PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
FUI AO MAR ÀS LARANJAS
Fui ao mar às laranjas,
que é cousa que lá não tem;
fui enxuto e vim molhado
nem siquer vi o meu bem.
Fui no mar da vida um dia,
fui buscar amor também.
O amor que eu queria,
ai, meu deus, no mar não tem!
Popular (Fajã Grande)
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JOANITA
O que fazes aí oh António
Encostado à botica
Estou à espera da nossa Ana
E da prima Joanita.
Joanita namorada
Fresca e bela como a flor
Olha a sorte venturosa
Joanita meu amor.
Eu parti uma laranja
E deitei metade fora
Com a outra fiz um barco
Joanita vamos embora.
Joanita namorada
Fresca e bela como a flor
Olha a sorte venturosa
Joanita meu amor.
Joanita e António
Estão namorando os dois
Vão-se unir em matrimónio
Serão felizes depois.
Joanita namorada
Fresca e bela como a flor
Olha a sorte venturosa
Joanita meu amor.
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ADIVINHAS
Muitas eram as adivinhas que os adultos, em momentos de descanso de ócio, geralmente nos serões de inverno, para entreter as criancinhas iam contando. Muitas delas, sob a forma de texto com rima ou outros truques para mais facilmente serem decoradas, eram bem divertidas e com respostas para pensar e rir. Eis algumas delas, que cito de memória:
- Qual é coisa qual é ela: do tamanho duma abelha enche a casa até à telha.
- A luz de um candeeiro.
- Qual é a coisa que sempre cai, mas nunca se magoa?
- A chuva.
- O que é que está no meio do mar?
- O a.
- Qual é o animal que está no meio do purgatório?
- O gato.
- Qual é o mês mais curto? (Todos respondiam que era fevereiro, mas estávamos errados).
- Maio, porque só tem quatro letras.
- Alto está alto mora, todos o ouvem ninguém o adora?
- O sino (da torre da igreja).
- O que é que quanto mais se tira mais aumenta?
- O buraco.
- O que é que tem dentes e não come?
- O alho.
- Qual é coisa qual é ela que tem chapéu e tem cabeça, tem boca e não fala, tem asa mas não voa?
- O Bule do café.
- O que é que é preciso meter os dedos nos olhos para mastigar?
- As tesouras.
- Pinho, sobre pinho o linho, sobre o linho as flores e à volta os amores?
- A mesa posta com as pessoas a comer.
- Qual é o casal que nunca se encontrou?
- A noite e o dia
- Uma árvore tem doze galhos, cada galho tem seu ninho, cada ninho tem seu ovo e cada ovo um passarinho?
- O ano
- Qual é coisa qual é ela que quanto mais cresce, menos se vê?
- A escuridão
- Qual é coisa qual é que quando chamamos por ela deixa de existir?
- Silêncio.
- Pai cocuruto, mãe nazaré filhos miudinhos adivinha o que é?
- O ovo
- Quem vive com os pés na cabeça?
- O Piolho.
E tantas, tantas outras.
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TÃO BADALÃO
Tão, baladão,
Tão, baladão,
Cabeça de cão.
Orelhas de gato,
não tem coração.
Cantilena antiga dita pela criançada na Fajã Grande
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GUERRA NA CAPOEIRA
Este era mais um dos textos que liamos nos livros escolares e que pleno de realismo, se enquadrava no nosso quotidiano, por isso com este e com muitos outros delirávamos. Essa a razão pela qual os decorávamos e recitávamos a torto e a direito.
A Guerra da Capoeira era um deles, talvez o mais interessante por estarmos constantemente a ver as galinhas nos currais a empertigarem umas com as outras por tudo e por nada que encontrassem. Até um simples grão de milho. Rezava assim o texto:
Está a capoeira toda alvoraçada
Franga poedeira com crista encarnada
Achou uma espiga de milho dourado
Vem de lá o galo e dá-lhe uma bicada
O pato marreco dá-lhe uma patada
Fica a capoeira toda alvoraçada
E assim se arma a guerra por causa de nada.
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EU ME OFEREÇO A JESUS
Eu me ofereço a Jesus,
À sua bendita mãe,
À sua bendita cruz,
À hóstia consagrada.
Ao menino Jesus.
Ao sagrado Pai Eterno
Ao Senhor Sant'Antonho
Em Roma foi nascido
E em Roma batizado,
Lá tem seu corpo sepultado.
Que me livre do poder,
Do Demónio infernal,
E do pecado mortal.
Que não empece em mim.
Nem tenha essa autoridade.
O meu guia é Jesus,
O meu patrono São José.
Na minha última agonia.
Valei-me Jesus, Maria, José.
Oração Antiga – Fajã Grande.
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AS PROFECIAS DO BANDARRA
Em casa da minha avó Joaquina, na Fontinha, havia dois manuscritos muito interessantes. Ambos continham poemas, sob a forma de quadras, escritas em folhas de papel almaço. Um descrevia a fatídica morte do Rei D. Carlos e do príncipe herdeiro, versos decorados por muitas pessoas que os musicalizavam. Recordo-me de ouvir meu pai cantá-los. O outro continha parte das célebres profecias do Bandarra, Gonçalo Anes de Bandarra, um célebre sapateiro nascido na vila de Trancoso, em 1500, onde viveu e onde faleceu, em 1556. Bandarra é considerado como o mais célebre e interessante profeta português, autor de trovas messiânicas que ficaram posteriormente ligadas ao sebastianismo e ao milenarismo português.
Aqui se recorda alguns destes versos:
Sonhei, que estava sonhando,
Que passados cem Janeiros
Os Portugueses primeiros
Se levantarão em bando.
Ergue se a aguia Imperial
Com os seus filhos ao rabo,
E com as unhas no cabo
Faz o ninho em Portugal.
Põe um A pernas acima,
Tira lhe a risca do meio,
E por de traz lha arrima,
Saberás quem te nomeio.
Tudo tenho na moleira
O passado, e o futuro,
E quem for homem maduro
Há-de me dar fé inteira.
Vejo sem abrir os olhos
Tanto ao longe como ao perto;
Virá do mundo encoberto
Quem mate da aguia os polhos
Lá para as partes do Norte
Vejo como por peneira
Levantar uma poeira
Que nos ameaça a morte.
Vosso grande Capitão,
Ó povo errado, e perverso,
Já caminha com o terço,
E vós dormindo no chão?
Na era que eu nomear
Terá fim a heresia;
Verás certa a Profecia,
Se bem souberes contar.
Poe[m] três tesouras abertas,
No fim um linhol direito,
Depois conta seis vezes cinco,
E mais um vai satisfeito.
Muito rijo bate o vento
Na parede da igreja;
Alguém caido a deseja,
No levantar vai o tento.
Rugia a porta do sino,
O sino não badalava,
A grimpa se revirava,
E o sino andava a pino.
Meto a sovela nas viras,
E vejo pelo buraco
Os ossos de Pedro Jaco
No penedo das mentiras.
