PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
FLOR DO GIZ
A flor do giz é branca,
Branca como a esperança,
Mascarada de neve,
Coberta de merengue.
Engano!?
O giz não tem flor,
Tem apenas cor,
Que desenhada em verso,
É tão bela como uma flor.
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MANHÃ
É manhã…
Sobre o chão,
- solo ressequido -
cai uma chuva,
miudinha,
suave mas persistente,
mesmo teimosa…
Não é em vão,
este vagido!
Bagos de uva
- girândolas perfumadas -
sob sinfonia eloquente,
nascem em polvoros
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GAIA
Palácios senhoriais,
com o rastro das uvas
a alterar-lhes o destino!
Caves vetustas,
bordadas a mosto,
léguas de aromas,
amontoado de sabores!
E o Douro,
ao lado,
atafulhado de marés
mas a correr, inutilmente,
como se fosse um rio louco, deserto e sem destino.
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MIRANDELA
O Tua
espelha-te
e transforma em ondas,
suaves e doces,
a serenidade das tuas ruas,
o resplendor dos teus solares,
a tranquilidade das tuas casas.
E até
a pulcritude dos teus jardins,
os murmúrios das tuas fontes
e a serenidade dos montes
e dos vales que te rodeiam,
emergem
na torrente límpida e pura,
desse rio,
que corre,
jovial,
ao teu lado.
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BORDÃO DE SÃO JOSÉ
Açucena:
quando te via,
prisioneira,
nas mãos calejadas do carpinteiro José,
galvanizava-me de ternura
e imaginava-te
como se fosses minha.
Depois,
embora tímido,
aproximava-me do altar.
onde estava a imagem
e tocava-te
com a ponta dos dedos.
Sentia, então, o teu perfume,
como se fosses um hino de glória,
comungava a tua suavidade,
como se fosse um cântico de louvor,
apreciava a tua frescura
como se fosse um salmo profético.
Eras
branca como a neve,
pulcra como o jasmim
e límpida como as madrugadas de Agosto.
Açucena branca… Bordão de São José!
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A LUZ DA LUA
A luz da Lua é bela, sublime e grande em proveito e fama
Mas, afinal, não é mais do que a luz do Sol, vestida de pijama.
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BALCÃO DE LAVA
Balcão de lava,
negra,
basáltica.
Lagar de murmúrios,
miradouro de tormentos!
Era ali,
sobre uma seira
enviesada
que te sentavas,
(avó)
todas as tardes.
Com a mão direita,
em aba, sobre os olhos
(para te aliviar a cegueira)
observavas,
uns após os outros,
todos os navios
que vinham e iam,
que nasciam
ou morriam,
no horizonte.
Queria eu
comungar
os sonhos em que mergulhavas,
os desejos que te enchiam o peito,
desenhados,
nas lágrimas ocultas,
dos teus olhos cansados.
Mas os amargos sorrisos,
que com elas intercalavas,
para as disfarçar,
impediam-me de adivinhar.
E tu sabias…
Por isso me chamavas,
me envolvias no teu regaço
e aconchegavas,
como se eu fosse
um pássaro sem ninho,
abandonado,
naquele balcão de lava negra.
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MONTE LÍRIO
apenas
a neve
te cobre
e
o silêncio
te purifica
- Monte Lírio!
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RASTRO DE FOGO
há uma força telúrica
que amarfanha
e entontece a Terra.
há esguichos de vento
a gerarem respingos de espuma
- rastro de fogo -
transformando o Oceano
num deserto inacabado.
mas sobre o testemunho do vento
vagueia uma incerteza:
tempestade,
ou arco-íris tingido de esperança?
a incerteza
deste rastro de fogo
é cruel,
queima,
destrói,
arrasa
e aniquila.
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RIO SECO
margens de sombras
leito de resteva,
caudal entontecido,
amarfanhado,
morto como
um espelho estilhaçado,
que já não reflecte o brilho da aurora,
como
um campo ressequido,
que não se encharca com o alarido das chuvas.
rio inóspito,
esponjado,
que já não se abre às quilhas dos barcos,
nem amamenta o sorriso dos peixes.
rio seco,
derrelicto.
onde navegam fantasmas
e onde nada o silêncio
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APAGARAM-SE TODAS AS LUZES
Apagaram-se todas as luzes…
as do céu
e as da terra!
E agora?
