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A ESPADANA

Sábado, 28.01.17

Antigamente, a espadana era uma planta de grande utilidade na Fajã Grande. Nascia, crescia e florescia abruptamente e em grande abundância nos maroiços, nas canadas, nas encostas dos outeiros e até nas terras de mato. Nestas, muitas vezes, a espadana crescia tão densamente que até tinha que ser desbastada ou cortada radicalmente por constituir uma ameaça para outras culturas, nomeadamente, para os inhames e árvores de fruto.

A espadana muito frequente nos Açores é no Pico designada por filhaça e em S. Jorge por corriola. Trata-se de uma planta não endémica, proveniente da Nova Zelândia e que cientificamente se designa por Phormium Tenax. Noutras regiões onde existe também é conhecida pelos nomes comuns de harakeke (em maiori) ou linho-da-nova-zelândia. Trata-se duma espécie de planta sempre verde, de folhas perenes com distribuição natural na Nova Zelândia e na Ilha Norfolk, mas naturalizada em diversas regiões temperadas e subtropicais e cultivada quer como importante fonte de fibra quer como planta ornamental. A espadana cresce como um aglomerado de largas folhas, em forma de tiras, de até dois metros de comprimento, ao redor de uma espécie de caule central, muito mais alto do que as folhas, onde se podem observar belas flores amareladas e vermelhas.

Sabe-se que na Nova Zelândia as folhas da espadana foram utilizadas para delas se retirarem fibras utilizadas na confeção de tecidos tradicionais e também para a feitura de cordame e velas de navios

Destino semelhante teve a espadana nos Açores, mas ao que consta apenas na ilha de São Miguel, onde foi cultivada para extração e produção de fibra. Segundo alguns historiadores a economia micaelense, paralelamente ao chá, em tempos não muito recuados, desenvolveu várias iniciativas de produção industrial não só do linho, mas também da espadana de onde se chegou a retirar apreciáveis resultados, antes do surgimento de fibras sintéticas. Na ilha do Arcanjo a espadana foi também muito utilizada uno fabrico de cordoaria, sobretudo no concelho da Lagoa onde ainda existem ruinas duma fábrica de desfibração de espadana.

Na Fajã Grande a espadana era utilizada em bruto para substituir as cordas, bastante mais caras mas muito necessárias no dia-a-dia. As folhas da espadana eram cortadas e postas a secar e depois desfiadas em tiras mais grossas ou mais finas, maiores ou menores de acordo com o fim a que se destinavam. Para além servirem para amarrar pequenos molhos, depois acarretados às costas, as espadanas eram muito usadas para amarrar os molhos de rama seca assim como os fetos secos que eram guardados nas casas velhas para alimentar e fazer cama aos animais, amarrados nos palheiros nas longas noites de inverno. Também cortadas em pequenos e finos pedaços serviam de cordões para amarrar as bocas dos sacos, das moendas, cambulhões de milho, as asas das galinhas e até os suspensórios das calças quando os botões falhavam. Mas um dos mais interessantes usos da espadana era no desfolhar do milho. Nos dias anteriores cortavam-se as folhas em pequenos pedaços que se desfiavam finamente. Depois eram feitos pequenos molhinhos que uma vez amarrados e dobrados em u invertido eram presos a uma alheta das calças de cada desfolhador. À medida que desfolhavam iam formando mancheias que eram amarradas com os cordões de espada e penduradas nis milheiros mais altos onde ficavam a secar durante alguns dias. Só depois eram recolhidas e guardadas mas durante esses dias os campos tinham um maravilhoso e deslumbrante aspeto. 

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publicado por picodavigia2 às 00:05

AS ARSAS DAS CORDAS

Quinta-feira, 01.12.16

Na Fajã Grande acarretavam-se dos campos para casa todos os tipos de produtos. Por um lado carregavam-se os produtos destinados à alimentação dos bovinos, como incensos, erva, rama de batata-doce, erva-santa, rama seca, couves e muitos outros e ainda os que lhes haviam de servir de cama, como fetos, cana roca, bracéu, junco, etc. Era também necessário acarretar muitos outros produtos necessários ao governo de casa, com destaque para a lenha. A maioria destes produtos quase sempre eram transportados às costas em molhos, pelo que tinham que ser bem amarrados, para o que geralmente eram utilizadas cordas de tamanhos, feitios e qualidade diferentes. Mas o que todas as cordas tinham em comum eram as arsas, ou seja, pequenos objetos, geralmente de madeira que permitiam ligar com firmeza e segurança uma ponta da corda à outra, permitindo assim segurar muito bem amarrado o que se pretendia acarretar. As arsas serviam pois para substituir os nós, uma vez que estes, para além de exigiram uma operação bem mais demorada, obrigavam a um uso de cordas maiores e não permitiam um aperto ou arrocho tão firme e seguro como o das arsas.

As arsas, regra geral, eram feitas de maneira e muito simples de fabricar. Obtinha-se um pequeno retângulo de madeira da mais rija e resistente possível. Davam-se, com um trade, dois furos, simétricos, um em cada metade do pequeno retângulo e estava a arsa feita. Depois alisavam-se os bordos dos furos com um canivete, a fim de que, ao ser enfiado, a corda deslizasse mais facilmente. Num dos furos enfiava-se uma das extremidades da corda e entrançava-se a ponta de maneira a que a arsa, deste lado, ficasse sempre presa à corda. Estava a operação consumada.

As cordas eram enroladas, levadas ao ombro ou enfiadas num bordão. Ao recolher o produto que se pretendia acarretar, estendia-se a corda no chão, sobre a qual se iam colocando os produtos. No fim enfiava-se a ponta livre da corda no outro buraco da arsa e puxava-se até apertar ao máximo o molho. A ponta solta por sua vez era presa de forma segura na própria corda, de maneira a não se soltar.

Curiosamente também se faziam arsas de osso de baleia e, por vezes, até era a própria corda que, devidamente dobrada numa das pontas, formava a arsa,

As cordas e as respetivas arsas tinham uma importância tão grande na vida quotidiana dos fajãgrandenses que até se havia criado um ditado muito peculiar. Quando alguém tinha que resolver um problema de difícil solução ou quando se defrontava com uma situação da qual se sentia impotente ou incapaz de resolver, dizia-se: Estamos no mato sem cordas, o que, obviamente, queria significar: Estamos perdidos ou desgraçados.

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publicado por picodavigia2 às 00:05

AS CORRENTES

Domingo, 17.01.16

Na Fajã Grande, em tempos idos, usavam-se correntes de ferro para prender o gado bovino quando este estava amarrado à cordada, nas terras de lavradio, onde, por entre o milho, haviam sido semeadas forrageiras, ou seja o trevo, a erva da casta e, num caso ou noutro, o alcacel. O gado permanecia ali dias e dias, alimentando-se não só das forrageiras mas também de outros alimentos que, dia a dia, eram acarretados para aquelas terras, nomeadamente erva ceifada nas lagoas e incensos cortados nas terras de mato. O objetivo desta permanência era fazer com que o gado trilhasse ou estrumasse muito bem o terreno, pelo que, várias vezes durante o dia, ia sendo mudado, em pequenas cordadas. Para o prender de forma segura e de maneira a que não se soltasse e desse cabo de tudo, usavam-se as correntes que presas a uma estaca de ferro seguravam o animal por uma das mãos, geralmente pela esquerda.