Que belamente soam
As Profecias direitas!
Depois que forem perfeitas
Verão que a terra povoam.
Quando o sonho é verdadeiro
Dá se uma lei muito clara:
Sonho agora, que uma vara
Vai dando luz a um outeiro.
O outeiro é Portugal,
E a vara Castelhana;
Da minha pobre choupana.
Vejo esta vara Real.
Dará fruto em tudo santo,
Ninguém ousará a nega-lo,
O choro será regalo
E será gostoso o pranto.
Bem cuido, que já vem perto
O fim destas Profecias;
Passarão trezentos dias
Depois de eu ser descoberto.
Em dous sitios me achareis
Por desdita, ou por ventura,
Os ossos na sepultura,
E a alma nestes papeis.
Não há pedra sobre pedra,
Quando eu aqui for achado,
E as letrinhas do Letrado
Há trezentos anos queda.
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EU FUI AO MAR ÀS LARANJAS
Eu fui ao mar às laranjas
Coisa que lá não havia
Vim de lá toda molhada
Co'as ondas que o mar fazia
Ó minha mãe, minha mãe
Ó minha mãe, minha amada
Quem tem uma mãe tem tudo
Quem não tem mãe não tem nada
Eu fui ao mar às laranjas...
Ó estrela que vais tão alta
Por essas serras d'além
Leva-me aos céus onde tenho
A alma de minha mãe.
Fui no mar da vida um dia,
Fui buscar amor também.
O amor que eu queria,
Ai, meu deus, no mar não tem!
Nas ondas fui embalada
Até que à praia voltei
Sozinha, triste e molhada
Das lágrimas que chorei!
Fajã Grande - Cancioneiro Popular
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À PORTA DAS ALMAS SANTAS
À porta das almas santas,
Bate Jesus toda a hora.
Respondeu as almas santas:
- Meu Jesus, que quereis agora.
- Quero que vão comigo,
Para o Paraíso cantar.
- Muito me pese, Senhor,
E me dá grande pesar,
Se a minha alma não está limpa
Para convosco caminhar.
Caminharam as três Marias,
Numa noite de luar
Em cata do Bom Jesus
E não O puderam achar.
Foram-no achar em Roma,
Vestido ao pé do altar:
- Menino tão pequenino,
Missa nova queres cantar?
Eu também a quero ouvir,
P’ra minha alma se salvar.
Popular Fajã Grande.
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SENHORA SANTANA
Cantilena ainda declamada na Fajã Grande, na década de cinquenta. Um casal desavindo foi implorar a ajuda de Santa Ana. Rezaram assim:
Senhora Santana,
Dai-me um bom marido,
Que este que eu tenho
Não dorme comigo.
Senhora Santana,
Minha mulher mente,
Durmo com ela,
Ela é que não me sente.
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NAU CATRINETA (II)
Outra versão popular da Nau Catrineta:
Lá vem a Nau Catrineta,
Que traz muito que contar,
Há sete anos e um dia
Que andam de volta do mar!
Não tinham já que comer,
Nem tampouco que manjar.
Já mataram o seu galo
Que tinham para cantar.
Já mataram o seu cão
Que tinham para ladrar.
Já mataram o seu gato
Que tinham para miar
Não tinham mais que comer,
Nem tampouco que manjar.
Botaram sola de molho
Para no outro dia jantar.
Mas sola era muito rija
Que não a puderam rilhar.
Botaram sortes ao vento
Quem haviam de matar,
A primeira que caiu
Foi ao capitão general.
- Arriba, gageiro, arriba,
Arriba ao mastro real!
Olha se vês parais reais
Ou reinos de Portugal?
“Eu não vejo tuas praias,
Nem reinos de Portugal,
Vejo três espadas nuas
Todas para te matar.
- Arriba, Pedro, arriba,
Meu marinheiro leal;
Olha se vês minhas terras,
Ou reinos de Portugal.
O gageiro lá em riba
Em altas vozes gritara:
“Alvíssaras, senhor, alvíssaras
Meu Capitão general!
Que eu já vejo as tuas terras
E reinos de Portugal.
Se não nos faltar o vento
A terra iremos jantar.
Lá vejo muitas ribeiras,
Lavadeiras a lavar;
Vejo muito forno aceso,
Padeiras a padejar.
E vejo muitos açougues,
Carniceiros a matar.
Também vejo três meninas
Debaixo de um laranjal.
Uma lavrando ouro,
Outra a prata real;
A mais bonitinha delas
Em procura do dedal.
- Essas três são minhas filhas,
Todas três te eu hei-de dar.
Uma para te vestir,
Outra para te calçar,
A mais bonitinha delas
Para contigo casar.
“Não quero as tuas filhas,
Que Deus tas deixe gozar;
Que eu tenho mulher em França,
Filhinhos de sustentar:
Quero a Nau Catrineta
Para nela navegar.
- A Nau Catrineta, amigo,
Eu te não posso dar.
Assim que chegar a terra
Pois ela vai a queimar.
Dar-te-ei tanto dinheiro
Que o não saibas contar.
“Não quero os teus dinheiros
Pois te custam a ganhar;
Quero a Nau Catrineta
Para nela navegar,
Que assim como escapou desta
Doutra ainda há-de escapar
Romanceiro anotados por Teófilo Braga.
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NONSENSE
Lá vem nascendo a Lua,
Redonda como uma bengala.
Quem se deita em camas curtas
Acorda com os pés de fora.
Popular
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O CASADO ARREPENDIDO
«Meu sogro, quero falar-lhe, mas é muito em particular,
Quero hoje sem demora, consigo desabafar.»
«Das seis horas em diante, nã tenho nada a fazer.
Assim com tanta urgência o que tem para me dizer?
Se é para pedir dinheiro, escusa de tempo perder.»
«Não é para pedir nada, o que eu quero contar;
Se nã leva muita pressa, eu já le posso falar.
Eu casei com a sua filha, mas não la posso aturar.»
«Para mim é novidade, o que m’estas a dizer.
Se não la pode aturar, antão que hei-de fazer.
Eu também com sua sogra, custa-me muito a viver.»
«Antão já vem de família, nã há nada que estranhar,
Mas eu nã estou resolvido com ela me incomodar.
Para não fazer uma asneira, é melhor me desquitar.»
«Venha cá, senhor finório, nã faças coisas no ar,
É que ele é muito nova, o que lhe falta é pensar,
Nunca fez certos trabalhos, é preciso a ensinar.»
«Com vinte’oito anos de idade não tem o pensar devido?
Mas sabe ela a toda a hora, maltratar o seu marido.
Entes quebrasse uma perna do que a ter arrecebido.»
«Sim senhor, diz muito bem, mas eu não fui o culpado,
Se casou com a minha filha, por ninguém foi obrigado.
E se ela casou com você, nunca foi do meu agrado.»
«Se eu sabia o que sei hoje, nunca casava com ela,
Que o serviço que ela faz, é deitada ou à janela.
