isso, na curva que o tornava paralelo à rocha havia uns degraus toscos, desajeitados, com algumas pedras soltas e outras já caídas. Um martírio para quem ali passava! Para os homens quando carregando molhos de erva, de lenha, de fetos secos ou cestos de inhames. Para as vacas, sobretudo para as leiteiras ou pejadas, que ali se sacudiam e balançavam de tal forma que quase punham em risco a sua sobrevivência. Apenas a ganapada, quando passava por ali de mãos a abanar e o gado alfeiro, mais “triqueiro” e afoito, os subia ou descia com desenvoltura e facilidade.

Depois dessa curva, a canada seguia o seu caminhar, paralela à Rocha, com um piso feito de pedras soltas, umas caídas outras por cair e com grande risco para os que por ali passavam, não fosse mais algum calhau desprender-se da Rocha, como todos aqueles que ali jaziam no solo e que dela se haviam despendido ao longo dos tempos.

A canada das Águas era pois um tormento e uma amargura para quase todos os que por ela tinham que passar, incluindo os próprios animais.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 14:22

A RUA DAS COURELAS

Terça-feira, 15.10.13

A Rua das Courelas era, na década de cinquenta, depois da Rua Nova, a mais pequena rua da Fajã em população, uma vez que teria apenas dez casas habitadas, nas quais viviam cerca de trinta e cinco pessoas. A Rua das Courelas iniciava-se na Rua Direita, em frente ao chafariz e junto às casas do Senhor Padre Pimentel e da Senhora Alvina e seguia em direcção ao Areal, terminando no cruzamento com o caminho que dava para as Furnas e para a Rua Nova. Do lado direito de quem a descia ficavam as casas do João Augusto, do Victor, do João Cardoso, do José Tianina e da Tia Cristóvão, enquanto do lado esquerdo ficavam as moradias de Tio Antonho Joaquim, do Senhor Lourenço, do João Cardoso, do António do Raulino e do Francisco Gonçalves. Para além destas casas ainda existiam nas Courelas quatro casas velhas e dois palheiros de gado, num total de dezasseis edifícios a que se acrescentava um único chafariz, situado em frente à casa do João Cardoso, no cruzamento com a canada que dava para o Pico do Areal. Curiosamente e talvez por ser diminuta, nesta rua só havia uma canada, precisamente a que se iniciava no chafariz e seguia para o Pico do Areal e na qual havia apenas uma casa das acima referidas: a do António do Raulino, casa que havia sido construída na década de cinquenta, no local onde existia uma outra muito antiga que fora pertença de Mestre Miguel. Esta canada, através de um atalho que exista ao fundo da mesma e no local onde começa o atalho para o Pico do Areal, também estava ligada à Assomada, através da Canada do Pico, mais concretamente, este atalho permitia que se encurtasse caminho e se chegasse junto à casa do José Fagundes e desta até ao centro da Assomada. Havia ainda uma outra canada, junto à casa do João Augusto e que dava para as traseiras da casa do David, casa que, no entanto, tinha a entrada principal pela Rua Direita

A rua das Courelas tinha um traçado quase rectilíneo, apenas com uma pequena curva junto à casa de tio Antonho Joaquim, não tinha ladeiras ou aclives e o piso era do tipo calçada romana. Era geralmente por esta Rua e pela Rua Nova que passava a procissão das “Rogações”, naturalmente porque uma e outra eram zonas próximas das melhores terras de milho da freguesia, as quais, por vezes, eram vítimas de grandes e maléficas secas. Finalmente é interessante verificar-se que o curioso nome desta rua, popularmente designada por “Escourelas”, lhe advém, muito naturalmente, da palavra “courela” ou seja um pequeno terreno junto de casa, o que de facto ali, como em toda a Fajã, era muito usual.

Numa das casas velhas, a servir de palheiro e pertencente a tio António Joaquim, uma das portas tinha uma verga de grande interesse histórico, por quanto nela estavam escritas algumas palavras e desenhado o anagrama “Jesus Hóstia Santa” e algumas datas.         Cuida-se que esta pedra terá pertencido à primitiva ermida, dedicada a São José, demolida a quando da construção da igreja paroquial.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 19:32

O CAMINHO DO CIMO DA ASSOMADA/LAVADOUROS (ATÉ SANTO ANTÓNIO)

Segunda-feira, 14.10.13

De todos os caminhos da Fajã, aquele por onde circulavam mais pessoas e animais era, inequivocamente, o que ligava o Cimo da Assomada ao Largo de Santo António. Chegando aí, onde havia um largo e um descansadouro, o caminho bifurcava-se. Se virássemos à direita seguíamos para a Cuada, voltando para a esquerda o destino era a Cabaceira, a Cancelinha, o Espigão e os Lavadouros.

