PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
DESTROÇOS
Vejo formas desfeitas, em cachão.
Inconstantes visões de santidade!
Sou louco, pois consinto a identidade,
Satisfaço rumores, dou a mão.
Espargindo um sonhar, em solidão
Fixam-se em mim sem dó nem piedade
E pedem-me, arrogantes, liberdade…
Há dom, há alvedrio, há gratidão.
Sou eu que me desfaço em vã desculpa,
Que me abrigo no elo do não-ser,
Agrilhoado à dor. Trágicos lamentos!
Não se perdem em vão tantos tormentos!
Pretendo só lavar a minha culpa,
Transportando esta dor, este sofrer.
Fajã Grande das Flores, Verão de 68.
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BALADA DAS SOMBRAS MORTAS
À noite, pelas encostas, se desprendem
Sombras, em divinal solenidade,
Sombras eternas, nimbos de saudade.
Qu’umas vezes, tristonhas, me repreendem,
Outras, doces e alegres, compreendem
Minha dor, meu tormento e soledade.
- rilheiras de tremenda lenidade -
E os meus sonhos de amor como que entendem.
Mas o luar, em esferas de destino,
Arrogante em seu ser, quase divino,
As transforma, desfaz, reduz a lombras.
E eu fico só, sonhando amordaçado
O exalar impossível de um passado,
Desfeito pela morte destas sombras.
Angra, 1966
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NOVAMENTE ERREI
Mais uma vez em meu olhar descrente,
Se formou nova imagem, nova luz,
Que infinita e incógnita reduz
Meu ser à escravidão, eternamente.
Foi toda a minha esperança que em ti pus;
Me entreguei em doação terna e ardente,
Na procura do amor que, debilmente,
Purifica, extasia e a ti conduz.
Errei nessa doação, que de sublime,
De nobre, de infinito, nada tem.
E que nem o amor mais puro a redime.
Nada! Nenhuma luz, nenhuma imagem…
Mas em meu peito iludido se imprime,
Tristeza tão infinita como o além.
Angra, 31 de Dezembro de 1967
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O VIZINHO ATORMENTADO
Descendo a escadaria amarelada,
Uma vizinha impõe-se, em seu pijama,
Desdenhosa, elegante! Uma dama!
Uma brisa na fresca madrugada!
Da janela enviesada, ainda na cama,
O vizinho, bem preso à almofada,
Contempla esta visão imaculada,
Mais parecendo um sonho que um drama!
- Em pijama, na rua, a esta hora?
Lhe pergunta o magano atrevidote.
- Pois saiba que se assim ando na rua
É porque durmo na cama toda nua.
- Que marido sortudo. Mas que dote!
Ter a mulher despida a qualquer a hora!...
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À BEIRA MAR
Sobre uma pedra negra, escurecida,
Sentei-me, atormentado, à beira-mar.
Meditando, procuro o dealbar,
O mistério e o enigma, duma vida.
Silêncio… Inconstante e adormecida,
Lá longe, muito longe, a vislumbrar,
Esquivando-se a meu dolente olhar,
A premência duma alma entontecida.
Quimeras de ilusões se me formaram,
Esperanças momentâneas me domaram.
Encharcadas de dor! Triste lamento…
Sentado, sobre a pedra, hesitante,
Eu idealizo em golpe crocitante,
Os restos de um amor. Santo tormento!
F G, Agosto de 1966
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ENTARDECER
A tarde amortecida se espraiava
Sobre os casais, sombrios, desolados.
E os montes inquietos, desprezados
Na dolência do Sol que se finava.
No silêncio das águas derramava
Matizes de um azul, acrisolado.
Sobre o cais um destino malogrado
Que o choro das gaivotas derramava.
Nas pedras estagnadas, bem se lia
A tristeza de uma noite a despontar
O cansaço de um dia a terminar.
Só eu aquela tarde não sentia…
E assim permaneci, desiludido,
Alheio à natureza, embevecido.
Angra 28 de Junho de 1966
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SUPOR
Rastro! Sopro espectral que me persegue,
Que anda a meu lado e sopra deslizante
Que me transforma em sonho agonizante
E me assalta em deserto: - Tuaregue!
Se arrependido o esqueço, então consegue,
Esconder-se em carcaça cativante.
Que saia deste escombro e doravante,
Seguro, se revele, se entregue,
Porque adoro este vulto transcendente.
Sua ausência é para mim atormentada,
Chego mesmo a pensá-lo omnipotente.
Ouso até perguntar-lhe se é o amor.
Sorridente, com voz mitificada
Ele responde: -Não, sou o supor.
Angra, 21 de Abril de 1966
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NOSTÁLGICO LUAR
O nostálgico luar de minha vida,
É sonho nobre, dádiva cativa
É esperança de amor, distinta e altiva
Quimera de ilusão imerecida.
É ânsia morta, em céus desfalecida,
É sombra que desfeita se cultiva
Se transforma em risonha perspectiva
De ser, não-ser, ou ideia indefinida.
É sopro de inconstância acrisolado,
Esforço de sofrer em lentidão
Estagnar de desfeita estagnação.