Tem tudo o que é de mau, até toma a sua piela».
«Um home que assim fala nã é home cavalheiro.
Se nã qu’ria ser casado, porque nã pensou primeiro?
Mas você gostou dos dez contos que ela levou em dinheiro.»
«Tivesse eu tanto de santo como estou d’arrependido,
Nem com cem contos de dote, nunca a tinha arrecebido.
( …)
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A DONZELA ENCANTADA
Pedro da Silveira considerou este rimance o mais popular na ilha das Flores, depois do Lavrador da Arada. O exemplar que a seguir reproduzo, é, ainda segundo Pedro da Silveira, uma recolha feita por Jacob Tomás, na freguesia da Fazenda, onde este rimance era denominado por “A Moirinha”, muito provavelmente, devido a um estribilho que o acompanhava quando o cantavam, antigamente. Na Fajã Grande era assim que era conhecido, mas existia uma versão muito semelhante, conhecida por “Dom Pedro”, embora o texto tivesse algumas variantes.
Segundo publicou na Revista Lusitana, o rimance A Donzela Encantada (não confundir com a Donzela Enganada, já aqui reproduzido) rezava assim:
Caçador que foi à caça, à caça se foi num dia
Atrás de um pombinho branco e o pombinho le fugia.
Anoitecera na serra onde casas não havia,
Lá ao pé de um alvoredo tão alto à maravilha.
No mais alto galho dele viu estar uma donzilha
Com um pente de oiro na mão, que pentear-se queria.
O cabelo da sua cabeça, todo o alvoroço cobria;
Os olhos da sua cara, toda a serra esplandecia;
Os dentes da sua boca fina prata parecia.
«Que fazeis aí, donzela, que fazeis aí, senhora?»
Sete fadas me fadaram no colo duma mare minha,
Que vinhesse eu para aqui sete anos e mais um dia,
Ontem fez os sete anos, hoje é o derradeiro dia.»
Ele le ofereceu as ancas do meu fermoso cavalo,
…………………… Que a sela não le doía.
…………………….. Ao entrar numa vila.
Ao espedir duma calçada a donzila se sorria.
«Que tendes vós, ó donzila, que tendes que vos sorris?»
«Eu rio-me do cavaleiro, da vossa covardaria,
Que achou a nina na serra e le guardou cortesia.»
«Vira a volta meu cavalo, que as esporas são perdidas.»
«Adiante, cavaleiro, não faça tal tornaria,
Pois se elas eram de prata, meu pai de oiro las daria.
Às varandas de meu pai lavra-se oiro todo o dia,
Que eu sou de saingue real, neta dum rei de Castilha,
A filha do rei de França, nossa mãe, dona Maria.»
«Valha-me deus com tal sorte, valha-me deus com tal dita,
Pensei que trazia dama e trago uma irmã minha.»
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LIZARDA
“Lizarda” é mais um dos vários rimances que fazem parte do património cultural da Fajã Grande. Foi recolhido pelo poeta, crítico literário e investigador Pedro da Silveira, que o publicou no nº 7 da “Revista Lusitana” (Nova Série), em 1986. Este e outros poemas romanceados eram contados oralmente aos serões pelos nossos avós e por outras pessoas mis velhas. Assim se foram transmitindo de geração em geração, pelo menos até à década de cinquenta, altura em que ainda se ouviam com alguma frequência. Pedro da Silveira recolheu “Lizarda” através da declamação do mesmo pela senhora Maria Fernandes Rodrigues, com cerca de setenta anos, que morava na rua das Courelas e era a madrinha da minha mãe, no longínquo Verão de 1942. Segundo o testemunho de Pedro da Silveira, a Senhora Fernandes ter-lhe-á dito que a trova estava incompleta mas já não era capaz de a declamar melhor. Mais acrescentou que a aprendera com uma sua tia, já falecida. Rezava assim o referido rimance:
“No jardim do seu recreio, passeava uma donzela,
Tão Linda como engraçada, mais linda do que as flores belas.
O seu nome era Lizarda, única filha herdeira,
Filha do rei d’Aragão, por ser da casa primeira.
Seus desvelos e cuidados era um jardim de flores,
Que até ali nã cudara que havia deus dos amores.
Retirou-se para outras quintas, suas aias divertia;
Com conversas de cristal, alegre passava o dia.
Naquele monte sobranceira, um príncipe à caça andava.
Lizarda lhe pôs os olhos, tão simples como inocente,
Logo com seta de amor seu peito ferido sente.
«Vem cá, minha rica ama, descreta entre as demas flores,
Vai-me saber daquele homem, se ele morre dos meus amores.»
«Senhora ama e prioresa, isso à minha conta fica,
Mas recolha-se Vossa Alteza, recolha-se que nã convém
Arriscar a sua vida por amor dum querer bem.»
«Daquele monte sobranceiro, mirando este jardim
Eu vi estar uma flor que parecia um jasmim.»
«Essa flor, que voz deseja, ela mora aqui, Alteza,
É deste jardim senhora, é deste reino princesa.»
«Tu estás cá, amante, minha feição adorada?»
«Eu estou cá, luz dos meus olhos, minha rica prenda amada.»
«Dá-me cá esses teus braços que eu neles me quero ver,
Quero aparcar este fogo que em meu peito sinto arder.»
«Toma lá estes meus braços, também o meu coração;
Também podeis aceitar por esposa a minha mão.»
«Adeus aias e criadas, minhas aulas ajuntai,
Que eu pretendo, esta noite, sem demoras me ausentar.
Adeus aias e criadas, adeus jardim, adeus flores,
Que eu pretendo, esta noite, ir com o deus dos amores.
Adeus pai da minha alma, adeus mãe da minha vida,
Que tão má paga vos deu, vossa prenda mais querida.»”
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O LAVRADOR D'ARADA
Um dos rimances mais conhecido, declamado e até cantado na Fajã Grande, nos anos cinquenta era o “O Lavrador da Arada”. Era também cantado pelos foliões do Espírito Santo quando acompanhavam os cortejos para a igreja, para matar o gado ou para distribuir a carne ou levar as sortes. Trata-se de um belo poema que pretende mostrar aos crentes, como Jesus Cristo, tanto ama a pobreza e os pobres, que até se disfarçou de mendigo para por à prova a caridade dos homens.
O rimance rezava assim:
“Vindo o lavrador da arada
Encontrou um pobrezinho.
E o pobrezinho lhe disse:
- Leva-me no teu carrinho.
Deu-lhe a mão ao lavrador
E no seu carro o metia.
Leva-o para a sua casa,
P’rá melhor sala que tinha.
Mandou fazer-lhe a ceia,
Do melhor manjar que havia.
Sentou-o na sua mesa,
Mas o pobre não comia.
Mandou-lhe fazer a cama,
Da melhor roupa que tinha.
Por baixo, damasco roxo,
Por cima, cambraia fina.
