PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O BALAIO
O balaio era um cesto de palha gigante em forma de alguidar, feito de palha e que era usado, na Fajã Grande, antigamente, para armazenar ou carregar mantimentos (milho na espiga ou em grão, trigo também em grão, tremoços, favas e até feijão quando este abundava. Dado o seu exagerado tamanho, o balaio não servia para transportar os produtos mas sim para os guardar, geralmente nas casas velhas. Mas o balaio não era muito vulgar na Fajã Grande e os que existiam revelavam sinais de alguma antiguidade, pelo que haviam sido herdados de antepassados. A partir das décadas de quarenta e cinquenta do século passado já ninguém os fabricava, dado que já não se produzia trigo, a não ser em pequenas quantidades, a fim de aproveitar a palha para o fabrico de chapéus, quer os de homem quer os de mulher.
Não é fácil descortinar a etimologia da palavra da palavra ‘balaio’ na Fajã Grande também usada com outro significado. Os dicionários referem-no apenas como substantivo masculino, significando um cesto de diversos tamanhos, formatos e materiais. O feminino na língua portuguesa é utilizado mas para significar um pequeno cesto, sem asas e com tampa, O balaio é muito usado na América do Sul, de onde talvez seja originário e onde é feito com materiais diversos, como palha, folhas de milho, de bananeiras, de palmeiras, de bambu, cipós, fibras de agave e taquara.
Nestas paragens do globo para além de ser usado para guardar cereais e outros alimentos, também serve para os transportar e guardar roupas.
Castilho refere-se a ele com a seguinte frase: não há balaio de palmilhadeira em que não as vejais.
Consta que existem várias palavras derivadas ou relacionadas com balaio. As mais comuns são abalaiado, balaieiro e balaiada, mas a maioria dos dicionários não a refere
O outro significado dado a balaio na Fajã Grande era ao úbere ou mojo da vaca quando esta dava cria e era de proporções exageradas…
Autoria e outros dados (tags, etc)
OS ORATÓRIOS
Em tempos idos, na Fajã Grande, à noite, antes de se deitar, era costume em muitas casas a família juntar-se para rezar o terço ao qual se seguiam outras orações, geralmente Padre Nossos e Avé Marias pedindo a Deus ajuda e proteção para os familiares vivos e o descanso eterno dos que já haviam falecido. Geralmente era o pai e no caso dos homens menos devotos a mãe que presidia às orações. Em muitas casas, era junto a um oratório que se faziam estas orações.
Os oratórios, geralmente, eram herdados de pais, avós e bisavós e eram guardados, com muito respeito, em cima da mesa da sala, pelas pessoas mais antigas chamada casa de fora, para distinguir da cozinha onde a família permanecia sempre que os seus membros estavam em casa, quando ainda não deitadas. Quase todas as casas tinham os seus oratórios com os santos da sua devoção, onde não faltava um cruxifixo. O cruxifixo, guardado no oratório tinha um simbolismo muto grande, porquanto para além de uma herança especial e muita antiga, havia sido colocado nas mãos de pais, de avós, de bisavós e de outros parentes na hora da morte.
Estes oratórios eram pequenas caixas de madeira, com a tampa da frente em vidro. Por vezes com a forma de porta. Muitos deles, apesar de pequenos eram muito bonitos uma vez que reproduziam a estrutura de pequenos altares de igrejas barrocas. Outros eram forrados de tecidos ou de veludo e tinham desenhos e flores. Eram pois peças muito interessantes, uma espécie de relicário onde se guardavam os símbolos da devoção das famílias que os possuíam. Para além do cruxifixo que não faltava em nenhum oratório, geralmente colocado na parede traseira, os oratórios continham várias imagens de santos de devoção familiar. Mas as imagens que predominavam eram as Nossa Senhora, nomeadamente a Senhora do Carmo, a Senhora do Rosário, a senhora da Conceição e a Senhora da Saúde. Os santos mais comuns para além do Coração de Jesus e de S. José eram São Francisco, Santo Amaro, São Pedro e Santa Rita. Alguns oratórios também guardavam pequenas coroas do Espírito Santo, terços, medalhinhas de santos, escapulários da Senhora do Carmo, cordão de São Francisco e folhetos com orações. Ao lado do oratório geralmente eram colocadas fotografias sobretudo de familiares que haviam partido para a América.
Lamentavelmente a maioria destas simples e pequenas mas simbólicas peças representativas da religiosidade popular ter-se-ão, como tantos outros utensílios domésticos antigos, perdido por completo no tempo, no espaço e na memória de muitos.
Autoria e outros dados (tags, etc)
MOINHOS DE MÃO
Os antigos moinhos de mão açorianos, muito comuns nas Flores e mais concretamente na Fajã Grande eram feitos de pedra basáltica e constituídos por duas peças talhadas manualmente na própria pedra. Uma era mó, de forma redonda e com um olho ou buraco, no meio, sobre o eixo central por onde se deixava cair o grão de cereal que se pretendia moer. Esta mó, sob a forma de tampa gigante, tinha encastoado, próximo do bordo exterior, um manípulo de maneira, destinado a ser manipulado, imprimindo, assim, o movimento, mais ou menos rápido, à própria mó. A segunda peça, sobre a qual assentava a mó, era uma espécie de base fixa e, obviamente também redonda, com um rebordo ligeiramente mais alto do que a mó. A base sobre a qual rodava a mó, tinha uma pequena falha ou rebordo num dos lados, sob a forma duma pequenina rampa e através da qual a farinha, depois de moída saía. Uma terceira peça que não fazia parte da estrutura do moinho era a destinada a recolher a farinha, sendo que muitas vezes se usava um saco ou, simplesmente um pano.
Estes moinhos comuns em muitas casas, dado que a farinha que moíam ficava bastante grossa, na Fajã Grande eram usados geralmente para moer o milho quando ele ainda não estava bem amadurecido ou seco. Era com esta farinha que se faziam as chamadas papas grossas que comidas quentes com o leite, ou simplesmente frias e às talhadas eram saborosíssimas. Havia também quem, quando frias as comesse cobertas com o leite a ferver ou até fritas. Era sobretudo nos dias anteriores à apanha do milho que se recorria a este apetitoso manjar.
Moer no moinho de mão era tarefa das mulheres que, muitas vezes pediam ajuda às crianças, a fim de irem lentamente deitando o milho no buraco da mó, enquanto a mãe ou a irmã ou outra mulher ia rodando a mó, por vezes um pouco pesada.
Consta que no início do povoamento das ilhas, antes dos moinhos de água estes equipamentos domésticos terão sido de grande importância. Uma vez que ainda não existiam os moinhos de água ou de vento, era a eles que se recorria para moer os cereais, nomeadamente o trigo, muito utilizado nos primórdios do povoamento açoriano. Mesmo mais tarde, já com o funcionamento daqueles moinhos, as famílias mais pobres recorriam ao seu uso, obtendo, assim obter a farinha sem o encargo de pagar a maquia ao moleiro ou outos impostos.
Autoria e outros dados (tags, etc)
OS LAVADOUROS DE MADEIRA
Embora situada numa zona não apenas de muitas grotas e ribeiras mas também de muitas nascentes, apenas na década de cinquenta a freguesia da Fajã Grande foi abastecida com rede pública de água. Mesmo assim e nessa altura muitas famílias não meteram água em casa, uma vez que o custo de tal adesão era muito elevado para as mais pobres, tanto no que à instalação de canos e torneiras dizia respeito como ao custo da mão-de-obra até da taxa a pagar mensalmente. Por isso até aos anos cinquenta e sessenta muitas mulheres eram obrigadas a deslocarem-se às ribeiras mais próximas para lavar a roupa. Mas para a maioria das casas as ribeiras ficavam bastante longe e perdia-se muito tempo em idas e vindas, pelo que eram possíveis apenas uma ou duas idas semanais aos locais onde se lavava, destinadas às roupas mais sujas, às peças maiores e mais difíceis de lavar. As roupas mais leves, as peças mais pequenas e menos sujas eram lavadas em casa, em selhas, indo-se se buscar água a uma fonte ou nascente mais próxima. Ora estas selhas tinham como anexo os célebres lavadouros feitos de madeira, muitos deles de fabrico caseiro outros encomendados nos carpinteiros.
Os lavadouros caseiros eram constituídos por uma grossa e pequena tábua de madeira, geralmente de cedro e de formato retangular. A parte inferior, que entrava na selha com água era cortada em forma de v, formando duas espécies de pés que se fixavam no fundo da selha. Num dos lados e um pouco acima dos pés a tábua era escavada, de maneira a formar uma espécie de regos muito próximos uns dos outros ou escarpas simétricas e sucessivas nas quais a roupa, depois de encharcada e ensaboada era esfregada. A extremidade superior da tábua era lisa a fim de que caso a mulher encostasse o peito não se magoasse ou ferisse.
Para o seu uso, bastava colocar a tábua transformada em lavadouro dentro da selha, fixá-la muito bem e esfregar a roupa como se um lavadouro de pedra ou de cimento se tratasse.
Mas o mais interessante para a ganapada miúda é que estes lavadouros quando não usados e colocados nas selhas com água se assemelhavam a um verdadeiro varadouro de parcos. Assim a selha cheia de água era o oceano imenso e infinito onde os pequenitos barcos feitos com pedacinhos de madeira transitavam e que depois eram arrastados pelo lavadouro acima a servir de varadouro e colocados em terra. O diabo era arranjar água para encher a selha… Perante essa dificuldade pedia-se à mulher que lavava a roupa que depois de terminar a sua tarefa não despejasse a água que, mesmo assim suja era o nosso oceano, com a vantagem de, no fim, depois de tanto patinharmos nela, ficássemos com as mãos lavadinhas e a cheirar a sabão azul.
Lavadouros de madeira1 Utensílio de grande utilidade para as mulheres e delirante brinquedo para as crianças, dos quais atualmente existem pequenas réplicas, vendidas como peças de artesanato.
Autoria e outros dados (tags, etc)
OS PINCÉIS DE CAIAR
Na Fajã Grande, na década de cinquenta, a maioria das casas de habitação eram caiadas, tanto interiormente como exteriormente. Relatos vários, no entanto, diziam-nos que em tempos idos, as casas da freguesia mais ocidental dos Açores não seriam rebocadas nem pintadas e eram cobertas de palha.
Mas as casas com as paredes caiadas com cal, por razões de higiene e saúde e também para não se deteriorarem, necessitavam de ser caiadas de vez em quando, evitando, assim, o aparecimento e alastramento de humidade, musgos e limos, portadores de bactérias e outros micróbios causadores de doenças epidémicas e mortais. Além disso, sobretudo devido ao aspeto exterior, as casas caiadas ficavam todas brancas, dando um certo embelezamento não só às mesmas mas também à freguesia, pelo que muitas vezes até eram caiadas por altura do casamento de um filho, da chegada de um parente americano ou nas vésperas da festa da Senhora da Saúde.
Geralmente, embora houvesse alguns caiadores, especialistas na matéria, muitos dos moradores na freguesia é que caiavam as suas próprias casas, comprando apenas a cal e fazendo eles próprios os pincéis, poupando assim algum dinheiro.
A cal era comprada nas lojas, em pedra, ao quilo. Colocada num bidão de petróleo cortado ao meio ou até numa pia de água, era-lhe deitada em cima água. A cal começava a ferver e ficava sob a forma de fluido. De seguida era mexida com um pau e, pouco depois, estava pronta para caiar.
Mais difícil, embora mais barato, era conseguir os pincéis. Para tal era necessário ir ao mato apanhar o bracéu de que eram feitos. Na verdade o braceu apenas nascia e crescia no mato, logo ali por cima da Rocha, fazendo jus do seu nome, pois partilhava-o com o do próprio lugar onde florescia o Lugar do Bracéu. Como as terras onde desabrochava eram grandes e ficavam longe das casas, a sua apanha, corte e acarretamento demorava uma manhã inteira, sendo neste caso retirada uma pequena quantidade fara fazer os pincéis quando fossem necessários Paralelamente, arranjava-se um cabo de madeira, adequado e fios barbante.
