PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
VIDA RURAL (NA ILHA DAS FLORES) NOS FINAIS DO SEC. XIX
Nunes da Rosa, no seu livro Pastorais do Mosteiro, descreve não apenas muitas paisagens e lugares das Flores como também o ambiente que se vivia, nos finais do século XIX, a mais pequena freguesia da ilha. Naturalmente que este ambiente era comum às outras freguesias, nomeadamente, à Fajã Grande que Nunes da Rosa visitava com frequência devido à sua grande amizade com o então pároco daquela freguesia, Francisco Vieira Bizarra.
É dele a seguinte descrição, transcrita do conto Cenas Triviais e em que os que partiam nas baleeiras recordam, com lágrimas e saudade, a beleza da sua freguesia:
…Os “festejos do Senhor Espírito Santo” numa alegria de foguetes e tambores, com muitas bandeiras e muitas flores, e os sinos vibrando estridulamente!... Nas manhãs perfumadas do trevo e do bafo morno das vacas, - a volta do leite, com as latas numa fervura de espuma, - o encontro certo da ranchada alegre das moças que vão à fonte!... As noitadas de festa ao toque da viola bailando a chamarrita, passeando a praia, batendo o pézinho, saltando alegres, cheios de vigor. As romarias à Fajã, a Nossa Senhora da Saúde, pelo tempo das maçãs, com jantares pelo fresco das hortas sobre toalhas alvas de linho, e a abundância de vinho bebido por cangirões de barro, por entre as macieiras, em grupos sadios de uma alegria ruidosa.
Os dias da lavoira, dois e três arados a riscar a terra, e cada qual apimponando a valentia da sua junta, à grande luz que banha as terras negras nos dias de sementeira farta!...
E depois as pequenas afeições domésticas: o Damasco e o Formoso, tão mansos tão luzidios!... A Vermelha tão bonita, estacada na relva, de cabeça e orelhas erguidas, a berrar em surdina, agitando a cauda!... O Calçado que bate todo o campo atrás dos coelhos, vindo depois cansado, com a língua vermelha saída por entre os dentes, a deitar-se junto do gado, ufano da valentia das suas pernas delgadas!... O murmúrio da grota ao pé dos álamos!... As risadas dos pequeninos irmãos!... O Terço da noite – a família toda reunida de mãos erguidas diante da imagem de Nossa Senhora, com padre nossos pelos que andam sobre as águas salgadas!... O carinho das mães que todos os dias lhes iam aconchegar as cobertas à cama fofa de musgo!... O jantar dos dias de festa, - ao meio da mesa a grande tigela vidrada, cheia de carne cozida, olorosa, e no prato de cada qual a grande sopa mole, com o seu raminho de hortelã, - e o pai, depois da sua inspecção de vista, a abençoar a comida….