O Caminho iniciava-se nas últimas casas da Assomada, a seguir às quais havia uma pequena ladeira e, no cimo desta, a subida para o Outeiro Grande e para a Pedra d‘Agua, através da íngreme e escabrosa ladeira do Covão, que vinha desembocar no próprio caminho. Este seguia para Sul, em linha recta, até ao Descandouro. Era um caminho largo e plano, de fácil deslocação, sendo ladeado, à direita de quem o subia, por terras e serrados de milho, misturado com trevo, erva da casta, favas e outros produtos agrícolas. Do lado esquerdo empinavam-se sobre as paredes circundantes pequenas belgas onde se cultivava, sobretudo. a batata-doce. Mais a cima e já pelas encostas do Outeiro que se prolongavam até à volta de Delgado, havia algumas terras de mato, de difícil acesso e pouca produtividade, onde fundamentalmente floresciam canas, fetos e árvores de pequeno porte. A seguir ao Descansadouro o caminho formava uma curva e depois uma recta que se prolongava até à volta do Delgado, sendo este o único troço do caminho que, mais tarde, desapareceu com a construção da nova estrada, uma vez que o traçado desta, coincidiu exactamente com o trajecto do antigo caminho. Aqui também havia terras de cultivo à direita e belgas à esquerda, seguidas de terras de mato, as quais notoriamente já eram mais produtivas. Acrescente-se que as próprias terras de cultivo adjacentes ao caminho, sobretudo no percurso entre o Descansadouro e a Volta de Delgado, eram muito produtivas, uma vez que nelas havia bueiros por onde se escoavam as enxurradas, as lamas e as sujidades do caminho, que as fertilizavam.

Essa recta terminava na célebre Volta do Delgado, desaparecida também com a construção da estrada que, a partir daí, seguiu a direito cortando a meio o enorme cerrado do Lucindo Cardoso, com a vantagem de, no entanto passar ao lado de um palheiro que havia no meio dele e que a partir de então passou a servir de abrigo aos transeuntes e que, a pouco e pouco, se foi tornando numa espécie de novo e moderno descansadouro.

A seguir à Volta do Delgado o caminho seguia, menos plano e menos rectilíneo, ladeado pelas altas paredes do cerrado do Lucindo Cardoso e outros, à direita e por enormes belgas entrelaçadas já com algumas hortas e terras de mato, do lado esquerdo. Estávamos praticamente em pleno Delgado, desde sempre o autêntico coração da fruticultura fajãgrandense. Na realidade, a partir dali iniciava-se uma zona de hortas muito férteis e produtivas, cheias de árvores de fruto, de inhames e até de batata-doce, muito bem protegias dos ventos e temporais com bardos de faia do norte e que se prolongavam pela Cabaceira, até à Cancelinha e à Cuada. Finalmente o Largo de Santo António, um dos mais míticos descansadouros dos vários que havia na Fajã.

No início, logo no Cimo da Assomada, este caminho era ladeado por alguns palheiros, casas velhas e por quatro casas de habitação. Do lado esquerdo ou do Outeiro, localizava-se as casas da Maria da Saúde, a do José Jorge e a da Mariquinhas José Fragueiro. A última casa da Assomada ficava do outro lado do caminho, já quase junto à Ladeira do Covão, e pertencia ao João Fagundes. Também ao longo deste caminho desembocavam algumas canadas e atalhos. Para além da Ladeira do Covão e antes desta havia uma canada com degraus, inacessível a bovinos, que dava para a encosta do Vale e para Pedra d’Água. Logo a seguir à casa do João Fagundes, havia um atalho para as terras do Vale da Vaca e que, mais tarde, foi truncado pela estrada. Por sua vez, na Volta do Delgado, do lado direito, havia uma canada que dava para algumas terras e que ia desembocar no caminho da Cuada. Mais acima e já perto de Santo António e do lado esquerdo havia uma outra canada para as terras e hortas que aí existiam.

Acrescente-se que aqui como em muitos outros lugares da Fajã, quer caminhos quer canadas não davam para todas as terras. Nestes casos o acesso às propriedades que ficavam mais afastadas fazia por “trilhos” ou passagens, através de outras terras. Assim e por lei consuetudinária, algumas terras eram obrigadas a dar caminho a outras. Eram terras que “deviam caminho”.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 11:09





mais sobre mim

foto do autor


pesquisar

Pesquisar no Blog  

calendário

Fevereiro 2019

D S T Q Q S S
12
3456789
10111213141516
17181920212223
2425262728