Escolhido o melhor bracéu, era feito um rolo groso, que depois era dobrado a meio e muito bem amarrado. Por sua vez o cabo era enfiado na parte em que o bracéu dobrara, sendo, novamente muito bem amarrado e ainda melhor apertado. A extremidade oposta ao cabo, constituída pelas pontas, era muito bem aparada de forma que se aproximasse duma superfície lisa. Estava feito o pincel, que uma vez molhado na cal, caiaria a casa. Mas, por vezes as paredes das casas eram altas e as escadas rareavam. Assim o caiador munia-se de um enorme pau ou de uma cana de bambu ou na ausência desta, duma simples cana, fazendo-lhe um buraco numa das extremidades. Enfiado o cabo do pincel neste buraco, ele era amarrado à cana, de tal modo que não se desprendesse, conseguindo-se assim, com arte e engenho chegar e caiar os pontos mais altos das paredes das casas, sem recurso à escada e sem a perda de tempo de a subir e descer vezes sem conta, a fim de a ir mudando de sítio.
Como muitos outros utensílios de fabrico artesanal, os pincéis de caiar as casas perderam-se no tempo, sendo hoje, caso existam, uma objeto de museu.
Autoria e outros dados (tags, etc)
PÁS E VARREDOUROS
Na década de cinquenta, cozer pão era um hábito semanal em quase todas as casas da Fajã Grande. Geralmente cozia-se pão de milho, de vez em quando de trigo e, muito raramente, de mistura, feito com farinha destes dois cereais.
Para cozer pão eram necessários alguns meios e vários utensílios domésticos. Entre estes últimos destacavam-se as pás e os varredouros.
Quanto às pás, existiam, geralmente, duas em cada casa. Uma maior e mais grosseira ou tosca, destinada à cozedura do pão de milho e uma outra mais pequena, mais fina e de melhor qualidade, para o pão de trigo. As pás eram feitas de madeira e constituídas por duas partes: o cabo e a pá propriamente dita. As pás usadas na confeção do pão de milho eram, geralmente, de fabrico caseiro. Cada qual construía a sua pá. Para isso munia-se de uma comprida vara de madeira rija e cilíndrica, cortada nas terras de mato, que depois de seca era limpa de cascas e nós, na ponta da qual se pregava um pedaço de tábua, de forma arredondada. A parte da frente desta tábua, ou seja, a parte oposta ao cabo era afiada, como o gume de uma faca. Assim ficava mais fina, a fim de, por um lado, a padeira conseguir empurrá-la para baixo do pão cozido, pegando-lhe e retirando-o do forno com mais facilidade, mas também para, antes de cozido, o colocar no forno de forma adequada e no lugar que desejasse. A pá usada na cozedura do pão de trigo, bastante mais fina e leve, tinha forma semelhante, mas era constituída por uma peça única, também de madeira, sendo a pá uma continuidade do cabo. Estas pás, assim como muitas das usadas para o pão de milho eram feitas por carpinteiros. Havia vários na freguesia.
Por sua vez os varredouros, destinados a varrer o forno, eram sempre de fabrico artesanal, sendo, geralmente, a própria mulher que cozia o pão que os fabricava. Para tal necessitava de um pau ou vara semelhante ao cabo da pá. Depois amarrava-lhe numa das extremidades uma mancheia de ramos de árvore, recorrendo geralmente às que existiam mais à mão: faia-do-norte, loureiro, faia, sanguinho e, na ausência destes, a fetos ou cana roca. Havia também quem substituísse a verdura por umas tiras de pano, retiradas de roupas já não usadas, o que, embora tendo a vantagem de poder ser usado em várias cozeduras, exigia que estivesse constantemente a ser molhado em água para que o pano não ardesse.
Mas para além de varrer o forno e padejar o pão em cru ou já cozido, era necessário puxar as brasas para fora da porta, colocando-as amontoadas em cima de uma espécie de peanha que existia fora da porta, a fim de se manter, por mais tempo, o calor do forno. Essa difícil operação era efetuado com uma espécie de pá virada. Numa das pontas de um pau, igualmente semelhante ao cabo da pá ou do varredouro, era pregada uma tábua retangular, formando uma espécie de sacho e que, por vezes tinha uma outra finalidade: empurrar o pão já colocado no forno para se adequar mais o espaço aos que lá dentro ainda era necessário colocar.
Enfim… Trabalhos e esforços notáveis estes e muitos outros, os dos nossos antepassados.
Autoria e outros dados (tags, etc)
OS CALDEIRÕES
Na década de cinquenta o caldeirão era um dos utensílios domésticos mais utlizado nas cozinhas da maioria das casas da Fajã Grande para cozinhar. Eram feitos de ferro, tinham diversos tamanhos mas todos com o mesmo formato. Assentavam, com um fundo arredondado, sobre três pés e iam crescendo em largura formando um enorme bojo ao meio, depois afunilavam até uma espécie de pescoço ou gargalo, terminando numa grande boca, tendo geralmente como anexo, uma tampa, muitas delas também de ferro e uma ou outra de madeira. Todos os caldeirões eram dotados de duas asas, no exterior, na zona do gargalo, uma de cada lado. Raramente tinham outra forma para além do formato oval. Cuida-se que o caldeirão foi utilizado pelo homem desde a invenção da metalurgia, para o preparo de alimentos. Geralmente são feitos de ferro por este metal ser mais resistente ao fogo direto, e também para facilitar as preparações alimentares ou outras, onde é necessário aquecer ou ferver quaisquer tipos de substâncias, uma vez que o ferro, para além do seu baixo custo, tem mais resistência ao fogo, considerando-se também que tem possíveis contributos positivos para saúde humana. Além disso o caldeirão, por vezes com pés bastante altos, era capaz cozinhar sozinho, isto é, prescindindo das grelhas, também elas de ferro, muito usadas na altura.
Na Fajã Grande a maioria das famílias tinha mais do que um caldeirão, geralmente com tamanhos diferentes. Os mais pequenos serviam para ferver o leite, estufar o pão de milho ou fazer as papas, havendo mesmo, em muitas casas, um caldeirão específico para fazer as papas, designado por caldeirão das papas. Depois havia os médios que serviam para cozinhar, a carne de frango, cozer as batatas e fazer as sopas. Nalgumas casas havia um caldeirão gigante, destinado a cozer os inhames ou derreter os torresmos do porco por altura da matança. Como estes eram bastante caros quem não os tinha pedia-os emprestados a vizinhos ou amigos. É que apesar de mais baratos do que as panelas ou tachos feitos de outros materiais era sempre muito custoso para a maioria das famílias da altura comprar um caldeirão, sobretudo se fosse dos maiores, obviamente mais caros.
Para ferver água, para o café, para escaldar o pão ou o bolo e até para lavar os pés recorria-se a um chaleira, existente em todas as cozinhas e também ela de ferro.
Autoria e outros dados (tags, etc)
OS ORATÓRIOS
Na Fajã Grande, na década de cinquenta, em quase todas as casas havia um oratório, geralmente, colocado em lugar de destaque sobre a mesa da sala e ao redor do qual, se colocavam fotografias de familiares, muitos deles ausentes para a América e um ou ojutro já falecido. Os oratórios eram pequenas caixas de madeira, com o lado da frente substituído por um vidro, uma espécie de nichos. Uns tinham o vidro encastoado em portas, mas na maioria o vidro era pregado na própria madeira do oratório. Estes raramente se abriam. Alguns destes oratórios eram mais trabalhados e eram encimados por uma pequena cruz, tendo na parte inferior ou na base uma espécie de peanha. Dentro eram colocadas imagens de Jesus, de Nossa Senhora ou de santos, destinados à devoção particular. As pequenas coroas do Espírito Santo que também existiam nalgumas casas eram colocadas no lado de fora, junto a algumas estampas de santos. O costume de ter oratórios em casa parece ter-se originado na Idade Média e manteve-se até ao século XX, sendo, muito provavelmente, trazido para as Flores e, mais concretamente, para a Fajã Grande, pelos primeiros povoadores. Nos primórdios do seu aparecimento, os oratórios seriam monopólio de reis, de príncipes, de nobres e das famílias mais abastadas. Nesses tempos eram muito ricos e artisticamente trabalhados, imitando pequenas capelas pintadas a ouro. Mais tarde generalizaram-se e as famílias mais pobres passaram a ter os seus altares particulares e à medida que o culto aos santos se propagava, estes altares ou capelas aumentavam. Este hábito popularizou-se e chegou às colônias portuguesas através dos colonizadores. O costume floresceu nos Açores, onde os frequentes perigos a que a população estava sujeita, não apenas pelas catástrofes naturais como também pelos ataques da pirataria obrigavam a população indefesa, a pedir a proteção de Deus, da Virgem e dos Santos. As igrejas umas vezes não existiam, outras ficavam longe das moradias e, além disso, de noite estavam fechadas. Os oratórios eram a solução que permitia ter sempre "à mão o santo da nossa devoção”, cuja proteção se implorava a cada hora do dia ou da noite.
Para além de um cruxifixo presente em todos os oratórios e que era colocado nas mãos dos moribundos quando se pressentia que a morte se aproximava, os oratórios na Fajã Grande, tinham geralmente imagens de Sagrado Coração de Jesus, de Nossa Senhora do Carmo, de São José, de Santa Teresinha e de Santa Rita. Junto deles existia uma pequena lamparina, com o vidro fosco e com chama de pouca intensidade que se acendia durante o dia e a noite sempre que alguns dos santos concediam o dom pedido ou impediam que uma desgraça acontecesse. E era muito o que se pedia aos santos aprisionados dia e noite nos oratórios.
Autoria e outros dados (tags, etc)
O PAU DAS LINGUIÇAS
Na Fajã Grande, antigamente, em todas as casas em que se matava porco (e eram quase todas as da freguesia) na cozinha, sobre o lar e preso aos tirantes havia um enorme, desalumiado e pênsil pau, o pau das linguiças.
Este pau, no que ao formato dizia respeito, muito semelhante a um bordão gigante, era feito, geralmente, de oraçaleiro ou de faeira. Destinava-se a pendurar as linguiças durante o tempo em que elas necessitavam de ser expostas ao calor, a fim de secarem e alourarem. Só depois eram partidas aos pedaços e comidas ou guardadas em vasilhas de barro, debaixo de banha, a fim de fornecerem refeições ao longo do ano. Embora fosse, fundamentalmente, destinado a dependurar as linguiças, como estava ali arrumado, ali ficava durante todo o ano, sendo, por vezes, utilizado para outros fins, nomeadamente para secar maçarocas de milho descascadas e presas em cambulhadas por uma casca ou até para secar roupa que ali se estendia, obviamente, quando o lume do lar estava apagado. Aproveitava-se, apenas o calor resultante do brasido. Servia ainda o pau da linguiça para pendurar outras coisas que ali se conseguissem segurar, sem se queimaram, por vezes, tornando a cozinha pouco estética. Mas as cozinhas na Fajã Grande, na década de cinquenta nada tinham de estético. Eram pobres, primitivas, rudes, escuras, abruptas e, normalmente, muito desarrumadas Mas a razão principal da existência do Pau das Linguiças era o que o nome indica, ou seja o de nele, simplesmente, colocar as linguiças. Todas as casas o tinham. Algumas tinham mais do que um. Estes paus eram guardados de ano para ano, no mesmo lugar, pois ali estavam arrumadinhos. No entanto, não tinham muito longa duração. Quando se gastavam por queimados, eram substituídos por outros, mantendo-se os mesmos arames que os prendiam aos andaimes.