As correntes eram constituídas por grossas argolas de ferro enlaçadas umas nas outras e tinham duas partes distintas, unidas por um suevo, também ele de ferro. A primeira parte da corrente, a maior e mais forte, que ficava oposta à mão da rês era constituída por argolas mais grossas. Numa das extremidades possuía uma espécie de arsa, também de ferro, que se enfiava na estaca que a fixava à terra. Por sua vez, a outra extremidade prendia-se ao suevo que funcionava como destorcedor, impedindo que a corrente se enrolasse e encolhesse magoando o animal que prendia. O suevo era também constituído por duas peças de ferro, sendo uma em forma de triângulo, com o furo na base, no qual estava metida e rodava a segunda peça, um prego ou um pedaço de ferro em feitio de prego enfiado no buraco do triângulo. Era esta parte, oposta ao furo que, através de uma argola, se prendia na segunda parte da corrente, aquela que ficava próxima da mão do animal. Esta parte era bem mais curta e muito mais fina do que a oposta e que era presa de um dos lados o suevo. Era na outra extremidade, ou seja na ponta final que se prendia na mão do bovino, pelo que possuía um pequeno mas seguro gancho de forma a permitir que a ponta do corrente se enrolasse na mão do animal e se prendesse a uma das argolas. Tudo isto devia ser feito com muita segurança de maneira a impedir que a rês se soltasse o que constituía sempre um grande prejuízo, uma vez que solto, andava por cima das forrageiras, comendo aqui e além, sujando de bosta e urina o que impedia a alimentação posterior dos outros animais.

Por tudo isto as correntes deviam ser fortes, seguras, com bons suevos e potentes estacas, bem enterradas com um malho feito com um grosso toro retirado de um tronco de árvore, a que se aplicava um cabo de araçazeiro, de pau branco ou de buxo. No entanto como havia uns animais mais fortes e outros mais fracos existiam correntes mais grossas ou mais finas a que se prendiam estacas maiores ou mais pequenas. Muitas vezes e para maior segurança, sobretudo quando o terreno estava amolecido pela chuva e o animal era mais forte, colocavam-se grandes e pesadas pedras sobre a cabeça da estaca.

Na verdade as correntes com os seus apetrechos, outrora, eram objetos de grande utilidade, na Fajã Grande, sobretudo no que à pecuária dizia respeito, uma vez que todos os anos, durante os meses da primavera, era costume retirar as vacas dos palheiros e levá-las para os campos onde havia forrageiras. E que bom era beber uma tampinha de leite fresco, acabadinho de tirar da teta da vaca, quentinho, nas terras, na hora da ordenha, a cobrir-se de espuma branquinha e com um leve aroma de trevo ou erva-da-casta!

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AS BOQUEIRAS DAS VACAS

Sexta-feira, 20.11.15

Na Fajã Grande, a palavra boqueira, na década de cinquenta, era utilizada para designar um conteúdo ou significado totalmente diferente do que refere aquela palavra, atualmente, ou seja, uma espécie de doença que consiste numa inflamação nos ângulos dos lábios dos humanos e que se apresenta como pequena lesão ou mancha avermelhada. Naqueles tempos, na mais ocidental freguesia açoriana, quiçá em muitas outras, chamava-se boqueira a uma espécie de focinheira ou açaime que era colocado nos focinhos das vacas quando estas puxavam o arado, a caliveira ou outro qualquer atrelado, tendo em vista impedir que o animal comesse as colheitas circundantes.

As boqueiras eram uma espécie de pequenas cestas mas com o fundo redondo e que na parte superior não tinham asa mas sim uns compridos e fortes cordões que permitiam que fossem amarradas à cabeça do animal, de forma a impedi-lo de movimentar os queixos e abrir a boca.

As boqueiras eram feitas, na maioria dos casos, de verga ou arame embora algumas, parcialmente, tivessem na sua constituição vimes ou outros troncos finos e maleáveis. Por sua vez os cordões que as prendiam à cabeça da rês eram feitos de corda ou de tiras de couro. Como eram objetos simples eram os próprios donos que as faziam. Começavam pelo fundo construindo uma estrutura com cinco ou seis arames ou vimes mais fortes. Depois entrelaçava-se nestes os arames finos como se estivesse a construir uma rede. Cuando se cuidava que a a fundura da boqueira já era suficiente, terminava-se a construção com um arame mais grosso e fortemente preso à estrutura inicial e que como que a firmava. Era nesta espécie de rebordo que se amarravam s cordões como o tamanho suficiente para que se pudessem amarar por de trás dos chifres dum bovino. Estava feita a boqueira, absolutamente necessária quando se corria a caliveira ou quando na terra que se lavrava existiam outras culturas. É que sendo a agricultura essencial ao sustento da população e sendo a mesma tantas vezes e com tanta frequência tacada e destruída por ventos, tempestades e salmouras havia que a proteger de todas as formas. As boqueiras eram pois uma forma de proteger os produtos agrícolas e as culturas.

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AS GALOCHAS DAS VACAS

Segunda-feira, 26.10.15

Um dos mais estranhos vícios que alguns dos muitos bovinos existentes antigamente na Fajã Grande, quando soltos nas pastagens, vulgarmente designadas por relvas, era o de galgarem as paredes circundantes da propriedade em que se encontravam e saltarem para os campos alheios, muitas vezes causando grandes prejuízos. Era sobretudo as vacas dando e o gado alfeiro que se davam a estes luxos. Os seus donos lá iam levantando uma outra parede mais baixa, mas as malditas, viciadas no salto, arranjavam sempre maneira de concretizar os seus malévolos instintos. Depois eram os donos dos terrenos com culturas destruídas a queixar-se, com razão, junto dos donos das malfadadas rezes

Para evitar estes males e impedir os animais de se meterem em ceara alheia, os seus donos possuíam dois meios. Um era acabramá-las, isto é, amaravam-lhe uma corda potente à cabeça e prendiam-na a uma das mãos, impedindo assim a famigerada de saltar. O animal assim aprisionado, tinha que andar com o pescoço torcido, com a cabeça de lado, deslocando-se muito lentamente e ao viés e, consequentemente, incapaz de correr ou de saltar. Mas um outro meio existia de impedir as vacas de galgarem as paredes. Era menos doloso para o animal e, sobretudo, mais eficiente, até porque a corda, muitas vezes rebentava e o acesso à propriedade vizinha estava garantido às malditas, que por vezes pareciam loucas e verdade. Eram as galochas.

Cada galocha era constituída por duas enormes tiras de madeira que, quando juntas, formavam uma espécie de bote de baleia, com duas proas, com um furo redondo a meio. Cada semicírculo deste furo era feito em ambas as tiras de madeira, precisamente no sítio em que elas se ligavam uma à outra. Estas partes, num dos lados, eram presas por uma dobradiça e fechavam no lado oposto, com uma pequena cavilha, devidamente presa à madeira com uma pequena corrente. Retirando a cavilha, a galocha, graças à dobradiça do lado oposto abria, permitindo colocar este artificioso engenho na mão do animal. Uma vez colocada a galocha, a mesma era fechada com a cavilha. Uma vez colocada na mão do animal, a galocha causava-lhe grande embaraço e transtorno no andar, impedindo-o, consequentemente, de saltar.

A razão pela qual este interessante artefacto se chamava galocha poderá ter a ver com o facto de ser uma espécie de calçado feito de madeira, uma vez que na Fajã Grande se chamavam galochas a um tipo de calçado feminino, fabricado, geralmente, pelos carpinteiros da freguesia, cuja parte inferior ou da sola era feito com um pedaço de madeira geralmente de cedro. Na parte superior, mas apenas a cobrir os dedos e o peito de pé, era pregado com tachas, um pedaço de pele, de couro ou de tecido rijo, formando uma espécie de chinelos, mas com a queda um pouco alta. Este calçado era utilizado pelas mulheres sobretudo quando iam lavar roupa à ribeira. Para os homens, em alternativa, existiam os tamancos, muito utilizados nos trabalhos agrícolas mais rijos, até porque para um homem, usar galochas, era uma afronta, pois seria, de imediato, alcunhado de maricas. As vacas é que se estavam marimbando para isto. Bem queriam elas era fugir às galochas. Que tivessem juízo!