Lá pela noite adiante
O pobrezinho gemia.
Levanta-se o lavrador
A ver o que o pobre tinha.
Encontrou-o crucificado
Numa cruz de prata fina.
- Ó, meu Deus, se eu tal soubera
Que em minha casa eu vos tinha.
Mandava fazer preparos
Do melhor que encontraria.
- Cala-te aí, lavrador,
Não fales com fantasia.
No céu te tenho guardado,
Cadeira de porta fina.
Tua mulher ao teu lado
Que também o merecia.”
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O MILAGRE DE SANTO ANTÓNIO
Rimance interessante era o contado, frequentemente, aos serões na Fajã Grande, sobre Santo António, santo cujo nome fazia parte da toponímia fajãgrandense. Curioso também era o facto de a imagem deste santo nãopoder estar na igreja, sendo guardada numa casa particular, na Assomada, pertencente à senhora Estulana, onde era guardado na sala, pese embora fosse uma imagem de proporções relativamente grandes.
Rezava mais ou menos assim o rimance:
Em Pádua ´stá Sant`António,
O seu sermão a pregar,
Quando vem do Céu um anjo,
Mandado pra o avisar:
- “Depressa, ide a Lisboa,
Tende mão no que lá vai:
Ide livrar da forca
O justo do vosso pai.”
O Santo que tal ouviu,
No púlpito ajoelhou
E, rezando um padre-nosso
Logo a Lisboa, chegou.
“-Homem morto, homem morto,
Por Deus assim querer,
Alevanta-te daí!
Quem te matou? Vem dizer.”
Então o morto da cova
Logo se ergueu e falou:
“- Esse triste padecente
Não fez crime, nem pecou,
Não me tirou ele a vida;
Por minha vida tirou;
Justiça, não o mandeis
Degraus da forca subir;
Soltai-mo já dessas cordas,
Soltai-mo, deixai-o ir.
Quem me matou vai aí,
Mas foi outro que não ele;
Quer Deus que eu salve este justo
E que o crime não revele.”
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QUE FAZEIS AÍ, SOLDADO
Poema oral, recitado e cantado, antigamente, na Fajã Grande e recolhido por Pedro da Silveira, em 1944. Foi-lhe recitado por José Inácio da Ponta, tendo-o publicado na Revista Lusitana, Nova Série,em 1966:
«Que fazeis aí, soldado, ao rigor da estação?»
«’stou metendo sentinela, aindas que nã seja um cão.»
A camisa era tão grossa, serviria de colchão.
«Ei-lo aqui o triste pago que dão a este batalhão.»
As calças eram tão largas, faziam sombra no chão.
«Ei-lo aqui o triste pago que dão a este batalhão.»
As meias eram tão ralas, boas de pescar camarão.
«Ei-lo aqui o triste pago que dão a este batalhão.»
Os sapatos eram tão grandes, palmo e meio de tacão.
«Ei-lo aqui o triste pago que dão a este batalhão.»
A comida era tão pouca, em vez de carne feijão.
«Ei-lo aqui o triste pago que dão a este batalhão.»
«Amigo se queres, vamos ao palácio reclamar.
Se o rei não te der razão, cá stou eu p’ra agrumentar.»
O rei nim uma num duas, como se fosse de pau.
A rainha antão dizia: «Deves de ser grande marau.»
«Eu não sou nenhum marau, nim pretendo a Angola;
Só quero o meu livramento, não peço nenhuma esmola.»
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ADEUS DOS VOLUNTÁRIOS
Poema oral, recitado e cantado, antigamente, na Fajã Grande e recolhido por Pedro da Silveira, em 1945, através de um familiar, tendo-o publicado na Revista Lusitana, Nova Série, em 1966. Em anexo ao texto, do qual apresenta uma versão, ligeiramente diferente, recolhida no Lajedo por José Luís de Serpa, Pedro da Silveira afirma que este rimance era conhecido também na Ponta e na Fajãzinha. Reza assim a versão recolhida na Fajã Grande:
“A vinte e quatro de Abril,
Das quatro para as seis da tarde,
Embarcaram os voluntários,
Oh, meu Deus, que crueldade.
Não sei com que coração,
Ponha os pés nestes navios,
Deixo minha mãe chorando,
Minha mulher e meus filhos.
Adeus, ó querido pai,
Deite-me a sua bênção,
Eu vou para as terras do Sul,
Defender nossa nação.
Adeus, ó querida mãe,
Abraçai-me com valor,
O Brasil é nossa pátria,
Dom Pedro o Imperador.
Adeus, ó querida esposa,
A quem devo tanto e tanto,
Pede ao Deus do céu que eu volte
Para enxugar teu pranto.
Adeus, ó queridos filhos,
Vinde abraçar vosso pai,
Que em breve vai partir
Para os campos do Paraguai.
Adeus, ó querida irmã,
Anjo céu, flor da terra,
Já oiço o som da corneta
Que me chama para a guerra.
Adeus, ó querida igreja
Adeus, ó templo sagrado,
Adeus, ó sagrada via,
Onde eu fui baptizado.
Adeus terra do meu berço,
Pátria minha tão querida,
Em defesa dos teus brios,
Vou arriscar minha vida.”
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ERA-NÃO ERA
Era-Não-Era, no tempo das eras
Andava na serra,
Lavrando a terra
Com arado de carne
E bois de madeira.
Vieram-lhe dizer que o pai estava a morrer
E a mãe a nascer.
Foi tão grande o seu prazer.
Que prendeu os bois a uma moita
E pôs o arado a comer.
Vai por aí abaixo,
Encontra um ninho de marracho
- Onde hei-de pôr os ovinhos?
- Oh… debaixo da burrinha!
Saíram-lhe dois tentilhões;
E onde haviam de poisar?
Numa árvore que dava avelãs.
Começou a atirar-lhe pedras
E a caírem cebolas albarrans.
Foi vendê-las à vila e fez um dinheirão.
À volta dá com um meloal
E entra a apanhar um melão.
Vem de lá o dono e diz:
- Que fazes em faval alheio?
Atirou-lhe um melão, acertou-lhe com um torrão,
E fez-lhe sangue tão vermelho!
Seguindo o seu caminho,
Logo a seguir viu um passarinho
A sair do seu ninho.
Chegou às suas colmeias
Não pode contar os cortiços;
Mas foi contar as abelhas… e faltava-lhe uma!
N'isto ouviu resmalhar em uma moita,
E julgando que fosse a abelha,
Atirou-lhe com o machado.
Foi lá busca-lo, mas não o encontrou.
Atiçou fogo a uma moita,
Queimou o machado e lá apareceu o cabo.
Voltou para traz e foi falar ao professor,
Que lhe fizesse um machado.
Vai de lá o mestre ferreiro apresentou-lhe um anzol.
Que se havia ele lembrar?
Lembrou-se de ir á pesca.
Quando sente morder no anzol.
Puxa a linha e trouxe…
Um burro pelas orelhas, sem as ter!