Curiosamente, no Brasil, celebra-se uma festa chamada Festa do Pau da Linguiça. Parece no entanto, pelo menos diretamente, que a mesma não terá muito a ver com os paus da linguiça açorianos. A história do Pau da Linguiça brasileiro parece estar ligada a um senhor de nome Monteiro, que em 1947 inaugurou, em Santa Catarina, um empório ou bazar de venda de linguiça, sendo esta exposta num pau, fora da porta do bar onde a vendia. Pelos vistos os herdeiros seguiram-lhe o exemplo, mantendo a tradição de colocar a linguiça exposta num pau fora da porta, tornando-se este hábito numa atração e mostruário de linguiça no mesmo estabelecimento. Para comemorar esta efeméride a cidade começou a fazer uma festa, começando por uma simples brincadeira entre amigos, que, mais tarde, se tornou numa grande festa a Festa do Pau da Linguiça – hoje fazendo parte do calendário das festas da região.
Autoria e outros dados (tags, etc)
AS ENGORLADEIRAS
Na Fajã Grande, chamava-se engorladeira a uma espécie de pequeno funil, feito de lata e que servia para encher as linguiças. O tubo ou parte inferior da engorladeira, contrariamente à dos funis, era cilíndrico e, portanto, com a mesma espessura quer na base, quer no cimo, a fim de que a carne por ali enfiada entrasse na tripa com facilidade e sem grande esforço. Por sua vez, a parte superior da engorladeira também não era rigorosamente igual à do funil, uma vez que o seu bordo não era equidistante do buraco da base, isto é, a sua borda não era homogénea, facilitando assim o manuseamento enquanto se enchia e se ia rolando a tripa e calcando a carne dentro desta.
As engorladeiras eram encomendadas ao latoeiro da freguesia, o Antonino de tio Francisco Inácio que as fazia com perfeição, embora do seu fabrico não resultasse grande negócio, uma vez que elas, usadas duas ou três vezes por ano, tinham uma longa duração.
Em todas as casas havia engorladeiras que eram usadas por altura das matanças, no dia de encher as linguiças, trabalho, habitualmente, destinado às mulheres. No entanto, na maioria dos casos, o número de engorladeias que cada família possuía não era suficiente, pelo que se pediam emprestadas aos amigos, vizinhos ou parentes, sempre solícitos e emprestar e ajudar.
O estranho nome dado a este útil e interessante utensílio doméstico poderá muito bem, estar ligado ao verbo engolir, na sua forma deturpada engorlir, pelo que engorladeiro ou engorladeira, seria aquele ou aquela que engole. No entanto a palavra não se aplicaria a pessoas mas sim a objetos que engoliam ou eram utilizados para engolir. Neste caso, aquela pequena peça era colocada numa das extremidades da tripa (a outra era tapada com um focho falquejado, semelhante aos atuais palitos de madeira) com o objetivo de engolir a carne ou como se dizia encher a linguiça.
Muito interessante era a imaginação dos nossos antepassados a inventar e criar palavras que usavam no seu quotidiano. Engorladeira parece ser patente exclusiva da Fajã Grande, porquanto não vem referida o livro Falares de Outro Arquipélago (Flores e Corvo) de J.M Soares de Barcelos, nem em nenhum dicionário ou enciclopédia. No entanto, na língua portuguesa existe o verbo engorlar que significa cozer mal, deixar encruado. Não parece, no entanto, a julgar pelo seu significado, que tenha a ver com as engorladeiras das linguiças da Fajã Grande. Existe ainda o verbo engorolar que significa mal pronunciado, pronunciado de forma ininteligível e no sentido figurado, uma vez que quem pronuncia mal é porque engole as palavras, significa engolir. Pode, na verdade, ser esta uma outra explicação para origem daquela palavra, só que neste caso seriam engoroladeiras, que mais tarde, muito naturalmente, terão evoluído para engorladeiras, na habitual tendência de simplificar e abreviar as plavras.
uuu
Autoria e outros dados (tags, etc)
OS LAVA MÃOS
Na Fajã Grande, na década de cinquenta e nas anteriores, não havia casas de banho, Sendo assim, em todas as cozinhas, geralmente num canto junto do lar, havia um utensílio doméstico muito útil e necessário, o lava mãos.
Os lava mãos eram estruturas formadas por varas de ferro, assentes sobre três pés, de tal maneira organizadas que permitiam suportes para um bacia para a água, um recipiente para o sabão e um estendal para a toalha. As bacias normalmente eram de esmalte, embora as houvesse de louça, e assentavam num vão existente na parte superior da estrutura, Como não havia água canalizada ou fonte anexa ao próprio lava mãos, a bacia, geralmente, continha água, servindo a mesma para sucessivas lavagens, até que alguém apercebendo-se de que já estava muito suja, a despejasse, substituindo-a por outra, fresca e limpa. Por sua vez o sabão, um pedaço retirado duma barra azul, era posado num pequeno prato, também este de esmalte ou metal, pousado num pequeno vão existente a meio da estrutura, pelo que a mesma se comprimia, ficando semelhante a um novelo ou molhe, apertado no meio, Finalmente e por cima da bacia, constituindo as costas do lava mãos, havia um prolongamento da estrutura, com barras de ferro entrelaçadas, por vezes de forma artística, formando uma espécie de grelha onde eram penduradas uma, duas ou mais toalhas.
Atualmente muitos lava mão, sobretudo os que possuíam bacias de louças foram recuperados, restaurados e pintados, sendo guardados como peças de adorno ou de museu
Autoria e outros dados (tags, etc)
A SELHA DE LAVAR OS PÉS E AFINS
Na Fajã Grande, na década de cinquenta, a maioria das habitações não tinha casas de banho. Contavam-se pelos dedos de uma mão as que as teriam. Assim, a maioria das pessoas tinha grande dificuldade em realizar uma higiene corporal necessária e exigida, pelo tipo de vida agrícola, rural e laboriosa. Todas as operações de lavagem e limpeza do corpo, eram feitas por partes, geralmente em bacias ou selhas ou na rua, ao ar livre, na pia de lavar a roupa.
Mas o que era necessário lavar todos os dias, para além da cara pela manhã, eram os pés à noite. A quase totalidade das pessoas andava descalça e os qua andavam calçados, geralmente, usavam botas de borracha ou sapatos de pele de cabra, umas e outros a cheirarem muito mal. Assim, todas as noites, era obrigatório o lava-pés, antes de ir para a caminha.
Esta operação, para além da água e do pedaço de sabão azul, exigia, fundamentalmente, três outros utensílios: a selha, o banco e a pedra.
A selha de lavar-os-pés, assim chamada, era uma selha de madeira, geralmente, quando nova usada em outras funções e que servia simplesmente para isto. Era feita com pedaços de madeira, encastoados num fundo redondo, apertados e segurados com aros de ferro e a borda superior bem aplainada. Era guardada na cozinha, onde a função que desempenhava era realizada. A ela se associava um pequenino banco, também ele de madeira, mas que, ao longo do dia e ao contrário da selha, servia para as pessoas se sentarem, nomeadamente, as idosas e as crianças. A pedra que acompanhava a selha e que servia para esfregar os pés depois de ensaboados, era uma espécie de pedra-pomes ou tufo, bastante áspera e capaz de retirar toda a sujidade, sobretudo dos calcanhares.
À luz de um candeeiro ou de uma candeia, aguardava-se vez para lavar os pés. É verdade que a selha era grande, mas geralmente só havia, um banco, uma pedra e um pedaço de sabão, onde cada um ia lavando os pés à vez e, geralmente, na mesma água que ficava na selha até de manhã, pois ninguém queria sair rua, depois de lavar os pés para fazer o que quer que fosse, muito menos para despejar a água. Nas famílias com mais filhos, por vezes, geravam-se verdadeiras disputas para ver quem lavava os ditos cujos primeiro, pois ninguém o queria fazer na água dos outros, sobretudo dos que vinham de limpar o palheiro com os pés a tresandar a cheiro de bosta de vaca.
Autoria e outros dados (tags, etc)
O TRADE
Trade era a forma como se designava o trado ou a verruma na Fajã Grande, na década de cinquenta. Tratava-se de um instrumento de madeira, metal e aço, com o cabo de tal forma quebrado em u, ou uma espécie de manivela, permitindo, assim, que fosse possível segurá-lo com uma mão na maçaneta superior, impingindo-lhe a força adequada e rodá-lo com a parte quebrada, de maneira que, a broca de aço, da parte inferior, em forma de espiral e com a extremidade inferior pontiaguda, perfurasse qualquer superfície, nomeadamente a madeira, a fim de lhe prender um parafuso ou prego. Assim, ao girar, o trade conseguia perfurar a madeira, a terra, ou até outras superfícies mais duras, fazendo um buraquinho, geralmente, de grande e imediata utilidade. Embora presente entre as ferramentas de qualquer carpinteiro, o trade era, na realidade, um utensilio doméstico de grande utilidade, por isso existia um exemplar em cada casa. Na realidade, o dia-a-dia, nesses tempos recuados, exigia muitas vezes um buraco aqui outro acola, ora para aparafusar o moinho do café ou para encastoar um uma prateleira, ora para encravar um suporte numa porta, uma taramela num palheiro ou uma asa num balde de madeira, ou, até para abrir um buraco num temão para lhe encravar a chavelha mais atrás, tornando-o mais curto, sem o cortar.
O velho trade, utensílio de grande utilidade, hoje é peça de museu, porquanto, desde há muito, foi substituído pelos modernos berbequins, black & deckers e muitas outras eléctricas e electrónicas máquinas de furar e perfurar.
Autoria e outros dados (tags, etc)
A VIOLA DA TERRA
Embora sem nenhuma ligação directa à música popular e ao folclore açoriano, nem sequer com alguma formação ou competência musical, mas simplesmente como apreciador de costumes, tradições e valores culturais, recordo-me que desde sempre ouvia as mais nobres referências aquele, tão interessante, instrumento musical designado por “viola da terra”, que, na década de cinquenta, ainda existia em muitas casas da Fajã Grande, das Flores, como ícone quase sagrado e que importava perseverar.
Trata-se de um instrumento musical de cordas, tipicamente açoriano que, segundo reza a história, terá existido, desde os primórdios do povoamento do arquipélago e que é considerado como que um símbolo emblemático das ilhas açorianas, dos seus costumes e tradições, da sua música e, sobretudo, do seu folclore.
Na Fajã Grande e, muito provavelmente, em todo o arquipélago açoriano, na década de cinquenta, o uso da “viola da terra”, ligava-se, sobretudo, aos cantares festivos, aos "balhos”, casamentos, danças de carnaval, serões animados, matanças do porco e outros divertimentos e, por vezes, até em trabalhos colectivos.
A viola da terra, também conhecida como viola de dois corações, é um instrumento semelhante ao violão mas, sensivelmente, mais pequeno. Uma das suas características é a existência de um orifício, no tampo da caixa-de-ressonância, em formato de dois corações unidos, com as pontas em sentidos opostos e ligados por um coração mais pequeno, em vez do habitual buraco, geralmente, redondo, que os outros instrumentos possuem. Há quem, virando a posição da viola, veja nos corações invertidos o desenho de uma coroa do Espírito Santo, símbolo do Paráclito, de tanta devoção e com tantas tradições entre o povo de todas as ilhas. O desenho dos corações parece estar ligado ao sentimento de saudade, tão comum entre as gentes açorianas, sobretudo devido à sua eterna vocação emigrante e, por isso, a viola da terra, muitas vezes, era levada na bagagem pelos emigrantes que demandavam quer os Estados Unidos quer outras paragens.
Dizem os entendidos que “este instrumento musical possui cinco parcelas (ou ordens) de 12 cordas, sendo afinado, do mais agudo para o mais grave, mi, si, sol, ré, lá nas ilhas dos grupos Central e Ocidental, enquanto no grupo Oriental dos Açores a afinação da corda prima é feita num tom mais baixo, ou seja em ré.”.(1)
No Pico, na década de cinquenta e seguintes eram frequentes os serões chamados “Folgas”, onde a viola da terra estava sempre presente e desempenhava papel predominante. Geralmente à luz de uma Petromax ou de candeeiros a petróleo o povo bailava, por vezes quase até de madrugada. E dizem os historiadores que se juntavam os casais, em casa própria e com a viola da terra e outros instrumentos tocava-se e bailava-se a Chamarrita.