 

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OS ARROCHOS

Quarta-feira, 03.06.15

Na Fajã Grande, onde abundavam canadas, veredas e caminhos toscos e sinuosos, a maioria dos produtos agrícolas, assim como a comida para os animais, a cama para os mesmos e a lenha para o lume eram acarretados às costas dos homens ou à cabeça das mulheres, em pesados molhos ou em carregadíssimos cestos ou sacos. No entanto e por alturas em que uma ou outra colheita abundava, ou em que era necessário transportar maiores quantidades de um determinado produto, recorria-se ao transporte em corsões ou aos carros de bois, uns e outros puxados por uma ou duas rezes, consoante fossem de canguinha ou de junta. Era o caso da apanha do milho, da lenha para a matança, da rama seca para o inverno, da cana roca para a cerca do porco ou dos fetos para a cama do gado e de alguns outros produtos. Nestas circunstâncias recorria-se a enormes carregamentos em que os produtos eram colocados em grande quantidade e, nalguns casos, com gigantesco volume, sobre o carro ou corsão. Para que os produtos se segurassem e não caíssem durante o transporte, com os solavancos do veículos, por vezes a empeçar em grossos pedregulhos quer os corsões quer os carros eram ladeados pelos fueiros, apertados, ao meio por uma atiradeira. Para o transporte do milho ou do estrume eram usadas as ceiras de vimes. Mas na maioria dos casos os produtos amontoavam-se soltos em cima do veículo. Mas como a carga, geralmente, excedia em muito a altura dos fueiros, tinha que ser amarrada e apertada com um grosso cabo, preso num e no outro lado do veículo abraçando todo o carregamento. Mas apertá-lo com a força dos braços era impossível, devido ao grande tamanho da carrada e à grossíssima espessura do cabo. Para apertar os cabos recorria-se aos arrochos.

Os arrochos eram dois pedaços de pau devidamente preparados e adequados para apertar o cabo que segurava uma carrada de lenha, fetos, incensos, melheirós, rama, erva, etc. Um deles era direito e pontiagudo numa das extremidades, a fim de ser espetado na carga, junto ao cabo. O outo, por sua vez, era um pouco mais curto e torto ou arqueado. Enrolado no cabo, ia girando à volta do primeiro, de maneira que o cabo se fosse enrolando e, consequentemente diminuindo de tamanho e apertando a carga. Ambos os arrochos eram furados numa das extremidades, no caso do direito na extremidade que não era pontiaguda, sendo presos uma ao outro com uma corda. Assim, por um lado, quando não utilizados, o facto de estarem amarrados permitia que não se perdessem e fossem presos a um fueiro e, por outro, quando utilizados, a corda servia para os prender ou amarrar ao cabo, impedindo-os de se soltarem, deixando que o produto transportado se soltasse e caísse.

Eram pois muito úteis estes arrochos e todos os lavradores os tinham. Alguns eram muito bem trabalhados, pois quanto mais limpos fossem os paus de nós e cascas, mais lisos ficavam e melhor apertavam. Os lavradores mais cuidadosos com os seus apetrechos agrícolas, por vezes, até os untavam com o sebo com que que eram untados os eixos dos carros, no sítio onde rolavam entre os queicões ou nos tamoeiros que prendiam os cabeçalhos às cangas

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publicado por picodavigia2 às 09:03

A REVOLUÇÃO DA GADANHA

Sexta-feira, 28.11.14

A Fajã Grande era terra de muita erva e muitos fetos, inclusivamente, no caso da primeira a exigir uma ceifa quase diária. A erva, a crescer, desmedidamente, entre as nascentes de água das lagoas, exigia uma ceifa quase diária, destinando-se a alimento fundamental das vacas leiteiras ou das que estavam à engorda para o embarque. A ceifa da erva, assim como a dos fetos era feita com uma simples foice de mão, formada por uma lâmina de ferro, de forma circular, com minúsculos dentes no lado do corte e encaixada num pequeno cabo de maneira, adequado à forma e tamanho duma mão humana. Para ceifar exigia-se que o trabalhador se colocasse de cócoras e, atirando a foice com uma das mãos apanhava os feitos ou a erva cortada com a outra, num esforço exigente, cansativo, desgastante e demolidor de aduelas e cadeiras. Essa a razão porque muitos homens de tanto ceifar diziam-se derrados das costas. A erva, depois de ceifada, era colocada às mancheias, umas sobre as outras, até formar um molho que, amarrado com uma corda, era acarretado às costas, até aos palheiros onde se encontrava o gado, obrigando assim a um enorme esforço, suplementar ao da ceifa. Como a erva estava molhada, para além de mais pesada escorria uma enorme quantidade de água sobre o corpo o transportador, alagando roupas, penetrando até aos ossos.

Na década de cinquenta este duplo e degradante esforço foi, em muitos casos, ultrapassado. Por um lado começaram a aparecer os burros que acarretavam os molhos em vez dos homens e, para aliviar o esforço da ceifa, surgiu a gadanha que trouxe uma autêntica revolução quer na ceifa da erva nas lagoas quer no corte dos feitos, tanto dos que eram considerados daninhos nas relvas quer os que floresciam nos terrenos baldios, uns e outros destinados a cama para o gado nos palheiros.

A gadanha era uma ferramenta que permitia ceifar mais rapidamente e com menor esforço, quer a erva quer os feitos. Consistia numa enorme lâmina, muito afiada, presa na extremidade de um cabo de madeira ou metálico de aproximadamente 170 cm, um pouco curvado, com duas pegas amovíveis, perpendiculares ao cabo e no extremo oposto à lâmina. As pegas eram colocadas, por um lado, de maneira a se ajeitarem a uma e outra das mãos e, por outro, a permitir controlo e força sobre a lâmina, de forma a esta cortar ou ceifar com maior performance. A lâmina era bastante larga e tinha, aproximadamente, 70 cm, com um formato curvilíneo, ficando perpendicular ao cabo, ao qual se prendia por um encaixe devidamente aparafusado. Para manusear a gadanha, o trabalhador segurava as duas pegas do cabo de forma a deixar a lâmina paralela ao chão e, movimentando-a de um lado para o outro, ceifava a erva com maior facilidade e mais rapidez, pese embora esta tarefa exigisse bastante cuidado, pois o perigo era iminente.

Cuida-se que a gadanha terá surgido na Europa entre os séculos XII e XIII, mas só foi introduzida em Portugal no começo do século XIX, chegando à Fajã Grande apenas em meados do seculo XX, introduzindo uma verdadeira revolução na ceifa da erva e dos fetos. Poucos cereais e forrageiras se ceifavam na mais ocidental freguesia portuguesa.

Apesar de tudo, nem todos os agricultores da Fajã aderiram de imediato ao uso da gadanha. Primeiro porque era bastante cara e, além disso muito perigoso, Muitos homens, sobretudo os de mais avançada idade, não se adaptaram a este novo instrumento que, apesar de tudo ainda tinha outros dois inconvenientes: a erva ceifada ficava espalhada e exigia a subsequente tarefa de a juntar e o seu porte, sobretudo, para quem trazia um molho às costas, tornava-se muito incómodo.

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publicado por picodavigia2 às 10:22

O SUEVO

Sábado, 08.11.14

O suevo era uma espécie de pequeno destorcedor, aplicado a meio das correntes que prendiam os animais, a fim de que elas não se enrolassem, encolhessem e os animais se magoassem.

Esta palavra, como muitas outras utilizadas Fajã Grande e na ilha da Flores, não existe na língua portuguesa com este significado e creio que não era utlizada nas outras ilhas açorianas, com exceção do Corvo, ilha onde a linguagem tinha muito de próximo com a das Flores.