Deixou o burro a comer,
E foi ás colmeias outra vez.
Estava a moita feita em mel.
Tirou dois piolhos da cabeça,
Das barrigas fez dois sacos,
e com elas carregou o burro,
Depois de as encher de mel.
Mas a carga era muito pesada,
E o burro ficou todo ferido.
O Era-Não-Era pôs-lhe favas em cima,
Cuidando que o burro morria
Pôs-lhe as favas mesmo cruas,
Por ser assim mais depressa,
E lá o deixou no campo a pastar.
Passado um ano voltou ao campo,
E viu um grande faval nascido em cima do burro.
Tratou logo de ir buscar uma foice para ceifar as suas favas;
Mas quando ia começar o trabalho,
Viu lá dentro um porco-espinho.
Jogou-lhe com a foice, e o cabo entrou-lhe pelo rabo,
Com o rabo o porco ceifava, com as patas debulhava…
E d'esta maneira o Era-Não-Era
Recolheu uma grande colheita.
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A BELA INFANTA
“A Bela Infanta” é um poema romanceado da tradição popular portuguesa, recolhido por Almeida Garret e muito divulgado e conhecido em todo o país. A Fajã Grande que sempre se revelou, talvez devido ao seu isolamento, como um excelente e amplo viveiro de desenvolvimento de textos orais, não podia alhear-se deste, assim como de um outro muito conhecido, “Nau Catrineta”. Tal como os outros rimances, “A Bela Infanta” contava-se aos serões das longas noites de Inverno, mas com algumas pequenas diferenças do texto recolhido por Almeida Garret, sobretudo por utilizar algumas palavras ou expressões que eram utilizadas na linguagem típica e corrente na freguesia e até na ilha das Flores. Rezava mais ou menos assim:
“Estava a bela Infanta
No seu jardim assentada
Com o pente de oiro fino
Os seus belos cabelos penteava.
Voltou os seus olhos ao mar
Viu vir uma nobre armada;
Capitão que nela vinha,
Muito bem que a governava.
- «Dize-me tu, ó capitão
Dessa tua nobre armada,
Se encontraste o meu marido
Na terra que Deus pisava.»
- «Anda tanto cavaleiro
Naquela terra sagrada...
Diz-me tu, ó senhora,
As senhas que ele levava.»
- «Levava cavalo branco,
Selim de prata doirada;
Na ponta da sua lança
A cruz de Cristo levava.
- «Pelos sinais que me deste
Lá o vi numa estacada
Morrer de morte matada:
Eu sua morte vingava.»
«Ai triste de mim viúva,
Ai triste de mim coitada!
Das três filhinhas que tenho,
Nenhuma delas é casada!...»
- Que darias tu, senhora,
A quem o trouxesse aqui?»
- «Dera-lhe oiro e prata fina,
Quanta riqueza há por aí.»
- «Não quero oiro nem prata,
Não nos quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem o trouxesse aqui?»
- «Os três moinhos que tenho,
Todos três são para a ti;
Um mói o cravo e a canela,
Outro mói o gerzeli:
Rica farinha que fazem!
Tomara-os el-rei para si.»
- «Os teus moinhos não quero,
Não nos quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem o trouxesse aqui?»
- «As telhas do meu telhado
Que são de oiro e marfim.»
- «As telhas do teu telhado
Não nas quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem o trouxesse aqui?»
- «De três filhas que tenho,
Todas três são para ti:
Uma para te calçar,
Outra para te vestir,
A mais formosa de todas
Para contigo dormir.»
- «As tuas filhas, infanta,
Não são damas para mi:
Dá-me outra coisa, senhora,
Se queres que o traga aqui.»
- «Não tenho mais que te dar,
Nem tu mais que me pedir.»
- «Tudo, não, senhora minha,
Que inda não te deste a ti.»
- «Cavaleiro que tal pede,
Que tão vilão é de si,
Por meus vilões arrastado
O farei andar aí
Ao rabo do meu cavalo,
À volta do meu jardim.
Vassalos, os meus vassalos,
Acudi-me agora aqui!»
- «Este anel de sete pedras
Que eu contigo reparti...
Que é dela a outra metade?
Pois a minha, vê-la aí!»
- «Tantos anos que chorei,
Tantos sustos que tremi!...
Deus te perdoe, marido,
Que me ias matando aqui.»”
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MORTE DO PRÍNCIPE AFONSO
“Morte do Príncipe Afonso” é um texto oral, que faz parte do património cultural da Fajã Grande. Foi recolhido pelo poeta, crítico literário e investigador quer a nível da escrita quer a nível da tradição oral, Pedro da Silveira, em 1941, junto de duas senhoras, uma chamada Maria da Natividade Rodrigues de 70 anos de idade e de uma outra de nome Maria do Rosário Jorge, dez anos mais nova, mas que apenas sabia o texto até ao 13º verso. Pedro da Silveira publicou-o na “Revista Lusitana” (Nova Série) nº 7 1986 página 106-107. Este e outros textos eram contados aos serões pelos nossos avós e por outras pessoas mais antigas e assim se foram transmitindo de geração em geração, pelo menos até à década de cinquenta.
“Casadinha de oito dias, à janela espairecida,
Viu vir um cavaleiro, que triste aspecto trazia.
«Que nova nos traz aqui, que nova para me dar?»
«Trago uma nova bem triste, maviosa de contar:
Que o vosso marido, senhora, é morto, está a acabar,
Caiu do cavalo abaixo, no meio de um areal,
Arrebentou-lhe o corpo, sem esperança d’escapar.»
Princesa que tal ouviu, tratara de caminhar.
Com seu capote nos braços, sem podê-lo enfiar,
Suas aias atrás dela, sem podê-la alcançar.
Chegando lá, adonde ele, tratara de o abraçar.
«Mulher minha, nã m’abraces, nã m’acabes de matar.
Ainda há homens no mundo para contigo casar.
«Esse conselho, marido, nunca o hei-de tomar;
Pegarei nas minhas contas, por ti hei-de as rezar.
Já nã me chamem senhora, senhora dona Maria,
Chamem-me a triste coitada, espedida de alegria,
Que lhe morreu o seu bem que era a flor da galhardia.»”
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MARAVILHAS DO MEU VELHO
Poema oral recolhido na freguesia da Fajãzinha, ilha das Flores, por Pedro da Silveira, junto de Manuel Mariano e publicado na Revista Lusitana, Nova Série, em 1986 e que também era declamado e cantado na Fajã Grande mas numa versão com algumas variantes:
“Maravilhas do meu velho, tenho eu para contar:
Dava-me real e meio par’ eu vestir e calçar
E o resto que me ficasse que lo havia de dar
P’ra se comprar de toucinho para ajuda do jantar.
Tenho o meu linho no lago e o meu velho a morrer;
Entes o meu velho mora que o linho se perder.
Ergui-me de manhã cedo para d‘ir fazer a barrela
Achei o meu velho morto entre as pedras da janela.