A festa acabou,
a noite arrefeceu,
a mesa desfez-se.
Há crianças sem balões,
jovens sem alvoroços,
homens sem delineações,
velhos sem júbilo
Os sinos já não tocam,
os sorrisos não alegram
e a música não contagia.
o pão envolveu-se na cinza,
o vinho no engaço
e a fome na nudez.
As palavras são enganos,
os desejos utopias
e os encontros mitos.
E agora?
Que se apagaram todas as luzes
e a festa acabou?
Valerá a pena
gritar,
berrar,
chorar,
combater
protestar
gemer,
barafustar
insurgir-se
agastar-se
amotinar-se?
Talvez,
um dia,
todas as luzes voltem a acender-se…
mas… uma a uma…
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ALVORADA SANTA
Oh! Alvorada Santa!
Magno louvor divinal,
Que nesta noite se canta
Ao Deus d’Amor imortal!
Oh! Alvorada Santa!
Aurora resplandecente.
Glória a Deus, hoje se canta
Em laivos d’amor ardente.
Oh! Alvorada Santa!
Flor da bruma imaculada,
Outra glória não se canta
Nesta noite d’Alvorada.
Oh! Alvorada Santa!
Beleza pura, inocente.
Tua honra hoje se canta
Áureo jasmim florescente.
Oh! Alvorada Santa!
Deus Pai seja louvado.
Ao Filho também se canta
E ao Espírito adorado.
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SILÊNCIO SEM ECO
Todo o silêncio fala,
Excepto o que não tem eco
Ou o que se fecha numa mala!
O eco do silêncio
É unção balsamada,
Alvissara, anúncio
Mensagem mistificada.
O eco do silêncio
É dádiva sagrada,
Encontro, prenúncio
Segurança conquistada.
O silêncio sem eco
Não é silêncio… É deserto,
É réplica giratória,
Retruque, covil, beco
Salpico, angustia, aperto
Sentença condenatória.
Testemunho incompleto.
Ruído apodrecido…
Açaime, prisão, gueto
Refúgio perdido.
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MONTANHA RUSSA
Elevações,
Quedas,
Precipícios…
A gerar
Um circuito de aventuras,
Num mar de emoções!
Carros, que andam
Parados,
Colados às pistas.
La Marcus Adna Thompson!
- o génio das emoções
e dos conflitos precipitados -
Gritos contidos,
Aventuras deslumbrantes,
Encastoadas
Numa pérfida estrutura de aço,
Em pista,
Entre elevações montanhosas,
E quedas abruptas.
(E até NASA inspirada – a criar uma plataforma similar, para auxiliar o escape dos astronautas da almofada de lançamento, em situações de emergência.)
A energia primitiva,
Potencial,
Robusta
E vigorosa
Transforma-se em simples energias cinéticas,
Dando a carros
E pessoas que vagueiam,
Emoções
E o prazer:
- do percurso percorrido,
- da força adquirida,
- da derrota do medo.
Anulação do fracasso!
E uma enorme força telúrica a derramar-se, em jorros!
A montanha russa desceu da Rússia,
Veio da Rússia.
(Os passeios de trenó, ao redor de São Petersburgo, no inverno, prendiam os pés dos viajantes em montes de gelo e afundavam-nos em buracos de neve!)
Montanha Russa:
- amontoado de solavancos perdidos,
que se projectam
e perduram…
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A FURNA
Quando eu era criança,
Havia (ali, para os lados do Caneiro do Porto Velho),
Encastoada entre os rochedos negros do baixio,
Uma furna,
Que imaginava minha.
Naquela furna eu me refugiava,
Nela me escondia,
Naquela furna eu sonhava.
Sonhava que seria marinheiro,
Viajando em barcos de espuma branca,
Na demanda de terras distantes,
Povoados de castelos de gelo
E de cidades doiradas.
Atracava em portos com chaminés sem fumo
A balizarem o clarear das madrugadas.
Estivadores perdidos em neblinas!
Sonhava que seria pastor de ovelhas,
Blocos de gelo fumegante,
Nas longínquas pastagens da serra Nevada,
Como meu bisavô,
Cajado em punho,
Atento aos lobos, aos ladrões e aos índios.
Combatendo ursos e pumas,
Que sem tréguas,
Se atiravam ao odor idílico das ovelhas.
Lobos famintos em festivais de desejos.