O suevo, no entanto, era um objeto de grande utilidade na Fajã Grande, sobretudo no que à pecuária dizia respeito. Durante os meses da primavera, era costume na Fajã Grande retirar as vacas dos palheiros e levá-las para os campos onde havia forrageiras, nomeadamente, trevo, erva-da-casta, ou alcacel ou até favas. Nestes campos os animais eram amarrados pela mão esquerda por uma corrente metálica, presa na outra extremidade a uma enorme estaca de ferro, enterrada na terra ser trilhada, com um maço de madeira. Com os movimentos bruscos e contínuos dos animais estas correntes enrolavam-se e as vacas corriam risco de se estatelarem no chão. Para evitar que tal acontecesse eram colocados nas correntes os suevos, a partir de dois terços das mesmas, contados do lado da estaca.

O suevo era constituído por duas peças de ferro ou de outro metal. Uma em forma de triângulo, com o furo na base, no qual estava metida e rodava a segunda peça. Esta era simplesmente um prego ou um pedaço de ferro em feitio de prego que, enfiado no buraco do triângulo, rodava, impedindo assim que acorrente enrolasse e a outra extremidade, devidamente preparada, prendia na corrente. A parte oposta ao furo, por sua vez, através de uma argola, prendia-se na parte da corrente que ficava próxima da mão do animal.

No caso das vacas, assim como as correntes, os suevos tinham que ser muito fortes e, por isso, geralmente, eram comprados num ferreiro das Lajes. Mas no caso de outros animais presos em correntes, como as ovelhas, as galinhas chocas ou até os cães, que eram presos por uma simples corda ou por uma corrente mais fraca, os suevos eram feitos por quem deles precisava. E era fácil fazê-los. Bastava um pedaço de arco de caneca ou tira de lata a que se dava a forma de triângulo. Depois era só durar-lhe a base, enfiar o prego e torcer-lhe a ponta e o suevo estava feito. E que bem eu alguns se faziam.

Consta que nalgumas ilhas açorianas e noutras localidades se usavam suevos nas cordas de algumas embarcações.

 

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publicado por picodavigia2 às 19:19

O ARADO DE FERRO

Quarta-feira, 15.01.14

Na Fajã Grande, na década de cinquenta eram usados dois tipos de arados: o arado de pau e o arado de ferro. O primeiro tinha duas importantes funções. Por um lado servia para atalhar a terra depois de lavrada e antes das semeaduras e, por outro, era utilizado para abrir os regos para semear o milho, sendo a terra sempre alisada com a grade, antes e depois de cada uma destas operações. Por sua vez, o arado de ferro, apesar de mais robusto, pesado e potente e de a sua aquisição ser bem mais dispendiosa, tinha, praticamente, uma função: lavrar a terra pela primeira vez, ou seja rasgá-la o mais profundamente possível, revirando as leivas, provocando o seu afofamento ou, como se dizia na Fajã, servia para “abrir” a terra. Mas além deste objectivo primacial, o arado de fero, com a sua poderosa e gigantesca aiveca, cavava um rego no tereno, de tal maneira profundo, que permitia um maior arejamento do solo bem como a sua oxigenação, o que possibilitava um acentuado desenvolvimento de organismos benéficos, provocando a mistura da terra ou com o tremoço cortado e picado ou com o estrume, quer fosse esterco, sargaço ou simplesmente a terra trilhada pela presença do gado.

O arado de ferro, como o nome muito bem indica, era em grande parte construído em fero, tinha uma ponta rija e muito bem afiada e uma enorme aiveca lateral, presa ao timão por um gancho que revirava, ora para um lado ora para o outro, permitindo assim que lavrador a voltasse sempre para o lado do terreno que já estava lavrado. O timão era de madeira, embora, geralmente, emoldurado em ferro, mas muito curto e terminava com uma roda, também de madeira, mas com aro de ferro e que era colocada à altura da aiveca quando esta se enterrava na terra, durante o acto de lavrar. Esta roda tinha como objectivo aliviar o peso do arado quando sulcava a terra e deslocá-lo quando fora do seu uso. Para remover o arado levantava-se-lhe a rabiça, de maneira que a aiveca não roçasse o chão, e abanava-se, operação que exigia força e era obrigatória sempre que se virava de direcção, no fim de um rego. Por sua vez a rabiça, também contrariamente à do arado de pau, era de duas hastes e tinha um suporte manual duplo a fim de que o lavrador efectuasse mais força e a ponta da aiveca entrasse mais profundamente na terra. O timão era preso à canga dos bois por uma corrente de ferro ou um valente cabo, sendo o arado de ferro sempre puxado por duas reses.

O arado de ferro, embora mais sofisticado do que o de pau, era, no entanto um instrumento rudimentar, distinguindo-se, sobretudo pela sua enorme aiveca, maleável e fortíssima e pelos dois cabos verticais da rabiça unidos por uma travessa de madeira fixa. Como em qualquer arado, o de ferro tinha a relha ou ponta, geralmente em forma de V, cuja finalidade era perfurar a terra, por vezes rija e dura e, ao mesmo tempo que o arado se deslocava, perfurando-a. Outra peça importante era a aiveca. Tratava-se de uma enorme e espalmada placa de ferro que tinha como finalidade abrir a terra, formando os regos, ao mesmo tempo que a revirava e misturava. A aiveca prendia no rasto ou rabela, por uma espécie de dobradiça que permitia coloca-la do lado direito ou do esquerdo, tendo em conta o modo como se pretendia virar a terra. Por sua vez, nestes arados, o teiró não era maleável, pois não era necessário fechar ou abrir este arado, como acontecia no de pau. A posição da roda da frente, aliada à força de braços do lavrador, é que decidia a altura ou profundidade de o rego. A Aiveca, por sua vez, possuía um mecanismo que permitia definir a largura do rego e como era um pouco côncava, fixava por vezes, leivas de terra, sobretudo quando esta era mais barrenta. Neste caso era a aguilhada do lavrador que na parte inferior possuía encravada uma lâmina com a qual, no fim de cada rego e sempre que necessário se procedia a essa limpeza.

Na Fajã Grande e creio que em nenhum outra localidade da ilha das Flores se fabricavam estes arados. Eram importados, sendo por vezes adaptados ou alterados parcialmente devido ao tipo de terreno a que se destinavam.

O arado, símbolo de fertilização e produtividade entre muitos povos foi sempre considerado como uma das três maiores invenções da humanidade. Foi após a sua invenção, que se atribui aos egípcios, que a humanidade, embora muito lentamente, transitou do nomadismo ao sedentarismo, provocando, assim, o aparecimento das grandes civilizações agrárias da Antiguidade, nas quais se incluem, para além do Egipto, a Mesopotâmia, a Caldeia, a Assíria e todo o “Crescente Fértil”.

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publicado por picodavigia2 às 09:23

OS CARRINHOS DAS OVELHAS

Domingo, 29.12.13

Na Fajã Grande, nos anos cinquenta, ainda havia quem criasse ovelhas à porta, fazendo-o, no entanto, em pequena quantidade, isto é, criava-se geralmente uma ou duas ovelhas juntamente com um carneiro e nada mais

O objectivo primordial desta minúscula criação de ovinos, em contraste com os grandes rebanhos de ovelhas que pastavam no mato, na chamada zona do concelho, e que eram recolhidas e tosquiadas apenas nos dias de “Fio”, era, regra geral, o de entretimento e ocupação das crianças que, assim, se iam habituando e preparando para, mais tarde, tratar e cuidar dos animais. Mas, por outro lado, a criação de ovídeos junto de casa também proporcionava a utilização, quer da lã, quer da carne, com uma maior regularidade. Na Fajã o leite de ovelha nunca foi utilizado na alimentação humana, a não ser em tempos muito recuados, destinando-se, naquela altura, exclusivamente, à alimentação das crias. Sendo assim eram as crianças que cuidavam e tratavam das ovelhas, trazendo-lhes comida dos campos ou levando-as a pastar em pequenos currais ou ainda amarrando-as à estaca, no “oitono”, neste caso em conjunto com as vacas que também aí estavam amarradas.