Entre as pedras da janela, encostado ao poial,
Que ele gostava d’ir de noite comer peras p’ra o quintal.
Fui chamar as choradeiras, que mo viessem chorar;
Bem chorado, mal chorado, vai-se o velho enterrar.
A perca do meu marido é perca de um alguidar:
Quebra-se um e merca-se outro, fica no mesmo lugar.
Mandei ter c’o carpinteiro, fizesse-le um caixão de pinho,
Que le ficasse à medida, dos artelhos ao focinho.
Mandei ter com o sineiro, que o sinal fosse tocar,
Bem tocado, mal tocado, nin que fosse a repicar.
Mandei ter com o coveiro, que a cova le fosse abrir,
Sete varas de fundura, nã possa de lá fugir.
Mandei avisar o padre, para bem de o encomendar,
Que o encomendasse a preceito, meio a rir, meio a cantar
E lá se vai o meu velho, lá se vai deixem no d’ir,
Que ele era amante do vinho e das monças de servir.
Ó homens de misericórdia, que o meu marido levais,
Desencostai-o das paredes, na no encosteis aos postais
Desencostai-o das paredes, desarredai-mo das portas.
Que ele era pior que os gatos, de noite nessas hortas.
Vinha já fora do adro, vinha já de o enterrar,
P’lo caminho me diziam: “Viúva torna a casar.”
Eu cá casar casaria, se nã fosse os maldezentes:
“Olha a patifa da velha, ainda quer a cama quente.”
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A MINHA GALINHA PINTADA
Poema oral, umas vezes cantado, outras declamado, na Fajã Grande, sobretudo aos serões ou emfestas, na década de cinquenta e anteriores:
“A minha galinha pintada
Põe três ovos por dia,
Se ela pusesse quatro
Que dinheiro não faria.
Já me deram pela cabeça
Uma vaquinha moiresca.
Já me deram pela crista
Uma vaquinha mourisca.
Já me deram pela moela
Uma vaquinha moirela.
Já me deram pelas penas
Duas vaquinhas morenas.
Já me deram pelo rabo
um cavalo enfreiado.
Já me deram pelas tripas
Duas feixadas de tripas.
Já me deram pelas asas
Uma aldeia com dez casas.
Já me deram pela língua
A cidade de Coimbra.
Já me deram pelas pernas
Umas meias amarelas.
Já me deram pelo corpo
Toda a cidade do Porto.
Galinha que vale assim tanto
Das penas até ao osso
Não vai parar ao convento...
Vou eu comê-la ao almoço.”
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O COELHO E A COELHA
Mais um rimance, recolhido por Pedro da Silveira, na Ponta da Fajã Grande, em 1943, junto de José Inácio Mateus e publicado na Revista Lusitana. Nos anos cinquenta este rimance ainda se declamava aos serões para as crianças adormecerem mais rápida e suavemente. Trata-se duma história muito simples mas que, contrariamente, aos “Contos da Carochinha”, tem um final infeliz, devido ao caçador cruel e ao gato maldito.
“Andando um belo coelho nua rocha a passear
Avistou ua coelha, foi-lhe falar p’ra casar:
«Adeus minha rica amada, minha bela coelhinha,
Te venho falar d’amores, com tenção de tu ser’s minha.»
A coelha le respondeu, com grande consid’ração:
Que amores não pretendia, logo le disse que não.
«Nã me fales tu assim, com palavras tã tiranas,
Deves de amar o mundo e ganhar as suas famas».
«Desvie-se para lá, não escorregue no lodo,
Quero más às minhas famas do que quero ao mundo todo».
«Se para todos in geral e pous p´ra mim sois assim.
Nã me vou daqui imbora sem de ti levar o sim».
«Coma possa-m’eu fiar nessa tua mansidão,
Se eu de ti nada conheço nim sei a tua tenção».
«Se de mim tu t’arreceias, o teu receio é culposo?.
«Dá cá a tua mão se queres ser o meu esposo».
O coelho que ouviu isto saltou com muito prazer
Tirou o anel do dedo e lo foi oferecer:
«Toma lá este anel, minha linda coelhinha,
Toma lá este anel, co a tenção de seres minha».
Pegar’ um na mão do outro, choraram na despedida:
«Adeus minha rica amada, minha coelhinha qu’rida».
Passaram-se oito dias, sem se tornarem a ver.
O coelho a foi prêcurar p’ra se d’irem receber.
E viveram muitos anos com grande satisfação,
Nu’a cova que fizeram debaixo do frio chão.
A cova era estreita, lá nasceram seus lindos.
Ao cabo de nove meses tiveram sete filhinhos.
Saíra a coelha de casa, na graça de Deus Senhor,
Quando voltou vinha ferida, de tiro de caçador.
«Que tendes minha rica esposa, que vindes tão desmaiada?»
«Cala a boca, qu’rido esposo, nã te posso contar nada;
Só te posso dizer, que vás chamar o doutor,
Porque eu venho ferida do tiro do caçador».
Saiu o coelho de casa cansado do coração,
Foi apressado à botica, chamar o cerugião.
Quando este chegou a casa, remédios nã receitava,
Logo o desembaraçou, que ela que nã ‘scapava.
Foi o coelho para a rocha chorar a ausência do amor.
Que ela morrera inocente, do tiro do caçador.
Voltando então para casa, de cansado s’assentou:
«Quim foi o grande ladrão que meus filhos me roibou?»
Saiu o coelho de casa, agora já sim ninguém,
Perguntou a seus vezinhos, se por ali passara alguen.
«Passou o gato patife, que os coelhinhos levou».
«Aquele gato ladrão, que os meus filhos roubou!
O gato, gato maldito, que a todos me levou,
Nã olhou eu ser viúvo e nim só um me deixou».”
Pedro da Silveira – Suplemento da Revista Lusitana.
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MAE E FILHA
“Mãe e Filha” é um outro poema romanceado que integra o património cultural da Fajã Grande e é uma das catorze trovas apresentadas por Pedro da Silveira na “Revista Lusitana” (Nova Série), número 7, em 1986. Este e outros textos eram contados oralmente aos serões pelos nossos avós e por outras pessoas mais antigas e assim se foram transmitindo de geração em geração. Eu próprio me lembro de o ouvir contar, embora nunca tenha decorado o texto.
Segundo Pedro da Silveira, o rimance “Mãe e Filha” foi-lhe recitado, na Fajã Grande, em Julho de 1942, por José Inácio Mateus. Este ancião havia nascido em 1879 e era filho de José Inácio Mateus e Maria Lucinda, tendo afirmado, naquela altura, com 63 anos de idade, que ouvia contar aquele rimance aos serões, quando era rapaz. Acredita Pedro da Silveira que se trata de um texto construído nos Açores, e muito provavelmente baseado num facto real, acontecido numa das ilhas e que, posteriormente, se foi transmitindo também a outras.