Ou então sonhava que seria peregrino,
Caminhante solitário,
Perdido em terras distantes,
Salvo por princesas, vestidas de púrpura
Com diademas brilhantes a encimar-lhes o rosto.
Recolhiam-me em meigos requebros
E depositavam-me em salões perfumados com alabastro.
Espelhos de cristal em paredes de marfim!
Um dia cresci
E
Abandonei a furna.
Ela ficou deserta!
Ninguém, mais se refugiou naquela furna.
Já ninguém nela se abriga.
Pior…
Ninguém ali se esconde
Para sonhar
Agora,
Tarde,
Muito tarde,
Regresso.
(O Caneiro foi transformado em plataforma de cimento!)
A furna ainda ali está,
Carcomida,
Deserta,
Abandonada,
Triste e solitária.
Jaz em musgos,
Sem sonhos,
Como se estivesse morta,
Perdida entre o vai e vem das marés.
A furna,
A furna que imaginava minha,
Onde me refugiava outrora,
Hoje,
É um buraco desolado, na rocha negra do baixio..
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O FULGOR DO SOL
Na encosta, com fulgor
Bate o Sol a toda a hora!
Só tu, menina, não sabes
Por que o Sol não vai embora.
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MOMENTO
Nunca se descreve
A ousadia de um momento,
Único e breve.
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VENTO
O vento sopra
A Menina chora
A mãe implora.
O vento amansa
A menina dorme
A mãe descansa.
O vento passa
A Menina sorri
E a mãe,
(no escuro da noite),
enche-se de graça.
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PAZ
é necessário
imperioso,
urgente,
indispensável,
e obrigatório
que anuncies ao Mundo
que podes,
queres
e tens a força necessária
para transformar
esta lamentável e hedionda história da humanidade
- história de guerra -
numa simples e maravilhosa história de amor
- história de paz!
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CAIS
um cais abandonado
deserto
não é porto de embarque
é um montão de pedras
agregadas
à espera que barcos perdidos
naufragados
o demandem
um montão de pedras
(junto ao mar)
é um cais abandonado
à espera de embarcar
desejos
e sonhos…
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MONUMENTO AO EMIGRANTE
Sobre uma nesga de basalto,
erguida à beira-mar,
(embora invisível)
uma estátua de pedra negra,
tosca e desornada,
mas robusta e destemida,
aponta o além,
Nas pontas dos seus dedos,
há um rumor
de saudades,
vindo de longe,
e que, trazido pelo vento,
atravessou a harmonia dos oceanos
No brilho fosco dos seus olhos
há um rastro
de dor,
camuflado de silêncio,
que, caído das nuvens,
se transformou em lágrimas ocultas.
Saudades que perduram
e nunca fizeram esquecer,
aos que partiram,
o sabor adocicado das laranjas sumarentas
que ficaram nas hortas a apodrecer
ou o perfume melificado das maças de polpa entumecida,
que rolaram pelo chão, sem proveito.
Lágrimas que crescem
ao relembrarem
os frescos murmúrios das ribeiras
ou o verde amarelado dos trigais em flor.
Saudades
que carregam
o mugido hesitante dos vitelos
e o som dolente das Trindades.
Lágrimas
que evaporam, pelos telhados esburacados,
os fumos tisnados das lareiras
e os vagidos do pão quente, a fumegar.
E onde for o lugar daquele além
quanta for a sua distância,
- porque são muitos os que o demandaram -
a estátua de pedra negra
do emigrante que nunca partiu,
(apesar de invisível)
permanecerá, ali,
presa para sempre,
com lágrimas nos olhos
e dedos apontados
ao Ocidente
como memória viva
de quantos partiram
e nunca mais voltaram.
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O TRAVO DA MORDAÇA
Quiseras falar,
Contar ao mundo
Que amas a verdade
Que lutas pela justiça
Que caminhas junto com a paz
Que investes em prol do amor!
Mas açaimaram-te,
Colocaram-te uma mordaça
Consubstanciada com uma timidez,
A gerar uma tremenda insegurança,
A cercear o caminho da audácia.
- mordaça amarga.
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MADRESSILVA
Fui plantar a madressilva,
Entre os rochedos do mar.
Nasceram bredos e cardos,
Sombras de lava, sem par!
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ARRAIAL NAS ILHAS
Luzes trémulas
semeiam,
sobre a noite vacilante,
uma claridade frouxa,
mas comunicativa.
e serena.