No entanto, muitos fajãgrandenses, retiravam outro provento da criação dos ovinos à porta, pois utilizavam as ovelhas ou, eventualmente, um carneiro, para puxar minúsculos carros, no transporte de cargas mais leves e pequenas, aliviando-se de trabalhos e canseiras, evitando serem eles próprios a acarretar esses carregamentos às próprias costas. Foi assim que nasceram os carrinhos das ovelhas, que, em tempos antigos, muito provavelmente, terão sido usados com muita mais frequência e em maior número.

Os carrinhos das ovelhas, puxados apenas por um só ovino, eram autênticas miniaturas dos carros de canguinha, puxados por uma vaca. Na realidade não era costume encangarem-se juntas de ovelhas, como se fazia, no caso das vacas ou dos bois. As ovelhas atrelavam-se sempre uma a uma e, por isso mesmo, os carros que elas puxavam, a canga que se lhes enfiava no pescoço e até os tamoeiros que as prendiam ao cabeçalho, tudo, mas mesmo tudo, era rigorosamente igual aos carros de canguinha, mas em ponto pequeno. Autênticas e verdadeiras miniaturas.

Com a tampa superior encastoada entre os dois cabeçalhos laterais, os carrinhos de ovelhas tinha as rodas mais simples, feitas geralmente duma peça única, enfiadas num eixo que encaixava nos “queicões”, presos ao tampo e com uma canga de canguinha muito semelhante às das vacas. Além disso, também tinham fueiros e sebe, embora esta, geralmente fosse feita com tábuas de madeira.

Mas as ovelhas não eram tão dóceis, nem tão obedientes, nem tinham tanta facilidade em aprender a trabalhar como as vacas. Eram mesmo umas desajeitadas. Daí que fosse preciso muito tempo e bastante paciência para as habituar à canga, tarefa que geralmente era confiada aos mais novos, mais pachorrentos, mais disponíveis, que assim se iam esquivando de acarretar os molhos às costas. Um carrinho de ovelhas transportava, muito à vontade, um grande molho de lenha ou de incensos, um pesado saco de batatas ou um grande cesto de inhames

Os carrinhos das ovelhas eram de fácil e simples fabrico, por isso qualquer habilidoso podia construí-los. Tinham a vantagem de serem utilizados quando se pretendia acarretar pequenas cargas, não o querendo fazer às costas. Além disso arrumavam-se facilmente, cabiam em qualquer caminho e se a ovelha “desse as couves” (1) o dono podia muito bem substituí-la, puxando o carro pelas suas próprias mãos.

Havia, no entanto, muitos homens na Fajã que diziam “não ter paciência para estas criancices”. Na realidade conduzir um carrinho de tão minúsculo tamanho, puxado por uma ovelha ou por um carneirinho, mais se assemelhava a uma brincadeira de criança do que propriamente a uma tarefa de adulto.

Confesso que tive a sorte, em criança de ter uma ovelha, mansa, meiga e que me seguia para todos os lados como se fosse um cãozinho. Era eu que ia buscar comida e lha dava, a levava a pastar ao Outeiro ou ao curral das Águas e lhe fazia a cama com feitos secos, mas nunca consegui, apesar de o pedir insistentemente, que meu pai me arranjasse um dos tais carrinhos.

(1)     Na Fajã Grande dizia-se que um animal “dava as couves” quando ficava tão cansado e estafado que já não conseguia trabalhar mais.

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publicado por picodavigia2 às 23:02

TAMOEIROS, BROCHAS E ATRACAS

Quinta-feira, 26.12.13

Para encangar quer uma junta de bois ou de vacas, quer apenas uma rês - neste caso dizia-se, na Fajã Grande, que se encangava de “canguinha” - para puxar carros, corções ou até para lavrar os campos, para além de outros, eram necessários três utensílios ou apetrechos importantes: o tamoeiro, a brocha e a atraca. Estes utensílios eram feitos de couro e fabricados na Fajã Grande, sendo que cada agricultor praticamente elaborava os que necessitava. Se o não conseguisse fazer, recorria a um amigo ou familiar mais habilidoso que lhos fizesse.

O couro era obtido das peles dos bovinos. Quer por altura da festa do Espírito Santo quer numa ou noutra ocasião mais solene, ou até a quando do cumprimento de um jantar em louvor do Senhor Espírito Santo, geralmente prometido por americanos, abatia-se uma ou outra rês, aproveitando-se a pele, que era curtida por processos artesanais muito antigos. Segundo Gaspar Frutuoso a ilha das Flores, no século XVI, já exportava, entre outros produtos, “couros de toda a sorte”. Ora se havia exportação era porque havia produção e se havia produção era porque havia arte e sabedoria e, pese embora essa exportação tenha decaído e até desaparecido, a arte e a sabedoria de curtir os couros naturalmente que se manteve e chegou, pelo menos às primeiras décadas do século passado. Era destes couros guardados e armazenados que se obtinham as tiras mais grossas para os tamoeiros e as mais finas para as broxas e para as atracas.

O tamoeiro era uma grossa e potente fita de couro com as pontas bem amarradas uma à outra, de forma que em caso algum se soltassem, formando um enorme circunferência e que era dobrada sobre as duas ranhuras centrais da canga, enfiando-se, no espaço que as dobras deixavam por baixo da canga, o cabeçalho do carro ou do corsão ou o temão do arado, onde se prendia com uma chavelha. Como as cangas na Fajã Grande, contrariamente a outras localidades nos Açores, tinham a barriga grossa, os tamoeiros eram realmente grandes e de tal maneira maleáveis que se podiam adaptar a cangas ou cabeçalhos mais ou menos delgados. Os tamoeiros usados nos carros eram necessariamente os maiores e mais fortes porque estes tinham o cabeçalho mais grosso e carregavam mais peso. Depois os dos corções e finalmente os dos arados, que eram, sem sombra de dúvida, os mais pequenos. Havia também tamoeiros para as cangas “de canguinha”, mas neste caso e como a canga era em forma de V invertido, e sem ranhuras mas com furos em ambos os lados, os tamoeiros eram obrigatoriamente dois, muito pequenos e delgados, geralmente feitos de corda e enfiados, permanentemente, nos respectivos orifícios de cada lado da canga.

As brochas também eram feitas de couro e serviam para apertar a parte baixa dos canzis das cangas, a fim de esta não escapulisse do pescoço do animal. Eram praticamente todas iguais, diferenciando-se apenas no tamanho. As tiras de couro eram bem mais finas e muito mais pequenas do que as do tamoeiro, mas também tinham a forma de uma circunferência. Amarradas as extremidades da tira, esta era muito bem enrolada, até obter uma forte consistência, ficando apenas nas extremidades duas alças ovais que se prendiam nas ranhuras dos canzis, mais abaixo ou mais acima, consoante a espessura do pescoço da rês.

Finalmente a atraca, que também era feita com uma tira de couro, servia para prender as duas reses pelos chifres. Na Fajã Grande quase todos bovinos usavam ponteiras de metal nos chifres. A atraca prendia-os pelas ponteiras, ligando o chifre direito do animal que trabalhava pela esquerda, ao esquerdo do que trabalhava pela direita e servia para secundar o efeito da canga, mantendo os animais unidos e a puxar em conjunto, a “puxar para dentro” como se dizia. Para fazer a atraca, abria-se com uma navalha uma fenda numa das extremidades da fita do couro, pela qual entrava a outra e prendia-se num dos chifres, dando, por fim um nó de duas voltas no chifre do outro animal, ou procedendo como na outra extremidade. Como a atraca era um utensílio um pouco mais requintado, embora necessário, muitos lavradores não a usavam simplesmente porque não a tinham. Neste caso prendiam as reses uma à outra, amarrando-lhes as cabeças com uma simples corda que, assim, de forma rudimentar e tosca, substituía a atraca. Situação semelhante se verificava quando os animais eram muito novos e ainda não tinham ponteiras nos chifres. A maioria dos animais estava tão habituada à canga, que presos apenas pela atraca, caminhavam lado a lado como se estivessem encangados.