A viola da terra, antigamente, como que fazia parte da vida de cada família. Regra geral era uma herança de pai para filho, quando o pai morria, o filho mais velho ou outro que a soubesse tocar (e quase todos o sabiam fazer) recebia-a como herança. E, nas casas, as mulheres quando faziam a cama, era tradição colocar a viola sobre o travesseiro, ou no meio da cama, com um xaile à volta. Na Fajã Grande e creio que no Pico também, em tempos mais recuados, dizia-se que uma família que ficasse de luto por um familiar próximo devia esconder a viola no tecto, enquanto durasse o chamado “luto pesado”. Daqui se conclui a importância e do significado da viola da terra e o facto de simbolizar alegria e divertimento, um e outro, interditos em momentos de dor e sofrimento.
Segundo o recente testemunho de José Agostinho Serpa, um dos poucos tocadores actuais e o único construtor da “viola da terra” na ilha das Flores, divulgado no “Forum Ilha das Flores”, no passado dia 18 de Janeiro, «A viola da terra já esteve praticamente votada ao abandono na ilha das Flores. Hoje existem, apenas, dois ou três tocadores». No Pico, felizmente, esse número parece ser bem maior.
(1) - Colaboração de Maria Antónia Fraga
Autoria e outros dados (tags, etc)
AS SELHAS DE LAVAR ROUPA
Antigamente, na Fajã Grande, como na maioria das freguesias rurais das Flores e de outras ilhas açorianas, não havia água canalizada, nem muito menos pias de lavar roupa, geralmente, feitas em cimento, nem sequer tanques públicos, construídos de pedra basáltica, para lavagem e branqueamento da dita cuja. Assim as mulheres e as raparigas, por vezes ainda muito novinhas, que aos homens essa tarefa era “proibida”, tinham que se deslocar às ribeiras para lavar, branquear e “coarar” os trapinhos que elas e os seus familiares iam usando e sujando, por vezes em demasia, ao longo da semana e a que se acrescentavam os lençóis das camas, por vezes as colchas e os cobertores e, uma vez ou outra, até os capachos da sala e da cozinha. As ribeiras mais procuradas, ou melhor, exclusivamente procuradas para a lavagem da roupa, na Fajã Grande, eram apenas duas: a Ribeira das Casas, junto à ponte do caminho da Ponta e a Ribeira de Cima, no local onde se situava o arame da Rocha, sendo esta, um afluente da primeira. Num e noutro destes locais, institucionalizados como espécie de “tanques naturais”, ou lavadouros comunitários, havia algumas estruturas de apoio à lavagem, nomeadamente pequenos açudes, construídos com grandes pedras formando grandes poços onde a água se tornava mais abundante, lavadouros de pedra, ao lado dos quais havia pedras para colocar a roupa que se ia lavando e lajes para as lavadeiras ajoelharem e executarem com maior eficiência e comodidade a sua tarefa. Ao lado da ribeira ou nas suas margens havia tapetes de relva destinados a por a roupa branca a “coarar”.
No entanto, a deslocação, sobretudo das donas de casa, a uma ou outra das ribeiras era longa e demorada, cerceando ou obstruindo por completo muitas outras tarefas quotidianas, caseiras e não só, que a mulher tinha que efectuar. Por isso, sempre que possível, evitava-se a deslocação à ribeira, limitando-a, geralmente, a uma vez por semana
Mas era imperioso lavar roupa com mais frequência, sobretudo a das crianças, nomeadamente, as fraldas. Era essa a razão por que em quase todas as casas existiam as chamadas “selhas de lavar roupa”. Eram grandes selhas de madeira, com a borda bem mais alta do que as outras e que tinham como anexo um lavadouro, também ele de madeira. Este era uma simples e grossa tábua de madeira, rectangular e com variadas ranhuras paralelas e simétricas num dos lados, que a tornava áspera, de modo a que nela se esfregasse a roupa como se um verdadeiro lavadouro de pedra se tratasse e que constituiu a antecessora dos lavadouros de cimento que surgiram, anos mais tarde, a quando do abastecimento de água à freguesia. A parte inferior destes lavadouros, ou seja aquela que se encastoava no fundo da selha quando cheia de água, era côncava, ou em bico nas extremidades, para que a mesma se fixasse melhor e não “zangaliasse” enquanto a lavadeira, num vaivém contínuo, permanente e, por vezes, violento, mesma esfregava a roupa contra a.
As “selhas da roupa” um utensílio de grande utilidade, de uso quase diário na década de cinquenta. Hoje a perderem-se na memória do tempo e reduzidas à expressão mais simples, ou seja a pequenas miniaturas que os artesãos locais vão ostentando e guardando para que a sua memória não se perca.
Autoria e outros dados (tags, etc)
OS CESTOS DE VIME
A intensa e diária actividade agrícola que se verificava na Fajã Grande, nos anos cinquenta, implicava o uso de recipientes necessários e adequados à recolha e transporte das batatas, dos inhames e dos cereais, nomeadamente do milho, que ocupava o primeiro e mais importante lugar em toda a actividade agrícola produtiva da freguesia. Na altura, o plástico ainda era desconhecido, os utensílios de lata rareavam, os de madeira eram caros e as sacas de sarapilheira pouco funcionais. Daí que se recorresse, habitualmente, ao uso dos cestos, fabricados na própria freguesia, com os vimes que por ali cresciam abundantemente, feitos, muitas vezes, pela própria pessoa que deles necessitava e, consequentemente, de fácil e barata aquisição.
Assim, todas as casas tinham grandes quantidades de cestos, de formas, feitios e tamanhos diferentes e com usos diferenciados. Quando, em alturas de maior necessidade, se os cestos rareavam ou os que se possuía em casa não chegavam, pediam-se emprestados aos vizinhos que sempre os disponibilizavam.
Os cestos eram feitos com vimes. Uns, com vimes descascados entrelaçados com outros mais finos, geralmente, elaborados com requintada qualidade, com formas mais redondinhas e acabamentos mais cuidados, destinavam-se a transportar os alimentos, sobretudo para os homens que trabalhavam nos campos, impedindo-os de vir a casa e interromper os trabalhos. Quando se ia levar o jantar a quem trabalhava nos campos, quando se carregava a comida para o mato em dia de Fio, os alimentos eram colocados à cabeça da mulher, dentro destes cestos. Uma vez que exigiam rigorosa higiene, deviam ser mantidos limpos, conservados e bem guardados em casa, não lhes sendo dado nenhum outro uso, a não ser para guardar o pão acabado de cozer. Outros cestos, semelhantes a estes, também feitos de vimes descascados e que os tornava totalmente brancos, eram os cestos da roupa. O seu fim era o de ir guardando a roupa suja, transportá-los à cabeça, cheios de roupa, a fim de ser lavada na ribeira. Depois de lavada a roupa era dobrada, transportada para casa nos cestos e estendida nas linhas. Na Fajã Grande ainda havia os cestos normais, ou seja, aqueles que eram usados para quase tudo o que não fosse roupa, alimentos ou estrume. Eram feitos de vimes normais, com a casca, tinham uma forma mais grosseira, abrupta e menos cuidada, por vezes até um pouco toscos, mal feitos, mal acabados e bastante maiores do que os outros, embora os houvesse de vários tamanhos. Serviam para tudo, estes cestos, nomeadamente para acarretar o milho quando as maçarocas eram apanhadas dos milheiros, para o transportar para os carros ou até para casa, para encher as maçarocas descascadas ou até para as debulhar e guardar os grãos. Era também com estes cestos que se transportavam os inhames, as batatas, doces e brancas, as abóboras, os “bogangos” as favas, os tremoços, os bites, a beterraba e até as couves, a casca do milho e a rama da batata. Quando a erva ceifada para o gado, se mais miúda, também era acarretada em cestos, dadas as dificuldades que era prendê-la com cordas, formando molhos. Finalmente, existiam os cestos destinados, exclusivamente, para acarretar o esterco e que resultavam do envelhecimento dos outros, embora, por vezes, fossem também construídos de raiz, sendo, neste caso ainda mais toscos, mais mal feitos e mais abrutalhados do que os anteriores. Estes eram cestos negros, sujos, mal cheirosos, cuja única utilidade era, exclusivamente, a de transportar o esterco dos palheiros para os campos, servindo também de elo de ligação entre os carros e os campos, quando as vias de acesso às propriedades não eram adequadas â passagem do carro de bois ou do corsão.
Os cestos, no entanto, ainda tinham muitos outros usos paralelos, pois serviam como escada de acesso a um lugar onde, de pé, não se chegava, para transportar fruta quando apanhada em grande quantidade, para acarretar as achas da lenha depois de serrada e fendida, para tapar um galinha que estava choca ou um galo à espera de ser degolado e de ir para o caldeirão, para substituir a joeira e avantajar o trigo ou outro cereal, para substituir o camaroeiro na captura do sargaço, para colocar um de cada lado das selas dos burros e até para as crianças se entreterem a apanhar pombas. Além disso os cestos ainda eram fundamentais na extracção do sargaço que saía no Rolo e que dali era extraído para estrume dos campos. Retirado do mar com garfos, o sargaço era acarretado para os lagos em cestos. No entanto, como o sargaço era um produto, limpo e até continha algum cheiro a maresia, a marisco e a algas, utilizavam-se todos os cestos disponíveis, excepto os da comida, que nesse dia também eram necessários para ir levar o almoço e à noite o jantar, aos que trabalhavam todo o dia na extracção de tão precioso e gratuito adubo.
Os cestos, na Fajã Grande, eram, geralmente, fabricados por quem deles necessitava, embora houvesse alguns cesteiros famosos, na freguesia, com destaque para meu tio José e o para o Guilherme. É que fazer um cesto não era fácil. Para além de exigir sabedoria e prática, o cesteiro trabalha com materiais rijos e fibrosos e como não usava luvas, as mãos ficavam-lhe gretadas e cheias de cortes. Para aliviar esse martírio e para tornar os vimes mais maleáveis, estes eram mergulhados em água, durante um ou dois dias.
Os cesteiros mais habilidosos, no entanto, não se limitavam apenas a construir cestos. Dado que tinham engenho, arte e criatividade e como os vimes abundavam, na freguesia, também construíam cestas de asa de vários tamanhos, cabazes, bandejas, travessas, cadeiras e até mobílias de sala. As cadeiras de vimes, do tipo poltrona eram muito vulgares nas salas de todas as casas da Fajã, naquela altura e hoje serão, muito provavelmente, autênticas relíquias históricas.
Autoria e outros dados (tags, etc)
O ALQUEIRE, A RASOIRA E A QUARTA
Na Fajã Grande, como naturalmente em todas as outras localidades rurais açorianas, os habitantes de outros tempos, desconheciam os sofisticados e modernos meios de peso e de medição, mas tinham necessidade de avaliar e de quantificar os produtos agrícolas que cultivavam e recolhiam nos seus campos, nomeadamente, o trigo, o milho, as favas e o feijão. É que até as simples trocas de um produto por outro, a que muito naturalmente tinham que se sujeitar numa sociedade rural com características ancestrais, exigiam instrumentos de medição fiáveis e critérios de medida rigorosos. Uns e outros foram criados pelo próprio povo de cada localidade, em função das necessidades que sentiam e dos meios de que dispunham. Por isso mesmo, embora com nomes, nuns lugares semelhantes noutros diferentes, foram surgindo, através dos tempos, os pesos, as medidas e os próprios instrumentos de medição, ao mesmo tempo que se iam definindo e delineando os critérios que deviam presidir à sua regulamentação consuetudinária.
Assim, na Fajã Grande, nos anos cinquenta, existiam e eram utilizados três instrumentos de medir os cereais e outros produtos agrícolas: o alqueire, a rasoira e a quarta.