É um não sei quê de uma alma arrebatada,
Que se embala na esperança da saudade,
Se perde. Dolorosa crueldade!
Angra, 28 de Abril 1967
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ANÁTEMA INSIPIENTE
“Não fui eu!” … Ó anátema d’esperança!
Ó grito que evapora a inocência,
Que ressoa em constante resistência
E se perde sem dom, sem segurança,
Eterno juramento que se alcança
Com ilusão de amor. Doce excelência
E se há um afirmar da intransigência
Há sopros de ventura. E se balança
O logos divinal… É dom sublime,
É um êxtase de amor. Talvez um céu,
Que com a ânsia da saudade se exprime
Ó transcendente amor!... E quem sou eu
Que tua palavra eterna não redime,
E o teu anátema louco não perdeu.
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NASCIMENTO DO DESPREZO
Vagueava o amor. Ogivas de ternura.
Enlevos arrogantes de amizade.
E eu… preso, acorrentado à soledade.
Só! Navegando em barcos d’amargura.
É ódio a pedra que vão se procura.
Escravo d’ousadia, d’ansiedade,
E d’ilusão. Tremenda a crueldade
Que me prende. Arrogante desventura!
Se eu esqueço o sofrer que se evapora,
Há um mar de ilusão acrisolada,
Um gemido de arrogância magoada.
E o desprezo, na alvura da aurora,
Renasce, lança amor e rodopia.
E adormece em dolente nostalgia.
Angra, 1966
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CARIÁTIDE II
Alguns há, que seguros da tua ausência,
Te calcam aos pés, talvez convencidos
Que os destroços que pisam são resíduos
Que evaporou a natureza em sua demência.
Outros há que procuram tua essência,
Entre ruinas de templos já destruídos,
E de esforços d’arte enriquecidos
Dão à tua antiga forma revivência.
Exposta num museu, tu és agora,
Um ídolo que ostentam solenemente,
Uma maravilha de arte que se adora.
Ajoelhado, ante ti, puro e limpo
Eu quero contemplar-te, tão-somente.
Assim como adorada no Olimpo!
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CARIÁTIDE
Alguns há, que ao terem-te presente,
Te calcam aos pés, talvez convencidos
Que os destroços que pisam são resíduos
Que evapora a natureza, demente.
Outros, porém, procuram, docemente
Entre as ruinas de templos destruídos,
Destroços de arte. Depois, enlouquecidos,
Dão-te forma, dão-te alma, dão-te mente.
Exposta num museu, tu és agora,
A maravilha de arte que se adora,
Um ídolo de mármore, puro, limpo.
Ajoelhado, ante ti, ergo preces.
E contemplo-te, como se estivesses
No sossego perpétuo do Olimpo.
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MOMENTO
Atroz sobressaltar de meus enganos,
De meus erros, de minhas ilusões.
Seguro confirmar de tentações
De desejos maléficos, profanos.
Esperança sonhadora de meus anos,
Perenes, dolorosas ilusões
Em místicas e eternas doações.
Estáticos e imóveis desenganos!
Débil correspondência de meu ser!
Despojado de tudo, pobre e vão,
Estagnado de eterno amortecer.
Engano perspicaz de uma evasão,
De um contínuo e seguro esmorecer
Deixando-me pra sempre em solidão.
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LUTA CONTRA A MORTE
Eu vi fugir a morte e ausentar-se
A angústia de ficar, um dia, inerte...
Obstruído sonhar!... Mas que desperte,
Que continue em mim, a perpetuar-se.
Vi angústia da morte evaporar-se,
Envolvendo-se em sombra que se verte,
Se dispersa, evapora e até se perde,
Num oceano de espuma, a balouçar-se.
Eternamente ser... Na solidão
Do cosmos. Que deserto!... Que tormento!...
Que a morte nunca seja a ilusão
De ser somente dor ou sofrimento
E eu eterno, imortal, rio ou vulcão,
Ou apenas um simples pensamento.
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ABANDONO
Orvalho matutino derramado,
Na intempérie de um estro adormecido,
Reflexo de um deserto esquecido
Sobre cinzas e areias. Desolado!
Orvalho ténue, desfeito, caído,
De destino cruel desembainhado
Em sôfrego lamento assinalado
Em estranho pensar sempre envolvido.
Tu és talvez alguém que se perdeu
Que na ânsia de encontrar, nunca encontrou
Na certeza de dar, nunca se deu.
Tu és talvez alguém que à dor se converteu,
Que nos laços da morte se embalou
E distante de mim sempre viveu…
Angra 1976
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SONHO MATERNAL
Julguei-me em teu regaço a descansar,
Como fiz, tantas vezes, em criança,
E teu sublime amor reconquistar,
Num beijo de ternura e d’esperança.
Senti-me navegar em segurança,
E num berço d’espuma me embalar,
Sonhando que teu ser também alcança,
O amor que do meu vejo evaporar.
E ouvi, porque, baixinho, me dizias:
- Descansa em meu regaço, confiante,
Porque te amo, meu filho! - Radiante,
Julguei, ó minha mãe, que ainda vivias,
Que eras o sol, o amparo de meus dias!
Foi em vão que sonhei!... Foi um instante!
Angra, 1966