Resta acrescentar que quando lavravam, se não estivessem habituadas ou ainda não soubessem trabalhar, necessitavam de alguém que fosse à sua frente, ensinando-as. Neste caso, em vez de prender os animais com a brocha, amarrava-se-lhes a cabeça com uma corda grande, com a qual eram conduzidas, como se fossem amarradas. Lavradores mais experientes substituíam essas cordas por uma outra muito grande, chamada “atiradeira” e mesmo agarrados à rabiça do arado iam puxando a corda e conduzindo a rês ou as reses por onde bem queriam e entendiam, obrigando-as inclusivamente a voltar no fim de cada rego, sem estar alguém a conduzi-las ou orientá-las.

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publicado por picodavigia2 às 21:35

AS AGUILHADAS

Quarta-feira, 18.12.13

As aguilhadas eram varas cortadas de qualquer tipo de árvore, direitas, compridas, esguias e com poucos nós que, depois de preparadas, serviam para tocar o gado, sobretudo quando trabalhava encangado, quer de junta quer de canguinha. As melhores e mais resistentes aguilhadas eram as feitas com varas retiradas da planta do araçá, embora se utilizassem bastante as de álamo, de loureiro e até as de pau branco.

Uma vez escolhida a varinha ideal, tarefa que não era fácil, a aguilhada era devidamente preparada. Com uma navalha bem afiada tiravam-se todos os ramos, aparavam-se muito bem aparadinhos os respectivos nós e geralmente depois de ficar a secar durante alguns dias, era-lhe tirada a casca, tarefa que se conseguia raspando-a com um pedaço de vidro quebrado. A parte superior era muito bem cortada, a fim de nela se fixar o aguilhão. Este era feito com um pequeno prego a que se cortava a cabeça ou com uma pomtinha de verga rija, muito bem limada nas duas extremidades: uma para se cravar e fixar na ponta da aquilhada, enquanto a outra servia para picar os animais, sobretudo quando estes não reagiam nem cumpriam as ordens dadas pelo dono ao serem simplesmente tocados com a aguilhada.

No extremo oposto à ponta e na parte mais grossa fazia-se  um  ”pé” ou “cepa”, semelhante ao dos bordões, destinado a cravar-se no chão, caso o utilizador quisesse apoiar-se com a aguilhada, ao andar. Era também neste “pé que se encravava uma éspécie de pequena pá, feita de lata, que se utilizava apenas quando se lavrava com o arado de ferro e servia para limpar as aivecas do arado.

Na Fajã Grande, na década de cinquenta, havia aguilhadas muito bonitas, elegantes e muito bem trabalhadas. Havia inclusivamente quem por elas tinha um fascínio, possuindo uma espécie de pequena e variada coleção, guardadas sobre os tirantes do palheiro e que iam sendo usadas de acordo com a sua mais perfeita e adequada funcionalidade.

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publicado por picodavigia2 às 19:16

O CARRO DE BOIS

Sexta-feira, 13.12.13

Na Fajã Grande, nos anos cinquenta, o carro de bois era, a par do corsão, um dos mais importantes meios de transporte dos produtos agrícolas, da lenha e dos alimentos e cama para os animais. Além disso, o carro de bois também era utilizado nos transportes de mercadorias, uma vez que era o meio a que se recorria para fazer chegar à Fajã os produtos necessários, vindas das vilas, sempre que estes rareavam e quando não podiam ser transportados por mar, devido ao mau tempo. Por outro lado, o carro de bois, antes da abertura da estrada entre o Porto da Fajã e os Terreiros, também teve um importante papel, dado que, nos dias em que o Carvalho fazia serviço na Fajã Grande, eram monopolizados praticamente todos os caros de bois existentes na freguesia, para o transporte, pelo menos até à Ribeira Grande, de toda a carga chegada à ilha naquele paquete e que se destinava aos grandes comerciantes de Santa Cruz e das Lajes. O carro de bois também chegou a ser utilizado como meio de transporte de pessoas, sobretudo de doentes e as crianças, sempre que podiam, não perdiam a oportunidade de utilizar aquele aliciante meio de transporte, por vezes até alapadas lá no cimo dos carregamentos.

O carro de bois utilizado na Fajã Grande, na realidade, não só obedecia a um modelo próprio e específico, mas era também uma verdadeira obra de engenharia e, até, de arte. A maior parte dos carros existentes na Fajã eram construídos na própria freguesia, por carpinteiros locais, ajudados por outros homens e a matéria-prima para a sua construção era a madeira e duas tiras de ferro destinadas a serem pregadas na parte exterior das rodas, para as proteger. Apenas os parafusos para apertar os “queicões” eram comprados ou mandados vir de Santa Cruz.

O carro de bois era composto basicamente de três partes: as rodas, o eixo e o tampo. As rodas eram o mais difícil de construir e montar, uma vez que eram constituídas por seis partes: o meão, duas cambotas, duas arreias e o ferro exterior. O meão era a peça central da roda, constituindo a maior parte da mesma, no meio do qual se fazia um furo quadrado, onde era fixado o eixo. As cambotas eram duas espécies de meias-luas, fixadas ao meão por intermédio das arreias, duas tiras de madeira que se uniam, por intermédio de furos abertos no meão e nas meias-luas. No exterior de cada roda pregava-se, com cravos semelhantes aos das ferraduras dos cavalos, a tira de ferro não só para proteger a roda mas também par apertar melhor as suas partes. No sentido transversal, em linha recta ao centro do furo do eixo, nos encontros do meão e das cambotas, eram deixadas, em cada roda, duas perfurações, as quais, além de dar uma conformação mais estética às próprias rodas, serviam para difundir o som do chiar do carro, pelos ares, à semelhança das aberturas duma viola.

Por sua vez o eixo era constituído por uma única pau, bastante grosso e rijo, utilizando apenas duas chavetas em cada cabeça para fixa-lo nas rodas. Tratava-se de uma peça pesada e volumosa, de boa madeira e rija, em cujas extremidades se afinavam as ponteiras, de maneira que encaixassem perfeita e adequadamente nos furos do meão. Um pouco mais dentro e de ambos os lados do eixo, eram feitos dois recortes para o encaixe dos cocões e dos chumaços. Os cocões eram apertados ou alargados com os parafusos, permitindo assim travar ou aliviar o carro. Durante o circular do carro com os parafusos apertados este chiava, o que se devia em parte ao untar-se os recortes do eixo com sebo. O bem chiar era muito importante num carro de bois, conferia auto estima ao proprietário, dava-lhe um estatuto de grandiosidade e era uma espécie de prestígio pessoal.