O Alqueire, segundo rezam as crónicas, teria à volta de 10 a 12 quilos e, na Fajã Grande correspondia ao valor de um dia de trabalho corrente e que, na época, rondava os dezasseis escudos. Vendia-se ao alqueire sobretudo o milho, uma vez que, nos anos cinquenta, este era o único cereal produzido em grandes quantidades.
Para os outros cereais produzidos em menor escala, nomeadamente o trigo, assim como para outros produtos, como o feijão, as favas, o tremoço e até para o milho quando se pretendiam medir pequenas quantidades, utilizava-se a rasoira e a quarta.
A rasoira era um instrumento de madeira em forma de caixa, e que levava aproximadamente metade do alqueire, enquanto a quarta, também de madeira e com a mesma forma da rasoira mas muito mais pequena, levava, como o próprio nome indica, uma quarta parte daquela.
No entanto, na Fajã Grande, nas Flores e nas outras ilhas dos Açores, além de alqueire como medida de capacidade, existia um outro “alqueire”, como medida de superfície e que era utilizado nas medições de terrenos agrícolas ou até pastagens e quintas ou terras de mato, para inventário do património dos respectivos proprietários, quer na compra e venda de propriedade quer ainda para cálculos de foros, adubações, sementeiras e colheitas ou ainda nas partilhas. Um alqueire de terra correspondia a cerca de 1000 metros quadrados.
Tudo indica que a base histórica destas medidas venha desde o povoamento das ilhas. É natural que os primeiros povoadores dos Açores não possuíssem grandes aparelhos ou utensílios de medições, sendo que a medida padrão mais ancestral terá sido o próprio palmo, pese embora tivesse a inconveniência de não ser igual em todos os agentes de medida.
Autoria e outros dados (tags, etc)
A BALANÇA DE PESAR LÃ
Na Fajã Grande quase todos os lavradores criavam ovelhas no mato. O objectivo principal de uma pastorícia muito específica, em que não havia necessidade de acompanhar os rebanhos, una vez que estes pastavam soltos e em conjunto com os dos outros proprietários, nos matos, era, simplesmente o de fornecer lã. Na Fajã Grande, salvo uma outra excepção e sempre no caso de ovelhas criadas à porta, nunca se utilizou nem o leite das ovelhas para alimentação das pessoas, nem nunca com ele se fabricou queijo. Criavam-se as ovelhas apenas para dar lã, embora quando abatidas se utilizasse a carne na alimentação e também as peles, que depois de curtidas serviam para forrar os berços e as camas das crianças de tenra idade ou para agasalhos dos adultos. A lã, sim, ocupava um lugar de relevo e de grande importância na economia fajãgrandense, pois tinha um papel primordial na confecção não apenas de diversas e variadas peças de vestuário mas também na tecelagem de mantas e cobertores. As casas que, eventualmente, não tinham ovelhas compravam a lã, a quem tinha produção excedente. Porém, antes de ser preparada e trabalhada e, sobretudo antes de ser vendida, era necessário pesar a lã. No caso de ser vendida, para estabelecer e definir preços, no caso de a usar em proveito próprio, para saber a quantidade necessária para a confecção daquilo que se pretendia obter. Por essa razão em muitas casas existia a tradicional e típica “balança de pesar lã”. Quem não a tinha e dela precisasse, ia pedi-la emprestada aos vizinhos, sempre dispostos a oferecer e disponibilizar ajudas, préstimos e favores.
Estas balanças obedeciam a uma estrutura muito específica, porquanto sendo o objecto a pesar muito volumoso, os braços da balança não podiam ser iguais. Assim um deles, o dos pesos era muito pequeno e o contrário, ou seja aquele em que se pendurava a lã era muito comprido. As balanças de pesar a lã eram feitas geralmente de ferro mas também as havia de madeira e tinham uma haste vertical, com um gancho na parte superior, de forma a pendurá-las durante a pesagem, geralmente num tirante da cozinha e um eixo na inferior, na qual balanceava uma haste, numas horizontal noutras um pouco curva e que se equilibrava em função do princípio das alavancas, em que duas forças, neste caso duas forças suspensas, se equilibram quando o produto da força potente pelo seu braço é igual ao da força resistente também pelo seu braço. Por isso mesmo, o braço onde se pendurava a lã tinha que ser contrabalançado em peso, devido à pequenez daquele em que se pendurava o respectivo peso. Em cada um dos lados da alavanca, suspensos na parte de baixo, estavam encravados dois ganchos para nele se pendurarem os pesos, num lado e a lã no outro. Acresce dizer-se que os pesos eram pedras furadas, devidamente quantificadas em termos de peso, de forma a se poderem prender no gancho.
Toda esta geringonça estava de tal maneira bem construída e balança de tal modo afinada e aferida que nunca havia enganos na pesagem ou se os havia ninguém dava por eles.
As balanças são consideradas o mas antigo instrumento de avaliar e tiveram origem na antiga civilização egípcia, por volta do ano 5000 a.C. Por sua vez a chamada balança de braços desiguais terá sido inventada pelos romanos, Inicialmente as balanças destinavam-se a duas pessoas que quisessem trocar mercadorias. Colocavam-nas numa balança de braços iguais e mudavam as quantidades até que se conseguisse o equilíbrio.
Com o passar do tempo, a balança foi sendo aprimorada e modificada para melhor se adaptar as necessidades, mantendo-se, no entanto, nas comunidades rurais agrárias com as suas características primitivas, até às décadas de cinquenta e sessenta do século passado. Hoje, proliferando as balanças digitais, tornaram-se peças de adorno e de museu.
Balanças de pesar lã, um objecto que outrora teve grande importância na vida dos nossos passados, na própria história da freguesia e até na economia fajãgrandense. Naturalmente como tantos outros, ter-se-á perdido no tempo e nas memórias
Autoria e outros dados (tags, etc)
VASSOURINHAS DE PALHA
Para além das vassouras propriamente ditas, ou seja, aquelas que eram fabricadas com a palha do chamado “milho de vassoura”, na Fajã Grande, pelo menos até à década de cinquenta, também se faziam vassouras com a palha do trigo. Estas, porém, eram muito diferentes daquelas, não apenas no tamanho mas também no formato e, até certo ponto, no que à sua funcionalidade dizia respeito.
A primeira grande diferença entre estas vassourinhas de palha de trigo e as vassouras feitas com os caules e fibras do milho com o mesmo nome, era a de que as primeiras não tinham cabo, ou melhor não tinham cabo de madeira, o que obviamente baixava o seu custo de produção, permitindo que fosse mais fácil e menos trabalhoso adquiri-las. Comprar nas lojas, as vassouras que o Teófilo produzia no Faial e exportava para as Flores, era muito caro e inacessível aos bolsos de muitos fajãgrandenses e cultivar milho de vassoura, apenas nos cantos das belgas e cerrados não chegava para meia missa, isto é, para fazer meia vassoura. Todo o tereno era pouco para o milho, para a batata-doce e para as couves e, por isso mesmo, não podia desperdiçar para fazer vassouras. Mas as “vassourinhas de palha” não substituíam na globalidade as outras, pois eram bem mais pequenas e destinavam-se fundamentalmente a varrer o lar, as escadas e todos os cantos e recantos da casa onde as vassouras maiores e de cabo de madeira não chegassem.
Para o fabrico destas “vassourinhas”, escolhia-se a palha, não sendo imprescindível, sequer, que se seleccionasse a melhor. Era necessário, isso sim, que fosse a mais comprida. Após secar durante algum tempo, cortava-se o pé, se o trigo tivesse sido arrancado, e as sobras da espiga, se esta ainda existisse. Depois juntava-se uma boa mão cheia da dita cuja, preferencialmente toda do mesmo tamanho. Se o não fosse, cortavam-se as extremidades das maiores de modo a que ficassem todas iguais. De seguida dobram-se a meio e amarravam-se muito bem apertadas logo a seguir à parte dobrada, pelo menos em dois sítios, equidistantes um do outro. Espalmavam-se um pouco as palhas de meio para baixo, e amarravam-se de novo, de forma entrelaçada, de maneira a que as palhas mantivessem esse formato. Estava feita a vassourinha, que de tão pequena que era podia, realmente, ser manejada apenas com uma das mãos, pelo que estas vassouras também eram designadas, simplesmente, por “vassouras de mão”. Se a palha fosse muito curta as vassouras adquiriam um formato ligeiramente diferente. Neste caso a palha não era dobrada a meio, mas apenas amarrada numa das extremidades, procedendo-se, de seguida de igual forma como naquelas em que a palha era dobrada.
Para além da grande utilidade que tinham na limpeza e asseio das casas, estas vassouras também eram usadas pelos carpinteiros para varrer o cisco dos bancos onde trabalhavam, pelos moleiros para varrer a farinha sobre a mó do moinho, pelas cozinheiras para varrer os tijolos de cozer o bolo e por quem quer que fosse para juntar o milho, as favas os tremoços e até o trevo e erva-da-casta, postos a secar ao Sol. Depois de muito usadas e gastas, ainda serviam para varrer as casas velhas, sobretudo quando se debulhava milho ou descascavam as favas, e para limpeza das retretes, dos chiqueiros das galinhas e dos pátios e escadas.
Tinham pois muita utilidade, estas vassouras que, com o abandono do cultivo do trigo, começaram a rarear, embora houvesse quem as fizesse, nessa altura, com fios de espadana e até com bracéu, neste caso de forma semelhante aos pincéis de caiar as casas, mas sem cabo. É que as vassouras eram absolutamente necessárias na Fajã, uma vez que também serviam para apanhar os cacos do que se partia e para varrer as ruas quando se faziam os tapetes de flores e verduras para passarem as procissões ou para receber o Senhor Bispo ou outro personagem importante. Eram pois muito usadas, as vassouras, na Fajã e, como as de cabo eram mais caras e difíceis de se obter, recorria-se às célebres “vassourinhas de palha”, uma espécie de percursoras das vassouras de piaçaba, e que hoje muito provavelmente já não há memória.
Na realidade, na origem do fim destas vassourinhas, para além do abandono da cultura do trigo, também terá contribuído fortemente para o seu declínio e consequente extinção, o aparecimento, no final da década de cinquenta, na Fajã Grande, das vassouras de piaçaba, ao que parece, trazidas do Brasil, no início do século XX e sobretudo na década de trinta, por portugueses que tinham emigrado para o Brasil e que regressavam ao seu país de origem.
Na Fajã Grande, como em muitos outros lugares do país, também havia, nalgumas casas, a tradição de colocar uma ou mais vassouras atrás da porta, mas viradas ao contrário, ou seja, com o cabo para o chão e a parte de varrer para cima, com o objectivo de “afugentar as visitas indesejadas”, embora os que queriam manter oculta a sua crendice ou os que nisso não acreditavam, afirmassem que o faziam, simplesmente. para melhor conservar as ditas cujas.
Autoria e outros dados (tags, etc)
AS SOMBRINHAS
Na Fajã, as senhoras importantes ou aquelas senhoras que queriam ou gostavam que os outros as considerassem importantes usavam sombrinhas, algumas simplesmente pretas, castanhas ou azuis, isto é, numa única cor, outras com o estilo e estampadas ou enfeitadas com rendas e babados, como sombrinhas antigas. Usavam-nas não apenas para se defenderem dos raios solares mas também porque tal hábito se consubstanciava com uma espécie de estatuto de certa importância e superioridade. A verdade é que as mulheres mais pobres ou que viviam com mais dificuldade defendiam-se do Sol simplesmente com um chapéu de palha ou, nos dias de festa, com um lenço de merino.
Eram sobretudo as mulheres da Ponta quando, nas tardes de Sol quente se deslocavam à Fajã, ou as da Assomada, Fontinha, Tronqueira e das outras ruas quando aos domingos à tarde saíam de casa para ir aos arraiais das festas, para participar nas procissões ou até para ir visitar uma amiga ou dar um passeio ao Porto que se muniam daquele estético artifício predestinado a evitar e prevenir as maleitas supostamente adjacentes a um excesso de captação solar, por parte do ser humano, nomeadamente no cocoruto..