No ar,
um perfume desusado
e, do coreto carcomido,
descem acordes
que agregam olhares
e amortizam emoções.
Gritos cruciantes
avolumam arrematações:
- bolos, massa sovada, suspiros, frutos da terra… e um galo. -
Promessas de primícias!
Lá ao fundo,
encastoada entre os recantos da igreja,
sobre tábua besuntada:
- copos, favas, bifanas… e guloseimas -
a tasca
onde se estuporam dissabores:
- desejos (efémeros) saciados,
- consolações (falsas) conseguidas!
A igreja é um deserto.
Os sinos,
uma montanha de silêncio.
E até os foguetes
que, de tarde,
anunciavam eflúvios e orações,
afrouxaram o seu estralejar!
Grupos de pessoas
trocam alvoroços!
Os velhos
jazem em recordações,
os novos
navegam em assombros.
E há um homem a cambalear,
sozinho,
por entre chacotas sufocados.
Em breve,
chegará a noite,
densa e vigorosa
- a noite de todos os silêncios -
sem luzes,
sem música,
sem arrematações
sem alvoroços
sem emoções,
sem petiscos,
sem guloseimas
sem nada.
Apenas o homem
continuará a cambalear,
sozinho…
simplesmente, sozinho.
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A ÚLTIMA GANHOA A PARTIR
O mar mudou de cor
e entristeceu-se.
Partiu mais uma ganhoa,
mascarada de vento,
na penumbra duma procela.
Apenas a imagem
- uma sombra trémula -
ficou desenhada no chão do cais,
pétreo e deserto!
Depois partiu outra
e mais uma outra…
Tantas…
O mar sempre a transtornar-se
e o cais pejado de sombras trémulas.
Partiu a última ganhoa!
Chegou o inverno
e tudo se vestiu
de ausência
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FONTE SACRA
Conta uma antiga lenda, que um dia,
Em zelo pastoral, santo prelado,
Suspendeu sacrossanta romaria
Morto de sede, perdido e cansado
Medrava a sede e um tórrido calor,
Assombrava-lhe os passos benfazejos!
Nenhuma fonte havia ao redor
Mas d’água lh’aumentavam os desejos.
Sentou-se o bom prelado, já sentindo
Aproximar-se a morte e o juízo.
E à Senhora da Guia foi pedindo
Lhe guardasse lugar no Paraíso.
Eis se não quando, olhando para o lado,
Da terra viu brotar uma nascente.
Então, matando a sede, o prelado
Agradeceu a Deus - Pai omnipotente!
Por pensar que milagre ali houvera.
O povo crente, humilde e piedoso,
- Houve por bem chamar àquela terra
Fonte Sacra. – Lugar maravilhoso!
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ESTRELINHA
Da janela do meu quarto,
Vejo ao longe uma luzinha,
Será fogueira, miragem,
Ou magia de varinha?
Olho melhor e revejo,
Esta trémula luzinha.
Afinal, não era mais,
Do que o brilho duma estrelinha!
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ROCHEDO ESGUIO
o céu
revestido
de um cinzento
escuro…
junto ao mar,
apenas
um rochedo,
esguio,
tisnado de carvão,
- pedra negra, pujante -
que as gaivotas,
ao redopiar,
ornamentam,
com o rastro sincronizado dos seus voos.
lá longe,
um barco
navega
sem rumo…
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A TULIPA E O VENTO
No meio do meu jardim,
plantei uma tulipa amarela.
Não era minha,
a tulipa.
Veio o Vento Norte e levou-a.
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CIDADE DOS CONTRASTES
Cidade em fumos atulhada,
A granito acorrentada,
Mas sublime, pulcra, antojada
De brumas históricas ornada.
Cidade parida, distante…
Pérola, safira, diamante
Cidade triste, inconstante
Transfigurada em doce amante.
Cidade de torres e castelos,
Jardins verdes, palácios belos,
Cidade atulhada em fumos amarelos
Negra em cometimentos e anelos.
Cidade espraiada sobre um rio,
Muda de medo, morta de frio.
Cidade de inconstante desafio,
Precocemente, lançada ao desvario.
Cidade desfeita, sem vida,
Sombra dolente, adormecida
Cidade de desejos enriquecida
Cidade confusa, cidade perdida.