Finalmente o tampo que era a parte mais complexa do carro de bois e talvez a que mais exigia em noções de engenharia e de simetria. O seu formato assemelha-se a uma pá do forno em ponto grande, mas com o cabo mais curto. Eram peças básicas do tampo: o cabeçalho, duas chedas, dois chumaços, quatro cocões, o recavém e a chavelha. O cabeçalho era a parte mais comprida do tampo e era formado por uma única peça de madeira, localizada ao meio, desde a parte dianteira onde se prendia a chavelha até ao recavém. A conformação do tampo era realizada mediante a junção das chedas, que eram construídas segundo técnicas especiais de recortes e fixadas na parte anterior ao cabeçalho e posteriormente a uma tira traseira. Na Fajã, os espaços entre o cabeçalho e as chedas eram forrados com tabuões de madeira. O cabeçalho era uma espécie de coluna vertebral do tampo, pois a ele se prendia e dele dependia toda a estrutura da mesma. As chedas, que constituem as partes laterais do tampo, recebiam as perfurações dos cocões, por baixo e as dos fueiros, na parte superior. Estes eram em número de quatro ou cinco de cada lado, Assim, os cocões, uma espécie de grandes pinos, destinavam-se a receber o eixo das rodas, de o fazer rolar e eram fixados dois em cada cheda. Por sua vez a sua fixação era feita mediante a aplicação de pinos ou tornos, na parte superior que evitavam que os mesmos caíssem. Entre os cocões e mediante fixação dos mesmos, eram encaixados os chumaços, uma espécie de amortecedores sob os quais rodava o eixo do carro. Estas peças, com o tempo, desgastavam-se e aqueciam muito, por isso, deviam ser lubrificadas constantemente, para evitarem que o carro se incendiasse. Por vezes, ao começar a ver-se o eixo a deitar fumo, era necessário atirar-lhe água para cima. Por sua vez, a lubrificação que era feita com sebo de boi e quando o não havia com sabão azul, também fazia com que o carro chiasse mais e melhor, “cantasse” mais afinado. A chavelha era uma peça de madeira que era colocada bem na ponta do cabeçalho, num furo construído perpendicularmente e servia para fixar o carro à canga através do tamoeiro.

Constituíam, ainda, acessórios do carro de bois a sebe, geralmente construída com vimes e servia para transporte de cereais, batatas, sargaço e estrume, a atiradeira que prendia e apertava os fueiros a meio da carga, quando esta era mais alta e o cabo que prendia a carga final, sendo apertado no cimo com dois arrochos, isto é, dois paus, um direito que se espetava na carga e outro curvilíneo que ia enrolando à volta do primeiro, a fim de arrochar ou apertar a carga. Para atrelar os bois ao carro utlizava.se a canga presa pelo tamoeiro ao cabeçalho, através da chavelha. Na Fajã Grande os carros eram, regra geral, puxados apenas por uma junta de bois. Apenas em situações muito especiais, para o transporte de algo excessivamente pesado, se juntava uma segunda junta, designada por “solas”. Essa a razão por que na Fajã era usada a expressão “deita-lhe as solas”, para gozar quem estava em dificuldade em transportar o que quer que fosse.

 Na Fajã Grande também existia uma outra espécie de carro de bois, era o de “canguinha” muito semelhante  ao de junta mas com duas diferenças. Por um lado era bem mais pequeno e o diâmetro das rodas menor e em vez de um, tinha dois cabeçalhos laterais, na continuação das chedas e no meio dos quais se atrelava o boi ou a vaca, através de uma canga de canguinha.

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publicado por picodavigia2 às 09:24

O ARADO DE PAU

Segunda-feira, 14.10.13

Na Fajã Grande, como aliás em todas as restantes freguesias e até nas duas vilas da Ilha Flores, onde a principal actividade económica era agricultura, naturalmente que o arado tinha um papel de relevo e de grande importância, sendo considerado um utensílio agrícola de extrema e frequente utilidade.

Segundo Alvin Toffler no seu célebre livro “The Third Wave” (A Terceira Vaga) as maiores invenções da humanidade, porquanto mais influenciaram e alteraram o tipo de sociedade, foram três: o computador, a máquina a vapor e o arado. Na realidade foi este último ou a simultânea descoberta por parte do homem de que era capaz de cultivar a terra e fazer nascer dela, mesmo ali ao seu lado, sem ter que efectuar grandes deslocações, as plantas que muito bem quisesse e entendessem e que lhe garantiriam o seu sustento e o da sua família, que permitiu à humanidade transitar do nomadismo para o sedentarismo, originando-se assim os primeiros aglomerados populacionais que, ao longo do tempo, haveriam de evoluir e crescer assustadoramente até se transformarem em grandes civilizações de índole agrícola, sobretudo junto às margens de grandes rios como o Tigre e o Eufrates na Mesopotâmia e o Nilo no Egipto, onde de facto nasceram e cresceram grandes cidades e grandes impérios.

Daí que o arado ao longo dos tempos tenha tido uma excelsa importância na actividade agrícola de todas as comunidades que se dedicaram e sobreviveram da agricultura, existindo assim uma enorme e diversificada variedade daquele útil e histórico utensílio agrícola.

Na Fajã Grande existiam dois tipos de arados: os “de ferro”, mais raros e importados de São Miguel mas não acessíveis a todos os bolsos e os “de pau”, construídos de madeira. Além disso estes arados eram fabricados na própria freguesia com excepção das aivecas e das pontas ou bicos que eram de ferro. Quer as aivecas quer os bicos eram compradosem Santa Cruz, numa peça única, ao Celestino Carvalho sendo ele próprio a fabricá-los. A restante parte do arado, na realidade, era construída na Fajã, dedicando-se a esta arte, entre outros, o Urbano, o José Cardoso, o José Rodrigues e o António Maria.

O arado de Pau, típico da Fajã Grande, era constituído por duas partes principais: o temão e a rabiça, as quais, por sua vez, também se dividiam em várias pequenas peças. O temão era uma espécie de cabeçalho, geralmente feito de incenso ou loureiro, semelhante aos dos corsões, com um ou dois buracos na ponta, a fim de se enfiar uma chavelha que o prendia ao tamoeiro e este à canga. A existência de dois buracos no temão destinava-se a adequar o tamanho deste às reses que “encangadas” puxavam o arado. Vacas grandes ou bois, chavelha no buraco da frente, gueixas ou reses mais pequenas, chavelha no buraco de trás. Por sua vez a rabiça era feita de pau branco e assemelhava-se a um z, com a haste vertical inclinada ao contrário e a parte de baixo ligeiramente oblíqua. A rabiça dividia-se em três partes: a mão que correspondia à parte de cima do z e tinha o formato duma bengala, a ponta onde se encravava o bico de ferro e a que se prendiam as aivecas e o rabo, correspondente à haste vertical do z, que ligava a ponta à mão e onde estava encravado o temão. As aivecas, encravadas na ponta, prendiam-se ao temão com o pascal, mas de tal forma maleável que a ponta se poderia abrir ou fechar mais ou menos, consoante se quisesse fazer um rego mais ou menos fundo. O temão, por sua vez ao encravar-se na rabiça era preso com uma cunha a fim de se segurar melhor.

Imediatamente a seguir ao pascal, o temão tinha um furo lateral, no qual se encaixava um trambolho, caso se pretendesse lavrar de canguinha ou seja com um só animal. Era a este trambolho que se amarrava um “atiradeira” ou corda que, paralela ao temão, se ia prender à canga que o animal levava ao pescoço, enquanto do outro lado era o temão que a ela se apresava com a chavelha habitual e com um tamoeiro pequenino, enfiado nuns furos da canga.

O arado de pau era utilizado para atalhar os campos e para semear o milho, sendo que no primeiro caso se usava quase sempre duas reses, enquanto no semear era muito frequente usar-se o arado de canguinha.