As sombrinhas para além de proporcionarem uma boa dose de vaidade a quem as usava enchiam as ruas e os caminhos de um colorido cristalino e diáfano que se misturava com o verde dos socalcos e ravinas circundantes, com o amarelado dos milhos a amadurecer nos serrados envolventes, com o azul do firmamento a reflectir-se na limpidez translúcida do oceano.
Diz-se que a sombrinha foi inventada nas épocas em que as rodas de carro eram de madeira, que por isso mesmo eram mais lentos no andar, com a finalidade de proteger aquelas madames frescas que utilizando aquele vagaroso e lento meio de transporte não queriam ficar expostas ao Sol. Algumas até se davam ao luxo de ter um escravo comprado ou um empregado contratado só para segurar a dita cuja e poupar a madame desse terrível esforço. É evidente que na Fajã nenhuma mulher se poderia dar a tal luxo e cada uma segurava a sua própria sombrinha como queria e podia.
Autoria e outros dados (tags, etc)
OS TIJOLOS DE COZER BOLO
Na Fajã Grande chamava-se “tijolo” a um instrumento ou utensílio cuja principal e mais importante funcionalidade era a de cozer o bolo, mais conhecido por “bolo do tijolo”. Mas os tijolos de cozer bolo também serviam para torrar milho, favas ou até farinha, tendo, por isso grande importância nos hábitos alimentares e nos costumes caseiros da população daquela freguesia florense, pelo menos até ao final da primeira metade do século passado. Acredita-se que estes tijolos terão sido, a partir do início do século XIX, os sucessores das antigas, primitivas e míticas pedras ou lajes, utilizadas nos primórdios do povoamento das ilhas açorianas, para a cozedura do bolo.
Estes tijolos eram feitos de barro, o que os tornava mais leves e, além disso, aqueciam mais facilmente do que as lajes de pedra, consumiam menos lenha, podendo até serem aquecidos somente com lenha fina ou com garranchos, isto é, sem achas ou troncos grossos ou, simplesmente, com sabugos de milho e, mais importante do que tudo, coziam o bolo mais depressa, facilitando, assim o trabalho da mulher. Mas os tijolos também tinham algumas desvantagens relativamente às pedras ou lajes, pois rachavam e até quebravam mais facilmente e antes de serem usados, pela primeira vez, tinham que ser “destemperados” para não quebrarem logo de início. Para os “destemperar” deviam ser untados com graxa de porco, cheios de água a que se juntava, segundo testemunhos de pessoas mais antigas, uma folha de couve. De seguida era aceso o lume até a água ferver e se evaporar por completo. Só então o tijolo estava pronto a ser utilizado.
Na Fajã Grande e creio que em toda a ilha das Flores, estes tijolos eram de forma circular, embora uns tivessem o diâmetro maior do que outros e todos, geralmente, tinham um bordo lateral, relativamente baixo. Para cozer o bolo os tijolos eram colocados em sistemas estruturais diferentes. Uns, os mais pequenos eram postos em cima de três pedras outros, em casa das pessoas de mais posses, em cima de uma grelha de ferro, podendo, num caso e no outro, serem colocados ou retirados em qualquer altura. Porém a maioria dos tijolos, sobretudo os maiores, eram encastoados permanentemente numa espécie de fornalha, ou seja numa estrutura circular, feita com pedras de tufo e com uma boca de entrada na frente, por onde se metia a lenha e se afogueava o lume, e donde nunca eram retirados. Esta estrutura com o tijolo a tapar-lhe a parte superior, formava uma espécie de forno, em miniatura, mas que, com o brasido que ali ficava, terminada a cozedura do bolo, servia, perfeitamente, para assar maçarocas e batatas-doces, para aquecer um caneco de alumínio com o leite para as crianças ou um bule de café para os adultos.
Contrariamente às lajes, os tijolos tinham que ser construídos por oleiros, especialistas na matéria, e comprados pelos seus utentes. Na Fajã não há memória de terem existido oleiros, mas consta que os havia por ali bem perto, para os lados do Mosteiro e, sobretudo, do Lajedo, onde havia muito barro. Alguns tijolos, porém, eram importados de outras ilhas.
Para cozer o bolo, geralmente acendia-se o lume na fornalha do tijolo, antes de o amassar e tender, para que fosse aquecendo lentamente. Para testar o calor do tijolo, bastava atirar-lhe para cima um pouco de farinha. Se esta alourasse o forno estava no ponto de cozer o bolo, o qual a meio da cozedura, devia ser virado a fim de que cozesse, igualmente, de ambos os lados. O bolo embora tendido de forma redonda, formando um círculo bastante grande, quase mesmo com o diâmetro igual ao do tijolo, era partido em quatro partes, ou em quatro “quartos”, para mais fácil colocação no tijolo, uma vez que a mesma, assim como a viragem durante a cozedura, eram feitas com as mãos.
A partir da década de sessenta com o aparecimento e explosão do fogão “primus” e das chapas de ferro, a maioria dos tijolos de barro, assim como todas as outras ancestrais estruturas de cozinhar, na Fajã Grande, caíram em desuso e extinguiram-se quase por completo.
Autoria e outros dados (tags, etc)
OS PENDURICALHOS DAS MOSCAS
A chamada mosca doméstica comum constituía um dos maiores flagelos das pessoas e das habitações na Fajã Grande, nos anos cinquenta. Terra de muito calor, onde se criava grande quantidade de gado bovino, com a agravante de este ser guardado no rés-do-chão ou loja das moradias, todas as casas da Fajã eram, sobretudo no Verão, continua e permanentemente invadidas massivamente por aquele, sujo, nojento, irritável, hediondo e incomodativo insecto. Este ataque contínuo e permanente a casas e pessoas era ainda agravado com a presença das retretes e dos currais do porco, autênticos e naturais viveiros de larvas, muito propícios ao desenvolvimento das ditas cujas, sempre atentas e sempres dispostas a que, quando abríssemos uma nesga que fosse da porta da cozinha, se enfiassem casa dentro a partilhar os nossos alimentos, a pousar-nos no rosto e a encher tudo com caganitas. Mesmo as casas que não possuíam ou não tinham anexs palheiros de vacas, retretes ou currais de porco, o gado passava pelas ruas, em frente das portas e, por isso, nem sequer essas ficavam imunes a tais invasões, porquanto as malditas para ali se deslocavam procurando habitat mais adequado e menos concorrido.
Embora existissem outros insectos acomodados confortavelmente nas nossas casas, também a incomodarem-nos, a sujarem-nos os alimentos, a meterem-se em tudo e a importunarem-nos continuamente, as moscas eram as rainhas do incómodo, da sujidade, do nojo e da porcaria. Simplesmente um horror! Além disso era opinião unânime entre o povo de que, para além do mal-estar que causavam, as moscas eram portadoras de inúmeros micróbios e difundiam diversas doenças potencialmente mortíferas, entre as quais a febre tifóide, a salmonela, a tuberculose, a conjuntivite e até a lepra e a cólera. O contacto daquele hediondo insecto com as pessoas também lhes poderia transmitir vermes intestinais e a bactéria responsável pela disenteria, uma vez que se alimentavam com fezes e excrementos e se reproduzem entre lixo e resíduos de animais apodrecidos. Ora acontecia que, depois de estarem poisadas em toda esta e muita outra porcaria, as moscas voavam para dentro das nossas casas e pousavam na loiça, na comida, nas crianças, no nosso corpo e nos nossos objectos pessoais.
Por tudo isso uma das tarefas quotidianas a que ninguém se podia esquivar era a de livrar-se daquelas malditas. Redes nas portas, cortinados nas janelas, pazinhas para as matar, pauladas para as afugentar, panos para as enxotar pela porta fora, uma vez que o “Dum Dum”, a bomba atómica do insecticida, apenas, chegou à Fajã alguns anos mais tarde. Mas tudo isto era pouco e, por vezes, ineficaz. Além disso exigia uma permanente atenção das pessoas que, enquanto se dedicavam à matança das ditas cujas, não podiam fazer mais nada. Por isso surgiram os célebres penduricalhos feitos de papel, que eram pendurados no meio do tecto de cada divisão da casa. Eram artefactos, construídos pelas mulheres com uma arte e sabedoria muito interessantes. Os penduricalhos eram espécies de rectângulos de papel colorido, resultantes da dobragem das folhas que eram recortadas ou picotadas com uma tesoura de formas e com cortes diversificados. Depois de aberta, cada folha adquiria a forma de um rectângulo, ficando os cortes feitos com a tesoura de tal maneira abertos que as moscas, ao serem atraídas pelas cores vivas dos papéis, poisavam nos cortes e caíam lá para dentro, onde presas acabavam por morrer. Se tal não acontecesse, ao menos ficavam ali feitas reféns ou entretidas sem incomodar as pessoas. Estes penduricalhos eram pendurados perpendicularmente no tecto e, para além de serem muito eficientes na caça ao incomodativo insecto, eram também um bonito enfeite, sobretudo para as salas, onde se recebiam as visitas.
Autoria e outros dados (tags, etc)
CANUDOS
Na Fajã Grande não havia casa onde não se acendesse lume, dia após dia, e o único combustível utilizado era a lenha, quer sob a forma de grossas achas quer de pequenos e magros garranchos.
Logo de manhã, muito antes que do Sol nascer, era imperioso ressuscitar o borralho adormecido da véspera e transformá-lo em lume vivo, com uma chama capaz de ferver a água arrefecida do dia anterior, de forma a transformá-la em café retemperador - uma mistura de café comprado cru, torrado e moído em casa, a que se juntavam umas boas colheradas de chicória e de favas secas, torradas, a fim de poupar e fazer render o dito cujo, que não era nada barato. A meio da manhã começava a árdua e imperiosa a tarefa de se fazer o almoço, na altura designado por jantar. É verdade que era cardápio simples, pobre e rudimentar, mas tanto mais trabalhoso e gastador de lume, com chamas bem despertas. Para cozinhar a sopa, cozer as batatas, fritar o peixe ou os torresmos e a linguiça ou, simplesmente, para fazer uma torta do que quer que fosse ou até mesmo de nada, era necessário lume, muito lume, lume permanente, contínuo, sempre activo e muito vivo. Novamente a ceia, à noite, exigia que a tarefa de espevitar o borralho se repetisse e lá estavam as chamas produzidas por duas achas de faia e avivadas por uns garranchos de incenso, mantendo as labaredas doiradas, horas a fio, em espírito permanente, umas vezes titubeantes outras muito espevitadas, a clarear os meandros mais sombrios e recônditos das velhas cozinhas que proliferavam na freguesia. Chamas veementes, estranhas, a lutar contra os repelões de vento que entravam, desalmadamente, pelas frestas do telhado, mas capazes de ferverem o leite, estufarem o pão envelhecido e bolorento, ou de cozerem o bolo ou fazerem as papas. Às sextas, de tarde, incendiava-se o forno com muita lenha. Eram labaredas altíssimas, avermelhadas e assustadoras que saíam pela porta forno fora, como se fosse um gigante a vomitar chamas. Era imperioso aquecer muito bem o forno para a cozedura semanal do pão. Quando este rareava ou não existia, era preciso mais lume, muito lume para aquecer o tijolo e cozer o bolo. Às vezes até se acendia o lume simplesmente para secar o milho, afoguear as linguiças ou, simplesmente, cozer comida para as galinhas ou para o porco. Tudo isto exigia um lume muito forte, vigoroso e que era necessário, por vezes, manter aceso durante horas a fio. Mas a lenha nem sempre era de boa qualidade, umas vezes porque estava molhada outras porque era verde, e afrouxava notória e substancialmente as chamas, deixando-as morrer e provocando grandes desgastes em quem o afogueava, pois tinha que ali estar, constantemente, com as bochechas cheias de ar, a bufar, a assoprar, a fabricar vento, correndo sérios riscos de queimar não apenas a roupa mas até os cabelos ou o próprio rosto. Para resolver todas estas dificuldades e imbróglios e sobretudo para evitar acidentes, era hábito, nas cozinhas da Fajã dos anos cinquenta, desde a Assomada à Via d’Água, recorrer-se aos canudos.