«Margarida anda p’ra dentro, não te torno a chamar;
Com esta já são três vezes, são horas de vir’s jantar.»
«Sejam três ou sejam quatro, sejam as que a mãe quiser;
Agora nã le dou oividos, que já sou ua mulher.»
«Muito cedo, minha filha, já te queres governar;
Ainda és muito novinha, para assim puder’s falar.»
«Tenho quinze anos de idade, c’mamã deve saber,
E a mãe tinha catorze, quando se foi arreceber.»
«Ainda nã nos tinha feito, confesso esse pecado,
Mas tinha bastante juízo e o teu é muito vendado.»
«Ai, ai, ai, deixa-me rir, não por ter essa vontade;
Qual de nós terá mais juízo se for a falar a verdade.»
«Atrevida, lambareira, já te não posso aturar!
Porque nã vinheste logo que te chamei para jantar?»
«Eu bem sei que é minha mãe, presto-lhe mil atenções;
Só nã quero que me chame, naquelas ocasiões.»
«Te protesto, Margarida, do teu namoro acabar;
Tu és muito leviana, nã ‘stou para te vigiar.»
«Não preciso de vigias, que eu sei bem m’acautelar.
Soibesse pai certas cousas, tinha mais que vigiar.»
«Senhor Deus, que estais dizendo? Dou-te pancadas sem fim,
Tu é que vais ser o causo de teu pai se afastar de mim.»
«Talvez nã chegue a tanto, mas vai ser forte merenda;
Eu sei que a nossa casa percisa levar emenda.»
Nã sei que emenda sará, nã faço coisas mal feitas;
Eu é que devo d’ajustar contigo contas direitas.»
«Contas que tenha a fazer, faça-mas já sin demora;
Que quer o compadre daqui, quando pai se vai embora?»
«Com maldade isso não é, teu pai de mim é respeitado;
Nã vês qu’é nosso compadre e temos medo do pecado.»
«Ai quantas e quantas vezes me ponho a escutar,
Oiço falinhas de boca, sinto beijos a stralar.»
«Visto que tens descoberto, o segredo da maldade,
Continua o teu namoro, dou-te toda a liberdade.»
Estavam nesta porfia, o marido a entrar,
«Entra home, cá pra dentro, estava em ti a pensar.»
«Espera-me, desavergonhada, que o teu pensar não é mau;
Vou dar-te a recompensa com este pedaço de pau.»
«Aqui del’rei, quim m’acode, meu marido quer-me matar;
Talvez que o meu compadre esteja m’ouvindo a gritar.»
Foi tanta a pancadaria, pose-l’o corpo nua lama;
Esteve a malvada mulher más de três meses de cama.
«Nenhuns remédios tomou», dezia o povo da ilha;
«Olhem que mãe era aquela, conselhos que dava à filha.»,
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ALGUNS PROVÉRBIOS SOBRE O NATAL
Uns citados de memória, outros retirados de livros, calendários e almanaques, aqui se transcrevem alguns provérbios populares sobre o Natal, muitos dos quais utilizados outrora na Fajã Grande e que estão assinalados com um asterisco:
“Ande o frio por onde andar, há-de vir pelo Natal.
Ande o frio por onde andar, no Natal cá vem parar.”
Caindo o Natal à 2ª feira, tem o lavrador que alugar a eira.
De S.ª Catarina ao Natal, um mês igual.
Do Natal a Santa Luzia, cresce a noite e mingua o dia.
Do Natal à Sta. Luzia, cresce um palmo em cada dia.*
Dos Santos ao Natal, cada dia mais mal; do Natal ao Entrudo, come capital e tudo.
Dos Santos ao Natal, é Inverno natural.*
Dos Santos ao Natal, um salto de pardal.*
Mal vai Portugal se não há 3 cheias antes do Natal.
Não há ano afinal que não tenha o seu Natal.*
Não há porco que não tenha o seu Natal.*
Natal em casa, junto à brasa.
Natal na praça, Páscoa em casa. Natal em casa, Páscoa na praça.*
No Natal semeia o teu alhal se o quiseres cabeçudo, semeia-o pelo Entrudo.
Pelo Natal se houver luar, senta-te ao lar; se houver escuro, semeia outeiros e tudo.*
Pelo Natal, cada ovelha no seu curral.
Pelo Natal, neve no monte, água na ponte.
Pelo Natal, sachar o faval.*
Pelo Natal, tenha o alho bico de pardal.
Quando o Natal tem o seu pinhão, a Páscoa tem o seu tição.
Quem quer bom ervilhal semeia antes do Natal.*
Quem varejar antes do Natal, deixa o azeite no olival.
Se te queres livrar de um catarral, come uma laranja antes do Natal.*
Tudo a seu tempo, e os nabos no Advento.
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A NAU CATRINETA
A Nau Catrineta é um poema romanceado da tradição popular portuguesa, recolhido por Almeida Garret e que relata, de forma lendária, as vicissitudes, as tormentas, os medos e as angústias das viagens dos portugueses para a África, para o Brasil e para a Índia. Trata-se de um texto muito divulgado e conhecido em todo o país. A Fajã Grande que sempre se revelou, talvez devido ao seu isolamento, como um excelente e amplo viveiro de desenvolvimento de rimances e textos orais, não podia alhear-se deste, assim como da Bela Infanta, muito conhecido também a nível de todo o país. Tal como os outros rimances, a Nau Catrineta contava-se aos serões das longas noites de Inverno, mas com algumas pequenas diferenças do texto recolhido por Almeida Garret, sobretudo por utilizar algumas palavras ou expressões que eram comuns na linguagem típica e corrente na freguesia e até na ilha das Flores. Rezava mais ou menos assim:
“Lá vem a Nau Catrineta
Que tem muite que contar!
Ouvide agora, senhores,
Uma história de pasmar.
Passava mais de ano e meio
Que iam na volta do mar,
Já nã tinhim que comer,
Já nã tinhim que manjar.
Deitarim as solas de molho
Pra o oitro dia jantar;
Mas a sola era tã rija,
Qu’a nã puderim tragar.
Deitarim sortes à ventura
Qual se’avia de matar;
Logo foi cair a sorte
No capitão genaral.
- "Sobe, sobe, marujinhe,
Àquele mastre real,
Vê se vês terras d’Ispanha,
As praias de Portugal!"
- "Nã veje terras de Espanha,
Nim praias de Portugal;
Veje sete espadas nuas
Prontas pra te matar."
- "Acima, acima, gageire,
Acima ao mastre real!
Olha s‘enxergas Ispanha,
Areias de Portugal!"
- "Alvíssas, mei capitão,
Mei capitão genaral!
Já veje terras d’Ispanha,
Areias de Portugal!"
Mas inxergo três meninas,
Debaixe d’ um laranjal:
Uma sentada a coser,
Outra na roca a fiar,
A mas fermosa de todas
Está no meie a chorar."
- "Todas três sã minhas filhas,
Oh! quem mas dera abraçar!
A mais fermosa de todas
Contigue s’ade casar."