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publicado por picodavigia2 às 20:21

O IMPÉRIODOS TRICICLOS

Quinta-feira, 05.09.13

A abertura da estrada entre o Porto da Fajã e a Ribeira Grande, no lugar do Pessegueiro, veio alterar radicalmente os meios de transporte de produtos agrícolas fajãgrandenses. Até então e quando os produtos das terras não eram acarretados às costas, o corsão de madeira, puxado por bovinos e a arrastar sobre as pedras da calçada era o tipo de transporte mais utilizado na Fajã Grande. Os carros de bois eram raros e os existentes pouco utilizados. Daí o frequente e contínuo recurso ao típico e tradicional corsão de bois. Mas na nova estrada, com piso de bagacina e, mais tarde, alcatroado, foi obviamente proibido o uso daquele veículo rastejante. É que o mesmo deslocando-se por arrasto, destruiria por completo o liso e fofo tapete da nova e moderna via de comunicação. Daí que toda a zona limítrofe da nova estrada, desde o Vale da Vaca ao Vale Fundo, passando pelo Delgado, Cabaceira, Moledo Grosso, Lombega, Cancelinha, e até pela Cuada ficasse impedida dos seus produtos serem acarretados em corsões.

Bem verdade é que a necessidade aguça o engenho! Foi precisamente nesta altura e por esta razão que surgiram, na Fajã, os célebres triciclos que dominaram e se impuseram no transporte dos produtos agrícolas da zona acima referida. Muito provavelmente inspirados nos pequenos brinquedos das crianças com o mesmo nome, começaram a construir-se triciclos gigantes, do tamanho e do formato quase semelhante ao dos carros de bois. Só que as rodas em vez do arco de ferro que as envolvia eram mais pequenas, mais leves e eram forradas e protegidas por uma tira de borracha ao seu redor, a fim de as proteger do desgaste, de tornar o seu deslizar mais suave e o seu peso menor. O cabeçalho era mais grosso do que o dos carros de bois e sobre ele existia um assento de forma triangular, para o condutor. Na extremidade do mesmo em vez do buraco da chavelha e da canga havia um orifício onde se enfiava e no qual rodava o guiador, no qual se articulava a roda da frente. Os triciclos eram munidos de travões nas rodas de trás.

O primeiro triciclo que houve na Fajã foi construído pelo José Furtado ao qual se seguiram muitos e muitos outros. Por vezes era impressionante o número de triciclos que deslizava pela Assomada abaixo, carregados com lenha, fetos e cana roca, incensos para o gado e até milho e batatas. No entanto os triciclos tinham um senão: é que só deslizavam “de volta a baixo”, enquanto que na subida tinham que ser empurrados pelo próprio dono, o que, por vezes, tornava o seu uso mais difícil, incómodo e pouco abonatório. Havia, no entanto, quem na subida os atrelasse a um burro, resolvendo assim o problema. Direito a baixo, porém, eram um regalo bem carregadinhos lá vinham eles todos prazenteiros.

Paralelamente começaram também a surgir os carros de mão, ou seja uma espécie de miniatura dos carros de bois, empurrados e puxados também pelo próprio dono. Daí que o cabeçalho também não tivesse o buraco da chavelha mas sim de um lado e outro um pequeno pau encravado a que se agarravam as mãos de quem os puxava ou conduzia.

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publicado por picodavigia2 às 17:09

O CORSÃO DE BOIS

Quinta-feira, 11.07.13

O corsão de bois constituiu talvez o mais antigo e o mais tradicional veículo de transporte de produtos agrícolas utilizado na Fajã Grande. Foi também incontestavelmente o mais utilizado e o mais importante, pelo menos até à abertura e construção da nova estrada, uma vez que nessa altura foi interdita, por razões lógicas, a sua circulação naquela via, sendo então quase definitivamente substituído pelo carro de bois, pelo carro de mão e pelos triciclos.

Na Fajã existiam dois tipos de corsões: os de “junta” e os de “canguinha”. Os primeiros eram maiores e puxados por duas reses, enquanto aos segundos, um pouco mais pequenos, atrelava-se apenas um animal, embora por vezes, o mesmo corsão fosse utilizado e puxado, em tempos diferentes, por uma junta de bovinos ou por um só. Neste caso alterava-se apenas o respectivo cabeçalho. Havia ainda uns corsões mais pequenitos que eram puxados por bezerros. Uns e outros quando se deslocavam sem carga eram a alegria da garotada que de pé ou sentados e bem agarrados aos fueiros viajavam sobre eles em alegres passeatas.

O corsão era quase todo construído em madeira e puxado por bois ou vacas que o faziam deslizar ou arrastar sobre as pedras da calçada, por vezes extremamente irregular, ao longo dos vários caminhos da Fajã que, eventualmente tinham a largura suficiente para passar um junta de bois. A sua estrutura assentava fundamentalmente em dois grossos paus de incenso, devidamente cortados, endireitados e aplainados, com a parte da frente em forma de proa de navio, que se uniam por meio de cinco ou seis travessas de cedro, um pouco arcadas na parte superior e que eram neles encravadas de modo a formar uma espécie de grade rectangular. A seguir à primeira travessa da frente os paus eram furados e nos furos era enfiada uma cavilha de ferro a que se prendiam os cabeçalhos. Os corções de “junta” tinham apenas um cabeçalho que se prendia na cavilha com uma armação em forma de triângulo, denominada “cangalha” e que se destinava a fixar o cabeçalho precisamente a meio do corsão, para que a junta das reses o puxasse da forma mais equilibrada possível. Quando os paus laterais que rastejavam sobre as pedras da calçada se iam gastando em demasia, pregavam-se por baixo uns outros mais espalmados, chamados “alabaças”, que impediam que os originais se corroessem totalmente e o corção se desfizesse por completo. A fim de se arrumarem da melhor forma e segurarem bem os produtos que se pretendiam transportar, como lenha, incensos, milheiros, rama seca, fetos, cana roca, etc, os paus laterais tinham quatro ou cinco furos cada um, onde se espetavam os fueiros feitos de incenso ou oraçã e que eram maiores ou menores consoante se pretendia trazer menos ou mais carga. Para transporte de carregamentos mais leves e volumosos, como fetos e rama seca, os fueiros, para além de muito altos, eram tornados pontiagudos, a fim de que os produtos neles fossem espetados e se segurassem melhor tão volumosa carrada. Quando a carga ia a meio passava-se pelos fueiros a “travadura”, ou seja, uma corda delgada com uma arça na ponta e que se prendia num dos fueiros da frente e que depois se ia cruzando, fueiro a fueiro, até se amarrar a extremidade no último de trás a fim de segurar bem o fardo. Por fim toda a carga era amarrada com um cabo ou corda maior e mais grossa do que a “travadura”, também com arça na ponta e que era amarrado num dos lados, na travessa do meio, e vinha prender na mesma travessa do outro lado. Com os arrochos, formados por dois paus, um direito, espetado na carga e outro torto para torcer o cabo em volta do primeiro pau, apertava-se muito bem a carga de modo a que esta não desfizesse ou caísse. Se a carga era milho, batatas, inhames ou esterco era colocada sob o corsão e presa nos fueiros uma sebe feita de vimes, sendo as travessas cobertas com tábuas e a sebe fechada a trás com uma porta.

Por sua vez o cabeçalho ou cabeçalhos, uma vez enfiados na cavilha, eram presos â canga com um tamoeiro feito de couro que dobrava sobre a canga e se prendia ao cabeçalho com uma chavelha. No corsões de “canguinha”, a canga tinha a forma de um v invertido e cada lado tinha o seu pequeno tamoeiro também preso com uma chavelha ao respectivo cabeçalho. A canga de junta tinha a forma de um M com o tamoeiro preso a meio e assentava no pescoço dos animais com dois “canzilhes”, presos por baixo do pescoço do animal com uma brocha feita de couro, sendo a cabeça dos bovinos amarradas uma à outra ou simplesmente presos pelas ponteiras dos chifres, caso as tivessem.

O grande problema dos corsões era o de que sendo o piso dos caminhos muito irregular, estes, vezes sem conta, sobretudo quando excessivamente carregados, empeçavam nas pedras e calhaus mais salientes do caminho. Para os desempeçar era o cabo dos trabalhos, sendo necessários dois ou três homens ou, por vezes, retirar-lhe uma boa parte da carga.

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