Os canudos eram feitos de cana e, consequentemente, fáceis de adquirir, pois estas floresciam em abundância, nas encostas dos outeiros e dos montes, sobretudo para os lados do Areal. Para um bom canudo exigia-se uma cana de excelente qualidade, grossa, devidamente amadurecida e direita. Uma vez conseguida a cana julgada melhor e, previsivelmente, mais adequada, procedia-se à sua transformação em canudo. A cana era muito bem descascada, raspada nos nós, geralmente com um vidro quebrado, e cortada nas extremidades de acordo com o tamanho que se pretendia dar ao canudo. De seguida arredondava-se uma das extremidades, alisando-a muito bem, pois seria esta que se colocaria na boca, para soprar o lume. Com um bom espeto de assar maçarocas de milho ou outro semelhante, por vezes até construído, exclusivamente, para este efeito, furavam-se, um a um e pelo meio, todos os nós da cana. O canudo estava pronto para soprar o lume, evitando-se assim que aproximar a cara daquela perigosa e aterradora fonte de calor.
E não é que funcionavam muito bem estes canudos! Até porque a sua elaboração foi-se aperfeiçoando com o tempo e havia quem os fizesse muito bem elaborados, com estilo próprio e funcionalidade muito adequada. Havia canudos mais curtos e outros mais compridos, destinando-se estes últimos sobretudo ao forno e ao tijolo.
O único senão destes canudos era que, sendo feitos de cana seca, ficando algum tempo em contacto com o fogo, acabavam por se queimarem na extremidade exposta ao lume, sobretudo se houvesse descuido da cozinheira. Mas convenhamos que isso não era grande problema devido à abundância de canas que existia na Fajã.
Autoria e outros dados (tags, etc)
TABUINHAS E FORMAS
Na Fajã Grande, nos anos cinquenta, praticamente, todas as casas tinham uma ou mais tabuinhas de madeira e várias tiras de lata, cada uma das quais se podia transformar numa espécie de círculo, de vários tamanhos. Eram os tradicionais utensílios necessários ao fabrico do queijo e ao seu posterior tratamento.
As tabuinhas eram fáceis de arranjar, pois eram simplesmente pequenos pedaços de madeira de criptoméria, geralmente excedentes do assoalhar ou tabicar da própria casa, da de um vizinho ou amigo ou de quem quer que fosse e que deles não necessitasse. Outras vezes tábuas pedidas nas lojas de comércio e que sobravam dos caixotes de sabão. Mas como nos anos cinquenta muitas famílias da Fajã procediam ao arranjo e melhoramento das suas casas, quer tabicando as salas e os quartos de cama, até aí sem forro e com os tirantes à mostra, quer assoalhando as cozinhas, muitas das quais, na altura, ainda tinham chão de terra ou de tijolo, era fácil arranjar as ditas tabuinhas. Mas havia também quem não as conseguisse obter. Nesse caso ou ficava com as que os antepassados lhes haviam deixado como herança ou adoptavam e adaptavam, então, a frágil madeira dos caixotes de sabão, que os comerciantes da freguesia, de vez em quando lá iam deitando fora. Num caso e noutro estas tabuinhas deviam ser sempre muito bem lavadas e limpas.
As formas feitas de lata, por sua vez, eram adquiridas no único latoeiro da freguesia, o Antonino de Francisco Inácio, pelas quais geralmente não levava dinheiro, uma vez que também eram resultantes das sobras das latas que ele próprio ia fabricando e vendendo. As formas deviam ser muito bem furadinhas pelos lados e eram presas nas pontas formando um círculo e sendo amarradas com um pano ou cordão, o que permitia torná-las maiores ou menores, consoante a quantidade de leite que se tinha disponível para fazer o queijo, assim como para apertar o queijo à medida que ele ia “curando”.
Depois era deitar o coalho no leite morno e esperar para que coalhasse. Uma vez coalhado o leite era colocado aos poucos dentro da forma, prensado com a mão, colocando-a, de seguida, sobre a tabuinha, ficando assim, suspensa em cima de uma selha, de forma a escorrer o soro pelos furos, permitindo que este fosse aproveitado para alimento dos porcos. No que às formas diz respeito, havia geralmente em todas as casas uma maior e mais alta, destinada, fundamentalmente, fazer os queijos com “crostes”, ou seja com o leite tirado às vacas nos oito dias seguintes a “dar bezerro” e durante os quais não podia ser vendido pois era impróprio para ser desnatado.
Depois de retirados das formas os queijos eram colocados a “curar” em armações de canas presas nos tirantes da cozinha, a fim de que nem as crianças e os gatos a eles se atirassem…
Autoria e outros dados (tags, etc)
CAPACHOS DE CASCA DE MILHO
Devidamente trabalhados e esteticamente perfeitos, os capachos elaborados com casca de milho, na Fajã Grande, eram de muita utilidade. Os capachos mais novos e confeccionados com maior cuidado reservavam-se, com requinte e orgulho, para a porta da sala, onde apenas as visitas mais importantes limpavam os sapatos. Os mais toscos e já demasiadamente usados eram colocados na porta ou portas da cozinha, por onde diariamente passavam muitos pés sujos, algumas botas enlameadas e um ou outro sapato de pele de cabra cheio de esterco. Uns e outros, porém, constituíam os únicos meios de atapetar as entradas de acesso às moradias, impedindo assim, num caso e noutro, que o soalho da casa, esfregado com escova e sabão, de uma ponta à outra, apenas uma vez por semana, se conservasse o mais limpo e asseado possível.
De fabrico caseiro e pessoal, o fabrico destes capachos passava por uma fase inicial, que consistia em escolher cuidadosamente as cascas de milho mais perfeitas e adequadas. Não eram utilizadas as exteriores e das interiores era imperioso escolher as mais duras e com maior resistência, as quais eram, de seguida, divididas em lâminas com cerca de meia polegada cada uma. Depois era necessário e imperioso ter a arte e o engenho para entrelaçá-las umas nas outras e fazer uma enorme trança, semelhante à dos cabelos das meninas, mas em que as pontas e as extremidades mais ásperas das cascas ficassem todas para o mesmo lado. Uma vez terminada a trança com o comprimento desejado e necessário ao tamanho do capacho, calculado por estimativa, a trança era cosida do interior para exterior, geralmente com fios de espadana. Seleccionados uns bons centímetros de uma das pontas da trança, ia-se enrolando, apertando, prensando, cosendo e recosendo à volta desta e do chumaço que aos poucos se ia formando o resto da trança, de maneira a que o capacho ficasse com uma forma quase oval. A face que continha as pontas e os rabos das cascas era a mais áspera e que ficava voltada para cima, a fim de que nela rastejassem pés e calçado, enquanto a outra mais lisa e direita constituía a parte que assentava sobre o soalho.
Os capachos de casca de milho eram uma obra-prima que o tempo, as novas técnicas de fabrico e os materiais modernos foram apagando. Hoje são uma espécie de mito que apenas perdura na memória dos mais antigos.
Autoria e outros dados (tags, etc)
AS BILHAS DO PETRÓLEO
Na década de cinquenta, o petróleo já era utilizado em quase todas as casas da Fajã, como fonte de energia. O petróleo era necessário, fundamentalmente, para que se tivesse luz em casa ou até fora dela, onde, para além das lanternas, também se podia utilizar os “focses” a pilhas. Também eram utilizadas com alguma frequência algumas gotas daquele inflamável líquido para aspergir os garranchos e a lenha, acendendo-se assim, mais rápida e eficientemente, o lume. Embora algumas pessoas mais pobres ainda utilizassem para iluminação, sobretudo na cozinha, as candeias de ferro fundido, abastecidas com enxúndia de galinha ou com a graxa de fritar o peixe, na maioria das casas, sobretudo quando se fazia serão na sala, também designada por casa de fora, já se usavam os candeeiros a petróleo. Quando se saía de casa em noites escuras e sem lua, para se ir tratar do gado à loja ou ao palheiro ou até para se limpar o esterco dos palheiros ou simplesmente para tirar o leite às vacas a iluminação era efectuada com lanternas também alimentadas a petróleo.
Assim era necessário ir comprar o petróleo às lojas e guardá-lo em casa. O petróleo vinha do continente em bidões, era vendido a retalho aos comerciantes que por sua vez o vendiam ao litro. Um litro de petróleo custava, na altura, oitenta centavos. Mas como se dizia e era crença popular que o dito cujo não havia de ser exposto â luz solar, pois perdia as suas qualidades e enfraquecia, criou-se o hábito de o transportar e guardar em bilhas – as tradicionais bilhas do petróleo. A aquisição de uma bilha, no entanto, não era fácil. O processo mais normal era herdá-la conjuntamente com outros bens de família, o que não era fácil pois a bilha pertenceria por direito próprio apenas ao filho que herdava a casa e o seu recheio. Raramente vinham bilhas fabricadas na Lagoa, em São Miguel e, neste caso comprá-las também não era fácil porque não eram baratas. O processo mais fácil e acessível era pedi-las nas lojas, para onde vinham do continente bilhas de barro cheiinhas de genebra, a qual era vendida, nas lojas, ao copo. Uma vez esvaziadas, as bilhas não tinham nenhuma outra utilidade para os comerciantes que as deitavam fora, sendo as mesmas alvos de cobiça por parte dos pequenos consumidores do petróleo. Eram então que se faziam filas, nas lojas, à espera de que cada qual fosse contemplado com uma bilha de barro para o petróleo.
As bilhas de petróleo eram fáceis de se transportar, pois na pare superior, logo abaixo do gargalo tinham uma pequena asa, a qual se pegava para transporte, mas, por outro lado tinham um inconveniente muito grande, pois se caíssem ao chão desfaziam-se logo em mil pedaços. Lá se ia a bilha e lá se ia o petróleo. Mas verdade é que a bilha do petróleo era uma espécie de ex libris da Fajã Grande e não havia quem a não tivesse, por vezes já sem asa e com o gargalo partido.
Autoria e outros dados (tags, etc)
O FOGÃO PRIMUS
No final da década de quarenta e início da de cinquenta, a maioria das casas da Fajã, no que concerne à cozinha, sofreram uma grande e vantajosa revolução, com a chegada do “Fogão Primus”, utensílio doméstico hoje praticamente considerado peça de museu ou objecto de adorno. Na altura porém era de uma utilidade extrema, devido à sua eficácia, rapidez, eficiência, limpeza e facilidade de manuseamento, vantagens obtidas sobre as vetustas grelhas de ferro, colocadas sobre os lares, debaixo das quais se fazia o lume para em cima se colocarem os caldeirões, as chaleiras, os tachos ou as panelas. É que os Primus, para aqueles que os podiam comprar e que dispunham de dinheiro para o petróleo sobrepunham-se, inequivocamente, aos processos tradicionais de fazer o lume para cozinhar, sujos, tisnados, demorados, cansativos, gastadores de lenha e sobre os quais praticamente só se podiam utilizar caldeirões e chaleiras de ferro. Tacho colocado sobre grelha de lume ficava todo sujo e defumado.