- "A vossa filha nã quere,
Que vos custou a criar."
- "Dar-te-ei tanto dinheiro
Qu’u nã possas contar."
- "Nã quero o vosse dinheire
Pois vos custou a ganhar."
- "Dou-te o meu cavale branque,
Que nunca houve oitro igual."
- "Guardai o vosso cavalo,
Que vos custou a ensinar."
- "Dou-t’a Nau Catrineta,
P’ra nela navegares."
- "Nã quero a Nau Catrineta,
Qu’a nã sei guevernar."
- "Que queres tu, mei gageiro,
Qu’alvíssaras te hei-de dar?"
- "Capitão, quere tua alma,
P’ra comigue a levar!"
- "Ranego de ti, demónio,
Que me estavas a tentar!
A minha alma é só de Deus;
O corpo dou-o ao mar."
Tomou-o um anjo nos braços,
Nã no deixou s’afogar.
Deu um estouro o demónio,
Acalmaram vento e mar;
E à noite a Nau Catrineta
Estava in terra a varar.”
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DOM PEDRO PEQUENINO
“Dom Pedro Pequenino” é um rimance que faz parte do património cultural da Fajã Grande. Foi recolhido pelo poeta, crítico literário e investigador Pedro da Silveira, que o publicou no nº 7 da “Revista Lusitana” (Nova Série), em 1986. Este e outros poemas romanceados eram contados oralmente aos serões pelos nossos avós e por outras pessoas mais antigas que, assim os foram transmitindo de geração em geração, pelo menos até à década de cinquenta. Pedro da Silveira recolheu “Dom Pedro Pequenino” através da declamação do mesmo pelo jovem Francisco Maria Nóia, da Cuada, no longínquo Verão de 1942. Por sua vez. Francisco Maria Nóia, tê-lo-ia ouvido e aprendido com uma mulher da Fajãzinha, pese embora também fosse contado na Fajã Grande, pois eu próprio me lembro de o ouvir e recordo algumas partes. Nota-se, nos terceiro e no quarto verso deste rimance, uma interessante semelhança com a parte final de um outro muito conhecido em todo o país e recolhido por Almeida Garret, denominado “ Nau Catrineta”. Rezava assim o referido rimance:
“O francês tinha três filhos, três filhos tinha o francês,
O rei os mandou chamar, cada um por sua vez:
O mais velho p’ra o vestir, o do meio p’ra o calçar,
Dom Pedro por ser mais mouço, p’ra rei barbear.
Passara-se poucos dias, ao rei foram acusar
Que tinham visto Dom Pedro c’a sua filha a namorar.
O rei que de tal soibe, mandara-o aprisionar
E avisou a sua mãe que amanhã vai-se enforcar.
Caminhara um passageiro, depressa não devagar:
«Novas vos venho trazer, que bem tristes são de dar
Que o vosso filho está preso e amanhã vai-se enforcar.»
A mãe que aquilo ouviu, tratara de caminhar,
Com seus vestidos nos braços, sem nos poder enfiar,
Suas aias e criadas, sem na poder acompanhar.
«Que fazes aqui meu filho, minha carne natural?»
«Estou preso por amores com a princesa real».
«Pega na tua viola e toca ua paixão».
Daquelas que teu pai tocava nas manhãs de São João.»
«Nunca ua mãe tã dura, tã cruel do coração.
Vê que o seu filho está preso e pede-le ua paixão.»
«Canta, meu filho, canta, tocada do coração.»
«Agora já são nove horas, às dez me vão degolar,
Mas ainda antes que eu morra, meu rouxinol vai cantar.
Nã sei quando nasce o dia, nã sei quando nasce o sol
Senão pelas avezinhas que me cantam ao redol.
Já o linho enfloresceu e o trigo está em pendão
Hoje é o dia em que os mancebos mais as suas damas vão
P’lo caminho da ribeira, festejar o São João.
Uns levam cravos e rosas, outros o verde limão.
Todos gozam seus amores, só eu stou nesta prisão.»
Stava o rei no seu passeio mais a princesa real,
Iscutara aquelas vozes, seu cavalo fez parar:
«Oh, que vozes serão estas que aqui oiço cantar?
Serão os anjos do céu ou as sereias do mar?»
«Nã são os anjos do céu, nim as sereias do mar,
É Dom Pedro Pequenino, que meu pai mandou matar
Eu queri-o pra marido, mas meu pai nã mo quis dar».
«Se o querias pra marido que Deus to deixe gozar,
Que eu matá-lo já nã mando, pelo seu lindo cantar,
Ordena ao carçareiro qu’el to vaia já soltar.»;
E fez-se o casamento com prazer e alegria
E se ainda não morrerem, ainda vivem hoje in dia.”
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CONDE D'ALEMANHA
“Conde d’Alemanha” é um texto oral, que faz parte do património cultural da Fajã Grande. Foi recolhido pelo poeta, crítico literário e investigador quer a nível da escrita quer a nível da tradição oral, Pedro da Silveira, em 1948, junto de uma senhora de nome Fernandes e publicado, por aquele ilustre fajãgrandense, na “Revista Lusitana” (Nova Série) nº 7 1986 página 108. Este e outros textos eram contados aos serões pelos nossos avós e por outras pessoas mais antigas e assim se foram transmitindo de geração em geração, pelo menos até à década de cinquenta.
“Já lá vem claro sol, já lá vem o claro dia,
Ainda o conde d’Alemanha com a rainha dormia.
Não no sabia o rei, nem quantos na corte havia;
Sabia Dona Bernarda filha da mesma rainha:
«Te peço, querida filha, nã me queiras descobrir,
Que o conde é muy rico, de seda te há-de vestir».
«Nã quero os vestidos do conde, se os tenho de damasco
Ainda tenho meu pai vivo, já me querem dar padrasto».
«Peço-te querida filha, que lo nã vaias dizer».
«As mãingas do meu vestido eu nã nas chegue a romper
Se quando meu pai vier logo lo nã for dizer».
Palavras não eram ditas, o rei à porta batia.
«Que tendes, querida filha, que tendes qu’estáis tã triste?
Contai-me das vossas mágoas que eu vos conto maravilhas».
«Estando no meu tear, tecendo seda amarela,
Veio o conde d’Alemanha, quatro fios me quebrou dela».
«Esse conde é novinho, é novinho quer brincar».
«Arrenego do tal conde, más do seu negro brincar,
Porque ele é atrevido, à cama me quis levar».
«Te peço querida filha, nã me queiras más contar.
Já que o conde é atrevido, amanhã vai a enforcar».
«Venha cá, senhora mãe, chegue-se a esta janela,
Agora venha cá ver a volta que o conde leva».
«Maldita sois, minha filha, mais o leite que mamaste,
Um conde tã galantinho, a morte que lhe causaste».
«Cale-se lá, senhora mãe, nã me faça arrenegar,
A volta que o conde leva, nã na queira a mãe levar».”