O Fogão Primus era uma pequena e simples máquina que funcionava a petróleo. Este era colocado num recipiente ou depósito redondo, feito de latão amarelado, ao redor do qual estavam cravadas três hastes de ferro, arqueadas na parte superior, de forma a que pudessem sustentar uma grelha, também feita de ferro, sobre a qual eram colocados os tachos para cozinhar, os fervedores para ferver o leite ou os simples canecos de alumínio para o aquecer. O depósito do petróleo tinha três orifícios: um, muito fininho, bem no centro, outro na parte superior com um rosca accionada por um manípulo e que se destinava a introduzir o combustível e um outro na parte lateral onde estava colocada uma bomba a que se anexava uma espécie de êmbolo. Uma vez accionada, esta bomba forçava o petróleo a subir através do orifício existente no centro do depósito, com uma espessura cujo diâmetro era mais estreito do que uma corda de viola e no qual estava aplicada a “cabeça” do fogão. Esta era feita de um tubo de metal, no qual estavam aplicados, na parte mais baixa uma espécie de pequeno prato, também de metal, e na parte superior uma ampola, também de metal com pequenos orifícios. Para acender o Primus colocava-se um pouco de álcool ou petróleo no pequeno prato a que se ateava lume. Passado algum tempo e, quando o combustível do prato estava prestes s consumir-se, dando-se à bomba, o petróleo subia, sob pressão, através do fino tubo central e ia alimentar a parte superior da cabeça, saindo pelos pequenos orifícios, formando uma chana azulada que se poderia tornar mais forte ou mais fraca consoante a maior ou menor pressão que se dava na bomba. Quando o tubo entupia, desentupia-se com um espevitador, feito com uma tirinha de lata a que se prendia, numa das extremidades, um pedacinho de arame muito fino ou de corda de viola rebentada. Depois era colocar o tacho em cima da grelha e esperar que os alimentos cozessem. No caso do leite, porém, era preciso estar muito atento. É que caso ele fervesse e não estivesse ninguém ali por perto para apagar a chama ele subia, transbordava o tacho, sujava o fogão e, pior do que isso, derramava-se todo pelo chão.
O grande problema do Fogão Primus, para muitas famílias é que a sua compra implicava um custo elevado e, além disso, gastava muito petróleo, bastante mais caro e, sobretudo, mais difícil de adquirir do que a lenha ou os garranchos de incenso e “faeira” que consumiam os velhos lares e que eram apanhados nas terras de mato. Além disso, a pequena e frágil estrutura do Primus, não permitia que se lhe colocassem em cima grandes tachos, dado que a maioria das famílias era bastante numerosa. Por estas razões algumas pessoas não compravam o Fogão Primus
Autoria e outros dados (tags, etc)
VASSOURAS DE MILHO DE VASSOURA
As vassouras eram absolutamente necessárias na Fajã, pois eram usadas contínua e permanentemente, não apenas para varrer o cisco das casas, mas também para efectuar a limpeza dos pátios, dos logradouros, das lojas e de outros locais de arrumo. As vassouras ainda eram usadas para apanhar os cacos do que se partia, para juntar o trevo, o feijão, as favas e o milho quando postos a secar e, para os que produziam trigo, para o varrer e juntar na eira. Eram pois muito usadas, as vassouras.
Ora para as adquirir havia dois processos: ou se compravam nas lojas, as que vinham do Faial e que o Teófilo produzia e exportava para as Flores ou cada um construía as suas próprias vassouras. No primeiro caso era preciso ter dinheiro. No segundo, para além do cabo e de um pouco de fio, era preciso ter milho de vassoura, o que, no entanto, era fácil obter. Bastava semeá-lo.
O chamado milho de vassoura era semeado geralmente nos cantos das terras, ao mesmo tempo que se semeava o outro milho, dado que não era preciso grande espaço para o seu cultivo, uma vez que um simples punhado de palha chegava para fazer uma vassoura. Para além do milho e para fabricar uma vassoura era necessário apenas um cabo de madeira, semelhante a um bordão e barbante ou outro fio resistente.
O cabo era fácil de adquirir. Bastava ir ao cepo da lenha e arranjar um bom pau de incenso ou de araçazeiro, cortar-lhe os nós, tirar-lhe a casca e alisá-lo bem alisado, o que até poderia ser feito com um simples vidro partido. O milho, depois de apanhado, era seco e ripado, guardando-se uma parte do grão, uma espécie de painço, para semente, no próximo ano. As palhas, depois de secas, eram muito bem amarradas no cabo e de seguida espalmadas formando uma espécie de leque. De seguida e para que mantivesse essa forma achatada, a palha era cosida com uma agulha bastante grande e com fio barbante ou outro igualmente resistente. No entanto, havia quem o fizesse com tiras de pano, o que obviamente baixava o custo da vassoura, reduzindo-o praticamente a zero. Esta operação era efectuada um pouco abaixo do cabo e em mais do que um sítio, a fim de que a resistência da dita cuja fosse maior. Finalmente e com uma tesoura, as pontas das palhas opostas ao cabo eram muito bem aparadas de maneira que ficassem todas do mesmo tamanho. E estavam prontas as nossas vassouras. Força houvesse para manejá-las! E havia…
Constava que estas vassouras artesanais fabricadas pelos nossos antepassados eram de boa qualidade e bastante resistentes, ultrapassando em durabilidade e firmeza as que vinham do Faial e que em duas ou três varredelas mais exigentes, começavam a deixar cair palhinhas e a desfazerem, sendo necessário, por vezes, reforça-las, cosendo-as de novo ou colocando-lhes à volta um pedaço da canela duma meia velha de senhora.
Diziam as varredoras mais experientes que a vassoura se devia guardar encostada, junto ao forno, com o cabo para baixo, para não deformar a palha, dificultando ou tornando menos eficaz a sua função principal – varrer
Autoria e outros dados (tags, etc)
O MOINHO DO CAFÉ
O moinho do café, outrora, era um utensílio praticamente existente em todas as casas da Fajã. Pregado numa parede da cozinha ou encastoado na divisória que a separava da sala, o moinho do café, um objecto relativamente pequeno mas muito útil e absolutamente necessário, era movido por uma manivela manual que ao rodar-se com alguma velocidade punha em movimento uma engrenagem existente no interior do moinho e constituída por eixos e rodas sobre as quais os grãos do café, sós ou misturados com outros, lançados numa pequena caixa ou enclave superior, iam caindo sobre as rodas, ao mesmo tempo que eram triturados por estas e transformadosem pó. Umavez moído, o café caía, sob a forma de pó, através de um orifício existente na parte inferior do moinho e era recolhido numa lata ou num frasco próprio ou adaptado, ou, por vezes, até na própria cafeteira em que, de seguida, havia de ser feito.
Na década de cinquenta, o café a que se misturava um pouco de leite era, muito provavelmente e depois da água, a bebida mais utilizada e consumida em quase todas as casas da Fajã Grande. Bebia-se café de madrugada, durante a manhã, ao jantar e por vezes até à noite, à ceia ou antes de ir para a cama. O café utilizado ao longo de toda esta bebericação diária, no entanto, não era apenas feito com o café puro, comprado a retalho nas lojas, mas sim com uma mistura constituída por este, comprado em grão e por vezes ainda cru, sendo depois torrado no tijolo do bolo ou no forno, por favas secas e igualmente torradas e por chicória, esta também comprada nas lojas, mas já torrada e bastante mais barata do que o café. Todos estes ingredientes eram misturados e lançados aos punhados sobre a abertura superior do moinho, onde depois, com o rodar da manivela, tudo era moído e transformadoem pó. Constaque em tempos mais remotos também se juntavam a esta mistura raízes de fetos, depois de muito bem lavadas, secas ao sol e torradas.
O café era feito geralmente para um dia ou dois e, para que estivesse sempre quentinho, sobretudo quando homens e mulheres regressavam a casa, cansados e exaustos das tarefas e lides agrícolas, era colocado no bule próprio, o qual, por sua vez, era posto debaixo de um abafador. O consumo do café tornava-se maior, uma vez que na Fajã não se produzia vinho e comprá-lo nas lojas ficava bastante caro e inacessível à maioria das bolsas. Assim era uma tigela de café que acompanhava a refeição da manhã ou o almoço, ainda o jantar, ao meio-dia e, por vezes, até a ceia, à noite. Se a esta porção juntarmos as tigelas de café bebidas a meio da manhã, ao longo da tarde e até durante a noite, pode-se fazer uma ideia da quantidade de café que era preciso moer, das favas que era necessário torrar e juntar, bem como da necessidade de ter o moinho do café, mesmo ali à mão, pregado numa parede da cozinha ou encastoado na divisória que separava a cozinha da sala.
O consumo excessivo do café na ilha das Flores foi considerado pelos habitantes das restantes ilhas açorianas, como sendo a principal causa da excessiva percentagem de doentes mentais das Flores que demandavam a casa da Saúde de São Rafael, na perspectiva duma cura. Sabia-se, no entanto que isso não era verdade porque afinal o café bebido pouco tinha de café e que a principal e verdadeira causa das doenças mentais de muitos florentinos estaria antes ligada ao problema da consanguinidade, flagelo próprio das pequenas localidades. Contava-se que, por essa altura, na freguesia da Caveira, morreu um homem de avançada idade e mais de metade da freguesia ficou de luto, pois quase todos os habitantes da freguesia eram seus parentes.
Autoria e outros dados (tags, etc)
AS LATINHAS DE LITRO DE AZEITA
Na Fajã Grande, nos tempos em que ainda não proliferavam os hoje tão divulgados utensílios de plástico e afins, rareavam os apetrechos necessários a uma vida quotidiana de cariz profundamente agrícola e rural. Por outras palavras, arranjar o utensílio necessário e adequado para o transporte de um líquido, de um cereal, de batatas ou de outro produto agrícola qualquer era um bico-de-obra. Para o transporte do leite havia apenas as enormes e descomunais latas de doze, dez ou seis litros e que para mais nada serviam, a não, realmente, para tirar o leite às vacas, transportando-o para os postos de desnatação. Além disso, em termos de latas, apenas era possível investir nas que destinavam ao transporte do leite. Para a água havia baldes de madeira, pesadíssimos, incómodos para o transporte e que, com o deteriorar-se através do uso, se transformavam, mais tarde, em baldes de comida para o porco, colocados permanentemente num canto da cozinha e onde se iam armazenando restos de comida e lavagens. Para o milho, abóboras, batatas e outros produtos semelhantes, assim como para a roupa suja que havia de ser lavada na ribeira ou posta a quarar em relvas ou nos estendais, havia cestos de vimes. Para os inhames havia os sacos de serapilheira. As garrafas eram raras e pequenas, não havia garrafões. As bilhas de barro eram para o petróleo e os bules para o café. Para amassar o pão utilizava-se selhas de madeira e para a carne do porco alguidares e salgadeiras de barro. E, praticamente, exceptuando as latas de madeira para a urina das vacas e as canecas das latrinas, ficávamos por aqui em termos de vasilhame.
Ora acontecia que por essa altura o azeite rareava. Era comprado apenas em pequeníssimas quantidades, guardado num minúsculo frasco, tinha o nome de “azeite doce” e era usado apenas com fins medicinais, sobretudo para untar os enormes “galos” que fazíamos na testa ou no cocuruto. Este azeite chegava às lojas em pequenas latas de1 litro, a maior parte das quais eram da marca “Galo”. Assim que um comerciante abria um dessas latinhas, fazendo-lhe dois furos na parte superior para ir vendendo o azeite a retalho, logo uma série de candidatos se perfilavam na esperança de terem acesso gratuito à lata, depois de vazia.
É que as mesmas eram aproveitadas e transformadas em pequenas latas. Essa tarefa competia ao latoeiro da freguesia, o Antonino de tio Francisco Inácio, com oficina ali mesmo à Praça, que as preparava com meticuloso cuidado e desmedia perfeição. Cortava-as na parte de cima de modo a que esta fizesse uma tampa e colocava à volta da parte de baixo uma tira de lata soldada na qual a tampa cortada havia de encaixar-se. Com pingos de solda tapava os dois buracos da tampa, com um pequenino pedaço de lata soldava-lhe uma espécie de mão e punha-lhe um arame à volta, preso em anilhas soldadas nos lados, abaixo da tampa e aí estava uma lata de litro perfeita. Restava apenas lavá-la muito bem a fim de que perdesse por completo todo o sabor e a gordura do azeite.
Estas latas eram um autentico luxo para quem as possuía e serviam sobretudo para quem ia comprar leite ou para quem tinha uma cabra ou uma vaca que desse menos do que um litro. Curiosamente também serviam para ir levar umas sopinhas de café aos homens que trabalhavam nos campos.